Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2940/16.6 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:11/10/2022
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:RCO
PRESCRIÇÃO
Sumário:
I. A prescrição do procedimento contraordenacional é questão do conhecimento oficioso, que pode ser conhecida em qualquer momento do processo.

II. Aos prazos de prescrição do procedimento contraordenacional, em curso a 09.03.2020, aplica-se a causa de suspensão desses mesmos prazos, consagrada no art.º 7.º, n.º 3, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio recorrer do despacho decisório proferido a 11.11.2021, no Tribunal Tributário de Lisboa (TTL), no qual, no âmbito do recurso apresentado por I..., Lda (doravante Recorrida ou Arguida), da decisão de aplicação de coima, proferida no processo de contraordenação (PCO) a que foi atribuído, na fase administrativa, o n.º 32552015060000190278, foi substituída a coima aplicada por admoestação.

Nas suas alegações, concluiu nos seguintes termos:

“4.1. Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou o Recurso de Contraordenação supra citado, condenando a arguida, ora recorrida, na sanção de admoestação, pela prática da contraordenação prevista pela conjugação dos artigos 27.º, n.º 1 e 41.º, n.º 1, al. a) do Código do IVA – falta de pagamento de IMT, no prazo definido na lei – e 114.º, n.º 2, e 26.º, n.º 4, do RGIT – falta de pagamento de imposto, e punida pela conjugação dos artigos 114.º, n.º 2 e 5, al. a), e 26.º, n.º 3, do RGIT, contraordenação essa a qual foi sancionada pelo Serviço de Finanças de Lisboa 10 com coima no montante de 10.419,00 €, no âmbito do processo de contraordenação n.º 32552015060000190278.

4.2. O Ilustre Tribunal “a quo” julgou improcedente o recurso de contraordenação em questão mas, no entretanto, substituiu a coima aplicada à ora recorrida pelo Serviço de Finanças de Lisboa 10 pela sanção de admoestação pela prática da contraordenação que a arguida foi acusada.

4.3. Para tanto, considerou o Ilustre Tribunal recorrido, no decisório ora em crise, em suma, que a infracção contraordenacional cometida pela a arguida “não se mostra grave e a culpa da Recorrente também se fixa em limites mínimos", circunstâncias estas legitimadoras da substituição da coima aplicada pela sanção de admoestação, em alternativa à pela arguida peticionada atenuação especial de coima.

4.4. No entanto, a decisão ora recorrida, não perfilhou, com o devido respeito, e salvo sempre melhor entendimento, a acertada solução jurídica no caso sub-judice. Isto porque,

4.5. no entendimento da Representação da Fazenda Pública, sempre com o devido respeito e sempre salvo melhor entendimento, a Ilustre Tribunal a quo, atendendo à factualidade tida por assente na decisão ora em crise, não poderia concluir pela substituição da aplicação da coima aplicada pela da de admoestação, fazendo o Ilustre Tribunal recorrido, com o devido respeito e salvo melhor entendimento, uma errada interpretação e aplicação do direito ao considerar que a “… a infração não se mostra grave e a culpa da Recorrente também se fixa em limiares mínimos”. Vejamos:

4.6. Da factualidade descrita, tida por provada – nomeadamente da constante dos pontos 1. e 2. dos factos tidos por assentes, colhe-se que a arguida, no momento da prática da infracção em questão, tinha conhecimento que o seu comportamento omissivo consubstanciava a prática de uma contraordenação tributária. No entanto, nesse mesmo momento, não se coibiu de a praticar. Assim, conclui-se que a arguida, no momento da prática da infracção tributária em questão, tinha conhecimento desta e vontade de a praticar. Por outro lado,

4.7. da factualidade tida por provada, constantes dos pontos 4. e 5. Da fundamentação da sentença ora em apreciação, colhe-se quer a arguida efectuou o pagamento do IVA em questão em 08-04-2015, no âmbito da competente execução fiscal contra ela instaurada (em 25-03-2015), e que

4.8. já em 18-03-2015 a arguida havia cedido créditos por si titulados ao banco Millennium BCP, percebendo, com isso, as quantias monetárias necessárias ao pagamento do a Estado do IVA em questão.

4.9. Ou seja, a solução encontrada pela arguida para fazer face ao pagamento do IVA em questão – a cedência de créditos a uma entidade bancária –, efectuada em momento posterior à prática da contraordenação em questão, poderia ter sido concretizada pela arguida em momento anterior à prática da infracção tributária em questão. No entanto, a arguida, tendo conhecimento das referidas circunstâncias, não se coibiu de praticar a infracção pela qual foi condenada.

