ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


PROCESSO
2005/03.0TVLSB.L1.S1
DATA DO ACÓRDÃO 09/27/2011
SECÇÃO 1ª SECÇÃO

RE
MEIO PROCESSUAL REVISTA
DECISÃO INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO
VOTAÇÃO UNANIMIDADE

RELATOR GABRIEL CATARINO

DESCRITORES PODERES DO JUIZ
DECISÃO SURPRESA
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
PODERES DAS PARTES
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
FUNDAMENTOS DE DIREITO
ÁREA TEMÁTICA DIREITO PROCESSUAL CIVIL
LEGISLAÇÃO NACIONAL CÓDIGO PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 3.º, N.º3, 201.º, 668.º, N.º1, AL. C).
JURISPRUDÊNCIA NACIONAL
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 4-6-2009.


SUMÁRIO I - O juiz tem o dever de participar na decisão do litígio, participando na indagação do direito – iura novit curia –, sem que esteja peado ou confinado à alegação de direito feita pelas partes. Porém, a indagação do direito sofre constrangimentos endoprocessuais que atinam com a configuração factológica que as partes pretendam conferir ao processo.

II - Há decisão surpresa se o juiz de forma absolutamente inopinada e apartado de qualquer aportamento factual ou jurídico envereda por uma solução que os sujeitos processuais não quiseram submeter ao seu juízo, ainda que possa ser a solução que mais se adeqúe a uma correcta e atinada decisão do litígio.

III - Não tendo as partes configurado a questão na via adoptada pelo juiz, cabe-lhe dar a conhecer a solução jurídica que pretende vir a assumir para que as partes possam contrapor os seus argumentos.


DECISÃO TEXTO INTEGRAL

Requerente: AA

Requeridos: “BB – SOCIEDADE IMOBILIÁRIA, S.A”

I. - Relatório.

A autora, AA, reclama para a conferência do acórdão proferido por este Tribunal, por:

1) - ter sido violado o disposto no artigo 3.º, n.º 3 do Código Processo Civil, na dimensão normativa aí estatuída que impede que o tribunal emita pronúncia ou profira decisão nova sem que, previamente, accione o contraditório. Vale por dizer, que a reclamante estima que o Tribunal se pronunciou sobre uma questão não versada nem pela autora nem pela Ré, pelo que deveria, prévia a uma decisão convidar as partes a pronunciarem-se ou a exprimirem a sua posição quanto à questão que tinha intenção de vir a emitir.

Em enxutas palavras conclama que o tribunal proferiu uma decisão-surpresa, o que está constitucionalmente vedado e ao fazê-lo cometeu uma nulidade subsumível “[ao] artigo 201.º e segts. do CPC” (sic) [[1]]   

Antes de passarmos a outras nulidades com que o acórdão é acoimado, importa fixar o conceito de decisão-surpresa.

A questão da decisão-surpresa adquire na doutrina italiana a designação de “sentenza di terza via” [[2]] ou “decisioni solitarie” ou “solipsisticamente adoptata” e vem regulada nos artigos 101.º e 183.º do Códice di Procedura Civile. No domínio da legislação italiana, tal como na maioria da legislações, onde se pretendem estabelecer regras de um processo justo - processo organizado e estruturado de modo a garantir, no limite do possível, a justiça do resultado -  o juiz tem o dever de participar na decisão do litigio participando na indagação do direito – iura novit cura – sem que esteja peado ou confinado à alegação de direito feita pelas partes. A indagação do direito sofre, no entanto, constrangimentos endoprocessuais que atinam com a configuração factológica que as partes pretendam conferir ao processo. Este confinamento factológico, balizante da capacidade cognoscente do tribunal, não impede o tribunal de enveredar pelo conhecimento de questões que as partes não tenham enunciado ou não tenham qualificado durante, ou no desenvolvimento, da lide processual. A questão que se coloca na doutrina é saber se tendo, por exemplo, dirigido ao tribunal um pedido para, segundo determinada factologia, apreciar se ocorreu um inadimplemento de um contrato e o juiz, oficiosamente, na apreciação de mérito a que procede declara a nulidade do contrato. Vale por dizer se é legítimo nesta caso o juiz decidir sobre a nulidade de um contrato sem que qualquer das partes tenha suscitado a questão e sem que, previamente, tenha convocado as partes a pronunciar-se sobre esta hipótese decisão.

