Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:08666/15
Secção:CT
Data do Acordão:05/25/2017
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:IVA
FACTURAS FALSAS
Sumário:I - Quando a Administração Tributária desconsidera facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da LGT, competindo à Administração fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade. Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção.
II - No que concerne à prova que compete à Administração, o que é imprescindível é que aquela a faça de factos suficientemente indiciadores a que o Tribunal possa concluir, “em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência”, pela elevada probabilidade (ou até certeza) de que o negócio declarado por aquelas partes não corresponde à realidade materializada naquela factura”.
III - Nesta tarefa, poderá a Administração Tributária lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios, pelo que tais indicadores de falsidade das facturas não têm necessariamente que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado.
IV- O fenómeno da facturação falsa é, muitas vezes, acompanhado pela preocupação em documentar todo o circuito de pagamento através de cheques, com cópias dos documentos emitidos, de forma a que se estabeleça a exacta correspondência entre a factura e o meio de pagamento. Contudo, este circuito documental não tem a suportá-lo, muitas vezes, o correspondente circuito financeiro ou do dinheiro, tratando-se, por isso, de uma mera aparência de pagamentos e recebimentos.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

1 – RELATÓRIO

A Fazenda Pública, inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por J..., Lda., (..., Lda.,) onde a A. peticionava a anulação das liquidações adicionais de IVA relativas ao ano de 2005 e respectivos juros compensatórios, no montante total de €138.993,64, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional.

Formula, para tanto, as seguintes conclusões:

A. Assaca a Fazenda Pública à sentença objecto de recurso erro na apreciação e valoração da prova documental e testemunhal, ao ter considerado como provada matéria que o não está nos autos, não dando como provada factualidade evidenciada pelo probatório e, em consequência, alcançando conclusões que, por excesso ou por defeito, não têm suporte adequado.

B. Tal é o que resulta da análise crítica dos testemunhos prestados em juízo que acima se delineou, em que dois dos fornecedores da recorrida não são sequer mencionados, sendo que os restantes três são referidos em termos inexactos, imprecisos ou implausíveis, tudo contribuindo para infirmar a conclusão genérica perfilhada pelo Tribunal a quo de “que a impugnante comprava sucata a pequenos fornecedores”.

C. Vistas as lacunas e fragilidades evidenciadas na prova testemunhal sufragada pela sentença recorrida, não podia em consciência o Tribunal de 1ª instância encontrar aí o suporte bastante para concluir pela tangibilidade das transacções comerciais desconsideradas pela Inspecção Tributária.

D. Pelo contrário, ponderados os factos apurados constantes do RIT e que também foram apropriados pela sentença impugnada, deveria o julgador ter aportado à conclusão de que as operações em causa não tinham aderência à realidade, sendo assim indevida a dedução, por parte da ora recorrida, do IVA mencionado nas facturas que as titulavam.

E. Também mal andou a sentença recorrida na interpretação e aplicação empreendidas do Direito, alheando-se do facto de as correcções da AT terem incidido sobre o exercício do direito à dedução do IVA, com o que fica desde logo o sujeito passivo onerado com o dever de comprovar tal direito, nos termos do art.º 74º, n.º 1 da LGT e do art.º 19º do Código do IVA.

F. E esta última norma, axial na apreciação de um dissídio onde está em causa o poder correctivo da AT sobre a dedução de IVA efectuada pelo sujeito passivo, nem sequer colhe fugaz menção no aresto aqui impugnado.

G. Sintetizando a adequada ponderação do ónus probatório neste domínio, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 2002-04-24 (Processo n.º 0102/02):

«I - Tendo a Administração Fiscal, por considerar não se terem efectivamente realizado as operações consubstanciadas em determinadas facturas, existentes na escrita do contribuinte, obstado à dedução do IVA que daquelas facturas consta, ao abrigo do disposto no artigo 19º nº 3 do CIVA, cabe ao contribuinte, no processo em que impugne a actuação da Administração, a prova dos pressupostos de que depende o seu direito àquela dedução.»

H. Ao invés do propugnado na sentença recorrida, nestes casos também não impende sobre a AT a obrigação de provar a ocorrência de simulação entre o adquirente, beneficiário do direito à dedução do IVA, e o fornecedor das “facturas falsas” como, entre outros, se decidiu no Supremo Tribunal Administrativo (Processo n.º 810/04, de 2004-10-27) ou no Tribunal Central Administrativo Norte (Processo n.º 00383/08.4BEBRG, de 2013-02-28).

