Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:561/22.3 BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:11/10/2022
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:PENHORA DE PENSÃO
FALÊNCIA
CRÉDITOS VENCIDOS ANTES DA DECLARAÇÃO DE FALÊNCIA
CASO JULGADO
IMPENHORABILIDADE RELATIVA
RECLAMAÇÃO 276CPPT
Sumário:
I. A similitude entre a matéria em discussão em dois processos não se confunde com a verificação da exceção de caso julgado.

II. O art.º 180.º, n.º 5, do CPPT, para créditos vencidos antes da declaração de falência ou insolvência, possibilita que, findo que seja o processo de falência (ou de insolvência), prossiga o PEF contra bens que venham a ser adquiridos, designadamente, pelo falido (ou insolvente).

III. O nascimento do direito à pensão de velhice na esfera jurídica de uma determinada pessoa distingue-se do pagamento do valor mensal dessa pensão.

IV. Reconhecido o direito a auferir de uma pensão de velhice, o direito a cada uma das concretas pensões vence-se mensalmente.

V. O art.º 45.º, n.º 1, da Lei n.º 28/84, de 14 de agosto, que previa que “[a]s prestações devidas pelas instituições de segurança social são impenhoráveis”, foi revogado pela Lei n.º 17/2000, de 8 de agosto.

VI. A Lei de Bases da Segurança Social de 2007, atualmente em vigor, prescreve que “[a]s prestações dos regimes de segurança social são parcialmente penhoráveis nos termos da lei geral” (art.º 72.º, n.º 1).

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio recorrer da sentença proferida a 09.08.2022, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra, na qual foi julgada procedente a reclamação de ato do órgão de execução fiscal, apresentada por A...(doravante Recorrido ou Reclamante), que teve por objeto a ordem de penhora n.º 156220200000038604, referente ao processo de execução fiscal (PEF) n.º 1562200201502883, e da consequente “retenção do valor mensal de € 158,73 da pensão de reforma por velhice”.

Nas suas alegações, concluiu nos seguintes termos:

“ A.

Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou a reclamação do ato do órgão de execução fiscal procedente, anulando a ordem de penhora n.º 156220200000038604, referente ao PEF n.º 1562200201502883 e apensos.


B.

A questão a apreciar e a decidir consiste em aferir da legalidade da penhora da pensão por velhice auferida pelo Reclamante, ora recorrido, considerando a prolação anterior das decisões de declaração e encerramento de falência pessoal.

C.

A Fazenda Pública não se conforma com o doutamente decidido, porquanto considera existir violação de caso julgado, nos termos do art.º 577.º, alínea i) do CPC, e erro de julgamento quanto à matéria de facto e de direito, por errada valoração dos elementos constantes dos autos e consequente erro na aplicação do disposto no art.º 180.º, n.º 5, do CPPT.

D.

A questão da admissibilidade legal da penhora da pensão de reforma do Reclamante ao abrigo do disposto no n.º 5 do artigo 180º do CPPT, foi anteriormente suscitada no processo de reclamação contra o ato de penhora da pensão de velhice, realizado pelo C... do Serviço de Finanças de Loures 3, em 10.08.2020, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3158200901049763 e apensos, que correu os seus termos sob o Proc. 1923/20.6BELRS, da 3ª U.O., do Tribunal Tributário de Lisboa.

E.

Por sentença proferida naqueles autos a 30.03.2021, transitada em julgado, foi tal questão julgada totalmente improcedente, considerando, em suma, o douto Tribunal, que a incobrabilidade dos créditos declarada em processo de insolvência não abrange os créditos tributários, podendo a execução prosseguir contra a pensão de velhice do Reclamante, nos termos do artigo 180.º n.º 5 do CPPT, uma vez que a mesma não foi apreendida nos autos de falência.

F.

Existe identidade de sujeitos porquanto o autor dos despachos de penhora é a Autoridade Tributária e o destinatário das penhoras o aqui Reclamante/Recorrido; identidade de pedidos, porquanto o efeito jurídico em ambas as causas é a anulação das penhoras que incidiram sobre a pensão de reforma; identidade da causa de pedir, porquanto as pretensões deduzidas nas duas ações procedem do mesmo facto jurídico, no caso, tratando-se de ação de anulação dos despachos de penhora, o facto jurídico consiste na violação do n.º 5 do artigo 180º do CPPT.

G.

O caso julgado constitui exceção dilatória, nos termos do artigo 577º alínea i) do CPC, a qual obsta a que o Tribunal conheça do mérito dos presentes autos, dando lugar à absolvição da instância da Fazenda Pública, nos termos do n.º 2 do artigo 576º e artigo 582º do CPC, ambos aplicáveis aos autos por força do disposto no artigo 2º alínea e) do CPPT.

Sem prescindir,


H.

A questão em divergência com a douta sentença, prende-se com as condições legais de admissibilidade da penhora efetuada nos autos de execução fiscal, findo o processo de falência, por dívida fiscal vencida antes da declaração de falência, constantes do n.º 5 do artigo 180º do CPPT.

I.

A Fazenda Pública não se pode conformar com o sentido e alcance conferido pela douta sentença à expressão “vierem a adquirir bens em qualquer altura”, constante do nº 5 do artigo 180º do CPPT.

J.

A mencionada expressão, constante no n.º 5 do artigo 180º do CPPT, deverá ser interpretada, não no seu sentido literal, como efetuado pela douta sentença, mas sim numa formulação compatível com o seu escopo e fim teleológico, como seja o de não prejudicar os bens apreendidos a favor da massa insolvente, ou, que por qualquer circunstância, prejudiquem os direitos dos restantes credores do Insolvente, tal qual a formulação unanimemente aceite pela e jurisprudência para compatibilizar o vertido no n.º 6 do artigo 180º do CPPT com o vertido nos artigos 88º n.º 1 do CIRE e 154º n.º 3 do CPEREF.

K.