4.10. Razão pela qual, no que ao juízo de censura feito à arguida pela prática da infracção em questão diz respeito, entende a Fazenda Pública que esta é socialmente censurável e foi praticada pela arguida com dolo – se não directo, seguramente necessário. Por outro lado,

4.11. e no que à gravidade da infracção diz respeito, considerou o Ilustre Tribunal a quo, na sentença ora em crise, que “… a classificação patenteada pelo art.º 23.º do Regime Geral das Infrações Tributárias não pode constituir uma limitação à aplicação de uma admoestação no caso dos autos”.

4.12. No que à gravidade da infracção diz respeito, considera a Fazenda Pública que, à revelia do considerado pelo Ilustre Tribunal recorrido, com o devido respeito e s.m.o., na qualificação da gravidade de uma qualquer infracção (contraordenacional ou criminal), quando a mesma é feita pela própria lei, não pode o julgador concretiza-la recorrendo a conclusões subjectivas, conforme o fez o Ilustre Tribunal a quo na fundamentação do decisório ora em crise, ao considerar que a infracção “… se viu colmatada 28 dias depois e antes do despoletar de qualquer procedimento sancionatório”.

4.13. O artigo 23.º do RGIT, nos seus n.º 1, 3 e 4, in casu, qualifica como grave a infracção tributária praticada pela arguida. Razão pela qual,

4.14. entende que Fazenda Pública que in casu não se encontra verificada nenhuma das circunstâncias (de verificação cumulativa, note-se) constante do n.º 1 do artigo 51.º do Decreto- Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, para que a coima aplicada à arguida podesse ser substituída pela sanção de admoestação, conforme o fez o Ilustre Tribunal recorrido. Assim,

4.15. no modesto entendimento da Fazenda Pública, com o devido respeito e salvo sempre melhor entendimento, mal andou o Ilustre Tribunal a quo ao substituir, no decisório ora em crise, ao substituir a coima aplicada à arguida pela sanção de admoestação, incorrendo em erro de julgamento, no que à aplicação do direito diz respeito, fazendo uma errada interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis in casu, violando, assim, o disposto nos artigos 51.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, 23.º do RGIT, e 114.º, n.º 1, 2 e 5, alínea a) e 26.º, n.º 4, do RGIT.

Da nulidade da sentença:

4.16. Decidiu a Ilustre Tribunal a quo, na sentença ora em apreciação, condenar a arguida na sanção de admoestação, prática da contraordenação p. e p. pelos artigos 27.º, n.º 1 e 41.º, n.º 1, al. a), do CIVA e 114.º, n.º 2 e 5, al. a), e 26.º, n.º 4, do RGIT. Já na conclusão da sentença ora em apreciação, admoestou a arguida pela prática por esta da contraordenação em questão. Ou seja,

4.17. no decisório ora em crise, o Ilustre Tribunal recorrido julgou a causa, aplicou a sanção (admoestação) e procedeu à execução dessa mesma sanção, admoestando a arguida pela prática da contraordenação que foi condenada. Não aguardou a Ilustre Tribunal recorrido pela consolidação da decisão em questão na ordem jurídica. Ou seja, não aguardou pelo trânsito em julgado da decisão em questão.

4.18. No entanto, e nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 497.º do Código de Processo Penal, ora aplicável ex vi os artigos 3.º, al. b), do RGIT e 41.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, “A admoestação é proferida após trânsito em julgado da decisão que a aplicar”.

Assim sendo,

4.19. o Ilustre Tribunal recorrido, ao não aguardar pelo trânsito em julgado da decisão por si proferida in casu e ao proferir a admoestação à arguida na sentença ora em crise, violou o disposto no supra citado artigo 497.º, n.º 1, do CPP, ora aplicável ex vi os artigos 3.º, al. b), do RGIT e 41.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro.

