ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
52/06.0TBVNC.G1.S1
DATA DO ACÓRDÃO 12/06/2011
SECÇÃO 7ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL REVISTA
DECISÃO CONCEDIDA PARCIALMENTE
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR LOPES DO REGO

DESCRITORES RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
INCAPACIDADE PERMANENTE PARCIAL
INCAPACIDADE TEMPORÁRIA ABSOLUTA
DANO BIOLÓGICO

SUMÁRIO
1. A indemnização a arbitrar pelo dano biológico sofrido pelo lesado - consubstanciado em relevantes limitações funcionais, inelutavelmente decorrentes das lesões físicas causadas e manifestamente impeditivas ou limitativas do direito de trabalhar e prover à sua própria subsistência - deverá compensá-lo, apesar de não imediatamente reflectido numa perda actual de rendimentos profissionais, da relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão ou de mudança ou reconversão de emprego - e, portanto, do leque de oportunidades profissionais à sua disposição - bem como da acrescida penosidade e esforço no futuro e eventual exercício de qualquer actividade corrente.

2. Deverá tal compensação do dano biológico, a fixar com apelo a juízos de equidade, ter em consideração, quer a perda inelutável de potencialidades laborais decorrentes do grau de incapacidade permanente parcial apurado, quer o longo período de incapacidade temporária absoluta imediatamente posterior ao acidente, apesar de, à data deste, o lesado não exercer actividade profissional remunerada - tendo, porém, ( ponderada a sua idade -32 anos - e os projectos e intenções de vida, documentados na factualidade apurada) uma efectiva potencialidade laboral, drasticamente afectada pelas sequelas do sinistro.


DECISÃO TEXTO INTEGRAL

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


1. AA intentou contra BB-Companhia de Seguros, S.A., CC de España, DD, acção de condenação, sob a forma ordinária, para obter o ressarcimento dos danos sofridos em acidente de viação, em que foram intervenientes o veículo ligeiro, segurado na 1ª Ré - e em que a A. seguia como passageira - e viatura pesada de mercadorias, com matrícula espanhola. Alega que a culpa do sinistro é imputável ao condutor do veículo ligeiro que, pretendendo mudar de direcção à esquerda, se encostou ao lado direito, atento o seu sentido de marcha, e, partindo da berma, iniciou a mudança de direcção à esquerda, entrando na hemi-faixa de rodagem pela qual antes circulava e atravessando-se na frente do pesado, que não conseguiu evitar a colisão. A A. demanda subsidiariamente os 2º e 3º RR. para o caso de se considerar que a culpa pela eclosão do acidente incumbe também ao condutor do veículo de matrícula espanhola - e conclui pedindo a condenação dos RR. a pagar-lhe a quantia global de € 498.610,5, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, incluindo todas as quantias necessárias à previsível realização de, no mínimo, duas intervenções cirúrgicas para colocação de próteses na anca, cada uma delas no valor de € 7.500,00, e juros desde a citação até integral pagamento.
Contestaram a 1ª Ré, impugnando a factualidade alegada, o 2º R., “CC”, sustentando a sua ilegitimidade face à versão do acidente adiantada pela A. e impugnando a matéria dos danos , bem como o 3º R., “Banco CC”, arguindo igualmente a sua ilegitimidade , não só em virtude de a responsabilidade das seguradoras, fora do respectivo ordenamento jurídico nacional, caber aos respectivos Gabinetes Nacionais, mas também perante a versão do sinistro constante da petição, que impugna
A A. respondeu na réplica, concluindo pela legitimidade dos 2º e 3º RR. e sustentando a procedência da causa.
Saneado o processo e realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, decidiu:
“a) Absolver os RR. CC de España, DD dos pedidos formulados.
b) Condenar a R.AA de Seguros S.A. a pagar à A.AA a quantia de € 42.730,58 correspondente a danos patrimoniais, quantia essa acrescida de juros desde a citação até integral pagamento à taxa de 4% - portaria 291/2003 de 08.04.
c) Condenar a R. BB – Companhia de Seguros S.A. a pagar à A. AA a quantia de € 40.000,00 correspondente a danos não patrimoniais e danos futuros, quantia essa acrescida de juros desde a presente data até integral pagamento à taxa de 4% - portaria 291/2003 de 08.04.

