ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
188/07.TTCTB.C1.S1
DATA DO ACÓRDÃO 12/06/2011
SECÇÃO 4ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL REVISTA
DECISÃO NEGADA A REVISTA
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR PEREIRA RODRIGUES

DESCRITORES ACIDENTE DE TRABALHO
VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE SEGURANÇA
PRESTAÇÃO AGRAVADA

SUMÁRIO I. O artigo 18.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, reporta-se a duas situações distintas: a primeira à de o acidente ter sido provocado pela entidade empregadora ou seu representante, ou seja, à de ter sido produzido por actuação dolosa — directa ou eventual — daquelas entidades; a segunda à do acidente ter resultado de falta de observação das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho — actuação meramente culposa — por parte das mesmas entidades.

II. No primeiro caso o acidente é querido ou admitido como resultado possível de conduta assumida voluntariamente; no segundo não se respeitam regras de segurança adequadas a prevenir o acidente, quer estas decorram dos deveres gerais de diligência, quer de estipulações decorrentes da lei ou contidas em directivas da entidade empregadora. Num caso como noutro a entidade empregadora sempre responderá pelas prestações agravadas, quer a conduta lhe seja imputável directamente, quer a quem no acto a represente.

III. À entidade empregadora, que possuía normas internas de segurança destinadas à realização de trabalhos na via férrea, competia-lhe implementar no terreno as condições para o cumprimento de tais normas, bem assim os cuidados gerais para acautelar a produção de acidentes com os trabalhadores envolvidos nos mesmos trabalhos.

IV. Não decorrendo dos factos que a entidade empregadora tenha estabelecido na concreta situação as condições necessárias ao cumprimento das normas de segurança internas, nem das gerais impostas pelo dever de elementar diligência, tem de ser responsabilizada pelo pagamento de prestações agravadas, devidas como reparação por acidente de trabalho sofrido, por trabalhador ao seu serviço, em consequência da violação de tais normas.



DECISÃO TEXTO INTEGRAL           ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I. OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A SOLUCIONAR.

Os presentes autos, com processo especial, emergentes de acidente de trabalho, originados na morte do sinistrado AA, iniciaram-se mediante participação ao Ministério Público junto do Tribunal do Trabalho de Castelo Branco, sendo depois remetidos ao Tribunal do Trabalho da Covilhã (territorialmente competente) onde correu a sua fase conciliatória.

A aludida fase findou nos termos do auto de não conciliação do qual, em resumo, decorre que:

- A beneficiária BB, invocando a culpa da empregadora, Refer - Rede Ferroviária Nacional, EP., reclamou o pagamento, por esta e a título principal, das prestações agravadas;

- A seguradora aceitou a caracterização do sinistro e a sua responsabilidade pelo pagamento das prestações legais (não agravadas);

- A empregadora, por sua vez, aceitando igualmente a caracterização do acidente e a transferência de responsabilidade, declinou qualquer responsabilidade na reparação, por considerar que a mesma se encontrava totalmente transferida para a seguradora.

Assim, terminada a primeira fase do processo, iniciou-se a fase contenciosa através de petição inicial, apresentada pela beneficiária BB.

A beneficiária, demandando a empregadora, alegou, em resumo, que:

- É viúva da vítima mortal de um acidente de trabalho, ocorrido em 01.08.2007, pelas 15H45, ao Km. 140,65, direcção Castelo-Branco/Fundão, da linha da Beira-‑Baixa, quando o sinistrado se encontrava sob as ordens, direcção e fiscalização da empregadora, tendo a categoria de operador de via e estava integrado na equipa de via que pertence ao Centro de Manutenção da Guarda;

- Nesse dia, hora e local, o sinistrado executava o nivelamento da via, operando com um vibrador, martelo pneumático, em trabalhos que não se encontravam programados pelo Centro de Manutenção da Guarda, mas aos quais foi decidido dar prioridade;

- No decurso do seu trabalho, a vítima foi colhida pelo comboio n.° 5679, e, em consequência, projectada três metros, sofrendo lesões que foram determinantes para a sua morte;

- O acidente verificou-se pela inobservância das normas relativas à prevenção e segurança no trabalho, pois que, para além do carácter excepcional dos trabalhos, também as normas relativas à segurança na obra foram ignoradas: as internas, que regulam o comportamento a observar na execução dos trabalhos de manutenção correctiva de infra-estrutura (Instrução de Exploração Técnica n.° 77 e o seu ponto 9.5 Condições Gerais de Aplicação determina que "a velocidade de circulação deve ser igual ou a inferior a 60km por hora");

- A limitação referida, não foi estabelecida, sendo que esse procedimento passa por efectuar um pedido, antes do início dos trabalhos, pelo responsável pela execução, ao Chefe da Estação anterior, em impresso próprio, com a indicação da hora prevista para o seu início, local e tempo de duração e a velocidade de 60km por hora não foi implementada;

- O ponto 5.1, com a epígrafe Anúncio e Aviso de Aproximação de Circulações a fls. 12, determina que previamente ao início dos trabalhos deve ser colocado o sinal S - "Atenção aos Trabalhos", e o ponto 5.2 estabelece "a obrigatoriedade de selecção e a correcta utilização de um sistema de anúncio e aviso adequado para os trabalhos autorizados a realizar em plena via", não foram observados;

- Para além do desacatamento das regras de segurança interna, também não foram acatadas pela ré diversos dispositivos legais; assim, a norma contida no artigo 20.°, alínea d) do Decreto-Lei n.° 273/2003 foi desprezada, como foi incumprido o estabelecido nas alíneas d) e n) do n.° 2 do artigo 273.° do Código do Trabalho e, ainda, foi infringida a norma do n.° 2 do artigo 15.° do Decreto-lei n.° 182/2006;

-A ré não levou em linha de conta a prescrição legal e, por consequência, os operadores de via trabalhavam protegidos com os protectores auditivos, aumentando o risco de segurança;

- O sinistrado executava o trabalho com os protectores auditivos, o que não lhe permitiu ouvir a aproximação da automotora;

- Apesar das normas relativas à segurança no trabalho serem incumpridas, também o chefe de via/encarregado, CC descuidou o seu dever em cumprir as prescrições de segurança e higiene no trabalho, conforme alínea i) do artigo 121.° do CT;

- Acresce que esse trabalhador, como chefe de via/encarregado, tem a responsabilidade de promover a vigilância e protecção dos seus trabalhadores, tendo em vista a prevenção de acidentes de trabalho;

- Momentos antes do acidente, tinha passado na linha o comboio Intercidades; minutos antes dessa passagem, o chefe de via deu instruções directas para que os três operadores (DD, EE e o AA) suspendessem a execução dos trabalhos, mas, após a sua passagem, ordenou que retomassem os trabalhos, sabendo que dentro de um curto espaço de tempo, sensivelmente quinze minutos, iria passar um outro comboio e, depois, descurou totalmente o seu dever de vigilância.