O exemplo, académico, que se convocou dilucida de forma paradigmática o que deve ser tido por decisão-surpresa ou “decisão solitária” do juiz. O juiz de forma absolutamente inopinada e apartado de qualquer aportamento factual ou jurídico envereda por uma solução que os sujeitos processuais não quiseram submeter ao seu juízo, ainda que possa ser a solução que mais se adeqúe a uma correcta e atinada do litígio. Não tendo, no entanto as partes configurado a questão na via adoptada pelo Juiz caber-lhe-ia dar-lhe a conhecer a solução jurídica que pretenderia vir a assumir para que as partes pudessem contrapor os seus argumentos.

Não subsistirão dúvidas de que na estruturação de um processo justo o tribunal deve prevenir e, na medida do possível, obviar a que os pleiteantes sejam surpreendidos com decisões para as quais as suas exposições, factuais e jurídicas, não forma tomadas em consideração. A questão da falta ou ausência de participação das partes na formação do juízo decisório do tribunal deve ser, contudo, objecto de uma disquisição mais aprofundada. Trata-se de emanações dos princípios fundantes do processo justo como sejam os princípios de cooperação, boa fé processual e colaboração entre as partes e entre estas e o tribunal.

O n.º 2 do artigo 101.º do Códice di Procedura Civile, na reforma de 18 de Junho de 2009, Lei n.º 69, taxa de nulidade a assumpção de uma decisão que seja tomada pelo Juiz sem que tenha sido assegurado o contraditório. Esta normativa vem correlacionada com o artigo 183.º do mesmo diploma legal que impõe ao Juiz o dever de indicar às partes, no decurso da audiência, as questões relevantes que, oficiosamente, possam surgir e que o tribunal julgue ou prospective virem a ser objecto de tratamento na decisão que pensa vir a tomar, a final. Se o não fizer nesta sede sempre terá a possibilidade de o vir a fazer ou impulsionar nos termos do já citado artigo 101.º.

A falta ou ausência de contraditório originou na jurisprudência italiana orientações diversas que foram desde a crismada linha rigorista ou garantistíca até á linha formalista. Porém a sentença n.º 20935, de 30 de setembro de 2009, das secções unidas da Corte de Cassação, tomando posição sobre a controvérsia gerada afirma “[que] resta todavia, aberto o nó problemático se omitida a indicação da questão relevante de oficio possa não comportar, ipso facto, a nulidade da sentença, pois que tudo se transporta a uma justiça ou injustiça da decisão, ou então se tal nulidade seja indefectível consequência do dever de imparcialidade do Juiz, pela sua posição super partes, que conota todo o justo processo”. [[3]] (tradução nossa). Também a doutrina italiana se tem dividido na taxação de nulidade da sentença de “terza via”, como dá nota o artigo que vimos citando.

A jurisprudência indígena, mais significativa, e que, em nosso juízo melhor, melhor atina com o ordenamento jusprocessual vigente vem plasmada no douto acórdão do Conselheiro João Bernardo, datado de 4 de Junho de 2009.

Embora o artigo 3.º, n.º 3 do Código Processo Civil exija do juiz uma diligência aturada de observar e fazer cumprir ao longo de todo o processo o princípio do contraditório, salva os casos em que ressalte uma manifesta desnecessidade. O que deve entender-se por manifesta desnecessidade constitui-se como o nódulo ou punctum crucis da questão e só a praxis pode ajudar a desbravar e obtemperar.