Inconformada, apelou a A. da sentença proferida, tendo a Relação julgado parcialmente procedente o recurso, condenando a Ré, BB Companhia de Seguros, S.A., a pagar à A.:

- o montante de € 50.000,00, a título de danos patrimoniais decorrentes da IPP (al. b));
- o montante de € 40.000,00, a título de danos não patrimoniais sofridos (al. c));
- em tudo mais se mantendo a sentença recorrida.

Para tanto, considerou a Relação, no acórdão recorrido, que:

- devia improceder a pretensão de obter o valor de €158.880,00, a título de dano futuro associado a despesas inerentes à provável necessidade de ajuda de terceiros para realização das actividades da vida pessoal corrente da lesada, dificultadas substancialmente pelas sequelas das lesões sofridas, já que – perante a matéria de facto provada – não teria ficado demonstrada que tal ajuda se mostrasse indispensável durante toda a vida da A./lesada, não tendo, até ao momento, tal possível necessidade originado despesa efectiva; daí que se tenha entendido tratar tal possível dano futuro de modo não autónomo, reportando-o antes - e incluindo-o - na indemnização global arbitrada a título de IPP;

- improcedia igualmente a peticionada indemnização a título de ITA, decorrente da incapacidade temporária absoluta verificada no período temporal compreendido entre 7/2/03 e 5/7/05, por a lesada não exercer à data do sinistro qualquer actividade remunerada;

- procedia parcialmente a pretensão formulada quanto ao valor a arbitrar a título de danos patrimoniais decorrentes da IPP fixada, afirmando quanto a este ponto o acórdão recorrido, depois de fazer notar que a circunstância de o lesado não exercer qualquer actividade profissional remunerada à data do acidente não obsta à atribuição de montante indemnizatório compensatório da perda de uma capacidade laboral:

Avaliando a questão numa vertente exclusivamente patrimonial, deve então reter-se que, em consequência do acidente, a A., com 32 anos nessa data, ficou a padecer de graves sequelas irreversíveis, tais como dores na anca e perna esquerdas, dificuldade de mobilidade ao efectuar movimentos de flexão-extensão, adução-abdução e de rotação, dores na coluna, limitações relativamente à movimentação do tronco, dores nas rótulas dos joelhos, em especial do joelho esquerdo, só podendo actualmente deslocar-se de muletas ou em cadeira de rodas e sofreu, ainda, lesões na cabeça do fémur que se agravarão com a idade (cfr. pontos 29, 30, 31, 33 e 37 supra da matéria assente). Pelo que em resultado dessa lesões lhe foi fixada uma incapacidade permanente geral de acordo com a tabela nacional de incapacidades de 20% mais 10% de dano futuro e com uma incapacidade genérica permanente parcial de 12 pontos, mais 10 pontos de dano futuro, de acordo com o DL. 352/2007, de 23.10.

É, por isso, previsível que a mesma não conseguirá desenvolver, ao longo da sua vida, a maior parte das tarefas da vida normal e diária e que outras levará a cabo mas com acrescida dificuldade em consequência das lesões sofridas, o que tenderá naturalmente a acentuar-se com o avanço da idade e o provável agravamento de algumas das sequelas (designadamente, na cabeça do fémur). Dessa condição resultarão, ainda, com toda a probabilidade, despesas para a A. pelo menos com o recurso ao apoio de terceiros (como atrás analisámos) ou a meios, técnicos ou físicos (máquinas, equipamentos domésticos, etc.), que, por qualquer forma, atenuem as dificuldades sentidas em razão da IPP sofrida.

Acresce que não se conhecendo à A. especial habilitação ou qualificação para o mundo do trabalho, sempre ficará esta ainda mais limitada na pretendida (e apurada) procura de emprego em razão das suas condições físicas, para além das já inerentes à própria disponibilidade do mercado.

Cumprirá ter, finalmente, em conta o tempo de vida previsível da A., por referência à média estatística da esperança de vida para as mulheres portuguesas que será de 78/80 anos.