- Tem direito a uma pensão anual e vitalícia no montante de € 16.573,20, bem como aos subsídios de férias e de Natal, ao subsídio por morte no montante de € 4.836, e às despesas de funeral, no montante de € 1.612;

- A FF SA é responsável subsidiariamente pelas prestações normais previstas, sem o agravamento.

- Atendendo ao circunstancialismo do acidente, tem ainda direito a uma compensação por danos morais, por força do disposto no n.° 2 do artigo 18.° da Lei n.° 100/97;

- Para além das circunstâncias que causaram o acidente, é necessário atender a que o sinistrado tinha 50 anos de idade, era um homem saudável, apto para o trabalho, feliz, alegre, comunicativo, e um bom colega;

- Morreu em idade jovem, atendendo à esperança média de vida, ainda lhe restavam pelo menos vinte 25 anos de vida; tinha um grande apego ao seu núcleo familiar, à sua mulher e aos seus dois filhos, que, apesar de maiores de idade, dependiam muito do seu pai, tanto a nível emocional, como económico;

- A autora fica privada da companhia do seu marido aos 46 anos de idade e privada, depois de 24 anos de casamento, da comunhão de vida com ele e, por força das circunstâncias, vê-se obrigada a suportar sozinha todos os encargos familiares, que até ao dia da morte partilhava com o marido;

- A morte de AA mergulhou a autora e os seus filhos numa profunda dor e tristeza, devido à morte trágica e sem aviso do seu ente querido. Em face do vertido, tem direito a que sejam fixados os seguintes montantes: - indemnização pela perda do direito à vida - € 80,000; - compensação pelos danos morais sofridos - € 50,000.

Concluiu pedindo:

O pagamento de uma pensão anual vitalícia no montante de € 16.573,20, com início no dia 02.08.2007; pagamento do subsídio por morte no montante de € 4.836 (quatro mil oitocentos e trinta e seis euros); das despesas de funeral no montante de € 1.612 (403,00x4), das relativas à deslocação no dia 01.04.2008 ao Tribunal do Trabalho da Covilhã, para a Tentativa de Conciliação, e de uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 130.000.

A Rede Ferroviária Nacional-Refer, EP, citada, contestou, alegando, em síntese, que:

- Desconhece os factos que lhe não são pessoais e não aceita que o acidente tenha sido directamente causado pela falta de observância do cumprimento das normas relativas à prevenção (e, muito menos, por sua culpa);

- Invoca a inaplicabilidade ao caso da alínea d) do artigo 20.° do Decreto-Lei n.° 273/2003, bem como de todo o regime contido nesse diploma, apenas aplicável a situações "onde sejam intervenientes várias entidades'', quando os trabalhos de nivelamento da via onde ocorreu o acidente eram trabalhos cuja execução estava directa e exclusivamente assegurada, mediante o recurso aos meios materiais e humanos da ré e eram trabalhos de carácter imprevisto e excepcional, mas sem embargo de ter observado as suas obrigações em matéria de segurança no trabalho, designadamente o actual artigo 273.° do CT, em observância do qual promoveu a implementação da Instrução de Exploração Técnica n.° 77;

- Não é admissível sustentar que a supressão excepcional da protecção auditiva, usada para interditar a audição do ruído produzido pelo martelo pneumático, possibilitaria ao sinistrado a audição de fosse o que fosse, já que apenas lhe permitiria ouvir o barulho, quase ensurdecedor, daquele equipamento, ou seja, o uso da protecção auditiva não contribuía para agravar os riscos de segurança;

- A violação das normas de segurança, implementadas pela própria ré, ocorreu devido aos comportamentos omissivos dos trabalhadores, junto com o sinistrado, constituintes da equipa de trabalho;

- Os trabalhadores eram experimentados e, relativamente ao trabalhador CC, era óbvio que o dever de vigilância que devia exercer sobre os trabalhadores da sua equipa era-lhe imposto pelo mais elementar sentido de prudência;

- No contexto dos autos, os identificados colegas do sinistrado não podem ser considerados como representantes da ré para efeitos de aplicação do artigo 18.°, n.° 2 da Lei 100/97, pois o conceito de representante, previsto nesse preceito, abrange apenas as pessoas que gozem de poderes de representação da entidade empregadora e actuem nessa qualidade, o que não acontecia;

- No entanto, ainda que assim não fosse, a autora não demonstra que as condutas negligentes dos identificados trabalhadores (que não se contesta violaram regras de segurança) tenham de per si tido por consequência, directa e necessária, o acidente dos autos;

- A queda ou falta de colocação do sinal "S- Atenção Trabalhos" ou de outro alternativo, não se apurou que tivesse ficar a dever-se ao incumprimento de regras de segurança por parte do trabalhador DD.

Oportunamente o processo foi saneado, fixados os factos assentes e elaborada base instrutória. Foi ordenada uma perícia de especialidade e a empregadora requereu a intervenção da seguradora FF, SA, o que foi determinado.

A seguradora contestou, aceitando vários factos alegados pela recorrente e reafirmando o que já tinha aceitado em sede de conciliação, mas acrescentando que a análise dos relatórios aponta para erro humano e que não pode, por isso e ainda que tal a beneficiasse, acompanhar a tese da beneficiária.

Em suma, aceitou assumir a responsabilidade pelo ressarcimento dos danos, mas diz que estes não podem contemplar qualquer compensação a título de danos não patrimoniais ou indemnização pela perda do direito à vida.