Ou seja, poderão ser penhorados bens adquiridos antes da cessação do processo de insolvência ou termo do processo de recuperação, desde que não aprendidos a favor da massa insolvente, ou que, por qualquer forma, não prejudique os direitos dos restantes credores ou os direitos e legítimos interesses das empresas em recuperação, e, bem assim, “sem prejuízo das obrigações contraídas por esta no âmbito do processo de recuperação, bem como sem prejuízo da prescrição.”, à semelhança da doutrina unanimemente consolidada para a disciplina do artigo 180.º n.º 6 do CPPT.

Com efeito,


L.

O artigo 180.º, n.º 1 e 6 do CPPT, por um lado, e os artigos 154.º n.º 3 do CPEREF e artigo 88º n.º 1 do CIRE, aparentemente contraditórios entre si, têm sido harmonizados e interpretados consistentemente na jurisprudência e doutrina como permitindo a instauração de novas execuções fiscais após a declaração de insolvência, mas apenas se forem penhorados bens não apreendidos no processo de insolvência.

M.

Ora, por questões de unidade e coerência do sistema jurídico, igual entendimento deverá ser transposto para admissibilidade legal da penhora nas execuções fiscais por dívidas vencidas antes da cessação do processo de insolvência ou do termo do processo de recuperação, nos termos do n.º 4 e 5 do artigo 180º do CPPT.

N.

Os motivos que presidem ao entendimento que defende que nas situações previstas no n.º 6 do artigo 180º do CPPT, só seja admitida a penhora de bens não aprendidos a favor da massa insolvente, são idênticas às razões que no n.º 5 do artigo 180º do CPPT foram contempladas pelo legislador para permitir apenas a penhora de bens que o Executado venha adquirir em qualquer altura, que são, se a Fazenda Pública bem entende a problemática subjacente, a proteção dos restantes credores da massa insolvente e dos legítimos direitos e interesses da empresa em recuperação.

O.

A pensão de reforma do Reclamante não foi apreendida a favor da massa insolvente, pelo que nunca fez parte daquele acervo patrimonial, tendo, inclusive, o processo de insolvência do Reclamante cessado por insuficiência de bens e os créditos sido declarados incobráveis.

P.

O bem penhorado nos autos, pensão de velhice, nunca foi objeto de qualquer diligência no processo falimentar, pelo que, na conceção da Fazenda Pública, não existe qualquer impedimento legal ou restrição à sua penhora decorrente do artigo 180º n.º 5 do CPPT, acrescendo ainda o facto de que o processo de insolvência já se encontra findo, pelo que a penhora da pensão de reforma não irá afetar os direitos dos restantes credores falimentares.

Q.

A expressão “vierem a adquirir bens” utilizada no artigo 180º n.º 5 do CPPT, não poderá ser entendida, exclusivamente, como se referindo apenas a bens adquiridos posteriormente ao fim do processo de falência.

R.

Se o bem não tiver sido apreendido, ou, findo o processo de falência, regressar à disponibilidade do falido, não se vislumbra motivo ou razão preponderante, nos termos do n.º 5 do artigo 180º do CPPT, que impeça que esse bem seja utilizado para saldar as dívidas que ainda subsistam e que possam ser executadas, como é o caso da dívida dos autos.

S.

A pensão de reforma é uma prestação periódica, renovável mensalmente, cujo direito o Reclamante, ora recorrido, adquire sucessivamente na data do seu vencimento.

T.

A penhora dos autos incidiu sobre prestações de reforma adquiridas posteriormente à declaração de insolvência do Reclamante e à cessação do respetivo processo de insolvência, pelo que se mostram de acordo com os pressupostos impostos pelo n.º 5 do artigo 180º do CPPT, na interpretação da douta sentença recorrida.

U.

Ao decidir em sentido contrário a douta sentença cometeu erro de julgamento, por violação do disposto nos n.ºs 4 e 5 do artigo 180º do CPPT, pelo que deverá ser revogada, e substituída por douto acórdão que admita a penhora reclamada, a qual, contrariamente ao decidido, poderia ter sido ordenada, uma vez que não existe impedimento legal à sua realização.

Termos em que, com o douto suprimento, requer a V. Exas se dignem admitir o presente recurso, julgando o mesmo procedente por provado, e, em consequência, revoguem a douta sentença recorrida, substituindo a mesma por douto acórdão que julgue verificada a exceção de caso julgado ou, alternativamente, declare a legalidade da penhora realizada nos autos, com todas as consequências legais.

Assim decidindo, farão V/ Ex.ªs, aliás, como sempre, a costumada justiça”.

O Recorrido apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:

“1. A atribuição legal ao presente recurso de efeito suspensivo, tem por base o reconhecimento de que, ponderados os interesses em jogo, se pretende a continuar a garantir a exequibilidade da decisão da primeira instância enquanto o caso não se encontrar definitivamente julgado,

2. A sentença a quo é clara na sua decisão “julgo a presente reclamação procedente e determino a anulação da ordem de penhora”, que impõe à Fazenda Pública e em concreto ao SF que, -no âmbito do presente processo e seus apensos- não pode continuar a penhorar a pensão do reclamante ou a reter o seu valor seja a que título for.

3. Vem a Fazenda Publica alegar excepção dilatória, nos termos do art. 577º, al. i) do CPC, fazendo para tanto alusão à existência de caso julgado, em concreto o Proc. 1923/20.6BELRS que correu termos no Tribunal Tributário de Lisboa.

4. O art. 278º do CPC (aplicável ex vi art. 2º, al. e) do CPPT), determina que o juíz deve abster-se de conhecer o pedido e absolver o réu da instância, sempre que tenha conhecimento de uma excepção dilatória,

5. A sentença recorrida refere expressamente “Não existem excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa, e de que cumpra conhecer.”

6. Ora, os pressupostos processuais para submissão de uma questão a juízo pressupõem naturalmente a existência de uma precedência lógica, o Tribunal já apreciou a questão e conclui pela inexistência de excepções dilatórias.