Assim, e recorrendo a uma situação que se pode configurar paralela, suponha-se que numa acção para ressarcimento de um lesado com fundamento na responsabilidade civil extracontratual, por exemplo decorrente de acidente de viação, o autor pede, com base na culpa efectiva do demandado, o pagamento de determinada quantia. O tribunal, na sequência da audiência de julgamento e após alegações de direito das partes em que cada uma sustenta que a culpa deve ser atribuída à contraparte, acaba por decidir que cada um deles contribuiu como uma quota de 50% para a produção do evento danoso, fixando a indemnização em metade da quantia peticionada pelo demandante. Estaria o Juiz obrigado a, antes da decisão, e em face do que foi discutido em audiência de discussão e julgamento a avisar os sujeitos processuais que o tribunal perspectivava a possibilidade de vir enveredar por uma situação de concorrência de culpas na produção do evento danoso e por virtude dessa posição seria possível que a indemnização a fixar fosse reduzida a metade?

Em nosso juízo, e de forma decidida, não pensamos que a falta de exercício do contraditório não afecta a imparcialidade do julgamento nem quebra as regras de uma decisão com justiça. Na verdade na contraposição das posições, durante todo o processo, não podiam as partes apartar-se da hipótese de o tribunal, em face da discussão da causa, viesse a optar por uma partição das culpas na produção da situação de que ambas reclamam a responsabilidade da contraparte. Mutatis mutandi e transportando a situação para o caso que nos ocupa, tendo cada uma das partes atribuído à outra a responsabilidade no incumprimento do contrato promessa, e tendo cada uma elas a possibilidade de esgrimir os seus argumentos para defesa da respectiva posição processual, era previsível que o tribunal pudesse vir a enveredar por uma posição em que a atribuição da responsabilidade pelo incumprimento fosse parcialmente fixada e numa proporção ajustada à contribuição de cada uma para a ruptura do vínculo ou da relação contratual.

Na esteira da jurisprudência supra citada, advogamos a tese de poder a vingar a arguição de nulidade de uma decisão quando, e se, a solução opcionada pelo tribunal se desvincule totalmente do alegado pelas partes, na sua substancialidade ou na sua adjectividade. Vale por dizer que as partes terão direito a insurgir-se contra uma decisão se a via nela seguida não se ativer, com um mínimo de arrimo, ao que foi alegado e sufragado pelas partes durante o curso do processo. Assim, se as partes não tiveram hipótese de aportar e debater factos (novos e condizentes com a realidade jurídica prefigurada pelo tribunal antes da decisão “solipsisticamente adoptata”) que poderiam trazer alguma luz sobre a “terza via”, oficiosamente assumida pelo tribunal, então as partes terão o direito de tentar refazer a actividade do tribunal de modo a encarrilar e adequar a estrutura do processo ao resultado decisório. Na última situação prefigurada o tribunal apartou-se do dever de cooperação, colaboração e boa fé que deve nortear o princípio de imparcialidade e de posição super partes constitucionalmente atribuído ao Julgador. Neste caso, se o juiz envereda por uma “terza via” e as partes não alegaram factos ou tomaram posição concreta sobre a solução “solitária”, a decisão pode tornar-se injusta e acarretar um juízo de parcialidade que afecta a estrutura regente de um processo justo e despejado de desvios processuais ou substantivos que desvirtuem a decisão ou o resultado final que se espera venha a ser assumido pelo tribunal.

No caso concreto, pensamos, não estarmos perante um caso em que as partes não tivessem tido oportunidade de debater as questões e os factos perante as instâncias e estando este tribunal cingido aos factos adquiridos pelas instâncias, e considerando que o quadro factológico adquirido não necessitava de ser ampliado, a possibilidade de o tribunal qualificar juridicamente as condutas espelhadas na factualidade adquirida era ou devia ser previsível para qualquer dos pleiteantes. A decisão recaiu sobre factos debatidos e devidamente sedimentados pelo que as partes não tiveram diminuição dos respectivos direitos quando o tribunal avaliando os factos trazidos pelas instâncias apurou, diversamente do que tinha sido a posição por elas assumida, que a responsabilidade na ruptura da relação contratual devia ser computada numa proporção de metade para cada uma delas. A decisão não se afasta, ou não pode constituir, em face dos factos adquiridos pelas instâncias, uma decisão injusta, por não se revelar uma emanação de um desvio que deva ser crismado ou taxado de imparcialidade ou postergação de factos ou direitos não alegados.