O processo prosseguiu os seus termos e teve lugar a audiência de julgamento, sendo depois proferida sentença, cujo segmento decisório foi seguinte:

1- Condenar a interveniente "FF, S.A." no pagamento à autora BB:

- da pensão anual e vitalícia de € 4.971,96 (quatro mil e novecentos e setenta e um euros e noventa e seis cêntimos), devida a partir do dia 02-08-2007, até atingir a idade de reforma por velhice, e de € 6.629,28 (seis mil e seiscentos e vinte e nove euros e vinte e oito cêntimos) de aí em diante, acrescida dos respectivos juros de mora, contados desde a referida data e até integral e efectivo pagamento, computados à taxa legal de 4% ao ano;

- do montante de € 4.836 (quatro mil e oitocentos e trinta e seis euros), a título de subsídio por morte, acrescido dos respectivos juros de mora., contados desde o dia 08-06-2009 e até integral e efectivo pagamento, computados à taxa legal de 4 % ao ano;

- do montante de € 1.612 (mil e seiscentos e doze euros), a título de subsídio por despesas de funeral, acrescido dos respectivos juros de mora, contados desde o dia 08-06-2009 e até integral e efectivo pagamento, computados à taxa legal de 4% ao ano;

2- Absolver a interveniente "FF, S.A. " do demais pedido;

3- Absolver a ré "Rede Ferroviária Nacional REFER, E.P. " do pedido.

A beneficiária não se conformou com a sentença e recorreu, tendo os autos subido ao Tribunal da Relação, onde se constatou que um dos pedidos formulados por aquela (pedido com reflexo no recurso, na previsão da sua eventual procedência) carecia de acompanhamento (para quanto a ele a Recorrente poder ser parte legítima), pelos demais titulares necessários desse direito.

Em conformidade, depois de cumprido o contraditório, foi notificada a Recorrente para suprir por chamamento, a ilegitimidade decorrente da preterição do litisconsórcio necessário. E, subsequentemente, pedida a intervenção, foram chamados  os filhos do falecido sinistrado.

Os intervenientes expressamente aceitaram fazer seus os articulados apresentados pela recorrente e todos os termos e actos já processados.

Finalmente o Tribunal da Relação veio a julgar procedente a apelação nos seguintes termos:

«Por tudo quanto se deixa dito, acorda-se na secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar procedente a presente apelação, interposta por BB contra a REFER - Rede Ferroviária Nacional (e no qual intervieram GG e HH) e, em conformidade, condena-se a recorrida no pagamento à recorrente:

1- Da pensão anual, vitalícia e actualizável, devida desde 2.08.2007, no montante correspondente à retribuição anual, ou seja, 16.573,206 (dezasseis mil quinhentos e setenta e três euros e vinte cêntimos), a pagar em catorze prestações anuais e acrescida dos juros legais (artigo 135.° do CPT) sobre as prestações em atraso;

2- Do subsídio por morte, no montante de 4.836,006 (quatro mil oitocentos e trinta e seis euros)

3- Das despesas de funeral, no montante de 1.612,006 (mil, seiscentos e doze euros).

4- Da quantia de 30.000,006 (trinta mil euros) a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos

E no pagamento à recorrente e aos intervenientes, global e conjuntamente:

5- Da quantia de 60.000,006 (sessenta mil euros) a título de indemnização pelo dano da morte».