7. Ainda que assim não fosse, nunca o invocado argumento poderia proceder, porquanto o Proc. 1923/20.6BELRS tem uma causa de pedir distinta, uma vez que, neste caso está em causa o Proc. 3150200901049763 referente a IVA da sociedade C..., Lda e a respectiva ordem de penhora 315820200000016676, cujo valor a executar era € 4.839,12,

8. Na questão sub judice está em causa o Proc. 1562200201502883 e a ordem de penhora 156220200000038604, dizem respeito ao processo executivo da Sociedade L..., SA tendo por base a não entrega de IRS de 2000 no valor total de € 63.516,53.

9. A fazenda publica transcreve parcialmente a sentença referente ao processo 1923/20.6BELRS para defender a sua tese, mas omite o contexto processual, em concreto que o aqui Recorrente não juntou aos autos a prova da data em que o começou a auferir a pensão de reforma – Julho de 2015 – o que motivou a decisão:

“Donde se conclui que a pensão de velhice começou a ser auferida pelo Reclamante em data posterior à declaração de falência3, não tendo integrado a massa falida, motivo pelo qual não ofende o disposto no art. 180º, nº 5 do CPPT, podendo por conseguinte, ser objecto de penhora no âmbito do processo de execução fiscal em causa nos presentes autos.”

10. Decisão de resto errada à luz de outros documentos juntos aos autos – em concreto certidão do processo de falência – que de forma clara citava a data em que o liquidatário comunicou aos autos que o então falido recebia uma pensão de reforma desde 2015, e que, motivou o pedido de reforma ao abrigo do disposto do art. 616º, nº 2, al. b) do CPC.

11. Refer igualmente a Fazenda Publica que nem houve recurso, pois não, porque como bem sabe e se não sabe devia saber que o processo não tinha alçada para justificar o recurso, daí o pedido de reforma.

12. Por último olvida a Fazenda Publica citar todos os processos que entretanto o reclamante aqui recorrente ganhou à Fazenda Publica, a saber:

Proc. 1100/21.9 BELRS – 3ª UO;

Proc. 386/22.6BELRS – 3ª UO;

Proc. 586/22.9BELRS – 10ª Espécie;

13. E mais: em todos os processos a Fazenda Pública recorreu para o tribunal superior e em todos eles perdeu o recurso tendo sido mantidas as decisões de julgar a penhora e a constituição de penhor ilegais e anuláveis, com obrigação de devolver as quantias ilegalmente retidas! Mais uma informação que a Fazenda Pública se olvidou de mencionar.

Prosseguindo,

14. Alega a Fazenda Publica que a sentença enferma igualmente de erro quanto à matéria de direito uma vez que a penhora efetuada é legal, nos termos do nº 6 do art. 180º do CPPT. No demais que a sentença recorrida aplica de forma errada os arts. 180º, nº 6 do CPPT, 88º do CIRE e 154º, nº 3 do CPEREF, que devem ser harmonizados, no sentido de permitir a instauração de novas execuções fiscais após a declaração de insolvência, mas apenas se forem penhorados bens não apreendidos no processo de insolvência.

15. Naturalmente, tal tese não pode prosseguir, porquanto desta forma eternizar-se-ia o processo de falência com um sem fim de execuções, contrário à natureza e ao regime jurídico do CPEREF.

16. É que, ao contrário do que se alega no recurso, o CPPT e em concreto o disposto no art. 180º, nº 6 tem de se compaginar de forma harmoniosa com os outros diplomas legais e em concreto, com o CPEREF mas também com a Lei 28/84 e especialmente com o art. 41º, nº 1.

17. A propósito do art. 41º, nº 1, citado, e que a Fazenda Pública ignorou, mas que consagra o princípio da impenhorabilidade da reforma, o Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre esta questão no Acórdão nº 349/914 “a pensão auferida pelo beneficiário da segurança social, tendo em conta o seu montante, reportado a um determinado momento histórico, cumpra efectivamente a função inilidível de garantia de uma - sobrevivência minimamente condigna -, do pensionista.”, o que significa que o direito do credor tem de ceder perante um valor mais alto que de resto se prende com a dignidade da pessoa humana e com a expectativa de quem descontou toda uma vida de trabalho apara acautelar sobrevivência consigna na velhice.

18. Como se refere no processo Acórdão do TC Proc. nº 434/91 “A impenhorabilidade das prestações atribuídas pelas instituições de segurança social representa um sacrifício do direito do credor,”

19. Ou seja, ao defender a penhora da pensão de reforma de velhice, está a Fazenda Pública a promover uma interpretação inconstitucional do art. 41º, nº 1 da Lei 28/84 que promove o princípio da impenhorabilidade da pensão da velhice, igualmente promove um tratamento diferenciado no tratamento de situações idênticas, gerando assimetrias na aplicação da lei contrariando o artº 13º da CRP.

20. A Fazenda Pública ignora que existe uma sentença do Tribunal de Comércio, transitada em julgado – da qual de resto não recorreu -, como ficou provado, que tendo conhecimento da existência e do montante da pensão de reforma de velhice do falido, desde 2015 como ficou demonstrado, determinou igualmente, face ao elevado montante das dívidas, que as mesmas seriam incobráveis e a reforma impenhorável.

21. Por último, face ao enquadramento legal que ao caso cabe, verifica-se, ao contrário do que alega o Recorrente Fazenda Publica que a penhora também não pode proceder.

Assim,

22. A norma constante do artigo 154º, nº 3 do CPEREF não admite a instauração ou prosseguimento de execuções contra o falido após a declaração de falência, essas acções (instauração e prosseguimento) são, porém, admitidas nos termos do disposto no artigo 180º, nºs 1 e 6 do CPPT, sendo que, como observa o Ac. STA, de 29/2/2012, proc. 0885/11, a situação regulada no nº 5 do referido artigo é diferente, pois o processo de falência já estará findo.

23. Com efeito, a possibilidade prevista no referido nº 5, de continuação das execuções fiscais já instauradas contra o falido ou responsáveis subsidiários ou de instauração de novas execuções fiscais, tem como pressuposto a ulterior aquisição de bens pelo falido ou pelos responsáveis subsidiários.