I. Também não poderia a sentença recorrida deixar de reconhecer estar amplamente justificada a cessação da presunção de veracidade das declarações e registos contabilísticos do contribuinte, por força de in casu se verificar o circunstancialismo tipificado na al. a) do n.º 1 do art.º 75º do mesmo diploma legal.

J. No confronto entre o direito à dedução do imposto, putativamente suportado a montante pelo sujeito passivo de IVA, e o dever da AT de controlar e corrigir o exercício de tal direito, veio a decisão ora sindicada propender de modo extravagante para a protecção do primeiro, sem adequado apoio legal ou factual e ao arrepio da jurisprudência pacífica já firmada sobre a matéria.

K. Somatório de razões em que se funda a recorrente no seu pedido ao Tribunal ad quem, para que revogue a sentença recorrida e, no judicioso uso dos seus poderes de cognição, retire e adicione ao elenco probatório os factos pertinentes que acima se apontaram, de modo a ficar habilitado a, em substituição, julgar totalmente improcedente a impugnação judicial tributária deduzida pela pessoa colectiva ora recorrida.

Nestes termos e nos demais que esse Douto Tribunal entenda por bem melhor suprir, pede a Fazenda Pública que seja dado provimento a este recurso, revogada a sentença impugnada e, em substituição, venha a ser proferido Acórdão que julgue totalmente improcedente o pedido anulatório da impugnante, ora recorrida, com o que se fará a almejada

Justiça!”


*

Em sede de contra-alegações, expendeu-se o seguinte:

1- A representante da Fazenda Nacional vem recorrer da douta sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou totalmente procedente a impugnação instaurada pela recorrida das liquidações de IVA e respectivos Juros compensatórios do ano de 2005.

2- Ora, a recorrente impugna a matéria de facto sem, todavia, especificar nas suas conclusões os factos concretos que considera incorretamente julgados, e os concretos meios probatórios, com exatidão, constantes do processo que impõem, na sua opinião, uma decisão diversa.

3- Deverá o recurso ser rejeitado por violação do disposto no artigo 640.° do Código Processo Civil

4- O vícios apontados pela Representante da Fazenda (erro), não existem ou, mesmo que por mera hipótese académica existissem não inquinam a decisão final da improcedência da impugnação, a qual se encontra estribada em fundamentos sólidos, que se não confundem com argumentos de carácter acessório e de interpretação unilateral, invocados pela Fazenda.

5- A questão fundamental submetido o Tribunal Administrativo e Fiscal recorrido, foi a da falta de fundamentação substancial do acto tributário, contido no relatório final de inspecção tributária, no âmbito da qual se deveria apreciar neste âmbito (como o foi) se existem, ou não, indícios objectivos de que as facturas emitidas pelos fornecedores em questão, no exercício de 2005, correspondem, ou não, a transacções reais.

6- A recorrente para além de ter fundamentado mal o acto tributário, não logrou demonstrar qual o itinerário cognoscitivo e os factos que, à luz da lógica e da razão, permitiam tirar as ilações que tirou, ao classificar, com base em meras conclusões relativas aos fornecedores da impugnante, as operações de compra de sucata como fictícias.

7- Do relatório de inspecção tributária (que encena os fundamentos das liquidações subjacentes a esta não se permite concluir que a Administração Tributária não cumpriu o ónus qual seja o de demonstrar com razoável certeza a existência de simulação ou conluio entre a impugnante e os fornecedores indiciados, nos termos do disposto no artigo 74.° n.º 1 da LGT.

8 - E como tal não logrou derrogar a PRESUNÇÃO DE VERDADE QUE GOZA A ESCRITA DA IMPUGNANTE, ex vi artigo 75.° da LGT (Facto que nunca foi contestado pela AT).

9 - A douta sentença recorrida é clara ao concluir que as liquidações impugnadas estão mal fundamentadas porquanto o relatório de inspecção tributária não permite concluir que factos ou indícios são apontados à impugnante que permitam provar e demonstrar que as compras tituladas pelas facturas dos fornecedores em questão são falsas ou que são fruto de uma simulação ou conluio, não bastando, pois, transcrever conclusões relativamente a outros fornecedores objecto de inspecções que não são do conhecimento do impugnante, não lhe exigidas conhecer.