Inconformada, agora, a Recorrida REFER  interpôs a mesma recurso de Revista para este STJ, apresentando doutas alegações, com as seguintes CONCLUSÕES:
«A. A natureza de pessoa colectiva da R., ora Recorrida, estando sempre dependente da sua representação mediante intervenção de pessoas físicas para levar a cabo a prática dos actos materiais que caracterizam o seu escopo (o que, concordamos, ir muito além dos titulares dos seus órgãos sociais de direcção), não permite de per se que um seu trabalhador colocado, ou não, na linha hierárquica seja, sem mais, qualificado de seu representante para os efeito do artigo 18°, n° 1, da LAT, sob pena de por excesso também cairmos em "... situações em tudo desconformes à natureza ficcional da pessoa colectiva ..." (2°§, fls. 30, do acórdão) que a Veneranda Relação entendeu salvaguardar por considerar por defeito o entendimento da sentença da l.ª instância.
B. O que a ora Recorrente sustenta (e sustentou) é o conceito de representação, a ter em conta para efeito da aplicação do artigo 18°, n° 1, da LAT, ser mais amplo do que o nexo de representação social advindo do mandato dos titulares dos órgão sociais permanecendo, contudo, aquém dos meros poderes de representação funcional que necessariamente emergem da execução do contrato de trabalho que lhe subordina todos os seu trabalhadores entre si vinculados.
C. Ao contrário do acórdão recorrido, não cremos por isso que sejam invocáveis tout court os princípios gerais da responsabilidade civil próprios da relação entre comitente e comissário para preencher o conceito de representante contido na LAT, porquanto, é a própria natureza especial do regime da responsabilidade infortunística que os afasta, como bem soube notar a lição de VlTOR RIBEIRO ao esclarecer, a propósito da homóloga disposição da pretérita Lei n° 2127 que "... os diplomas que fixam tal regime não se limitam a remeter para os termos gerais de direito, os caso de envolvência culposa da entidade patronal ou de terceiro." (vide "Acidentes de Trabalho Reflexões e Notas Prática", Rei dos Livros, 1984, p. 226).
D. Se o nexo de representação considerado na doutrina e jurisprudência, relativas à relação de comissão fosse decalcado e tido em conta no âmbito da relação de responsabilidade infortunística agravada, a nosso ver, é evidente que na esmagadora maioria dos casos, perante os sinistrados, todo os trabalhadores seriam representantes do empregador, por força da sua ligação funcional àquele, o que evidentemente não pode proceder, desde logo pela separação de domínios estabelecida entre si pelas previsões do artigo 18° e 31°, da LAT.
E. O critério de representante exposto e aplicado pelo acórdão em recurso, é excessivo porque permitiria de per se que um trabalhador colocado, ou não, na linha hierárquica seja, sem mais, qualificado de "representante" para os efeito do artigo 18°, n° 1, da LAT, sempre que leve a cabo a prática de um qualquer acto material (cometido por função, ordem ou instrução) que implique a participação de outros trabalhadores na tarefa (o que, aliás, quase sempre sucede ou não fosse a empresa uma organização de meios).
F. Por essa razão se invocou (e invoca) a jurisprudência do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14.11.2007, em caso análogo ao dos autos, onde se considerou que os companheiros de trabalho do sinistrado que estavam a dirigir as manobras de formação e deformação de comboios não se tornavam por força do exercício dessa funções representantes do empregador, uma vez que o poder de direcção funcional, resultante da categoria ou função na empresa, não contém em si mesmo poderes de representação jurídica que é a modalidade tida em conta para os efeitos do artigo 8°, da LAT.
G. No caso dos autos, resultou provado que as três regras de segurança cuja violação ocorreu por omissão, com relevância causal para o sinistro, foram os pontos 9.5, 5.1 e 5.2, das "Normas de Segurança para Protecção das Equipas em Trabalho na Via" (cfr., respectivamente, os números 13 a 16, dos factos apurados, a fls. 18, do acórdão recorrido), conforme se declarou na sentença e se aceitou no acórdão da Relação.
H. Resultou provado que era sobre o encarregado de via, o senhor CC, que impendia a obrigação de adoptar o procedimento de segurança referido na regra do ponto 5.2 da norma de segurança (i.e., a adopção de um sistema de anúncio e aviso manuais, à falta de automático, de molde a que a velocidade das circulações não excedesse 60 km/hora) e resultou provado que não se encontrava implementado no local qualquer sistema de vigilância (cfr., respectivamente, os números 5 e 6, dos factos apurados).
I. Ora, no que releva de facto apurado para decisão de Direito: sobre o identificado encarregado de via impendia o dever de obediência àquela regra, a cujo cumprimento se encontrava adstrito em razão da identificada instrução da entidade empregadora, o que não fez negligenciando, consequentemente, a colocação de dois homens, um em cada extremidade do local onde decorriam os trabalhos, para alertarem da aproximação de alguma circulação.
J. Ora, se tal regra tivesse sido observada nenhuma culpa haveria na existência do nexo de representação funcional da R, ora Recorrente, na pessoa daquele trabalhador, infelizmente, o que ficou demonstrado foi a total inobservância dessa regra de segurança não tendo, por outro lado, a A. ora Recorrida, alegado e demonstrado o assentimento ou o conhecimento de tal omissão pelo empregador, não traduzindo a falta daquele encarregado um acto comandado pela R. de modo a que lhe seja devolvida a respectiva culpa.
K. Assim (mesmo não se aderindo à jurisprudência acima identificada), tendo o identificado trabalhador da ora Recorrente omitido o seu dever de observância da regra de segurança 5.2 e, portanto, tendo agido objectivamente à margem dos poderes-‑deveres de direcção que lhe foram conferidos e sem o assentimento ou o conhecimento do seu empregador, não deverá ser tido como seu "representante" para o propósito do artigo 18°, da LAT mas como "outro trabalhador" ou "terceiro" para o efeito do artigo 31°, daquele diploma (vide, a este propósito, VlTOR RIBEIRO in "Acidentes de Trabalho Reflexões e Notas Prática", Rei dos Livros, 1984, p. 232).
L. Cremos, contudo, que a aludida omissão até nem é o facto determinante da fatal consequência, pois, a essa omissão é concomitante a omissão das regras de segurança presentes sob os pontos 9.5. e 5.1 da respectiva regulamentação, sem que dos autos conste qualquer prova da sua autoria, para que se possa definir justamente da verificação e extensão da muito provável concorrência de culpas dos demais trabalhadores participantes na eclosão do sinistro (cfr. os números 13 a 16, dos factos apurados, a fls. 18, do acórdão);
M. A nosso ver o facto determinante da eclosão do lamentável acidente até sucede por acção e a posteriori da inobservância daquelas regras de segurança: dúvidas subsistissem e seriam afastadas perante o teor do facto apurado sob ponto 12, do acórdão, onde se lê "Após a passagem do comboio "Intercidades", o chefe da via CC ordenou os três operadores de via que retomassem os trabalhos, sabendo que dentro de quinze minutos iria passar outro comboio". O que vêm depois está sobejamente sabido.
N. Consequentemente, no que toca ao trabalhador CC, resulta dos factos provados forçoso qualificar a sua conduta como objectivamente alheia aos poderes-deveres de que estava funcionalmente investido pelo empregador, em razão da sua função, ao momento dos factos (quer por acção, ao ordenar a retoma dos trabalhos, quer por omissão, ao violar a regra de segurança 5.2), assim não devendo ser considerado como representante do empregador para os efeito do artigo 18°, da LAT, ademais, quando não se alegou e provou que tais condutas mereciam o assentimento ou sequer o conhecimento da sua empregadora, ora Recorrente.
O. Por outro lado, perante os trabalhadores envolvidos, ainda que subjectivamente assistisse ao chefe de equipa as vestes de "encarregado" do empregador, dificilmente se compreende que no exercício da sua função nele reconhecessem um fiel representante da vontade da Recorrida, pois, sendo trabalhadores experimentados sabiam, pelo menos, que não estava a ser observada a regra de segurança 5.2 que obrigava ordenar a dois homens que se colocassem um em cada extremidade do local onde decorriam os trabalhos para alertarem da aproximação de alguma circulação que transitasse em qualquer um dos sentidos (vide o ponto 4 do factos apurados, a fl. 17, do acórdão).
P. Nunca a A. reclamou ao longo do seu articulado quaisquer factos atinente ao encarregado de via ou aos operadores de via que os qualificassem de representantes da empresa fosse relativamente ao teor de suas funções ou a qualquer ordem (por acção ou omissão) que houvessem recebido e transmitido.
Nestes termos e nos demais de Direito aplicável, sem prescindir do douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogado o Acórdão proferido e, consequentemente, ser, a final, a Recorrente absolvida dos correspondentes pedidos contra ela formulados, repristinando-se a sentença proferida pelo tribunal do Trabalho da Covilhã».