Donde, tudo ponderado, julga-se adequado fixar o valor dos danos patrimoniais futuros decorrentes da IPP em € 50.000,00, por simples recurso à equidade.

- finalmente, considerou o acórdão recorrido equitativo arbitrar uma indemnização compensatória dos danos não patrimoniais sofridos pela lesada no valor de €40.000.

2. Inconformados com este sentido decisório, interpuseram recurso, quer a A., quer a seguradora demandada, tendo, porém a revista desta ficado deserta por falta de alegação – e encerrando a A. o seu recurso com as seguintes conclusões, que lhe delimitam o objecto:

1ª)
A recorrente entende, S.M.O., que deverá ser efectivamente fixada e atribuída uma indemnização decorrente da respectiva ITA, contrariamente ao decidido pela Relação, porquanto, em consequência directa do acidente, ficou absolutamente incapacitada fisicamente por um período de, pelo menos, 879 dias, i.é, de 2 anos e 4 meses.
2ª)
Com efeito, estando ademais devidamente provado nos autos que "à data do embate a A. pretendia frequentar um curso de formação profissional e posteriormente trabalhar como empregada fabril", afigura-se por demais evidente a justeza da atribuição de um quantitativo a título de indemnização resultante da referida incapacidade total temporária, ainda que com recurso à equidade, na falta de outros elementos relativos a remunerações ou subsídios que a recorrente deixou de auferir, precisamente por força da ITA.
3ª)
Para a recorrente, ter-se-á de aplicar um procedimento ou cálculo análogo ao que ocorre na fixação de indemnização por IPP, nos casos em que o sinistrado, à data do acidente, não exercia actividade remunerada: assim, ter-se-á de recorrer, como ponto de partida para tal cálculo, ao montante do salário mínimo mensal e, após isso, retocar ou afinar o montante com o recurso à equidade, tal como feito para o cálculo da indemnização por IPP!
4ª)
Em face do exposto, afigura-se à recorrente de modo algum exagerado o por si peticionado montante indemnizatório, a título de ITA, de € 14.000,00, o que se requer, pois, seja de facto fixado e atribuído à recorrente - cfr. o decidido exemplarmente, a este respeito, pelo douto Ac. da Relação do Porto de 20-06-2005, no Proc. n° 0551959.
5ª)
A recorrente reclamou, em sede de apelação, a título de IPP, a quantia de € 80.000,00, bem como reclamou ainda de indemnização pelo dano futuro (decorrente da dependência de terceiro) a quantia de € 158.880,00, ou seja, tendo em conta que o douto acórdão da Relação considerou e configurou estes dois tipos de danos como danos patrimoniais decorrentes da IPP, a recorrente havia reclamado o montante de € 238.880,00, resultante da soma de ambos os mencionados valores, se considerados autonomamente; e a Relação atribuiu pela IPP o montante indemnizatório de € 50.000,00.
6ª)
Ora, para a recorrente, esse valor fixado pela Relação encontra-se, de facto, manifestamente errado e é claramente injusto.
7ª)
Esse valor de IPP fixado pelo aresto aqui objecto de recurso não atendeu, desde logo, ao montante relativo às comprovadas (cfr. resposta ao quesito 37) intervenções cirúrgicas, no mínimo duas intervenções (cfr. resposta ao quesito 26), que a primeira instância fixou em € 15.000,00 (quinze mil euros) - cfr., designadamente, fls. 606 e 607 dos autos, correspondente às págs. 20/21 da douta Sentença proferida em primeira instância.
8ª)
Caso contrário, ou seja, não se atendendo a esse outro montante, repare-se no seguinte: a primeira instância fixou € 38.000,00 de indemnização pela IPP, mais tendo fixado € 15.000,00 pelas duas intervenções cirúrgicas, ou seja, entre uma coisa e outra atribuiu o montante de indemnização de € 53.000,00; e a Relação, como não considerou a despesa com estas intervenções cirúrgicas, atribuiu menos, ou seja, apenas os € 50.000,00, o que não é nem pode ser admissível, pois isso resultaria obviamente num prejuízo para a Autora, sendo, por outro lado, certo que foi ela a única parte que recorreu da sentença proferida.
9ª)
Consequentemente, haverá, pois, que adicionar aquela quantia dos € 15.000,00 necessária às duas intervenções cirúrgicas a realizar no futuro - e assim, como dano futuro, tendo de ser consideradas - ao montante fixado como dano patrimonial decorrente da IPP (os € 50.000,00), pelo que a título de danos patrimoniais decorrentes da IPP tem a recorrente direito à quantia de € 65.000,00 e não apenas de € 50.000,00, contrariamente ao que consta da decisão proferida pelo acórdão da Relação.
10ª)
Sobre o prejuízo derivado para a Autora dos danos emergentes, ou seja, os descritos em 39. (€ 784,92) e em 40. (transportes, no montante de € 3.945,66) dos factos provados, no total de € 4.730,58, não incidiu qualquer reclamação ou recurso, mas a Relação, de forma algo obscura ou, pelo menos, pouco explícita, no seu dispositivo final também não faz qualquer menção a esse valor, o qual, repete-se, não estava sequer indicado como fazendo parte do objecto do recurso.
11ª)
Pelo que, de forma a evitarem-se no futuro sejam suscitadas questões ou dúvidas sobre a indemnização efectivamente a atribuir à Autora, ora recorrente, convirá certamente, em seu entender, que fique devidamente claro que este valor tem também de ser incluído na indemnização que, a final, lhe cabe receber da ré seguradora.
12ª)
Assim, atendendo a tudo quanto anteriormente ficou mencionado, no entendimento da recorrente, o dispositivo final do douto aresto a proferir pelo Supremo, esclarecendo e clarificando devidamente os montantes da indemnização a que tem a recorrente direito, para além de rectificando as omissões ou obscuridades supra aludidas, inclusive nos termos e para os efeitos do previsto nos artigos 667°, n°s 1 e 3, e 669°, n°s 1 e 3, ambos do Cód. Proc. Civil, deverá fixar os seguintes montantes de indemnização, levando em conta as referidas alíneas b) e c) da decisão da primeira instância:
b)- Condenar a R.DD - Companhia de Seguros S.A. a pagar à A. AA a quantia de € 83.730.58 correspondente a danos patrimoniais, quantia essa acrescida de juros desde a citação até integrai pagamento à taxa de 4%, sendo € 65.000,00 a título de danos patrimoniais decorrentes da IPP, € 14.000,00 de danos patrimoniais decorrentes da ITA e € 4.730,58 s título de danos emergentes;
c)- Condenar a R. BB - Companhia de Seguros S.A. a pagar à A. AA a quantia de € 40.000,00 correspondente a danos não patrimoniais, quantia essa acrescida de juros desde a decisão proferida em primeira instância até integral pagamento à taxa de 4%.

