Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2008/08.9BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:01/24/2020
Relator:LURDES TOSCANO
Descritores:IRS – QUANTIFICAÇÃO DO RENDIMENTO EM ESPÉCIE
AQUISIÇÃO DE VIATURA
Sumário:I - À data dos factos, o artigo 24º, nº 6 do CIRS referia-se expressamente ao valor médio de mercado considerado pelas associações do sector automóvel.
II - O legislador fez uma opção clara sobre um critério de equivalência económica e, portanto, se, no momento de apurar o rendimento decorrente daquela concreta remuneração em espécie, não é possível lançar mão do critério para tal, a Administração tem de conformar-se com tal inexequibilidade e abster-se de tributar, já que, nesta sede, não lhe é permitido socorrer-se de critérios que o legislador claramente não escolheu.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública, com os demais sinais nos autos, vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a Impugnação Judicial deduzida por PEDRO ..... e ISABEL ....., contra a liquidação adicional de IRS respeitante ao ano de 2002, no montante de € 4.722,47.
A Recorrente termina as alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
«i. Vem a presente impugnação interposta contra a liquidação adicional de IRS nº 2006 .....77, referente ao exercício de 2002, emitida na sequência de acção inspectiva interna.
ii. Da acção inspectiva, no âmbito do IRS, resultaram correcções aritméticas à matéria tributável no montante de €10.606,01, pelo facto de não terem sido incluídos rendimentos em espécie, no valor de €13.100,00, relativos ao veículo automóvel, alienado, por €2.493,99, pela Companhia de Seguros ..... ao seu funcionário, ora impugnante, por o valor de alienação ser inferior ao de mercado.
iii. A questão em causa nos presentes autos prende-se com a quantificação do rendimento em espécie.
iv. A forma de cálculo de tal rendimento encontra-se prevista no art. 24º, nº 6 do CIRS, que estabelece que “No caso de aquisição de viatura pelo trabalhador ou membro de órgão social, o rendimento corresponde à diferença positiva entre o respectivo valor médio de mercado considerado pelas associações do sector automóvel e o somatório dos rendimentos anuais tributados como rendimentos decorrentes da atribuição do uso com a importância paga a título de preço de aquisição” (redacção à data dos factos).
v. Para determinar o valor de mercado do veículo, socorreram-se os Serviços da Inspecção da publicação da E......
vi. Assim, face á inexistência, no ano em causa, do valor médio de mercado considerado pelas associações do sector automóvel, não poderia a AT ficar dependente, em matéria de tributação, de tomadas de posição de associações do sector, sendo certo que os critérios e métodos adoptados respeitaram ainda assim a orientações de entidades ligadas ao sector automóvel como são as seguradoras e o Instituto de Seguros de Portugal.
vii. Diga-se ainda que o critério dominante para a fixação do valor de mercado – e é nele que se baseiam os cálculos da E..... e também de outras revistas do sector – é o ano do veículo.
viii. Pelo que, salvo o devido respeito por diverso entendimento, agiu a AT no estrito cumprimento do princípio da legalidade, a que está obrigada por força do art. 55º da LGT.
Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a impugnação judicial totalmente improcedente.
PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA»
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Os impugnantes vieram apresentar as suas contra-alegações, tendo formulado as conclusões seguintes:
«1. Vem o presente recurso da douta sentença proferida pelo tribunal o quo, na qual se concluiu que os atos tributários impugnados enfermam de violação de lei, consubstanciada na violação do nº 6 do artº 24º do CIRS, pelo que, foi a presente Impugnação julgada procedente, por provada, e em consequência, determinada a anulação da liquidação adicional de IRS do ano de 2002, e a devolução aos impugnantes da quantia paga, acrescida de juro s indemnizatórios.
2. Nesta sede manifestamos a nossa concordância com o teor da douta sentença, considerando que a mesma efetua a correta apreciação dos factos e da lei aplicável ao caso concreto, julgando conforme o direito e a justiça, pelo que é isenta de reparo, devendo ser mantida nos seus exatos termos. Senão vejamos,
3. À anterior redação do nº 6 do art. 24º do CIRS falta a determinação dos conceitos aí utilizados, apresentando evidente deficiência ou obscuridade do método de determinação do rendimento;
4. Apercebendo-se desse estado de coisas, o legislador aprovou uma nova redação, e acrescentou outras normas no sentido de tornar possível a determinação exata de uma equivalência patrimonial para estes rendimentos em espécie;
5. A Administração Fiscal não pode substituir-se ao legislador na criação normativa, e na fixação do alcance das normas jurídicas vigentes;