A A. contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida e concluindo:
«I- O acidente ocorrido no dia 01 de Agosto de 2007, que vitimou AA, ocorreu por inobservância das regras de segurança, encontrando-se preenchida a segunda parte do n.° 1 do artigo 18.° da LAT.
II- As regras relativas à segurança encontram-se descritas na IET n.° 11, as quais eram desconhecidas dos trabalhadores.
III- A ausência de conhecimento das referidas regras de segurança ficou a dever-se ao facto da REFER, E.P.E., não as ter implementado junto dos seus trabalhadores sendo que só o fez após a ocorrência do acidente.
IV- Também se encontra preenchida a previsão da primeira parte do n.° 1 do artigo 18.° da LAT, na medida em que o chefe de via se considera representante legal da recorrente, conforme o entendimento da Relação de Coimbra e ainda do defendido pelo autor Carlos Alegre, in "Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais - Regime Jurídico anotado – 2.ª reimpressão, 2001" onde diz " (...) que o conceito de representante da entidade patronal - seja ela, pessoa individual ou colectiva - pode ser alargado a outras pessoas físicas que, de algum modo, actuem em representação daquela entidade seja porque detém um mandato específico para tanto, seja porque age sob as ordens directas da entidade patronal, como é o caso de qualquer pessoa colocada na escala hierárquico-laboral de uma empresa."
V- Ora, no dia do acidente (01.07.2007) o encarregado de via era o trabalhador encarregado de coordenar os trabalhos, segundo as determinações da recorrente.
VI- O encarregado da via acatou as determinações da recorrente, ao proceder aos trabalhos urgentes na via, no dia 01.08.2007, apenas com quatro trabalhadores, em vez dos habituais seis.
VII- Sendo que o facto de não ter o cuidado de implementar as regras relativas à segurança deve-se sobretudo à omissão da REFER, E.P.E, por não ter implementado e transmitido as normas de segurança constantes na IET.
VIII- Recaindo sobre a Recorrente um especial dever de implementação das regras de segurança, que passa pela sua transmissão e formação dos seus trabalhadores.
IX- Assim, no caso dos presentes autos a recorrente é responsável pela produção do acidente, com a agravação configurada na lei, na medida que recaía sobre si o dever de observar determinadas regras de comportamento, cuja observância, teria impedido o acidente do dia 01 de Agosto de 2007.
X- Pelo que forçoso será concluir que a previsão do artigo 18.° n.° 1 da LAT está preenchida na sua plenitude (primeira e segunda parte), recaindo sobre a recorrente a responsabilidade agravada pela produção do acidente que vitimou AA.
XI- Nestes termos, requer-se que o douto acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra seja confirmado, e a final imputada a responsabilidade pela reparação do acidente à recorrente, REFER, E.P.E., no pagamento aos recorridos das seguintes prestações:
1- Da pensão anual, vitalícia e actualizável, devida desde 02.08.2007, no montante correspondente à retribuição anual, ou seja, € 16.573,20 (dezasseis mil e quinhentos e setenta e três euros e vinte cêntimos), a pagar em catorze prestações anuais e acrescida de juros legais (artigo 135.° do CPT) sobre as prestações em atraso;
2- Do subsídio por morte, no montante de €4.836,00 (quatro mil oitocentos e trinta e seis euros);
3- Das despesas de funeral, no montante de € 1.612,00 (mil seiscentos e doze euros);
4- Da quantia de € 30.000,00 (trinta mil euros) a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos.
E no pagamento à recorrente e aos intervenientes, global e conjuntamente:
5- Da quantia de € 60.000,00 (sessenta mil euros a título de indemnização pelo dano morte.
Nestes termos e nos melhores de Direito, sempre com mui douto suprimento de V. Excelências deve ser confirmado o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, e em consequência a recorrente condenada no pagamento das prestações fixadas».

A Exma. Procuradora-Geral-Adjunta emitiu douto parecer no sentido da negação da Revista, ao qual a Recorrente apresentou resposta, manifestando a sua discordância.

Foram colhidos os legais vistos, pelo que cumpre enunciar a questão que se coloca à apreciação, que é a de saber se a Recorrente (entidade empregadora) é responsável pela violação das regras de segurança, que foram causa do acidente.

II.   FUNDAMENTOS DE FACTO.

Os factos considerados provados nas instâncias são os seguintes:

1 - No dia 1 de Agosto de 2007, pelas 15 horas e 45 minutos, no sítio do Adnouro, ao quilómetro 140,650, e no sentido ascendente (Castelo Branco-Fundão) da linha ferroviária da Beira Baixa, AA, com a categoria profissional de operador de via, e a integrar uma equipa de via do Centro de Manutenção da Guarda da Unidade Operacional do Centro da ré "Rede Ferroviária Nacional - REFER, E.P.", foi colhido pelo comboio n° 5679, rebocado pela Allan 363;

2 - A equipa de via aludida no ponto anterior era constituída, para além do sinistrado, por um encarregado de via, CC (na altura a exercer as funções de chefe de equipa), e por mais dois operadores de via, o DD e o EE, tendo como tarefa proceder ao nivelamento da via com recurso a equipamento ligeiro, sob as ordens, direcção e fiscalização da ré "Rede Ferroviária Nacional — REFER, E.P.”;

3 - A execução da aludida tarefa - regularização dos defeitos da via através de nivelamento - naquele local não se encontrava inicialmente programada pelo Centro de Manutenção da Guarda, tendo contudo sido decidido, face às altas temperaturas que nessa época do ano se registavam, dar-lhe prioridade;

4 - Os três trabalhadores referidos no ponto 2. eram trabalhadores experimentados;

5 - Impendia sobre o chefe de via CC a obrigação de adoptar o procedimento aludido no ponto 5.2 das "Normas de Segurança para Protecção das Equipas em Trabalhos na Via";

6 - Não se encontrava implementado no local qualquer sistema de vigilância;

7 - Nas circunstâncias aludidas no ponto 1., o AA, para além de outro equipamento de segurança, utilizava protecção auditiva e operava com um vibrador/martelo pneumático "Cobra";

8 - O facto de o AA executar o seu trabalho com os protectores auditivos não lhe permitiu ouvir a aproximação da automotora;

9 - O ambiente em que o sinistrado prestava a sua actividade era bastante ruidoso, dado o funcionamento do martelo pneumático "Cobra";

10 - Momentos antes do acidente aludido no ponto 1. ocorrer, tinha passado na linha da Beira Baixa, ao quilómetro 140,650, o comboio "Intercidades";

11- Momentos antes da passagem do comboio "Intercidades", o chefe da via deu instruções directas para que os três operadores de via (o DD, o EE e o AA) suspendessem a execução dos trabalhos;

12 - Após a passagem do comboio "Intercidades", o chefe da via CC ordenou aos três operadores de via que retomassem os trabalhos, sabendo que dentro de quinze minutos iria passar um outro comboio;