A seguradora recorrida, na contra alegação apresentada, pugna pela manutenção do decidido no acórdão recorrido.

3. As instâncias fizeram assentar a decisão jurídica do pleito na seguinte matéria de facto – inteiramente mantida pela Relação, ao ter por improcedente a impugnação dirigida contra certos pontos da matéria de facto fixada na 1ª instância:

1. No dia 07 de Fevereiro de 2003, cerca das 08h e 20m, na E.N. 13, ao KM 110,500 em Vila Meã, concelho de Vila Nova de Cerveira, ocorreu um acidente em que foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula 00-00-00 e o veículo pesado de mercadorias de matrícula espanhola 0000000 – cfr. alínea A) dos Factos Assentes.
2. O VF era conduzido na ocasião do acidente por EE, encontrando-se a A. no interior desse veículo – cfr. alínea B) dos Factos Assentes.
3. O veículo de matrícula espanhola era conduzido por FF – cfr. alínea C) dos Factos Assentes.
4. À data do acidente encontrava-se transferida para a R. Império a responsabilidade pelos danos emergentes de acidente de viação provocados pelo VF através de contrato de seguro válido e em vigor titulado pela apólice nº 0000000000 – cfr. alínea D) dos Factos Assentes.
5. À data do acidente encontrava-se transferida para a R. Vitalícios Seguros a responsabilidade pelos danos emergentes de acidente de viação provocados pelo BDS através de contrato de seguro, válido e em vigor, titulado pela apólice nº 0000000000 – cfr. alínea E) dos Factos assentes.
6. O VF circulava na hemi-faixa de rodagem direita no sentido Vila Nova de Cerveira para Valença – cfr. alínea F) dos Factos Assentes.
7. O BDS circulava na hemi-faixa de rodagem direita da E.N. 13 no sentido Vila Nova de Cerveira para Valença – cfr. alínea G) dos Factos Assentes.
8. O local do embate configura uma recta, tendo a estrada nacional no local em que se deu o acidente uma faixa de rodagem com a largura de 7,20m, tendo a berma uma largura de 2,45m – cfr. alínea H) dos Factos Assentes.
9. A A. nasceu no dia 2 de Agosto de 1970, é casada e tem duas filhas que, à data do acidente, possuíam 7 e 10 anos – cfr. alínea I) dos Factos Assentes.
10. Aquando do acidente dos autos a A. era transportada graciosamente como passageira no banco da retaguarda do VF – cfr. resposta ao quesito 1.
11. O VF pretendendo mudar de direcção para a sua esquerda, encostou-se ao lado direito e saiu da hemi-faixa de rodagem, passando a circular na respectiva berma, após o que inopinada e repentinamente, iniciou, desde aquela berma, a pretendida mudança de direcção, reentrando na hemi-faixa de rodagem pela qual circulava anteriormente, atravessando-se no sentido de marcha então prosseguido pelo BDS – cfr. resposta ao quesito 2.
12. O embate ocorreu na hemi-faixa de rodagem direita da E.N. 13 no sentido Vila Nova de Cerveira – Valença – cfr. resposta ao quesito 3.
13. Logo após o acidente e por força dos ferimentos resultantes do mesmo a A. foi transportada para o Centro de Saúde de Vila Nova de Cerveira a fim de aí lhe serem prestados os primeiros socorros – cfr. resposta ao quesito 4.
14. Porém, dada a gravidade dos ferimentos da A., esta foi de imediato transportada de ambulância para o serviço de urgência do Hospital de Santa Luzia em Viana do Castelo onde lhe diagnosticaram fractura das ramas ília e isquio-púbicas à direita e fractura do acetábulo esquerdo – cfr. resposta ao quesito 5.
15. A A. entrou no hospital em coma profundo, permanecendo nesse estado durante uma semana – cfr. resposta ao quesito 6.
16. Tendo sido sujeita naquele hospital a vários tratamentos e exames médicos – cfr. resposta ao quesito 7.
17. Tendo permanecido encamada durante todo o período em que esteve no hospital, sofrendo dores e mal estar físico e psicológico, quase não se podendo mexer – cfr. resposta ao quesito 8.
18. Passando após o período de coma noites em claro, com dores, num permanente sofrimento, antevendo o que iria ser a sua vida futura e sabendo que iria ficar aleijada para toda a vida o que provocou desânimo – cfr. resposta ao quesito 9.
19. A A. teve alta a 05 de Março de 2003 – cfr. resposta ao quesito 10.
20. Com a recomendação médica de não efectuar qualquer esforço físico, bem como de permanecer acamada – cfr. resposta ao quesito 11.