24. E o nº 6 do art. 180º do CPPT, tem como pressuposto que o vencimento do crédito ocorra após a declaração de falência, no caso sub judice o vencimento do crédito ocorreu em 2002, neste sentido veja-se o Ac do TCAS de 12/2/2008 Proc. 02202/08.

25. Como ensina JORGE LOPES DE SOUSA5, as referidas normas devem ser harmonizadas e interpretadas do seguinte modo:

“No entanto, quanto a estes processos, apesar de aqui se referir o seu seguimento nos termos normais, deverá entender-se este seguimento em consonância com as normas do CPEREF e do CIRE, sob pena de se abrir a porta à possibilidade de se inutilizar todo o esforço de recuperação da empresa e de satisfação equilibrada dos direitos dos credores que se visa com estes processos especiais, o que seria uma solução manifestamente desacertada, atentos os fins de interesse público e social estão subjacentes àqueles”, pelo que “(...) a interpretação razoável daquele n.o 6, que se compagina com a unidade do sistema jurídico, que é o elemento primacial da interpretação jurídica (artigo 9.o, n.o 1 do Código Civil), é a de que só será viável o prosseguimento dos processos de execução fiscal por créditos vencidos após a declaração de falência ou insolvência ou do despacho de prosseguimento da acção de recuperação da empresa se forem penhorados bens não apreendidos naqueles processos de falência ou recuperação ou insolvência.”.

26. Ou seja, relativamente a bens obtidos depois da declaração de falência! A pensão de reforma de velhice começou a ser auferida em Julho de 2015, e a declaração de falência data de 2016, e conhecendo esse rendimento determinou ser o mesmo impenhorável.

27. Resulta assim que, tratando-se de processos de execução fiscal, para cobrança de créditos tributários vencidos anteriormente à declaração de falência – como foi o caso - , deverá a execução fiscal ser imediatamente sustada e avocada pelo tribunal judicial para apensação àquele processo (artigos 180º, nºs 1 e 2 do CPPT e 154º, nº 3 do CPEREF),

28. A declaração de falência, nos termos do art. 154º, nº 3 do CPEREF obsta à instauração ou prosseguimento de qualquer acção executiva contra o falido.

29. Em suma, a jurisprudência do STA é pacífica quanto à vaexata questio do nº 5 do art. 180º do CPPT, a pensão de reforma era auferida antes da prolação da sentença, não é um rendimento novo passível de ser apreendido, o legislador foi bem claro ao excluir esses bens de penhora, como de resto, a sentença e o despacho de encerramento do processo de falência em obediência ao dispositivo legal.

30. Igualmente a jurisprudência e a doutrina, são pacíficas quanto ao facto de relativamente a créditos vencidos antes da declaração de falência, ficar precludida qualquer acção executiva, nos termos do art. 154º, nº 3 do CPEREF.

31. A pensão de reforma tem na sua génese os descontos entregues e retidos durante a vida do trabalhador e são consequentemente rendimentos antigos não susceptíveis de penhora, e por isso excepcionados no art. 41º, nº 1 da Lei 28/84, art. 41º, nº 1, uma vez que se destinam a permitir uma subsistência condigna a quem aufere uma pensão.

Nestes termos e nos demais de direitos que v. Exas. doutamente suprirão deve admitir-se as presentes contra-alegações, às quais deve ser dado provimento e, em consequência,

a) manter-se a decisão da douta sentença que anula o acto que determinou a penhora da pensão do Reclamante, e consequentemente,

b) determinar a devolução de todas as quantias ilegalmente retidas pela Segurança Social e entregues à Fazenda Publica no âmbito do processo de execução reclamado, às quais deverão acrescer juros de mora,

c) parar de imediato com a penhora;

Assim se fazendo a costumada Justiça”.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do CPPT, que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Com dispensa dos vistos legais, atenta a sua natureza urgente (art.º 657.º, n.º 4, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

Suscitada pelo Recorrido:

a) Ao presente recurso deve ser conferido efeito suspensivo?

Suscitadas pela Recorrente:

b) Verifica-se erro de julgamento, por violação da exceção do caso julgado?

c) Há erro de julgamento, em virtude de a situação controvertida se enquadrar no âmbito do disposto no art.º 180.º, n.º 5, do CPPT?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“A) Em Junho de 2002 foi instaurado contra a sociedade L... – Construções Metalomecânicas e Forjamentos Lda., com o NIF ..., o PEF n.º 1562200201502883, para cobrança coerciva de dívidas provenientes de IRC, referente a 1999, e acrescido, no valor de € 24.371,65. - cf. autuação e certidão de dívida n.º 26718 – Resposta (406294) Remessa Processo de Execução Fiscal (art.º 208.º do CPPT) (006536636) Pág. 2 de 18/07/2022 16:58:54 - pág. 2 e 3 de 100

B) Em 20 de Maio de 2005, o Reclamante, A... com o NIF n.º ...9, foi citado como revertido no PEF n.º 1562200201502883 e apensos, e para proceder ao pagamento da quantia de € 59.800,33, referente a IRC de 2002 e IRS de 2004. – cf. Ofício n.º 9298 - Citação “Reversão”, de 11 de Maio de 2005, e aviso de recepção –Remessa Processo de Execução Fiscal (art.º 208.º do CPPT) (406295) Remessa Processo de Execução Fiscal (art.º 208.º do CPPT) (006536638) Pág. 32 de 18/07/2022 17:01:39 - pág. 32 e 33 de 100

C) Em 28 de Julho de 2015 teve início o pagamento mensal da pensão de velhice do requerente, no valor de € 1.710,09, pelo Instituto da Segurança Social ao Reclamante. - cf. Doc. 5 junto pelo Reclamante – Ofício n.º 2.1.2, de 28 de Agosto de 2015 - Petição Inicial (405062) Petição Inicial (006527132) Pág. 32 de 24/06/2022 22:27:47