   Não se constituindo a decisão como violadora dos deveres de colaboração ou de cooperação, por terem tido as partes a possibilidade de debaterem as respectivas responsabilidades na quebra da relação contratual ao longo de todo o processo e constituindo-se a decisão tomada uma emanação dos factos adquiridos pelas instâncias, mediante a atribuição de culpas repartidas na responsabilidade que cada uma imputava á outra, estimamos não ter este Tribunal proferido uma decisão-surpresa.

2) - Estima a reclamante que ocorre contradição entre a decisão de facto e os fundamentos de direito no lance em que o tribunal afirma que a autora se alheou da modificação da cozinha, nos moldes em que o tinha pedido à ré.

As afirmações produzidas para justificar a comparticipação de ambos os contraentes na responsabilização pela deterioração da relação contratual decorrem da análise a que o tribunal procedeu da matéria de facto global e não parcelar, pelo que se atentarmos nos factos que a seguir se transcrevem verificar-se-á que a apreciação/análise a que se procedeu não encerra qualquer contradição entre a decisão de facto e os fundamentos de direito. A fundamentação de direito não pode acolher uma fracção da decisão de facto, sob pena de truncar e ilaquear a capacidade, âmbito, alcance e sentido de uma análise despojada de maniqueísmos e falácias conjecturais. A apreciação e ajuizamento de um caso não se basta com o destaque de um ou dois factos mas outrossim pela abrangência do conspecto factológico que permita ensaiar uma avaliação de conjunto e que atine com o sentido do comportamento dos sujeitos na sua globalidade.

Por isso é que do conjunto da factualidade adquirida para a decisão, e que se transcreve infra, extraímos a conclusão e o juízo de culpa da autora na deterioração/ruptura da relação contratual.

 “57) - Às datas das escrituras referenciadas nas alíneas U) e Z) dos Factos Assentes, a cozinha da fracção não estava apta a funcionar, não estando feita a ligação entre os móveis e a rede de água e o esgoto, nem instalado qualquer electrodoméstico – resposta ao quesito 30 (de acordo com a alteração operada pelo tribunal da Relação a fls. 1682);

58) - No que diz respeito aos defeitos, a Ré "BB'' procedeu à sua correcção imediatamente após a sua denúncia, à semelhança do que sucedeu com outras fracções do mesmo prédio – resposta ao quesito 31.

59) - Tais defeitos não impediam o uso normal da fracção – resposta ao quesito 32.

60) - Foram realizadas, a expensas da 1 a Ré, pequenas obras de alterações e correcções nos acabamentos de acordo com a vontade manifestada pela Autora – resposta ao quesito 33.

61) - Todas as fracções se encontravam habitadas desde o ano 2000 – resposta ao quesito 34.

62) - Os móveis inicialmente previstos para a cozinha da fracção autónoma não foram colocados por vontade expressa da Autora, que pretendia que fossem instalados outros diferentes, tendo ficado acordado que esta alteração correria por sua própria conta – resposta ao quesito 35.

63) - A Ré "BB" indicou à Autora o nome do fabricante a quem deveria dirigir-se para escolher os materiais que lhe interessavam – resposta ao quesito 36.

64) - O que a Autora fez, tendo-se inclusivamente dirigido às instalações do fabricante por forma a obter uma proposta técnica e um orçamento para a cozinha que pretendia – resposta ao quesito 37.