21. Aquando da primeira consulta médica da A. para a qual foi transportada de ambulância aos serviços clínicos da R. Império, em 07.05.2003, a A. permanecia acamada – cfr. resposta ao quesito 12.
22. Permanecia quase esse tempo todo de costas na cama pois quase não se conseguia virar em virtude das dores sentidas – cfr. resposta ao quesito 13.
23. O mesmo sucedeu na segunda consulta médica aos serviços da R. Império em 04.06.2003 – cfr. resposta ao quesito 14.
24. Nessa segunda consulta foi dito à A. que teria que se sujeitar a sessões de fisioterapia, sujeitando-se a esses tratamentos, quase diariamente, desde o princípio de Junho de 2003 até final de Novembro de 2003 – cfr. resposta ao quesito 15.
25. Em Junho e Julho de 2005 a A. ainda fazia por força do acidente aqueles tratamentos de fisioterapia – cfr. resposta ao quesito 16.
26. No dia 21.01.2005 a A. foi submetida a uma intervenção cirúrgica forçada pelos danos físicos resultantes do acidente – cfr. resposta ao quesito 17.
27. O estado de saúde da A. nada melhorou após a cirurgia, antes piorou, pois passou a ter de andar apoiada em muletas por força das dores que sente ao caminhar – cfr. resposta ao quesito 18.
28. Os serviços médicos da R. Império vieram a reconhecer a incapacidade temporária absoluta geral da A. desde a data do acidente em 07.02.2003 até, pelo menos, 05.07.2005 – cfr. resposta ao quesito 19.
29. A A. passou a sofrer e sofre após o acidente e como consequência deste: dores na anca e perna esquerdas, sentindo dificuldade de mobilidade ao efectuar movimentos de flexão-extensão, adução-abdução e de rotação; dores na coluna, tendo limitações relativamente à movimentação do tronco; dores nas rótulas dos joelhos, principalmente do joelho esquerdo; cicatriz na coxa/anca esquerda – cfr. resposta ao quesito 20.
30. Tais sequelas são irreversíveis – cfr. resposta ao quesito 21.
31. Antes do acidente a A. era uma pessoa saudável, robusta e alegre – cfr. resposta ao quesito 22.
32. A A. continuará a sofrer dores – cfr. resposta ao quesito 23.
33. A A. só pode locomover-se de muletas ou de cadeira de rodas – cfr. resposta ao quesito 24.
34. A A. não mais poderá correr e saltar, nomeadamente em brincadeiras com as filhas, dançar ou dar um simples passeio abraçada no seu marido, passando a ter dificuldade na prática de relações sexuais – cfr. resposta ao quesito 25.
35. A A. terá que ser submetida futuramente a mais do que uma intervenção cirúrgica para a colocação e recolocação de prótese total na anca esquerda – cfr. resposta ao quesito 26.
36. As sequelas resultantes do acidente provocaram lesões pós-traumáticas na cabeça do fémur, patologia irreversível e de carácter progressivo – cfr. resposta ao quesito 27.
37. Antes do acidente era a A. que preparava as refeições para a sua família (marido e filhas) e efectuava as lides domésticas como lavar roupa e a limpeza da casa, sem depender de quem quer que fosse, o que agora lhe está vedado – cfr. resposta ao quesito 28.
38. Para a execução de todas aquelas tarefas e pelo menos até à intervenção cirúrgica de recolocação de prótese total da anca a A. necessitará de uma terceira pessoa – cfr. resposta ao quesito 29.
39. A A. teve que ser medicada, fazer exames médicos e submeter-se a sessões de fisioterapia, tendo gasto em consultas, medicamentos e exames radiológicos a quantia de € 784,92 – cfr. resposta ao quesito 30.
40. Pagou em transportes € 3.945,66 – cfr. resposta ao quesito 31.
41. Em resultado das lesões sofridas a A. ficou com uma incapacidade permanente geral de acordo com a tabela nacional de incapacidades de 20% mais 10% de dano futuro e com uma incapacidade genérica permanente parcial de 12 pontos, mais 10 pontos de dano futuro, de acordo com o DL. 352/2007 de 23.10 – cfr. resposta ao quesito 32.
42. Os serviços da R. Império deram alta clínica à A. em 06.07.2005 com incapacidade genérica temporária parcial de 838 dias – cfr. resposta ao quesito 34.
43. À data do embate a A. pretendia frequentar um curso de formação profissional e posteriormente trabalhar como empregada fabril – cfr. resposta aos quesitos 35 e 36.
44. Cada uma das intervenções cirúrgicas para colocação de próteses na anca esquerda importará em € 7.500,00 – cfr. resposta ao quesito 37.