4.20. Razão pela qual a sentença ora em apreciação é nula. Nulidade essa que, desde já e para todos os legais efeitos, se invoca. Em todo o caso,

4.21. e caso se entenda que o vício de que padece a sentença, supra descrito, não é gerador de nulidade desta, consubstancia, pelo menos, uma irregularidade processual, nos termos do disposto no artigo 123.º do CPP, ora aplicável ex vi os artigos 3.º, al. b), do RGIT e 41.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro. Irregularidade processual essa que, desde já e para todos os legais efeitos, se invoca. Pelo que se peticiona o provimento do presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida, assim se fazendo a devida e costumada JUSTIÇA!”.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Notificados a Recorrida e o Ilustre Magistrado do Ministério Público (IMMP), nos termos e para os efeitos previstos nos art.ºs 411.º, n.º 6, e 413.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal (CPP), aplicáveis ex vi art.º 41.º, n.º 1, do Regime Geral do Ilícito de mera ordenação social (RGCO), ex vi art.º 3.º, al. b), do Regime Geral das Infrações Tributária (RGIT), nenhum apresentou resposta.

O IMMP neste TCAS pronunciou-se, no sentido da improcedência do recurso.

Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 417.º, n.º 2, do CPP, nada tendo sido dito pelas partes.

Na sequência de despacho de 07.07.2022, foram notificadas a arguida, a FP e o IMMP para se pronunciarem sobre a eventual prescrição do procedimento contraordenacional.

O IMMP pronunciou-se, pugnando pela verificação da referida prescrição, pronúncia esta notificada à Recorrente e à Recorrida.

Colhidos os vistos legais vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

Questão suscitada oficiosamente:

a) O procedimento contraordenacional está prescrito?

Questões suscitadas pela Recorrente:

b) Verifica-se erro de julgamento, dado não se reunirem os pressupostos inerentes à aplicação de admoestação?

c) Verifica-se violação do art.º 497.º, n.º 1, do CPP, em virtude de o Tribunal a quo ter proferido a admoestação antes de transitada em julgado a decisão que a aplicou?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“1. A Recorrente não pagou o IVA relativo ao período “201501”, no valor de € 32 857,14, até ao terminus do prazo de pagamento voluntário em 10/03/2015 (cfr. fls. 2 e ss. dos autos em suporte papel);

2. A Recorrente reconheceu a prática da infração de que vem acusada e pela qual foi punida (cfr. confissão que decorre do teor da p.i. de recurso);

3. Os saldos de algumas contas bancárias tituladas pela Recorrente na Caixa Geral de Depósitos, no Barclays e no Banif, no lapso temporal atinente ao pagamento omitido, não era suficiente para fazer face a tal pagamento (cfr. documentos n.ºs 3 a 8 juntos com a p.i. de recurso);

4. A Recorrente celebrou com o banco Millennium BCP, em 18/03/2015, contrato de cessão de créditos (cfr. documento n.º 9 junto com a p.i. de recurso);

5. Instaurada, em 25/03/2015, e em função do pagamento omitido, a execução fiscal, procedeu a Recorrente a tal pagamento em 08/04/2015 (cfr. docs. n.ºs 1 e 2 juntos com a p.i. de recurso);

6. À Recorrente, e também com fundamento no pagamento omitido, foi instaurado, em 29/04/2015, o processo de contraordenação n.º 32552015060000190278, pela prática da contraordenação prevista nos art.ºs 27.º, n.º 1 e 41.º, n.º1, al. a) do Código do IVA, consubstanciada em “falta de pagamento de imposto”, e punida nos termos dos art.ºs 114.º, n.º 2 e n.º 5 al. a) e 26.º n.º 4 do Regime Geral das Infrações Tributárias (cfr. fls. 2 e ss. dos autos em suporte papel);

7. Em 21/05/2015 foi, pelo Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 10, aplicada à Recorrente a coima de € 10.419,00 pela prática da contraordenação identificada no ponto anterior (cfr. fls. 3 e ss. dos autos em suporte papel);

8. Neste Tribunal Tributário inexistem outros processos contraordenacionais onde a Arguida tenha sido punida pela prática de factos idênticos (cfr. SITAF, sendo facto conhecido de todos os intervenientes processuais)”.

II.B. Relativamente aos factos não provados, refere-se no despacho decisório recorrido:

“Inexistem factos não provados com relevo para a decisão da causa”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A convicção do Tribunal assentou na consulta do SITAF, na confissão da Recorrente quanto à prática da infração, e na apreciação crítica dos documentos referenciados em cada alínea do probatório, os quais não foram impugnados. À documentação referida é reconhecido o poder probatório dos factos assentes, ao abrigo do disposto nos art.ºs. 164.º, 167.º e 169.º do Código de Processo Penal, em conjugação com o disposto no n.º 1 dos art.ºs 369.º, 370.º, 371.º, 373.º, 374.º e 376.º, todos do Código Civil e, ainda, com o disposto no n.º 2 do art.º 34.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, já que não merece dúvida a sua fidedignidade, mostrando-se assim suportes documentais idóneos para prova da factualidade neles consignada. Quanto à confissão releva o n.º 1 dos art.ºs 356.º e 358.º do Código Civil”.