10 - Para além de que as conclusões relativas a esses fornecedores não resultam de qualquer inspecção efetuada diretamente pelo autor do relatório de inspecção da impugnante.

11- Sobre este aspecto conclui a douta sentença recorrida que (...) "e no seu esforço da procura da verdade material, não está vedado à Administração Fiscal recorre aprovas indirectas ou factos indiciantes dos quais procurará extrair, com auxílio das regras da experiência comum, uma ilação quanto aos factos indiciados".

12 - Acrescendo a isto que o impugnante fez prova dos meios de pagamento (Cheques) da mercadoria adquirida e, ainda, do recebimento, por transferência bancária, das vendas dessa mercadoria aos seus clientes Espanhóis, pelo que se deve de respeitar o princípio da verdade do declarado, não tendo o fisco quaisquer elementos objectivos e validos que permitam por em crise esta conclusão.

13 - Note-se que o fisco considerou as compras do impugnante como fictícias, mas tributou as vendas na esfera jurídica dos fornecedores, o que constitui uma autêntica contradição (Ver relatório de inspecção juntos aos autos).

14 - O fisco desprezou os elementos de prova do impugnante (meios de pagamento dos fornecimentos e meios de recebimento das vendas) e limitou-se a imputar ao impugnante factos que: tem a ver os seus fornecedores, irregularidades dos fornecedores, relativamente às quais o impugnante se não pode defender, irregularidades pelas quais não responde.

15 - Assim sendo, é mais do que evidente a falta de fundamentação actos tributários, que estão sustentados em suspeições e raciocínios conclusivos que até ferem o senso comum, dizem respeito a factos relativos aos fornecedores do impugnante (falta de estrutura empresarial), pelos quais a impugnante não pode responder, desconhecendo a impugnante se tais fornecedores até apresentaram defesa sobre às inspecções de que foram alvo.

16 - Em face do exposto, e tendo a Administração Tributaria violado o disposto no artigo 19.º n.°3 e 4 do CIVA, pôr não ter cumprido o ónus da prova que, por lei, se lhe impunha (74.° n.1 da LGT) (demonstrar factos-indícios da existência de negócios simulados ou o conhecimento por parte da impugnante da falta de estrutura empresaria dos seus fornecedores), as liquidações são ilegais por violação de lei e falta de fundamentação substancial, e como tal deveriam de ter sido anuladas.

NESTES TERMOS deverá improceder o Recurso interposto pela Representante da Fazenda Nacional, mantendo-se a douta decisão recorrida ou outra que julgue totalmente procedente a impugnação das liquidações de IVA e respectivos Juros Compensatórios relativos ao ano de 2005.

Assim se faz a costumada JUSTIÇA!”


*

O Exmo. Magistrado do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

*

Colhidos os vistos legais, vêm os autos à conferência para decisão.

*

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Assim sendo, as questões que constituem objecto do presente recurso, consistem em saber se:

(i) - o tribunal a quo errou no julgamento de facto, seja no que toca aos pontos 15 e 17 dos factos provados, seja quanto à factualidade atinente à efectividade das transacções a que respeitam as facturas desconsideradas, a qual, ponderada a prova testemunhal, deveria ter sido considerada não provada;

(ii) - o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao concluir que, in casu, a Administração Tributária não recolheu indícios sérios da existência de facturação falsa e, como tal, ao determinar a anulação das liquidações adicionais de IVA sindicadas.


*

2 - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. De facto

É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida:

“Consideram-se documentalmente provados os seguintes factos, relevantes para a decisão da causa:

1. A impugnante “..., LDA” tem por objecto a prática do “Comércio por grosso de sucatas e de desperdícios metálicos” a que corresponde o C.A.E. (classificação de actividades económicas 046771 desde 17/11/1986, enquadrado no Regime Geral de Tributação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, em sede de IVA está enquadrado no Regime Normal de periocidade Mensal desde 1-1-2005 (cf. relatório de inspecção constante a fls. 235 e 240 do Processo Administrativo Tributário, de ora em diante designado de PAT).

2. Em 13/5/2009 o sujeito passivo assinou o ofício constante de fls. 112 dos autos em suporte de papel, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, emitido pela Direcção de Finanças de ... “… nos termos do n.º 4 e n.º 5 do artigo 46.º do RCPIT, com o objectivo de consulta, recolha e cruzamento de elementos (…) ” e cuja nota de diligência foi emitida em 17/2/2010 (cf. fls. 114 dos autos em suporte de papel).