3. Começa a recorrente por suscitar questão ligada – não propriamente ao conteúdo decisório do acórdão recorrido – mas ao facto de este se não ter pronunciado expressamente sobre dois segmentos da sentença condenatória, favoráveis à recorrente, e respeitantes à atribuição dos valores indemnizatórios de, respectivamente, €4.730,58, arbitrado a título de ressarcimento de danos emergentes suportados pela lesada e respeitantes a despesas de consultas, tratamentos e transportes, e de €15.000, atribuído como compensação dos danos patrimoniais futuros, resultantes do custo de duas intervenções cirúrgicas que comprovadamente necessitará de vir a realizar.
Como é evidente, não cabe propriamente no âmbito da presente revista aclarar o conteúdo do acórdão proferido pela Relação: se a recorrente entendia que alguma obscuridade o afectava, em consequência de não se referir expressamente a tais parcelas da indemnização global, deveria obviamente ter suscitado tal incidente pós-decisório perante a Relação, peticionando os esclarecimentos pretendidos.
De qualquer modo, sempre se dirá que a Relação não estava obrigada, no acórdão que proferiu, a voltar a pronunciar-se sobre todas e cada uma das parcelas que integravam a indemnização arbitrada na 1ª instância : o objecto da apelação, interposta pela A., apenas integrava, como é evidente, a parcela da decisão recorrida que era desfavorável à recorrente e que tinha sido por esta questionada nas conclusões do recurso interposto – sendo evidente que a sentença proferida sobre as parcelas indemnizatórias autónomas que a R./ seguradora não curou de impugnar constituem caso julgado, nos termos do nº4 do art. 684º do CPC.
Note-se, aliás, que o acórdão recorrido, na parte decisória, especifica expressamente que se mantém a sentença recorrida, em tudo aquilo que se não refere às questões cuja apreciação envolveu modificação ao teor da sentença de 1ª instância – ou seja, ao valor indemnizatório especificamente arbitrado a título de IPP e ao valor correspondente aos danos não patrimoniais.