6. Ao sujeito passivo também não pode reconhecer-se esse mesmo papel, não lhe podendo caber a sugestão ou escolha de uma determinada associação do sector automóvel em detrimento de outras;
7. O exemplo de publicação seguido pela Administração Fiscal não passa disso mesmo, um mero exemplo, entre muitos outros possíveis, não se extraindo daí qualquer relevância jurídico-fiscal, até porque, podendo fazê-lo, o legislador não regulou tal matéria com clareza que permitisse a determinação do rendimento tributável;
8. Pelo exposto, afigura-se que carece de fundamento legal o cálculo de rendimentos tal como foi efetuado pela Administração Fiscal, já que, desse modo, foram ultrapassadas as determinações do legislador e foram assumidas funções para as quais não tem competência legal, tais como a integração e interpretação da lei, em termos inovadores;
9. É assim ilegal (por violação do artº 24º, nº 6, do CIRS, com a redacção em vigor à data), a liquidação adicional de IRS do ano de 2002 de que os Impugnantes foram alvo, uma vez que as correções ao rendimento tributável desse ano foram efetuadas no exercício de uma competência que não cabia à Administração Fiscal.
10. Por outro lado, ainda que assim não fosse (o que se admite apenas por hipótese académica), está demonstrado que a aquisição de viatura pelo Impugnante, à sua empregadora, no ano de 2002, refere-se apenas a 82/99 avos da mesma (isto porque, o Impugnante já era dono de 17/99 avos do mesmo veículo, tendo consolidado a sua propriedade com este ato). Porém,
11. A Impugnada liquidou o imposto devido como se tratasse da compra da totalidade do veículo, fazendo corresponder o rendimento acrescido não declarado ao valor de 10.606,01€, quando, se o Impugnante apenas adquiriu 82/99 avos do veículo por €2.493,00, o intervalo entre esse valor e o valor da mesma percentagem é, forçosamente, menor.
12. Tal realidade (não fora a nossa convicção de que a liquidação deverá ser anulada na sua totalidade), determinaria, por si, a anulação desta liquidação adicional, pelo menos em parte, e os valores entretanto pagos deveriam ser reembolsados aos Impugnantes, acrescidos dos devidos juros indemnizatórios.
Nestes termos e nos demais de direito, e com o devido suprimento de Vs. Exas., deverá o presente recurso ser julgado improcedente, confirmando-se integralmente a douta sentença recorrida.
VS. EXAS., PORÉM, FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA!»
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Foram os autos a vista da Magistrada do Ministério Público que emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1. De facto
A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:
«1) Os impugnantes foram objecto de uma acção inspectiva interna pela administração tributária em sede de IRS, respeitante ao ano de 2002, no âmbito da qual foram propostas correcções aritméticas à matéria tributável no montante de € 10.606,01, pelo facto de não terem sido incluídos rendimentos em espécie relativos ao veículo automóvel de marca Volkwagen Passat 1,9 TDI, com a matrícula ...-...-..., no valor de € 13.100,00, alienado pela companhia de Seguros ..... ao seu funcionário, aqui impugnante, Pedro ....., no valor de € 2.493,99, por este montante ser inferior ao valor de mercado (cfr. fls 53 e 54 a 58 dos presentes autos e Relatório de Inspecção Tributária (RIT) de fls. 37 e segs. do processo administrativo apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzido);
2) A fundamentação da correcção referida no ponto anterior relativa à avaliação da viatura no montante de € 13.100,00, baseou-se nos valores constantes do livro publicado por “E.....” (cfr. RIT);
3) Com base nas correcções efectuadas pelos Serviços de Inspecção Tributária foi emitida a liquidação adicional de IRS n.º 2006 .....77, em 01/12/2006, do ano de 2002, respectivos juros compensatórios e compensação n.º 2006 .....81, de 04/12/2006, no montante de € 4.722,47, com data limite de pagamento em 10/01/2007 (cfr. fls. 51 e 52 dos presentes autos e processo administrativo apenso);
4) Em 06/01/2007 os Impugnantes efectuaram o pagamento da quantia relativa à liquidação adicional e demonstração de acerto de contas, referida no ponto anterior (cfr. fls. 67 do processo administrativo apenso);
5) Em 10/04/2007 os Impugnantes deduziu reclamação da liquidação adicional (cfr. procedimento RG apenso);
6) A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 14/11/2008 do Director de Finanças Adjunto (cfr. fls. 78 do procedimento RG apenso);
7) Em 24/11/2008 o Impugnante Pedro ..... foi notificado do indeferimento da RG, através do ofício n.º ....., de 20/11/2008 (cfr. procedimento RG apenso);
8) Em 05/12/2008 os impugnantes apresentaram, via fax, a presente impugnação (cfr. fls. 2 e segs. dos presentes autos).