II.D. Atento o disposto no art.º 431.º, al. a), do CPP, ex vi art.º 41.º, n.º 1, do RGCO, ex vi art.º 3.º, al. b), do RGIT, é aditada a seguinte matéria de facto provada:

9. No âmbito do PCO mencionado em 6., foi remetido ofício à Arguida, datado de 29.04.2015, via correio postal registado, para efeitos de exercício do direito de defesa (cfr. fls. 3 do documento com o n.º de registo no SITAF neste TCAS 04467772).

10. Foi remetido à Arguida, a 28.09.2015, via correio postal registado, ofício, dando conta da decisão referida em 7. (cfr. fls. 6 do documento com o n.º de registo no SITAF neste TCAS 04467772).

11. Foi apresentado pela Arguida, junto do Serviço de Finanças de Lisboa 10, recurso da decisão referida em 7., que ali deu entrada a 23.10.2015 (cfr. fls. 7 a 48 do documento com o n.º de registo no SITAF neste TCAS 04467772).

12. Na sequência do despacho de remessa do recurso referido em 11. ao TTL, proferido a 12.10.2016, foram autuados os presentes autos (cfr. fls. 52 a 56 do documento com o n.º de registo no SITAF neste TCAS 04467772 e plataforma SITAF).

13. Foi proferido, a 08.11.2016, despacho, nos presentes autos, com o seguinte teor:

“Notifique o ilustre Representante da Fazenda Pública, para, querendo, oferecer qualquer prova complementar, arrolar testemunhas ou indicar elementos que repute por convenientes nos termos do previsto no art.º 81.º n.º 2 do RGIT.


«»

Notifique ainda o Arguido e o digno Magistrado do Ministério Público para, em 10 dias, indicarem se pretende opor-se à decisão por via de despacho, nos termos e para os efeitos do art.º 64.º n.º 2 do RGCO aplicável “ex vi” do art.º 3.º al. b) do RGIT, instituído pela Lei 15/2001 de 5.6, com a indicação de que o seu eventual silêncio será entendido e valorado como não oposição” (cfr. documento com o n.º de registo no SITAF neste TCAS 004467775).

14. Através de ofícios dirigidos à Recorrente e à Recorrida, datados de 10.11.2016, foi remetido, via correio postal registado, o despacho mencionado em 13. (cfr. documentos com os n.ºs de registo no SITAF neste TCAS 004467776 a 004467778).

15. Foi dado conhecimento presencialmente, ao IMMP junto do TTL, a 11.11.2016, do despacho referido em 13. (cfr. documento com o n.º de registo no SITAF neste TCAS 004467779).

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Da prescrição do procedimento contraordenacional

Cumpre, antes de mais, aferir da prescrição do procedimento contraordenacional.

A mesma é questão do conhecimento oficioso, que pode ser conhecida em qualquer momento do processo, sendo que, “em sede de recurso jurisdicional da decisão proferida em processo de contra-ordenação, o tribunal de recurso não fica limitado pela alegação do recorrente, antes tendo amplos poderes de cognição” (1).

À data dos factos, estava plenamente em vigor o RGIT, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de junho.

De acordo com o art.º 33.º deste diploma:

“1. O procedimento por contraordenação extingue-se, por efeito da prescrição, logo que sobre a prática do facto sejam decorridos cinco anos.

2. O prazo de prescrição do procedimento por contraordenação é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infração depender daquela liquidação.

3. O prazo de prescrição interrompe-se e suspende-se nos termos estabelecidos na lei geral, mas a suspensão da prescrição verifica-se também por efeito da suspensão do processo, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 42.º, no artigo 47.º e no artigo 74.º, e ainda no caso do pedido de pagamento da coima antes de instaurado o processo de contraordenação desde a apresentação do pedido até à notificação para o pagamento”.

Está, pois, previsto, como regra, o prazo de cinco anos de prescrição, sendo possível que o mesmo seja mais reduzido, quando o prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária seja inferior e quando a infração depender daquela liquidação.