D) Em 2 de Fevereiro de 2016 transitou em julgado a sentença proferida em 12 de Janeiro anterior, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Juízo do Comércio de Lisboa – Juiz 7, no processo n.º 945/04.9TYLSB, em que era requerido, como Falido, o ora Reclamante, onde foi declarada a falência deste. - cf. Doc. 4 junto pelo Reclamante – certidão e sentença - Petição Inicial (405062) Petição Inicial (006527132) Pág. 17 de 24/06/2022 22:27:47 –pág. 17 a 29 de 48

E) Em 13 de Julho de 2018 transitou em julgado a sentença de encerramento dos autos, proferida em 21 de Junho anterior, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa- Juízo do Comércio de Lisboa – Juiz 7, no processo n.º 945/04.9TYLSB, em que era requerido, como Falido, o ora Reclamante onde foi determinado o encerramento dos “autos de falência, por insuficiência da massa falida”, de cujo teor se extrai:

Notificados os credores para se pronunciarem sobre o encerramento do processo, veio a Caixa Geral de Depósitos requerer que sejam efectuadas diligencias no sentido do apuramento de bens/direitos ao falido, nomeadamente junto do Centro Nacional de Pensões.

O Sr. Liquidatário Judicial (…) veio informar que o falido aufere uma pensão de velhice no valor de € 2.445,76.

(…) não foi apurado qualquer outro ativo ao falido.

(…) o prosseguimento do processo, com a perceção mensal dos rendimentos auferidos pelo falido, significaria que o mesmo se tornaria vitalício, do ponto de vista do falido, não sendo esse de tudo o esquema de pagamento aos credores que se mostra prefigurado no processo de falência, já que este não foi pensado (…) para ir cobrando a dívida lentamente, acompanhando os rendimentos mensais do falido.

No atual regime da Insolvência, o legislador acautelou esta situação nos casos de pessoas singulares que peçam a exoneração do passivo restante, prevendo um período limitado de 5 anos para os devedores comprovarem boa conduta na sua gestão financeira, entregando a um fiduciário o produto dos seus rendimentos, salvaguardando o mínimo indispensável à sua subsistência, na expectativa de que findo o período de 5 anos todas as dívidas sejam exoneradas.

Na falência inexiste tal regime e, neste caso concreto, considerando a idade no falido, o montante dos créditos reclamados e o montante a descontar do rendimento do falido, conclui-se necessariamente que os créditos redamados são, na sua totalidade, incobráveis.

Neste contexto, inexistindo outros bens suscetíveis de ser apreendidos e vendidos, impõe-se que se conclua pela necessária insuficiência da massa e se determine o encerramento do processo nos termos do artigo 187.º do CPEREF”. - cf. Doc. 4 junto pelo Reclamante – certidão e sentença - Petição Inicial (405062) Petição Inicial (006527132) Pág. 17 de 24/06/2022 22:27:47 –pág. 17, 30 e 31 de 48

F) Em 5 de Junho de 2020, o Reclamante era seguido com regularidade na USF Garcia da Orta por apresentar as seguintes patologias:

- diabetes mellitus tipo 2, diagnosticada em 2015;

- hipertensão arterial grau 2, diagnosticada em 2016;

- dislipidemia, diagnosticada em 2019;

- carcinoma espinho celular na região frontal da face;

- hiperuricemia. - cf. Doc. 2 junto pelo Reclamante – Atestado Médico, emitido pela Dra I... - Ofício n.º 500.110 - Petição Inicial (405062) Petição Inicial (006527132) Pág. 14 de 24/06/2022 22:27:47 – pág. 14 e 15 de 48

G) Por carta do Instituto da Segurança Social (ISS), de 23 deMaio de 2022, o Reclamante foi notificado do “PEDIDO DE PENHORA: 156220200000038604 P. EXECUTIVO 1562200201502883” e da “dedução mensal de Eur. 158,73, no valor da sua pensão com início no mês de JUNHO /2022, até perfazer o total de Eur. 64335,49”. – cf. Doc. 1 junto pelo Reclamante – Ofício n.º 500.110 - Petição Inicial (405062) Petição Inicial (006527132) Pág. 13 de 24/06/2022 22:27:47

H) Em 3 de Junho de 2022 o valor pago pelo Instituto da Segurança Social ao Reclamante, foi € 1.521. - cf. Doc. 3 junto pelo Reclamante – Vale de Correio emitido pelo FSS-CNP - Petição Inicial (405062) Petição Inicial (006527132) Pág. 16 de 24/06/2022 22:27:47

I) Por carta do Serviço de Finanças de Sintra-1, de 17 de Junho de 2022, o Reclamante foi notificado do teor da ordem de penhora n.º 156220200000038604, referente a pensão do Instituto da Segurança Social, I.P., para cobrança da quantia de € 64.355,49. – cf. Notificação de Penhora e aviso de recepção – Remessa Processo de Execução Fiscal (art.º 208.º do CPPT) (406295) Remessa Processo de Execução Fiscal (art.º 208.º do CPPT) (006536638) Pág. 78 de 18/07/2022 17:01:39 – pág. 78 e 79 de 100”.

II.B. Refere-se, ainda, na sentença recorrida:

“Factos Não Provados

Não foram alegados outros factos com relevo para a apreciação de mérito, que importe registar como não provados”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame dos documentos constantes dos autos e do PEF, não impugnados, com destaque para os referidos a propósito de cada alínea do probatório”.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do efeito do recurso

Entende, desde logo, o Recorrido que ao presente recurso deve ser conferido efeito suspensivo.

Vejamos.

Nos termos do art.º 286.º, n.º 2, do CPPT:

“2 - Os recursos têm efeito meramente devolutivo, salvo se for prestada garantia nos termos do presente Código ou o efeito devolutivo afetar o efeito útil dos recursos”.

In casu, estamos perante uma reclamação de ato do órgão de execução fiscal, sendo que, em situações como a presente, a mesma suspende os efeitos do ato reclamad0 [cfr. art.º 278.º, n.º 3, al. a) e n.º 6, do CPPT]. Por outro lado, o n.º 8 do mesmo art.º 278.º prescreve que, “[c]om a remessa para o tribunal tributário de 1.ª instância, a execução fica suspensa até à decisão do pleito, desde que a reclamação tenha por objeto matéria que afete a totalidade da tramitação da execução”. O efeito suspensivo do PEF que a própria reclamação implica dá resposta, pois, ao pretendido.