Factos não provados
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.

Motivação
Os factos provados assentam na análise crítica dos documentos e informações oficiais constantes dos autos e dos processos apensos, que não foram impugnados.»

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II.2. De Direito
Em sede de aplicação de direito, a sentença recorrida julgou procedente, por provada, a presente impugnação, determinando, em consequência, a anulação da liquidação adicional de IRS do ano de 2002, devendo ser restituído aos impugnantes a quantia paga acrescida de juros indemnizatórios.

Inconformada, veio a Fazenda Pública recorrer invocando que da acção inspectiva, no âmbito do IRS, resultaram correcções aritméticas à matéria tributável no montante de €10.606,01, pelo facto de não terem sido incluídos rendimentos em espécie, no valor de €13.100,00, relativos ao veículo automóvel, alienado, por €2.493,99, pela Companhia de Seguros ..... ao seu funcionário, ora impugnante, por o valor de alienação ser inferior ao de mercado. A questão em causa nos presentes autos prende-se com a quantificação do rendimento em espécie. A forma de cálculo de tal rendimento encontra-se prevista no art. 24º, nº 6 do CIRS. Para determinar o valor de mercado do veículo, socorreram-se os Serviços da Inspecção da publicação da E...... Assim, face á inexistência, no ano em causa, do valor médio de mercado considerado pelas associações do sector automóvel, não poderia a AT ficar dependente, em matéria de tributação, de tomadas de posição de associações do sector, sendo certo que os critérios e métodos adoptados respeitaram ainda assim a orientações de entidades ligadas ao sector automóvel como são as seguradoras e o Instituto de Seguros de Portugal. Diga-se ainda que o critério dominante para a fixação do valor de mercado – e é nele que se baseiam os cálculos da E..... e também de outras revistas do sector – é o ano do veículo. Pelo que, salvo o devido respeito por diverso entendimento, agiu a AT no estrito cumprimento do princípio da legalidade, a que está obrigada por força do art. 55º da LGT.

Adianta-se, desde já, que não assiste razão à recorrente.
Sobre esta matéria encontramos variada Jurisprudência dos Tribunais superiores tendo decidido de forma unânime em sentido contrário ao defendido pela recorrente.
Neste TCAS os 1º e 2º Adjuntos destes autos foram já Relatores de Acórdãos, respectivamente, Acórdão de 19/09/2017, Proc. 1848/08.3BELRS, e Acórdão de 27/03/2014, Proc. 06744/13, ambos disponíveis em www.dgsi.pt., onde foram apreciados e decididos casos idênticos ao presente.
Vejamos.
Estabelece o art°24°, do CIRS (redacção anterior à introduzida pela Lei nº 32-B/2002, de 30 de Dezembro, com entrada em vigor em 01/01/2003), na parte em que se apoiou de direito a Administração tributária para efectuar a correcção:

«1 - A equivalência pecuniária dos rendimentos em espécie faz-se de acordo com as seguintes regras:

(…)

6 - No caso de aquisição de viaturas pelo trabalhador ou membro de órgão social, o rendimento corresponde à diferença positiva entre o respectivo valor médio de mercado considerado pelas associações do sector automóvel e o somatório dos rendimentos anuais tributados como rendimentos decorrentes da atribuição do uso com a importância paga a título de preço de aquisição.