Nas palavras de Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos (2), “[a] infracção depende da liquidação da prestação tributária sempre que a determinação do tipo de infracção ou da sanção aplicável depende do valor daquela prestação, pois é a liquidação o meio de determinar este valor. Neste sentido, casos em que a existência de contra-ordenação depende da liquidação da prestação tributária são os previstos nos art.s (…) 114.º (…), do RGIT” (sublinhado nosso).

In casu, a determinação da sanção aplicável dependeu, efetivamente, do valor da liquidação, dado que o valor da alegada prestação em falta é referência necessária à fixação da moldura contraordenacional [cfr. art.º 114.º, n.º 2 e n.º 5, al. a), do RGIT] (3).

Como tal, há que considerar o prazo de 4 anos, previsto no art.º 45.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (LGT), prazo este aplicável, para efeitos de caducidade das liquidações de IVA, contado a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto (cfr. n.º 4 do art.º 45.º da LGT).

Refira-se que, tratando-se de infração omissiva, o dies a quo seria, em princípio, determinado atendendo à data em que o facto devesse ter sido praticado. No entanto, aplicando-se o prazo previsto no n.º 2 do art.º 33.º do RGIT, o dies a quo determina-se como se determina para efeitos de caducidade do direito à liquidação (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 28.04.2010 - Processo: 0777/09: “… sendo aplicável o prazo previsto no n.º 1 do artigo 33.º, o procedimento extingue-se logo que sobre a prática do facto sejam decorridos cinco anos. O que significa que o prazo prescricional é contado desde o dia em que a infracção foi praticada, o que, aliás, se encontra em consonância com a regra do artigo 119.º do Código Penal. Já se for aplicável o prazo especial previsto no n.º 2, o procedimento extingue-se logo que volvido o prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária, e não quando decorrido determinado prazo sobre a prática da infracção. E, nessa medida, importa estar atento ao dia em que ocorre a caducidade do direito à liquidação para determinar a data em ocorre a prescrição do procedimento por contra-ordenação”).

Feito este introito, há, pois, que aferir se o procedimento contraordenacional está prescrito.

Atendendo ao disposto no art.º 119.º do Código Penal, aplicável ex vi art.º 32.º do RGCO, o prazo de prescrição corre desde o dia em que o facto se tiver consumado.

Nos termos já referidos, o termo inicial de contagem situa-se a 1 de janeiro de 2016, ou seja, no início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto. Logo, na ausência de qualquer causa interruptiva ou suspensiva, o prazo de prescrição ter-se-ia completado 4 anos depois.

Cumpre, pois, aferir se ocorreram causas de interrupção ou suspensão.

São causas de interrupção da prescrição, nos termos n.º 3, do art.º 33.º, do RGIT, as previstas na lei geral, ou seja, no art.º 28.º do RGCO, nos termos do qual:

“A prescrição do procedimento por contraordenação interrompe-se:

a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação;

b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa;

c) Com a notificação ao arguido para exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito;

d) Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima”.

Face à factualidade assente, resulta que ocorreram diversas circunstâncias, passíveis, em abstrato, de configurar causas de interrupção, a saber: a notificação da ora recorrida para o exercício do direito de defesa e a prolação e notificação da decisão da autoridade administrativa [als. a) e d)].

Não obstante, todas elas ocorreram ainda em 2015, ou seja, em momento anterior ao do início da contagem do prazo de prescrição, que, como já referimos, ocorreu a 01.01.2016.

Logo, as potenciais causas de interrupção aqui são irrelevantes.

Assim sendo, há apenas que atentar em eventuais causas de suspensão.

Quanto às causas de suspensão, atendendo ao já mencionado n.º 3 do art.º 33.º, do RGIT, as mesmas consubstanciam-se em:

¾ As previstas no regime geral – art.º 27.º-A, n.º 1, do RGCO, ou seja:

ñ “a) Não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal;

ñ b) Estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministério Público até à sua devolução à autoridade administrativa, nos termos do artigo 40.°;

ñ c) Estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso”.

¾ As previstas no n.º 2 do art.º 42.º, no art.º 47.º e no art.º 74.º, todos do RGIT, e o caso de pedido de pagamento da coima antes de instaurado o processo de contraordenação.

É ainda, in casu, de ter em consideração a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, atinente às medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19 – sendo aqui apenas pertinente aferir o regime vigente durante o ano de 2020.

O diploma em causa, entre várias outras medidas, consagrou, no seu art.º 7.º, n.º 3, a suspensão dos prazos de prescrição relativamente a todos os processos e procedimentos.