65) - Após o que fabricante apresentou, em 6 de Dezembro de 1999, uma proposta técnica e um orçamento para a instalação dos móveis da cozinha solicitados pela Autora, conforme cópia do fax de fls. 95/96 – resposta ao quesito 38.

66) - Proposta e orçamento quanto aos quais a Autora, apesar de por si solicitados, nunca se pronunciou – resposta ao quesito 39.

67) - Nunca tendo tomado qualquer atitude com vista a adjudicação da obra da cozinha – resposta ao quesito 40.

68) - A Ré "BB" diligenciou no sentido de obter a adjudicação da referida obra, tendo-se proposto suportar as despesas com a ela, pelo que, em 6 de Junho de 2002, o referido fabricante enviou nova proposta de fornecimento dos móveis da cozinha, conforme cópia do fax de fls. 97 a 99 – resposta ao quesito 41.

69) - A escritura referida nos pontos 13 e 19 foi adiada por solicitação do marido da autora – resposta ao quesito 42.

70) - O que a ré "BB" aceitou – resposta ao quesito 43.

71) - A primeira Ré combinou com o marido da Autora proceder de novo à marcação de escritura e foi nessa sequência que procedeu à referida marcação para o dia 21.11.2001 às 11 horas no 8° cartório notarial de Lisboa – resposta ao quesito 48.

72) - O marido da Autora solicitou à Ré "BB" que lhe entregasse as chaves da fracção para poder mostrá-la a um sobrinho seu que é arquitecto e que, segundo o mesmo, iria ajudar na decoração da referida fracção – resposta ao quesito 49.

73) - A Ré "BB" confiou as chaves ao marido da Autora na sequência da solicitação descrita no ponto 72 e não exigiu a sua restituição, embora aquele as tenha, entretanto, devolvido – resposta ao quesito 50.

74) - O marido da Autora, em virtude da boa relação que mantinha com os membros dos órgãos sociais da Ré "BB", solicitou-lhes autorização para colocar na arrecadação da fracção autónoma e na própria fracção autónoma alguns bens móveis de que era proprietário, tal como a Autora – resposta ao quesito 51.

75) - Autorização esta que, só por força das referidas boas relações, foi concedida – resposta ao quesito 52.

76) - E foi concedida apenas para o referido efeito – resposta ao quesito 53.

77) - A Ré "BB" só não solicitou nessa altura a devolução das chaves para que a Autora e o seu marido pudessem ter acesso às suas coisas – resposta ao quesito 54.

78) - No que diz respeito aos contratos de fornecimento de electricidade e água, eles foram tratados por CC, funcionário da Ré "BB" – resposta ao quesito 55.

79) - Foi acordado entre as partes que seriam realizadas obras de alteração da fracção, com vista a transformá-la num "T1" – resposta ao quesito 61.º.

80) - Essas obras consistiam principalmente numa diminuição da área da cozinha e sua deslocação, levando-a para uma zona central do apartamento, quando inicialmente estava projectada para se localizar num canto da traseira – resposta ao quesito 62.

81) - No local onde inicialmente estava projectada a cozinha passou a constar um quarto – resposta ao quesito 63.

82) - Nunca em momento algum, a cozinha foi instalada no que concerne ao gás – resposta ao quesito 64.

83) - Em Setembro de 2002, na cozinha em causa não estava montada a bancada nem o tampo do lava-louça, nem feita a ligação entre os móveis e a rede de água e o esgoto, nem instalado qualquer electrodoméstico, reconhecendo a Ré "BB'' que era absolutamente impossível a instalação de gás canalizado – resposta ao quesito 65 (de acordo com a alteração operada pelo tribunal da Relação a fls. 1682).

84) - Pelo menos em Setembro de 2002, a cozinha não estava apta a ser utilizada – resposta ao quesito 66.

85) - No espaço para a cozinha, em Novembro de 2001, não estava feita a ligação entre os móveis e a rede de água e o esgoto, nem instalado qualquer electrodoméstico – resposta ao quesito 70 (de acordo com a alteração operada pelo tribunal da Relação a fls. 1683).