(…)”

Nos presentes autos, tal como a recorrente invoca, a questão controvertida prende-se com a quantificação do rendimento em espécie.
Iremos seguir de muito perto o que se decidiu no já referido Acórdão deste Tribunal de 27/03/2014, Proc. 06744/13, com as devidas adaptações ao caso concreto, uma vez que a recorrente não trouxe novos argumentos ou questões que fizesse inflectir essa jurisprudência.

Sobre o concreto aspecto da quantificação deste rendimento em espécie rege o artigo 24º, nº 6 do CIRS (na redacção anterior à introduzida pelo nº2 do artigo 26º do OE para 2003, Lei nº 32-B/2002, de 30 de Dezembro), nos termos do qual a equivalência pecuniária dos rendimentos resultantes da aquisição de viaturas pelo trabalhador ou membro de órgão social corresponde à diferença positiva entre o respectivo valor médio de mercado considerado pelas associações do sector automóvel e o somatórios dos rendimentos anuais tributados como rendimentos decorrentes da atribuição do uso com a importância paga a título de preço de aquisição.

Como decorre dos autos, no caso, e na falta do referido valor médio de mercado considerado pelas associações do sector automóvel, para o ano de 2002, a Administração Tributária lançou mão dos valores constantes do livro publicado na E......

Em defesa desta actuação, refere a Recorrente que face á inexistência, no ano em causa, do valor médio de mercado considerado pelas associações do sector automóvel, não poderia a AT ficar dependente, em matéria de tributação, de tomadas de posição de associações do sector, sendo certo que os critérios e métodos adoptados respeitaram ainda assim a orientações de entidades ligadas ao sector automóvel como são as seguradoras e o Instituto de Seguros de Portugal.

Porém, este argumento não convence.

Sem prejuízo de o critério escolhido poder ser considerado um critério objectivo, a verdade é que não foi o critério escolhido pelo legislador.

À data dos factos, repete-se, o artigo 24º, nº 6 do CIRS referia-se expressamente ao valor médio de mercado considerado pelas associações do sector automóvel. Portanto, a lei, na redacção aplicável, era clara, sendo, para nós inequívoco, diga-se, que no conceito de associações do sector automóvel não se inclui a publicação da E......

O Tribunal não ignora o argumento avançado pela Recorrente quanto à inexistência, no ano em causa, do valor médio de mercado considerado pelas associações do sector automóvel, pretendendo-se, se bem interpretamos, justificar a opção feita.

Não obstante, a verdade é que o legislador fez uma opção clara sobre um critério de equivalência económica e, portanto, se, no momento de apurar o rendimento decorrente daquela concreta remuneração em espécie, não é possível lançar mão do critério para tal (porque, no caso, inexistem dados das associações do sector automóvel quanto ao valor de mercado do veículo), a Administração tem de conformar-se com tal inexequibilidade e abster-se de tributar, já que, nesta sede, não lhe é permitido socorrer-se de critérios que o legislador claramente não escolheu (e podia ter escolhido).

De resto, vale a pena lembrar que este constrangimento – resultante, afinal, de não ser tributada uma remuneração em espécie que, nos termos da lei, é inequivocamente um rendimento do trabalho dependente sujeito a IRS – reflecte, sem dúvida, uma das preocupações recorrentes do legislador fiscal quando confrontado com a enorme dificuldade prática de tributar determinados rendimentos em espécie. Neste sentido, veja-se o acórdão do TCAN, de 19/09/03 (proc. nº 01135/04 Viseu), que fazendo apelo ao estudo elaborado por Maria dos Prazeres Rito Lousa, intitulado “Aspectos Gerais Relativos à Tributação das Vantagens Acessórias”, publicado na Ciência e Técnica Fiscal, nº 374, Abril-Junho de 1994, páginas 9 e seguintes, refere que:

«Nesta ordem de ideias, dir-se-á que são hoje genericamente susceptíveis de tributação as remunerações acessórias, mas que, por força da enorme indeterminação na forma de as calcular, na prática tal tributação não se efectiva ou efectiva-se de forma muitas vezes arbitrária, à luz de critérios fixados pela Administração Fiscal, que, por isso mesmo, estabelecem uma enorme incerteza para os contribuintes e ferem ou podem ferir o princípio constitucional da legalidade tributária, reconduzindo à ilegalidade e inconstitucionalidade tais formas de tributação.