É ainda de ter em conta o disposto no art.º 10.º do mesmo diploma, nos termos do qual:

“A presente lei produz efeitos à data da produção de efeitos do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março”.

Por seu turno, e não obstante o art.º 37.º do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, conter três datas diferentes de produção de efeitos (03.03.2020, 09.03.2020 e 12.03.2020), é de atender à data de 09.03.2020, dado ser respeitante, designadamente, à produção de efeitos relativamente a atos e diligências processuais e procedimentais.

Aliás, esta interpretação foi clarificada pelo art.º 5.º, n.º 1, da Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, nos termos do qual:

“O artigo 10.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, deve ser interpretado no sentido de ser considerada a data de 9 de março de 2020, prevista no artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, para o início da produção de efeitos dos seus artigos 14.º a 16.º, como a data de início de produção de efeitos das disposições do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março”.

Assim, face a este contexto, os prazos de prescrição de procedimentos contraordenacionais estiveram suspensos desde 09.03.2020.

Este art.º 7.º veio a ser revogado pela Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, que entrou em vigor a 3 de junho de 2020, momento em que deixou de existir tal medida de suspensão (cfr. igualmente o seu art.º 6.º).

Sobre a aplicação desta causa de suspensão aos prazos de prescrição de procedimentos contraordenacionais em curso já se pronunciou o Tribunal Constitucional, nos Acórdãos n.ºs 500/2021, de 9 de julho, 660/2021, de 29 de julho e 798/2021, de 21 de outubro, nos quais se decidiu não julgar inconstitucional o art.º 7.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, interpretado no sentido de que a causa de suspensão do prazo de prescrição do procedimento contraordenacional aí prevista é aplicável aos processos a correr termos por factos cometidos antes do início da respetiva vigência.

Apliquemos estes conceitos ao caso em apreciação.

In casu, os autos evidenciam as seguintes causas de suspensão do procedimento contraordenacional:

a) A resultante do disposto na al. c) do art.º 27.º-A, n.º 1, do RGCO, relativa aos presentes autos, que tem como limite máximo 6 meses (art.º 27.º-A, n.º 2, do RGCO);

b) A resultante das medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, para o período compreendido entre 09.03.2020 e 02.06.2020.

Ou seja, aos 4 anos acrescem, de um lado, 6 meses, decorrentes da prolação do despacho mencionado em 13., e 83 dias de suspensão ocorrida em 2020, por força das medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19.

Assim sendo, temos que:

a) O dies a quo situa-se no dia 01.01.2016;

b) A 14.11.2016 dá-se a presunção de notificação do despacho referido em 13., suspendendo-se o prazo de prescrição durante 6 meses, num momento em que já tinham decorrido 318 dias desse mesmo prazo (sensivelmente 10 meses e meio);

c) A 14.05.2017 o prazo retoma a sua contagem, suspendendo-se a 09.03.2020, tendo decorrido entre ambas as datas 1030 dias (correspondentes a 2 anos, 9 meses e 24 dias);

d) Depois de uma suspensão de 83 dias, a 03.06.2020, o prazo retoma a contagem, numa altura em que, somando os vários momentos em que o prazo correu, já tinham decorrido mais de 3 anos e 8 meses, pelo que restavam menos de 4 meses para o prazo se completar, o que ocorreu no final do mês de setembro de 2020.

Como tal, verifica-se a prescrição do procedimento contraordenacional, que implica a sua extinção e subsequente arquivamento (cfr. art.º 77.º, n.º 1, do RGIT).

Resulta, por esta via, prejudicada a apreciação das questões suscitadas pela Recorrente.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Julgar extinto o processo de contraordenação n.º 32552015060000190278, por prescrição, e, em consequência, determinar o oportuno arquivamento dos autos;

b) Não se conhecer, por prejudicado, o objeto do recurso interposto pela Recorrente;

c) Sem custas;

d) Registe e notifique.


Lisboa, 10 de novembro de 2022

(Tânia Meireles da Cunha)

(Susana Barreto)

(Patrícia Manuel Pires)


(1) Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 14.12.2016 (Processo: 01270/15).

(2) Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias Anotado, 4.ª edição, Áreas Editora, Lisboa, 2010, p. 323.

(3) V., exemplificativamente, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 30.04.2019 (Processo: 0679/11.8BEALM 01186/17) e de 12.12.2018 (Processo: 0367/14.3BELRA 0291/18).