Não tem, deste modo, razão de ser a dúvida suscitada pela recorrente.

4. Note-se que, face ao teor das conclusões da presente revista:

- a recorrente aceita o valor de €40.000, arbitrado pela Relação a título de danos não patrimoniais;

- no que se refere à indemnização atribuída a título de danos patrimoniais decorrentes do período de incapacidade que afectou a lesada, o inconformismo desta não se reporta propriamente ao valor fixado especificamente para compensar a IPP - €50.000 – já que o montante peticionado de €83.730,58 decorre:
- da pretendida contemplação dos danos emergentes e dos danos futuros resultantes de duas intervenções cirúrgicas ( no valor global de €19.730,58) – questão que, como já se viu, carece de sentido, já que tal matéria não foi nem tinha de ser objecto de expressa pronúncia no acórdão recorrido;
- da inclusão no montante indemnizatório do valor de €14.000 que, segundo a recorrente, deveria corresponder ao ressarcimento dos danos patrimoniais decorrentes da ITA ( sendo certo que as instâncias não atribuíram efectivamente tal montante, por a lesada não exercer qualquer actividade remunerada à data do acidente).

É, pois, esta em bom rigor, esta a única questão que integra o objecto do recurso e que importa dirimir: não exercendo a lesada, com 32 anos de idade, qualquer actividade profissional à data do acidente, deverá ser contabilizado na indemnização global a arbitrar a título de compensação da perda da potencial capacidade de trabalhar e angariar rendimentos o período temporal ( cerca de 2 anos e meio) em que, por causa das gravosas lesões sofridas, a A. esteve totalmente incapacitada de realizar qualquer actividade geradora de rendimentos?

A indemnização dos danos decorrentes da incapacidade que as sequelas irremediáveis das lesões físicas emergentes do acidente determinaram para a lesada obriga a chamar à colação, no caso dos presentes autos, a problemática do dano biológico, já que a lesada / A. não exercia uma actividade profissional remunerada à data do acidente (sendo, consequentemente, impossível avaliar o dano patrimonial decorrente de tal incapacidade em função da percentagem dos rendimentos profissionais por ela efectivamente perdidos).