13 - Os relatórios da Autoridade Para as Condições do Trabalho - Unidade Local da Covilhã, e da Direcção de Segurança da ré "Rede Ferroviária Nacional - REFER, E.P.", sobre a análise desse acidente e das suas causas prováveis, concluíram que o mesmo ficou a dever-se ao facto de não terem sido observadas as seguintes normas internas da "Instrução de Exploração Técnica n° 77 - Normas e Procedimentos de Segurança em Trabalhos de Infra-estruturas", nas vertentes de risco, categorias de risco, distâncias de segurança, entre outras, e constantes do Anexo II, pp. 277 e ss., sob a epígrafe "Normas de Segurança para Protecção das Equipas em Trabalhos na Via'':

a) ponto 9.5 (Condições Gerais de Aplicação), a fls. 214, que determina que a velocidade das circulações deve ser igual ou inferior a 60 Km./hora;

b) ponto 5.1 (Anúncio e Aviso de Aproximação de Circulações), a fls. 212, que estabelece "que previamente ao início dos trabalhos deve ser colocado o sinal S - Atenção aos Trabalhos";

c) ponto 5.2 da mesma epígrafe, e em que se estabelece "a obrigatoriedade de selecção e à correcta utilização de um sistema de anúncio e aviso adequado para os trabalhos autorizados a realizar em plena via", impõem a obrigatoriedade de adopção de um sistema de preferência automático e, não sendo este possível, um sistema de anúncio e aviso manuais, e de molde a que a velocidade das circulações não exceda os 60 Km/hora;

14 - A limitação de velocidade a que alude o ponto 9.5 das "Normas de Segurança para Protecção das Equipas em Trabalhos na Via" não foi implementada, sendo que tal procedimento passaria por um pedido a efectuar antes do início dos trabalhos pelo responsável pela execução dos trabalhos ao Chefe da Estação anterior, em impresso próprio, com a indicação da hora prevista para o seu início, local e tempo de duração;

15 - O sinal S - "Atenção aos Trabalhos" referido no ponto 5.1 das "Normas de Segurança para Protecção das Equipas em Trabalhos na Via" não foi colocado no sentido descendente e, no sentido ascendente, o dito sinal foi colocado, caiu e não foi reposto;

16 - Não foi adoptado o sistema, de preferência automático, ou o sistema de anúncio e aviso manuais, de molde a que a velocidade das circulações não excedesse os 60 Km/hora, tal como aludido no ponto 5.2 das "Normas de Segurança para Protecção das Equipas em Trabalhos na Via";

17 - Em consequência do acidente aludido no ponto 1., o AA sofreu as lesões descritas no relatório de autópsia de fls. 43 a 49, as quais determinaram a sua morte, ocorrida no próprio dia, e verificada pelas 16 horas;

18- O AA era um homem saudável, apto para o trabalho, feliz, alegre, comunicativo, e um bom colega;

19- O AA tinha um grande apego ao seu núcleo familiar, à sua mulher e aos seus dois filhos;

20 - Os filhos, apesar de maiores de idade, dependiam do pai, tanto a nível emocional como económico, uma vez que são jovens recém-licenciados;

21- O AA acompanhava os filhos nas candidaturas a empregos, e financiava todas as despesas que lhes eram inerentes;

22 - O AA contribuía com o seu sustento para as despesas dos filhos, sobretudo as que respeitam aos alimentos, vestuário e casa;

23 - A autora ficou privada da comunhão de vida com o AA, depois de 24 anos de casamento;

24 - Após o acidente, é a autora quem suporta sozinha todos os encargos familiares;

25 - A morte do AA mergulhou a autora e os seus filhos numa profunda dor e tristeza;

26 - Na data do acidente, o AA auferia a retribuição anual global de 16.573,20, composta pelo vencimento base de € 843,89 (x 14), acrescido do subsídio de alimentação de € 237,82 (x 11), e de outras remunerações de € 178,56 (x 12);

             27 - A ré "Rede Ferroviária Nacional - REFER, E.P." tinha a responsabilidade infortunística por acidentes de trabalho integralmente transferida para a interveniente "FF, S.A.", através da apólice n° 1500291100250;

28- Na tentativa de conciliação realizada na fase conciliatória destes autos, a interveniente "FF, S.A." aceitou pagar à autora a pensão anual de € 4.971,92, com início em 02-08-2007, e subsídio por morte de € 4.836, e o subsídio de funeral de € 1.612;

29- O falecido AA tinha, à data do acidente, 50 anos de idade, e era casado com a autora.

30 - Conforme fls. 781 a 830, para onde se remete, foi junta aos autos, já em sede de recurso, uma certidão emitida pelo 1.° Juízo do Tribunal Judicial do Fundão, que corresponde ao despacho final, proferido na Instrução do Processo n.° 386/07.6GBFND, que assim decide (fls. 829): "Em face do exposto, decide-se proferir despacho de não pronúncia dos arguidos II e CC, quanto à prática, pelos mesmos, em co-autoria, de um crime de violação das regras de segurança, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 152.°-B, ns.° 1, 2 e 4, ais. a) e b) do Código Penal".

III.  FUNDAMENTOS DE DIREITO.

As obrigações gerais em matéria de segurança, para a entidade empregadora, decorrem, nomeadamente, do artigo 120.º do CT de 2003 (art. 127.º do CT 2009) que diz que são deveres do empregador, entre outros, os de «proporcionar boas condições de trabalho, tanto do ponto de vista físico como moral»; «prevenir riscos e doenças profissionais, tendo em conta a protecção da segurança e saúde do trabalhador, devendo indemnizá-lo de acidentes de trabalho» e «adoptar, no que respeita à higiene, segurança e saúde no trabalho, as medidas que decorram, para a empresa, estabelecimento ou actividade, da aplicação das prescrições legais e convencionais vigentes» [alíneas c), g) e h)].

Estes deveres da entidade empregadora em matéria de segurança, higiene e saúde no trabalho, enunciados no Código do Trabalho, foram mais amplamente tratados no Decreto-Lei n.º 441/91, de 14 de Novembro [revogado e substituído pela Lei de 102/2009, de 10 de Setembro], designadamente quanto à prevenção dos riscos, adopção de medidas, informação, instrução, consulta e formação dos trabalhadores.

Temos, assim, que em face das disposições legais, o empregador se mostra adstrito por força do vínculo laboral à observância das normas em matéria de segurança, higiene e saúde no trabalho, com vista a prevenir os riscos emergentes da violação dessas regras.

Deste modo, para a violação das regras de segurança pelo empregador estabelece o artigo 18.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro (ainda aplicável ao caso dos autos) o seguinte:

«1 – Quando o acidente tiver sido provocado pela entidade empregadora ou seu representante, ou resultar de falta de observação das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, as prestações fixar-se-ão segundo as regras seguintes:

a) Nos casos de incapacidade absoluta, permanente ou temporária, e de morte serão iguais à retribuição;

b) Nos casos de incapacidade parcial, permanente ou temporária, terão por base a redução de capacidade resultante do acidente.

2 – O disposto no número anterior não prejudica a responsabilidade por danos morais nos termos da lei geral nem a responsabilidade criminal em que a entidade empregadora, ou o seu representante, tenha incorrido.