86) - Tendo a Autora utilizado o apartamento, a arrecadação e a garagem livremente e de modo absoluto – resposta ao quesito 73.

87) - Ficou convencionado que as obras descritas nos quesitos 61 ° a 63° ficavam a cargo da Autora, com excepção de um tecto falso e dos respectivos spots, a parede da nova cozinha, o chão do sítio da antiga cozinha em madeira e as canalizações da nova cozinha, que ficariam a cargo da "BB'' – resposta ao quesito 75.

88) - Estas alterações implicaram a apresentação de novos projectos de especialidades para poderem ser aprovadas pelas entidades competentes, o que a Ré "BB" fez, tendo obtido o licenciamento necessário – 76.

Quesitos 74 a 76: “ Provado o que consta das respostas dadas aos quesitos 61.º a 63.º (de acordo com a alteração operada pelo tribunal da Relação a fls. 1682)

89) - A Ré "BB" procedeu e custeou esta alteração, o que fez por acordo com a Autora, uma vez que a Ré "BB", também por acordo com a Autora, colocara no chão da fracção autónoma mármore por esta solicitado, mas cujo resultado não foi do agrado desta – resposta ao quesito 79.

90) - Em virtude de tal facto, a Autora solicitou à Ré "BB" que retirasse aquele mármore e o substituísse por outro – resposta ao quesito 80.

91) - Esta, para evitar o custo dessa modificação, acordou com a Autora que a obra da separação da cozinha e transformação do imóvel em “T1” seria realizada a expensas suas” – resposta ao quesito 81 (de acordo com a alteração operada pelo tribunal da Relação a fls. 1682).

92) - Aquando da vistoria, todas as obras da responsabilidade da Ré "BB" estavam prontas, encontrando-se a cozinha concluída, com excepção de determinados acabamentos extra solicitados pela Autora, como sejam o tampo e o lava-loiça em pedra e as portas para os electrodomésticos, os quais seriam encastráveis – resposta ao quesito 82.

93) - As instalações especiais (água e electricidade) estavam concluídas antes da transformação do apartamento em T1 e foram executadas de acordo com os projectos e mereceram a aprovação das entidades competentes – resposta ao quesito 84.

94) - A exaustão da cozinha e o sistema de incêndio são comuns a todo o prédio e funcionam vinte e quatro horas por dia – resposta ao quesito 85.

95) - A única instalação especial que não estava concluída e aprovada era o gás, o qual nunca foi prevista quer no projecto inicial, quer nas alterações – resposta ao quesito 86.

96) - A cozinha, na forma em que a Autora quis que a mesma ficasse a final, por ser interior, não pode ter instalação de gás – resposta ao quesito 87.

97) - Pelo que foi instalado um contador de electricidade com uma capacidade superior aos instalados nos restantes apartamentos, de forma a suportar o fogão e forno eléctrico e termoacumulador – resposta ao quesito 88.”

A conjugação da factualidade dada como provada inculca, em nosso juízo, que a ré procurou satisfazer as “reivindicações” a autora para o ajaezamento do apartamento, concretamente ao nível dos móveis da cozinha, não tendo a autora colaborado com os esforços da ré e desprezando as sugestões que lhe forma feitas para aquisição de moveis. Esta atitude e conduta revela ausência de cooperação e responsabilidade na quebra da relação contratual e assim a qualificou o Tribunal.

Não colhe ou cabe numa reclamação a reclamante rebater argumentos ou juízos, sob pena de transformar ou travestir a reclamação num novo recurso.

Da reanálise do aresto não ressalta a apontada nulidade de contradição entre a fundamentação de facto e de direito. 

3) - Omissão do acórdão quanto a juros e condenação em custas.