O dano biológico, perspectivado como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre , é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial ( cfr., v.g., os Acs. deste STJ de 11/11/10 (p. 270/04.5TBOFR.C1.S1) e de 20/5/10 ( P. 103/2002.L1.S1).

Na situação dos autos, não oferece dúvida que a indemnização a arbitrar pelo dano biológico da lesada - consubstanciado em drástica limitação funcional (bem documentada no ponto 41 da matéria de facto) - deverá compensá-la adequadamente de tal perda de capacidades, apesar de esta não estar imediatamente reflectida no nível de rendimento auferido, já que, como se viu, a lesada não exercia actividade profissional remunerada à data do acidente.
Tal compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão ou de futura mudança ou reconversão de emprego pelo lesado, enquanto fonte actual de possíveis e eventuais acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar, quer da acrescida penosidade e esforço no exercício de qualquer actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas.

Na verdade, a perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediatamente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado – constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades exercício profissional e de escolha de profissão , eliminando ou restringindo seriamente o futuro emprego ou qualquer mudança ou reconversão de actividade profissional - e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais potencialmente à disposição do lesado, erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuros lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais .

No caso dos autos, é evidente que uma lesada de 32 anos de idade , cujo projecto de vida envolvia a intenção de frequentar curso de formação profissional para posteriormente trabalhar como empregada fabril ( cfr. ponto 43 da matéria de facto) dispunha de efectivas potencialidades para, no decurso da longa vida activa que ainda estava à sua frente, poder vir a trabalhar e exercer uma qualquer actividade profissional, conforme às suas habilitações – sendo tais potencialidades precludidas ou drasticamente restringidas pelo grau e relevância das deficiências funcionais que lhe resultaram do acidente ( dificultando-lhe obviamente a obtenção do emprego no âmbito de actividades fabris, perspectivado como futuro profissional desejado pela lesada ou, pelo menos, implicando redução das remunerações que, nas condições físicas anteriores ao acidente, poderia eventualmente alcançar - e envolvendo seguramente tais deficiências uma muito maior penosidade no exercício de quaisquer actividades que, porventura, consiga ainda vir no futuro a desempenhar).

Sucede que tal dano biológico não deve reportar-se exclusivamente ao período temporal subsequente à alta clínica, tendo, por maioria de razão, de abarcar igualmente o tempo em que tal incapacidade foi mais intensa, por se ter traduzido numa incapacidade temporária absoluta desde 7/2/03 a 5/7/05 - já que obviamente, também durante esse período de tempo, a capacidade laboral potencial da lesada esteve absolutamente abalada pelas sequelas das lesões sofridas.

Ou seja, numa hipótese com a especificidade do caso dos autos - caracterizado pela circunstância de a lesada não exercer efectiva actividade remunerada à data do acidente, tendo, porém, ( ponderada a sua idade e os projectos e intenções de vida, documentados na factualidade apurada) potencialidades laborais drasticamente afectadas pelo sinistro – o período de incapacidade temporária absoluta tem de ser, também ele, ressarcido na óptica do dano biológico sofrido, correspondendo, porém, tal ressarcimento, não obviamente aos rendimentos laborais perdidos, mas `a compensação adequada da perda efectiva da capacidade de exercer qualquer actividade profissional e, através dela, prover à sua subsistência.

E, valorando tal dano em termos de equidade, tal como as instâncias valoraram o dano biológico decorrente da IPP, entende-se ser de fixar uma indemnização global de € 60.000, que se tem como justa e adequada ao ressarcimento de uma perda relevante de potencialidades laborais, desde o momento do acidente até ao termo do tempo de vida previsível da lesada.

5. Nestes termos e pelos fundamentos apontados, concede-se parcial provimento à revista, condenando a R.BB a pagar à A., a título de ressarcimento do dano biológico decorrente dos períodos de incapacidade permanente parcial e de incapacidade temporária absoluta sofridos, o montante de €60.000, confirmando-se em tudo o mais o decidido pelas instâncias.
Custas por recorrente e recorrida, na proporção do decaimento.

Lisboa, 06 de Dezembro de 2011

Lopes do Rego (Relator)
Orlando Afonso
Távora Victor