3. Em 30/10/2009 foi iniciada uma acção inspectiva externa à impugnante, relativa ao exercício fiscal de 2005, ao abrigo da ordem de serviço n.º ... de 16/10/2008, cuja nota de diligência foi assinada em 29/3/2010 (cf. fls. 240 do PAT e fls. 116 dos autos em suporte de papel)).

4. Em 12/10/2009 foi instaurado o inquérito criminal n.º NUIPC n.º 234/2009 2IDSTR relativo à emissão e uso de facturação falsa, por indícios da prática de utilização e facturação falsa (cf. certidão do inquérito a fls. 150 a 154 dos autos em suporte de papel).

5. A acção inspectiva identificada no ponto que antecede, surge na sequência de informações enviadas pela Direcção de Finanças de ..., pelos Ofícios n.º 891, de 9/1/2008, n.º 10 833, de 7/4/2008, n.º 13888, de 5/5/2008, n.º 18894, de 3/5/2008, e n.º 24361, de 22/7/2008, todos dessa Direcção de Finanças, em que se detectaram fortes indícios de que o sujeito passivo “..., LDA” é utilizador de facturas falsas de favor, nos exercícios de 2005, 2006 e 2007 (cf. fls. 240 do PAT).

6. Da acção de fiscalização referida em 2., resultou o Relatório de Inspecção constante de fls. 234 a 346 do PAT, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta o seguinte:

“ (…)

3.4 Organização contabilística e Fiscal:

Tem a sua estrutura contabilística assente em registos informáticos, de suporte ao movimento documental, agrupados por ordem sequencial de numeração e data, e organizados por diversos diários de movimentos. É detentora de diários de movimentos mensais, balancetes de apuramento, assim como extractos de conta, encontrando-se os livros de contabilidade, registos auxiliares e documentos de suporte conservados e em boa ordem.

(…)

Através da análise do quadro anterior verifica-se um crescimento exponencial do volume de negócios do ano de 2005 para o ano de 2006, em 105%, verificando-se um crescimento de apenas 51% do ano de 2004 para o ano de 2005.

Paralelamente constata-se uma evolução do Custo das Mercadorias Vendidas e Matérias Consumidas do ano de 2005 para o ano de 2006, de 127% e um crescimento de 51% do ano de 2004 para o ano de 2005, o que significa que as margens de comercialização declaradas pelo sujeito passivo diminuíram de 2004 para 2005 e deste ano para 2006.

A rentabilidade fiscal declarada teve um decréscimo de 22% de 2004 para 2005 e de 63% de 2005 para 2006.

(…)

1.2. – Vendas registadas na contabilidade e declaradas para efeitos fiscais

Decorrente da análise às vendas de sucata registadas na contabilidade, no exercício de 2005, elaborou-se um quadro onde se registam os principais clientes da “..., LDA”

(…)

Verifica-se que os principais clientes da “..., LDA” são a M..., Lda., a Fundição..., SA, a ... e Filhos, Lda. e a ..., SA, os quais representam cerca de 35,89% das vendas declaradas.

1.3.- Compras registadas na contabilidade e declaradas para efeitos fiscais

Decorrente da análise aos documentos de compra de sucata registados na contabilidade no exercício de 2005, elaborou-se um quadro onde se registam os principais fornecedores da “..., LDA” (Fornecedores acima dos 100.000€/ano – Valor com IVA incluído):

(…)

Verifica-se que os principais fornecedores da “..., LDA” foram: R..., Lda., R..., e P...., os quais representam cerca de 45% das compras declaradas.

2 – Fornecedores com indícios de emissão de facturas fictícias

Relativamente às compras da “..., LDA”, foram detectadas diversas irregularidades em alguns fornecedores, conforme passamos a descrever:

2.1 – Fornecedores com indícios de emissão de facturação “fictícia”

2.1.1 – R... (…)

A Sr.ª R... é sujeito passivo declarante em sede de IRS e IVA.

Não se encontra cessada, no entanto as declarações periódicas de IVA têm sido enviadas sem qualquer movimento.

Relativamente a este contribuinte refira-se a existência de um processo de inquérito criminal, no Tribunal da Comarca de Almada.