De facto, a questão que se coloca é tão-somente a de saber com que critérios é que se determina a matéria colectável, já que não bastará saber que remunerações acessórias fazem parte do elenco da incidência objectiva do imposto. Evidentemente, se um contribuinte recebe uma determinada importância em dinheiro a título de remuneração acessória, não se descortina dificuldade em tributá-lo, como é óbvio. Todavia, se se tratar, por exemplo, da utilização de uma viatura automóvel cedida pela empresa ou do direito de propriedade sobre esta ao fim de certo tempo de utilização da mesma, os critérios para a conversão da remuneração em espécie em escudos dificilmente se coadunam e adaptam, pelo que a tributação se torna muito complexa e, sobretudo, passível de ser arguida de inconstitucional e, certamente por isso, como veremos, na proposta de lei em análise procura dar-se resposta concreta a esta questão.

Estas razões fazem com que a tributação, entre nós, dos chamados benefícios acessórios seja ténue e pontuada de enormes indecisões, como, aliás, é patente pelas sucessivas alterações legislativas e autorizações não convertidas em lei. Tal facto acaba por proporcionar uma objectiva desigualdade entre contribuintes já que para um determinado espectro destes acaba por não haver tributação, no pressuposto de que uma parte, ou a totalidade das remunerações acessórias, escapam a tributação, enquanto para a generalidade dos contribuintes essa questão não se põe, porquanto não beneficiam desses pagamentos em espécie.

(…)

“A insuficiência das disposições normativas em matéria de vantagens acessórias, para que também contribuiu a lacuna existente ao nível das regras da sua quantificação, redundou em dificuldades administrativas na aplicação concreta do disposto na lei e manietou a actuação dos serviços da Administração Fiscal que se remeteu a uma atitude de tolerância perante certas práticas dos contribuintes.

“Essa situação acabou por traduzir-se, em termos concretos, num certo afastamento entre o preceituado na lei e sua execução de tal modo que a tributação de algumas vantagens acessórias se fazia a título de excepção e não como regra. E a benevolência fiscal desempenhou decisivamente um papel importante desta forma de retribuição do trabalho”.

Esta constatação da dificuldade na efectiva tributação deste rendimento em concreto e o interesse em ultrapassar tal contrariedade (obstando a que a tributação esteja dependente de associações do sector automóvel), reflecte-se, aliás, na alteração que este nº6 do artigo 24º do CIRS sofreu, deixando a lei de se referir ao valor médio de mercado considerado pelas associações do sector automóvel para passar a referir-se, actualmente, ao respectivo valor de mercado, considerando-se como tal (cfr. nº7 do artigo 24º do CIRS) o que corresponder à diferença entre o valor de aquisição e o produto desse valor pelo coeficiente de desvalorização constante de tabela a aprovar por portaria do Ministro das Finanças.

Em suma, e sem necessidade de nos alongarmos mais, há que concluir, com a sentença recorrida, que a correcção que está na base da liquidação impugnada assentou num critério sem cobertura legal, pelo que a mesma é violadora do artigo 24º, nº6 do CIRS, com a redacção à data aplicável. Por conseguinte a correcção aos rendimentos do trabalho dependente, no montante de € 10.606,01, não pode manter-se, como bem se decidiu em 1ª instância.

Termos em que improcede o presente recurso, e se mantém a sentença recorrida.


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III - Decisão

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo em negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.

Registe e Notifique.

Lisboa, 24 de Janeiro de 2020

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[Lurdes Toscano]

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[Jorge Cortês]

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[Catarina Almeida e Sousa]