Revisitando a decisão proferida, o Tribunal decidiu:

“- Em conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência:

a) - Considerar resolvido o contrato promessa, por verificação de existência de culpas concorrentes, no respectivo incumprimento, e, consequentemente, ordenar à Ré a restituição do sinal recebido;     

b) - Absolver a recorrente da condenação por danos não patrimoniais, mantendo a condenação por danos patrimoniais, no montante de quatrocentos e dezasseis euros e cinquenta cêntimos (€ 416,50).

- Custas pela recorrente e recorrida, na respectiva proporção.”

3).a) - Omissão na condenação em juros.

O tribunal não condenou em juros por ter considerado que a condenação em danos patrimoniais por “manter a condenação por danos patrimoniais, no montante de quatrocentos e dezasseis euros e cinquenta cêntimos (€ 416,50)”.

É de meridiano entendimento que o verbo “manter” significa dar continuidade ao que está consolidado ou, no caso ao que já tinha sido objecto de veredicto pelo tribunal de instância. Quando se decidiu “manter” o decidido e não se procedeu a qualquer restrição quer isto significar que o que fica a valer, na parte da decisão mantida, é o que dela consta.

Queda prestado o esclarecimento, quanto a esta parte, já que quanto ao sinal a decisão é de lídima e singela clareza. A restituição do sinal reconduz-se ao valor recebido pela ré a titulo de sinal sem outro acrescento ou mais-valia.

3).b) -Já quanto a custas a proporção em que se condenou reporta-se ao respectivo decaimento, atendendo aos valores da acção e da reconvenção.

II. - DECISÃO.

Na defluência do exposto, decidem os Juízes que constituem este colectivo na 1ª secção do Supremo Tribunal de Justiça, em:

a) - Indeferir a reclamação na parte em que acoima de nula a decisão por violação do artigo 668.º, n.º 1, al. c) e 201.º, ambos do Código de Processo Civil;

b) - esclarecer os pontos em que eram indicadas ambiguidades ou obscuridades ao aresto (relativo a juros e custas).

Lisboa, 27 de Setembro de 2011    

        

Gabriel Catarino (Relator)

Sebastião Povoas

Moreira Alves

____________________________

[1]No caso subjudice, o acórdão de fls .... quando no seu ponto II.B.2 analisa o incumprimento do contrato promessa, vem enveredar por uma solução jurídica totalmente nova nos autos, aplicando a norma que se extrai do art. 570 do Código Civil e, consequentemente, retirando à autora o direito à indemnização prevista no art. 442, n. 2 do CC que as instâncias lhe haviam atribuído.

Esta solução de direito (aplicação da regra do art. 570 do Código Civil) nunca foi aflorada nos autos, nem nas 12 alegações de direito que as partes apresentaram, nem nas duas sentenças e três acórdãos que antecederam o presente acórdão.

É assim, manifestamente uma decisão surpresa, razão pela qual o Tribunal deveria - de acordo com o princípio do contraditório com consagração constitucional no art. 20 do texto fundamental e previsto no art. 3, n. 3 do CPC - ter ouvido as partes antes de pronunciar o acórdão.

Ora, não tendo as partes sido ouvidas cometeu-se uma nulidade que se traduz na omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreve e que manifesta­mente influi no exame e na decisão da causa, implicando a nulidade do acórdão de fls..... que é subsequente e daquele depende absolutamente.

Nulidade que expressamente se invoca nos termos dos arts 201 e segts. do CPC.”
[2] “Terza via” è queIla che il giudice sceglie di percorrere, nella decisione della causa, lasciandosi alle spalle le prospettazioni dell’attore e dei convenuto (prima e seconda via).” “Terza via é aquela que o Juiz escolhe percorrer, na decisão da causa, deixando para trás (deitando para trás das costas) as questões apresentadas pelos autores e pelos demandados (primeira e segunda via)” (tradução nossa).  
[3] Roberta Costatino “Principio del contraddittorio e decisioni della “terza via”, in www.contabilta -pubblica.it.