Este fornecedor de “..., LDA” gira a sua actividade com a designação “R...”, e possui na contabilidade o código “2211187- R...”, tendo efectuado no ano de 2005, vendas de sucata no montante de € 316.979,19 (s/IVA), assim discriminada por quantidades:

(…)

2.1.1. Diligências efectuadas pela Direcção de Finanças de ...

Em resultado da acção inspectiva efectuada pelos Serviços de Inspecção da Direcção de Finanças de ..., foi-nos enviada, pelo Oficio n.º 10 8333 de 2008-04-07, cópia do Relatório de Inspecção Tributária efectuada a este sujeito passivo, o qual apresenta conclusões que consubstanciam fortes indícios da prática de crime fiscal.

São referidos, no Relatório de Inspecção Tributária, actos indiciadores da prática de irregularidades fiscais, sendo também evidenciadas diversas incongruências factuais, conforme a seguir se transcreve:

(…)

Face o exposto anteriormente, nomeadamente:

- Ausência de estrutura e capacidade instalada por parte de R..., para realizar as operações que “..., LDA” tem registadas na sua contabilidade, sendo que a sua actividade era desenvolvida em paralelo e nos mesmo termos em que era desenvolvida a actividade de L..., Lda. também caracterizado como operador fictício no ponto seguinte;

- Os fornecedores de R... são inexistentes ou não têm também capacidade para realizar as operações de venda a este operador;

- Fornecedores com actividade real não relacionada com venda de sucata exercida num curto espaço de tempo;

- Utilização abusiva de moradas e NIPC, para a emissão de facturação falsa, titulando negócios inexistentes;

- Pagamentos efectuados em dinheiro, o que é inverosímil, face aos montantes em causa;

- Inexistência de encargos inerentes ao exercício de qualquer actividade, designadamente: seguros, combustíveis, portagens, reparações, comunicação…

Num quadro de aquisições a montante fictícias e aparentes, por parte de R..., verifica-se que existem fortes indícios, objectivos e credíveis de que as facturas emitidas pela Sr.ª R... para ..., LDA”, no exercício de 2005 não titulam transacção comercial, na expressão dada pelos documentos, o que consubstancia conduta ilegítima tipificada como crime de fraude fiscal, pelo que as aquisições a este Sujeito Passivo, que ascendem ao montante de € 316.979,19 (s/IVA), se consideram simuladas.

2.1.2 – L... Sociedade Unipessoal, Lda. (…)

L... Sociedade Unipessoal, Lda. não é declarante em sede de IRC nos anos de 2005 a 2006 e em sede de IVA desde o primeiro trimestre de 2006. Não se encontra a esta data cessado.

Este “sujeito passivo” consta na contabilidade da “..., LDA” como fornecedor (código “22 11220- L... Soc. Unip., Lda., tendo emitido no exercício de 2005, facturas de venda de sucata, no montante de € 80.408,25 (s/IVA) assim discriminada por quantidades:

(…)

2.1.2.1 – Diligências efectuadas pela Direcção Finanças de ...

Em resultado da acção inspectiva efectuada pelos Serviços de INSPECÇÃO DA Direcção de Finanças de ..., foi-nos enviada, pelo Oficio n.º 891 de 09-01-2008, cópia do Relatório de Inspecção Tributária, efectuada a este sujeito passivo, a qual apresenta conclusões que consubstanciam fortes indícios da prática de crime fiscal.

São referidos, no Relatório de Inspecção Tributária, actos indiciadores da prática de irregularidades fiscais, sendo também evidenciadas diversas incongruências factuais conforme a seguir se transcreve:

(…)

Assim, face ao exposto anteriormente, designadamente:

- O fornecedor L... Soc. Unipessoal Lda., trata-se de um S.P. não declarante;

- Ausência de estrutura e capacidade instalada por parte de L... Soc. Unipessoal Lda., para realizar as operações que “..., LDA” tem registadas na sua contabilidade;

- Os fornecedores de L... Soc. Unipessoal Lda. são inexistentes ou não têm também capacidade para realizar as operações de venda a este agente, operando no inicio da cadeia de facturação simulada;

- Num quadro de aquisições a montante, fictícias e aparentes, por parte de L... Soc. Unipessoal Lda., porquanto:

- Os seus fornecedores apresentam moradas inconsistentes com a actividade de “sucatas”

- No que respeita aos recebimentos, os mesmos são efectuados por “ levantamento ao balcão” ou por endosso a terceiros;

- A sequência numérica das facturas não acompanha a das guias de remessa;

Verifica-se que existem fortes indícios, objectivos e credíveis, de que as facturas emitidas pela ... para “..., LDA” , no exercício de 2005, não titulam transacções comerciais, na expressão dada pelos documentos, o que consubstancia conduta ilegítima tipificada como crime de fraude fiscal, pelo que as aquisições a este Sujeito Passivo, que ascendem ao montante de € 80.408,25 (s/IVA), se consideram simuladas.