Logo, não se vislumbra fundamento para alterar o efeito do recurso.

Prosseguindo para a apreciação das questões suscitadas pela Recorrente.

III.B. Do erro de julgamento, por violação de caso julgado

Considera a Recorrente que o Tribunal a quo errou no seu julgamento, por existir violação de caso julgado, atento o decidido no âmbito dos autos 1923/20.6BELRS.

Vejamos.

Nos termos do art.º 619.º, n.º 1, do CPC:

“1 - Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º”.

Respeita a norma contida nesta disposição legal ao caso julgado material, que ocorre quando a decisão transitada recai sobre o mérito da causa (1). Assim, a definição dada à relação material controvertida tem força dentro e fora do processo(2).

As exigências de segurança jurídica têm sido apontadas como fundamento primordial do caso julgado material(3), sendo um garante da tendencial imutabilidade das decisões transitadas em julgado, fundamental até em termos de manutenção da paz social.

O caso julgado material pode refletir uma dupla função, negativa ou positiva (4). Assim, a função negativa do caso julgado material está inerente à exceção de caso julgado, consubstanciando-se no impedimento de a mesma causa ser apreciada pelo Tribunal numa nova ação. Já a função positiva respeita à chamada autoridade do caso julgado, através da qual se obsta a que a situação jurídica material definida por sentença ou acórdão transitados em julgado possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença ou acórdão (5). Ou seja, a autoridade do caso julgado impõe à segunda decisão de mérito o decidido na primeira como sendo seu pressuposto indiscutível, subjacente a uma relação de prejudicialidade entre o objeto de ambas as decisões (6).

Ora, aplicando estes conceitos ao caso dos autos, verifica-se que o alegado não tem adesão à realidade.

Com efeito, estamos perante PEF distintos (nos presentes autos, está em causa o PEF 1562200201502883 e nos autos n.º 1923/20.6BELRS o PEF 3158200901049763 e apensos) e atos (penhoras) também eles distintos, não havendo nem identidade do pedido nem identidade da causa de pedir.

A similitude entre a matéria em discussão em dois processos não se confunde com a verificação de exceção de caso julgado, cujos requisitos pressupõem a verificação das três identidades já referidas (sujeitos, pedido e causa de pedir), o que não ocorre in casu.

Como tal, carece de razão a Recorrente nesta parte.

III.C. Do erro de julgamento, por ser admissível a penhora

Considera, por outro lado, a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, na medida em que, atento o disposto no art.º 180.º, n.º 5, do CPPT, a penhora é admissível.

Vejamos então.

Antes de mais, atentemos na factualidade pertinente in casu.

Assim:

a) Foi instaurado, em 2004, processo de falência, em que era requerido como falido o Reclamante;

b) Em 2005, o Recorrido foi citado, na qualidade de revertido, no PEF n.º 1562200201502883, para proceder ao pagamento de dívidas cuja devedora originária era a sociedade L... – Construções Metalomecânicas e Forjamentos Lda;

c) A partir de julho de 2015, o Recorrido passou a auferir mensalmente de uma pensão de velhice, naquele momento fixada em 1.710,09 Eur.;

d) A 02.02.2016, transitou em julgado a decisão de declaração de falência do Recorrido;

e) Em 13.07.2018, transitou em julgado a sentença de encerramento dos autos de falência, por insuficiência da massa falida.

Considerando este quadro factual, o Tribunal a quo considerou:

¾ Não é in casu aplicável o n.º 6 do art.º 180.º do CPPT;

¾ É, em abstrato, aplicável o disposto no n.º 5 da mesma disposição legal;

¾ No entanto, in casu, a pensão auferida trata-se de bem adquirido antes da declaração de falência, pelo que não pode ser penhorado.

Vejamos então.

O art.º 180.º do CPPT, na sua versão inicial, dispunha que:

“1 - Proferido o despacho judicial de prosseguimento da ação de recuperação da empresa ou declarada falência, serão sustados os processos de execução fiscal que se encontrem pendentes e todos os que de novo vierem a ser instaurados contra a mesma empresa, logo após a sua instauração.

2 - O tribunal judicial competente avocará os processos de execução fiscal pendentes, os quais serão apensados ao processo de recuperação ou ao processo de falência, onde o Ministério Público reclamará o pagamento dos respetivos créditos pelos meios aí previstos, se não estiver constituído mandatário especial.

3 - Os processos de execução fiscal, antes de remetidos ao tribunal judicial, serão contados, fazendo-se neles o cálculo dos juros de mora devidos.

4 - Os processos de execução fiscal avocados serão devolvidos no prazo de 8 dias, quando cesse o processo de recuperação ou logo que finde o de falência.

5 - Se a empresa, o falido ou os responsáveis subsidiários vierem a adquirir bens em qualquer altura, o processo de execução fiscal prossegue para cobrança do que se mostre em dívida à Fazenda Pública, sem prejuízo das obrigações contraídas por esta no âmbito do processo de recuperação, bem como sem prejuízo da prescrição.

6 - O disposto neste artigo não se aplica aos créditos vencidos após a declaração de falência ou despacho de prosseguimento da ação de recuperação da empresa, que seguirão os termos normais até à extinção da execução”.

Esta redação foi somente alterada em 2021, pela Lei n.º 7/2021, de 26 de fevereiro, apenas para dar resposta à atualização do texto, resultante da sua adaptação à terminologia do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE).

Este art.º 180.º, para créditos vencidos antes da declaração de falência, como é o caso, apresenta uma particularidade refletida no seu n.º 5, possibilitando, findo que seja o processo de falência (ou de insolvência, atualmente), a prossecução do PEF contra bens que venham a ser adquiridos, designadamente, pelo falido (ou insolvente, atualmente).

Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 09.03.2016 (Processo: 0404/13):

“[R]elativamente a dívidas anteriores à declaração de falência, o processo de execução fiscal apenas poderá prosseguir nas hipóteses previstas nos n.ºs 4 e 5 do art. 180.º do CPPT, ou seja nos casos em que, findo o processo de falência, os processos de execução fiscal avocados são devolvidos no prazo de oito dias ao respectivo órgão da execução fiscal ou ao tribunal tributário, devolução que tem como finalidade a possibilidade de, em caso de o falido adquirir bens, prosseguirem os processos para cobrança do que esteja em dívida à Fazenda Pública, sem prejuízo das obrigações contratuais por esta assumidas e sem prejuízo também da prescrição da dívida exequenda”.

Estamos, pois, perante um caso em que não há que apelar ao disposto no n.º 3 do art.º 154.º do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (CPEREF), nos termos do qual “[a] declaração de falência obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer ação executiva contra o falido”, uma vez que existe norma especial sobre a matéria no âmbito do CPPT. Ademais, estamos a falar de PEF que prosseguiu já depois de encerrado o processo de falência.

Até este ponto, aliás, convergimos com o entendimento do Tribunal a quo, entendimento esse não posto em causa nesta parte: estamos perante situação em que, abstratamente, é possível aplicar o n.º 5 do art.º 180.º do CPPT (sendo, por isso, irrelevante tudo o alegado em torno do n.º 6 do mesmo art.º 180.º, dado que não estamos perante créditos vencidos após a declaração de falência).

A questão aqui central é sim a de saber se a pensão de velhice, paga pelo Instituto da Segurança Social ao Recorrido, pode ou não ser penhorada, considerando o disposto no art.º 180.º, n.º 5, do CPPT, que circunscreve a sua aplicação aos bens que venham a ser adquiridos.

Considerou o Tribunal a quo que, uma vez que foi em 2015 que foi reconhecido o direito à pensão em causa, não se pode considerar que cada um dos pagamentos feitos mensalmente represente uma aquisição de bens, nos termos e para os efeitos do art.º 180.º, n.º 5, do CPPT.

Neste ponto, distanciamo-nos do Tribunal a quo.

Com efeito, entendemos que são tratadas como uma mesma realidade duas situações distintas:

a) Uma, é efetivamente o nascimento, na esfera jurídica do Recorrido, do direito a uma pensão de velhice, que ocorreu em 2015;

b) Outra é o pagamento do valor mensal de pensão.

A primeira, que consubstancia no reconhecimento do direito à pensão, nasceu, como mencionado, na esfera jurídica do Recorrido em 2015. A segunda, que respeita ao pagamento de cada uma das pensões, consoante o respetivo vencimento, nasce na esfera jurídica do Recorrido justamente no momento desse vencimento.

Atentando no DL n.º 187/2007, de 10 de maio, que aprovou o regime de proteção nas eventualidades de invalidez e velhice dos beneficiários do regime geral de segurança social, dele constam as condições do “reconhecimento do direito às pensões de invalidez e velhice”, conforme resulta dos seus art.ºs 10.º e ss., estando, em concreto, quanto à pensão de velhice, determinados os requisitos para o reconhecimento do direito à mesma consagrados nos art.ºs 19.º e ss.

Reconhecido o direito à pensão de velhice, a mesma é devida a partir da data da apresentação do requerimento (cfr. art.º 51.º).

As pensões vencem-se mensalmente, conforme dispõe o atual art.º 90.º, n.º 1 (correspondente ao corpo do art.º 90.º, na redação anterior à que lhe foi dada pelo DL n.º 16-A/2021, de 25 de fevereiro), que prevê tal periodicidade de pagamento (exceto nos casos excecionais de pagamento semestral, aqui não aplicáveis).

Ou seja, reconhecido o direito a auferir de uma pensão de velhice, o direito a cada uma das concretas pensões vence-se mensalmente. Daí que, por exemplo, o art.º 91.º do regime referido preveja um prazo de prescrição das pensões vencidas “de cinco anos contado a partir da data em que as mesmas são postas a pagamento”.

Como referido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 07.10.2003 (Processo: 03S1785):

“[H]á que distinguir dois direitos: o direito à reforma, como direito unitário a receber as respectivas pensões vitalícias, e o direito às prestações periódicas em que a reforma se concretiza ao longo do tempo:”.

Veja-se igualmente o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.06.2002 (Processo: 02S882), onde se refere:

“Na relação previdencial de reforma, existem duas espécies de direitos: o direito à reforma, como direito unitário a receber as respectivas pensões vitalícias, e os direitos que dele periodicamente se desprendem, correspondentes às prestações periódicas em que a reforma se concretiza ao longo do tempo”.

Daí que se fale, neste contexto, num direito de aquisição continuada ou de formação sucessiva [cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 29.10.2013 (Processo: 800/12.9TBCBR.C1); Maria João Romão Carreiro Vaz Tomé, O direito à pensão de reforma enquanto bem comum do casal, Coimbra Editora, Coimbra, 1997, p. 162].

Foi neste sentido que já se pronunciou este TCAS, no Acórdão de 15.09.2022 (Processo: 1100/21.9BELRS), onde se considerou serem passíveis de penhora as prestações vencidas após o encerramento do processo em causa, enquadrando-se no âmbito do n.º 5 do art.º 180.º do CPPT.

Nascendo, mensalmente, na esfera jurídica do Recorrido, o direito ao concreto pagamento da pensão, considera-se que, para efeitos do n.º 5 do art.º 180.º do CPPT, esse vencimento mensal equivale a aquisição.

Ademais, como decorre da decisão proferida em sede de falência, a pensão nunca foi apreendida à ordem de tal processo, pelo que nada obstaria à sua penhora em sede de execução fiscal, estando a ratio do n.º 5 do art.º 180.º do CPPT salvaguardada.

Como tal, assiste razão à Recorrente.

Atento o explanado e considerando que o Tribunal a quo não conheceu uma das questões invocadas pelo Reclamante na sua petição inicial, e uma vez que se dispõe de todos os elementos necessários, passa-se ao seu conhecimento em substituição (art.º 665.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT).