3 – Se, nas condições previstas neste artigo, o acidente tiver sido provocado pelo representante da entidade empregadora, esta terá direito de regresso contra ele».

Reporta-se o preceito a duas situações distintas: a primeira à de o acidente ter sido provocado pela entidade empregadora ou seu representante, ou seja, à de ter sido produzido por actuação dolosa — directa ou eventual — daquelas entidades; a segunda à do acidente ter resultado de falta de observação das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho — actuação meramente culposa — por parte das mesmas entidades.

Quer dizer: no primeiro caso o acidente é querido ou admitido como resultado possível de conduta assumida voluntariamente; no segundo não se respeitam regras de segurança adequadas a prevenir o acidente, quer estas decorram dos deveres gerais de diligência, quer de estipulações decorrentes da lei ou contidas em directivas da entidade empregadora.

Num caso como noutro a entidade empregadora sempre responderá pelas prestações agravadas, quer a conduta lhe seja imputável directamente, quer a quem no acto a represente.

Note-se que, conforme entendimento defendido por Carlos Alegre [in "Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais - Regime Jurídico anotado – 2.ª reimpressão, 2001"] «(...) o conceito de representante da entidade patronal - seja ela, pessoa individual ou colectiva - pode ser alargado a outras pessoas físicas que, de algum modo, actuem em representação daquela entidade, seja porque detém um mandato específico para tanto, seja porque age sob as ordens directas da entidade patronal, como é o caso de qualquer pessoa colocada na escala hierárquico-laboral de uma empresa».

No mesmo sentido diz Luís Menezes Leitão [in "A Reparação dos Danos Emergentes de Acidentes de Trabalho”, Temas Laborais, Volume I, Almedina, 2006, pág. 47] que "o que está em causa quando a lei fala de "representante" não parece ser uma verdadeira representação em sentido jurídico mas antes o facto de a entidade patronal admitir outra pessoa a exercer os poderes de autoridade e direcção a que o trabalhador se subordinou pelo contrato de trabalho".

No caso dos autos resultou provado que o acidente que vitimou o sinistrado verificou-se na situação de não terem sido observadas as seguintes normas internas da "Instrução de Exploração Técnica n° 77 - Normas e Procedimentos de Segurança em Trabalhos de Infra-estruturas", nas vertentes de risco, categorias de risco, distâncias de segurança, entre outras, e constantes do Anexo II, sob a epígrafe "Normas de Segurança para Protecção das Equipas em Trabalhos na Via'':

a) ponto 9.5 (Condições Gerais de Aplicação),  que determina que a velocidade das circulações deve ser igual ou inferior a 60 Km./hora;

b) ponto 5.1 (Anúncio e Aviso de Aproximação de Circulações),  que estabelece "que previamente ao início dos trabalhos deve ser colocado o sinal S - Atenção aos Trabalhos";

c) ponto 5.2 da mesma epígrafe, e em que se estabelece "a obrigatoriedade de selecção e à correcta utilização de um sistema de anúncio e aviso adequado para os trabalhos autorizados a realizar em plena via", impõem a obrigatoriedade de adopção de um sistema de preferência automático e, não sendo este possível, um sistema de anúncio e aviso manuais, e de molde a que a velocidade das circulações não exceda os 60 Km/hora.

Na verdade, resultou, concretamente, provado que:

- A limitação de velocidade a que alude o ponto 9.5 das "Normas de Segurança para Protecção das Equipas em Trabalhos na Via" não foi implementada, sendo que tal procedimento passaria por um pedido a efectuar antes do início dos trabalhos pelo responsável pela execução dos trabalhos ao Chefe da Estação anterior, em impresso próprio, com a indicação da hora prevista para o seu início, local e tempo de duração;

 - O sinal S - "Atenção aos Trabalhos" referido no ponto 5.1 das "Normas de Segurança para Protecção das Equipas em Trabalhos na Via" não foi colocado no sentido descendente e, no sentido ascendente, o dito sinal foi colocado, caiu e não foi reposto;

 - Não foi adoptado o sistema, de preferência automático, ou o sistema de anúncio e aviso manuais, de molde a que a velocidade das circulações não excedesse os 60 Km/hora, tal como aludido no ponto 5.2 das "Normas de Segurança para Protecção das Equipas em Trabalhos na Via".

 Quando o acidente teve lugar o sinistrado trabalhava em equipa, que era constituída, para além do sinistrado, por um encarregado de via, CC (na altura a exercer as funções de chefe de equipa), e por mais dois operadores de via, impendendo sobre o chefe de via a obrigação de adoptar o procedimento aludido no ponto 5.2 das "Normas de Segurança para Protecção das Equipas em Trabalhos na Via".

Momentos antes do acidente ocorrer, tinha passado na linha da Beira Baixa, no local do acidente, o comboio "Intercidades", sendo que momentos antes da sua passagem o chefe da via deu instruções directas para que os três operadores de via suspendessem a execução dos trabalhos;

Porém, após a passagem do comboio "Intercidades", o chefe da via CC ordenou aos três operadores de via que retomassem os trabalhos, sabendo que dentro de quinze minutos iria passar um outro comboio.

Não se encontrava então implementado no local qualquer sistema de vigilância, nem foi adoptado o sistema, de preferência automático, ou o sistema de anúncio e aviso manuais, de molde a que a velocidade das circulações não excedesse os 60 Km/hora, tal como aludido no ponto 5.2 das "Normas de Segurança para Protecção das Equipas em Trabalhos na Via".

Acresce que o sinistrado, para além de outro equipamento de segurança, utilizava protecção auditiva e operava com um vibrador/martelo pneumático "Cobra", o que não lhe permitiu ouvir a aproximação da automotora, pela qual foi colhido, sofrendo lesões que lhe determinaram morte.

Ora, no caso em apreço decorre à evidência que o acidente dos autos decorreu da violação de regras de segurança, o que a Recorrente nem questiona. O que pretende é fazer convencer que a violação de tais regras é de imputar ao chefe da equipa onde o sinistrado se encontrava integrado e que este não pode ser considerado como seu representante ao assumir o comportamento que assumiu.

Porém, os factos não conduzem a tal conclusão.

À Recorrente, que até possuía normas internas de segurança destinadas à realização de trabalhos na via férrea, competia-lhe implementar no terreno as condições para o cumprimento de tais normas, bem assim os cuidados gerais para acautelar a produção de acidentes com os trabalhadores envolvidos nos trabalhos da via, incluindo o próprio chefe de equipa.