2.1.3 A... (…)

Este sujeito passivo consta na contabilidade da “... LDA” COMO FORNECEDOR Código “2211189 – A...”, tendo emitido no exercício de 2005, facturas de venda de sucata, no montante de € 84.546,55 (s/IVA) assim discriminada por quantidades:

(…) sucata cortada 894.940,00 Kg

(…)

Face ao transcrito anteriormente, verifica-se que existem fortes indícios, objectivos e credíveis, de que as facturas emitidas por A... para “..., LDA”, no exercício de 2005, não titulam transacções comerciais, na expressão dada pelos documentos, o que consubstancia conduta ilegítima tipificada com crime de fraude fiscal, pelo que as aquisições a este Sujeito Passivo, que ascendem ao montante de € 84.546,55 (s/IVA), se consideram simuladas.

2.1.4 – ... – COMÉRCIO, I. E EXPORTAÇÃO DE ARTIGOS DE CONSUMO LDA –

NIPC: …

A” ... Comércio I.E.A. Consumo, Lda.” iniciou a sua actividade em 23-3-2000, sendo não declarante desde 2005 em sede de IRC e em sede de IVA é não declarante a partir do terceiro trimestre de 2005, inclusive, (200509T).

Não se encontra cessado.

Este fornecedor da “..., LDA” possui na sua contabilidade o código 2211210 – ... Bens de Consumo, Lda., tendo efectuado no ano de 2005, vendas de sucata (em Kg), nos montante abaixo indicados:

(…) Ferro 300.000,00 Kg.

(…)

B) CONCLUSÃO

(…)

- A inexistência da indispensável estrutura empresarial, bem como da contabilidade;

- Não ter sido possível identificar os fornecedores da “... Comércio I.E.A. Consumo, Lda.”

- A empresa não dispor de instalações adequadas ao desenvolvimento da actividade de comercialização de sucata;

- Não identificação de imobilizado afecto ao negócio de sucata;

- Não identificação de funcionários afectos ao negócio de sucata;

Verifica-se que existem fortes indícios, objectivos e credíveis, de que as facturas emitidas pela “... Comércio I.E.A. Consumo, Lda. “ para a “... LDA.” no ano de 2005, não titulam transacção comercial, na expressão dada pelos documentos, o que consubstancia conduta ilegítima tipificada como crime de fraude fiscal, pelo que as aquisições (s/IVA) a este sujeito passivo, que ascendem o montante de € 45.000,00, se consideram simuladas.

2.1.5 – A... – CONSTRUÇÕES LDA.

(…)

A “A..., Lda”, iniciou a sua actividade em 12-10-1999, encontrando-se a mesma cessada desde 30-9-2006, sendo não declarante em sede de IRC e IVA nos anos de 2005 e 2006.

Da análise ao cadastro, verificou-se que possui o CAE 041200, Construção de edifícios.

Este fornecedor da ..., LDA. “ possui na sua contabilidade o código 2211168 – A... – Soc. Unipessoal, Lda., tendo efectuado, no ano de 2005, vendas de sucata, de 45.728,19 €, sendo que o IVA liquidado ascendeu a 9.314,09€, tendo sido transaccionados 296.762,00 Kg, nos montantes abaixo discriminados:

(…)

B1 – Decorrente de cruzamento informático, efectuado pelos Serviços da Administração Fiscal, verificou-se que o Anexo P da IES – Informação Empresarial Simplificada, do ano de 2005, apresentado pela “..., LDA”, regista o valor de 55.041,52, provenientes de fornecimentos que lhe tinham sido efectuados pela empresa A..., Lda.”