Assim, é a seguinte a questão a decidir em substituição, nos termos do disposto no art.º 665.º do CPC:

a) A pensão de velhice auferida é impenhorável?

III.D. Da (im)penhorabilidade da pensão de velhice

Considera o Reclamante que a pensão de velhice é impenhorável, dado que a sentença proferida nos autos de falência considerou impenhoráveis os rendimentos que tinha naquela data e que a Lei n.º 28/84, no seu art.º 41.º, n.º 1, prevê a sua impenhorabilidade.

Vejamos.

Como referido no Acórdão deste TCAS de 15.09.2022 (Processo: 1100/21.9BELRS), já citado, no tocante ao teor da decisão proferida pelo Tribunal de Comércio, “o encerramento do processo sem apreensão para a massa daqueles rendimentos não se funda em razões de impenhorabilidade, mas sim na circunstância de que sendo esses os únicos valores do activo (2.445,76€), os créditos reclamados de 22.965.835,00€ não eram susceptíveis de ser ali satisfeitos e o processo eternizar-se-ia, como de resto a decisão do Tribunal do Comércio deixa claro”.

Ou seja, carece de materialidade o alegado em torno da existência de decisão no sentido de a pensão de reforma ser impenhorável.

Já quanto ao disposto no art.º 45.º, n.º 1 (que, por lapso, o Recorrido identifica como art.º 41.º), da Lei n.º 28/84, de 14 de agosto (que, de facto, previa que “[a]s prestações devidas pelas instituições de segurança social são impenhoráveis”), cumpre sublinhar que o mesmo foi revogado pela Lei n.º 17/2000, de 8 de agosto (Lei de Bases da Segurança Social de 2000).

Este diploma, por seu turno, no n.º 2 do art.º 68.º veio consagrar que “[a]s prestações dos regimes de segurança social são parcialmente penhoráveis nos termos da lei geral”.

Veja-se, aliás, que a conformidade constitucional daquele art.º 45.º, n.º 1, da Lei n.º 28/84, de 14 de agosto, fora já suscitada, sendo, a este respeito, de chamar à colação, designadamente, os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 349/91, de 03.07.1991, 411/93, de 29.06.1993, 570/96, de 16.04.1996, 1122/96, de 05.11.1996, 438/97, de 19.06.1997 e 570/97, de 07.10.1997, nos quais foi julgada inconstitucional, por violação do preceituado nas disposições conjugadas dos art.ºs 13.º, n.º 1, e 62.º, n.º 1, da Constituição, a norma do art.º 45.º, n.º 1, da Lei n.º 28/84, de 14 de agosto, na medida em que isenta de penhora a parte das prestações devidas pelas instituições de segurança social que excede o mínimo adequado e necessário a uma sobrevivência condigna.

Retornando à evolução legislativa em questão, temos que a Lei de Bases da Segurança Social de 2000 veio a ser revogada em 2002, pela Lei n.º 32/2002, de 20 de dezembro (Lei de Bases da Segurança Social de 2002), cujo art.º 73.º, n.º 2, manteve o regime da penhora parcial nos termos da lei geral.

Entretanto, a Lei de Bases da Segurança Social de 2002 veio a ser revogada em 2007, pela Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro (Lei de Bases da Segurança Social de 2007), atualmente em vigor, cujo art.º 72.º, n.º 1, prescreve que “[a]s prestações dos regimes de segurança social são parcialmente penhoráveis nos termos da lei geral”.

Assim sendo, a pensão em causa não é se não parcialmente (im)penhorável nos termos da lei geral, ou seja, atendendo ao disposto no art.º 738.º do CPC, nos termos do qual:

“1 - São impenhoráveis dois terços da parte líquida dos vencimentos, salários, prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de qualquer outra regalia social, seguro, indemnização por acidente, renda vitalícia, ou prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado.

2 - Para efeitos de apuramento da parte líquida das prestações referidas no número anterior, apenas são considerados os descontos legalmente obrigatórios.

3 - A impenhorabilidade prescrita no n.º 1 tem como limite máximo o montante equivalente a três salários mínimos nacionais à data de cada apreensão e como limite mínimo, quando o executado não tenha outro rendimento, o montante equivalente a um salário mínimo nacional”.

In casu, nada nos faz concluir pela impenhorabilidade da pensão, na medida em que a penhora mensal é de 158,73 Eur. e o valor da pensão atual, como o próprio Reclamante refere no art.º 2.º da sua petição, ronda os 1.800,oo Eur. líquidos. Por outro lado, nada foi alegado (nem consequentemente provado) que permita a aplicação do disposto no n.º 6 do art.º 738.º do CPC.

Como tal, não assiste razão ao Reclamante.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, em substituição, julgar a presente reclamação improcedente;

b) Custas pelo Recorrido em ambas as instâncias;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 1o de novembro de 2022

(Tânia Meireles da Cunha)

(Susana Barreto)

(Patrícia Manuel Pires)


(1) Cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, Vol. V, p. 156.

(2) A este respeito, v. Manuel de Andrade, Noções Elementares de processo Civil, Vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 1956, p. 285.

(3) A este respeito, v. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, Vol. III, p. 94, Manuel de Andrade, ob. cit., pp. 286 e 287, e Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, 1985, Coimbra Editora, Coimbra, p. 705.

(4) V. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, Vol. III, p. 93. Distinguindo as situações consoante a relação entre o objeto da decisão transitada e o do processo posterior e, nesse seguimento, discernindo entre situações com relação de identidade, situações com relações de prejudicialidade e situações com relações de concurso, v. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2.ª Ed., Lex, Lisboa, 1997, pp. 574 a 577.

(5) Cfr. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 13.11.2018 (Processo: 4263/16.1T8VCT.G1.S1) e de 27.02.2018 (Processo: 2472/05.8 TBSTR.E1).

(6) V. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 26.02.2019 (Processo: 4043/10.8TBVLG.P1.S1) e de 13.11.2018 (Processo: 4263/16.1T8VCT.G1.S1), e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 28.02.2019 (Processo: 2143/05.5BELSB).