E dos factos não resulta que tenha estabelecido no caso as condições necessárias ao cumprimento das normas de segurança internas, nem das gerais impostas pelo dever de elementar diligência.

É certo que tinha lá um encarregado, um chefe de equipa, que até tomou medidas cautelosas aquando da passagem de um comboio, mandando suspender os trabalhos, mas que da passagem de outro (o sinistrizante), por razões que não se apuraram, não tomou semelhante cautela e o sinistro verificou-se.

O certo é que se desconhece quais foram as instruções em matéria de segurança — se é que tenham existido — que a Recorrente deu ao chefe da equipa com vista a adoptá-las nos trabalhos que estavam a ser executados.

Apenas se considerou provado que impendia sobre o chefe de via CC a obrigação de adoptar o procedimento aludido no ponto 5.2 das "Normas de Segurança para Protecção das Equipas em Trabalhos na Via”, o que é pouco para daí se poder inferir que competia àquela ter tomado todas as medidas de segurança que na situação se impunham.

Contudo, mesmo que se tivesse provado que ao chefe de equipa cabia no caso tomar as medidas adequadas a fazer cumprir as normas e cuidados de segurança que eram na situação de adoptar para evitar a produção de acidentes com os trabalhadores envolvidos nos trabalhos e que no caso não foram adoptadas, sempre aquele teria de ser havido como representante da Recorrente, responsabilizando esta pelas consequências do sinistro verificado.

Alega a Recorrente que era sobre o encarregado de via, o senhor CC, que impendia a obrigação de adoptar o procedimento de segurança referido na regra do ponto 5.2 da norma de segurança i.e., a adopção de um sistema de anúncio e aviso manuais, à falta de automático, de molde a que a velocidade das circulações não excedesse 60 km/hora e que resultou provado que não se encontrava implementado no local qualquer sistema de vigilância e que sobre o identificado encarregado de via impendia o dever de obediência àquela regra, a cujo cumprimento se encontrava adstrito em razão da identificada instrução da entidade empregadora, o que não fez negligenciando, consequentemente, a colocação de dois homens, um em cada extremidade do local onde decorriam os trabalhos, para alertarem da aproximação de alguma circulação.

Sucede que não está provado que tenha sido pela violação desta norma de segurança que o acidente se verificou, pois nem tão-pouco está demonstrado que o comboio circulasse a velocidade que excedesse 60 km/hora.

Por outro lado, quanto ao facto de não se encontrar implementado no local qualquer sistema de vigilância e à não colocação de dois homens, um em cada extremidade do local, onde decorriam os trabalhos, para alertarem da aproximação de alguma circulação, omissões que a Recorrente pretende imputar ao identificado encarregado de via, os factos não facultam tal imputabilidade e, por isso, esta só pode ser assacada à própria Recorrente.

Na verdade, não está provado que a Recorrente tivesse incumbido o chefe da equipa de promover no local qualquer sistema de vigilância nem de colocar dois trabalhadores para alertarem da aproximação de alguma circulação. Nem sequer é verosímil a alegação da Recorrente, pois se a equipa de trabalho era apenas constituída pelo chefe respectivo e mais três trabalhadores, não tendo a Recorrente feito deslocar para os trabalhos outros agentes, como é que o chefe de equipa podia colocar dois trabalhadores de vigilância?   

Aliás a Recorrente bem reconhece a fragilidade da sua alegação, pois que acrescenta que a aludida omissão até nem é o facto determinante da fatal consequência, pois, a essa omissão é concomitante a omissão das regras de segurança presentes sob os pontos 9.5. e 5.1 da respectiva regulamentação.

Mas quanto à omissão destas regras de segurança diz que dos autos não consta qualquer prova da sua autoria, para que se possa definir justamente da verificação e extensão da muito provável concorrência de culpas dos demais trabalhadores participantes na eclosão do sinistro.

Acontece que, no caso, a violação das regras de segurança, é, antes de mais, da sua responsabilidade. Não basta que a entidade empregadora tenha estabelecido normas de segurança nos seus regulamentos internos, carecendo também de as aplicar e de as fazer cumprir no terreno.

Alega mais a Recorrente, e para concluir, que o facto determinante da eclosão do acidente até sucedeu por acção e a posteriori da inobservância daquelas regras de segurança, por o chefe da equipa ter ordenado aos três operadores de via que retomassem os trabalhos, sabendo que dentro de quinze minutos iria passar outro comboio, sendo forçoso qualificar a sua conduta como objectivamente alheia aos poderes-deveres de que estava funcionalmente investido pelo empregador, em razão da sua função, ao momento dos factos, assim não devendo ser considerado como representante do empregador para os efeito do artigo 18°, da LAT, ademais, quando não se alegou e provou que tais condutas mereciam o assentimento ou sequer o conhecimento da sua empregadora, ora Recorrente.

Também nesta parte carece a Recorrente de razão.

Com efeito, os factos não esclarecem por que é que o chefe da via mandou suspender os trabalhos em curso aquando da passagem do primeiro comboio e, tendo mandado retomar os trabalhos, não os logrou suspender antes da passagem do segundo, que passava dentro de quinze minutos.

Nada indicando que tenha actuado com a intenção dolosa de contrariar instruções recebidas da entidade empregadora e de ocasionar a provocação do acidente, mas admitindo-se a sua eventual negligência por não ter assumido comportamento que lhe era exigível em matéria de prevenir a verificação do acidente, sempre as consequências deste são da responsabilidade da Recorrente, por aquele ter actuado na situação como seu representante.

Tanto mais que não resultou provado que o chefe da equipa tenha no caso contrariado instruções recebidas da Recorrente relativamente a medidas de segurança a adoptar no local.

Sabe-se apenas que houve, na realidade, a violação de regras de segurança, que foram causa determinante do acidente e que essa violação não pode deixar de ser imputada à Recorrente em face de quanto se deixa exposto.

Deste modo, o acórdão do Tribunal da Relação tem de ser confirmado, ainda que com a fundamentação que se deixa exarada.

Improcedem, por isso, as conclusões do recurso, sendo de manter a decisão recorrida.

IV.  DECISÃO:

Em conformidade com os fundamentos expostos, nega-se a Revista e confirma-se a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente.

Lisboa,  6  de Dezembro de 2011.    

     

Pereira Rodrigues (Relator)

 Pinto Hespanhol

Fernandes da Silva