De referir ainda, que a “A..., Lda.”, possui na escrita da “..., LDA”, os seguintes montantes como fornecedor:

Na conta fornecedor 2211168 – 27.668,17 (Valor c/IVA)

- Na conta de caixa 111 – 27.373,61 (Valor c/IVA)

B2 – Dado serem necessários esclarecimentos adicionais, relativamente às eventuais vendas efectuadas pela “A..., Lda.”, contactou-se o Sr. J..., (…) ouvido como gerente de facto da “A..., Lda.” (…) tendo declarado o seguinte, relativamente às facturas emitidas pela “A..., Lda.”, nos anos de 2005 e 2006, para a empresa ..., LDA.”:

- Que o recurso à empresa A..., Lda., para emissão das facturas de sucata, deveu-se ao facto desta ter um crédito de IVA, decorrente da actividade normal, que se tratava essencialmente de exportações para Angola de plásticos, materiais de construção e outros ligados à construção;

- Relativamente aos elementos de contabilidade, não possui qualquer documento, em virtude de estarem guardados num barracão que sofreu inundações e que danificou esses elementos contabilísticos, bem como os livros de facturas. - Com a emissão das facturas de venda de sucata pretendia o reembolso do crédito de IVA.

- Que a maioria da sucata vendida foi recolhida em pinhais e lixeiras e também particulares;

Que a recolha de sucata era feita pelo próprio com a ajuda de filhos ou amigos, sendo feita com uma carrinha Mazda de 3.500 Kg.

- A sucata era levada para as instalações da empresa compradora, sendo emitida a factura apenas após algumas descargas;

- Os pagamentos eram feitos em cheque e normalmente efectuados pela Sr.ª P...;

- Que toda a sucata que consta nas facturas emitidas é real e corresponde a transacções efectivamente ocorridas;

- Que relativamente aos livros de facturas/vendas a dinheiro, foi o próprio que os requisitou na tipografia em Torres Novas;

- Que era o próprio que levantava os cheques e o pagamento das suas compras, a particulares, eram efectuadas a dinheiro;

C – CONCLUSÃO

Face ao exposto anteriormente, pelo gerente de facto, Sr. J..., nomeadamente:

- A inexistência da contabilidade da “A..., Lda.”;

- Não ter sido possível identificar os fornecedores da “A..., Lda”;

- Ter admitido que o recurso à “A..., Lda.”, apenas serviu para a emissão de facturas, a fim de recuperar o um crédito de IVA;

Bem como pelas diligências efectuadas e factos apurados pelos Serviços de Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de ..., nomeadamente:

- Ser um sujeito passivo não declarante em sede de IRC e IVA, nos anos de 2005 e 2006, não exercendo a actividade constante do seu objecto social, nem a actividade de comércio de sucatas;

- Não possuir estrutura física (humana ou material), para a prática de qualquer actividade comercial, pois não dispunha de instalações, máquinas, pessoas, etc.

- Não lhe serem conhecidos quaisquer outros fornecimentos de sucata, além dos efectuados à “..., Lda.”, mediante análise à base de dados da DGCI;

Verifica-se que existem fortes indícios, objectivos e credíveis, de que as facturas emitidas pela “A... Lda.”, para a “..., LDA.,, no ano de 2005, não titulam transacção comercial, na expressão dada pelos documentos, o que consubstancia conduta ilegítima tipificada como crime de fraude fiscal, pelo que as aquisições (s/IVA) a este sujeito passivo, que ascendem ao montante de 45.728,19€, se consideram simuladas.

3- Conclusões

Face ao exposto para os “fornecedores” identificados nos pontos 2.1.1 a 2.1.5 do presente relatório, pode-se concluir pela existência de fortes indícios, objectivos e credíveis, que as compras a eles efectuadas e declaradas, no exercício de 2005 na contabilidade pela “..., LDA” são consideradas como simuladas.

(…)

As sucessivas operações geram vantagens patrimoniais indevidas nos operadores intervenientes, por ruptura no mecanismo de apuramento dos montantes de IVA a entregar ao Estado.

Porém, e sendo a vantagem tanto maior quanto maior o valor que serve de base tributável ao IVA multiplicaram-se as operações em quantidades de mercadoria o que empolou os custos e vendas em proporções que os Serviços de inspecção não lograram em rigor determinar, por falta de elementos contabilísticos, em relação aos quais não é inusual a situação de desaparecidos, extraviados queimados involuntariamente, desorganizados e inexistentes, isto principalmente no que se refere às facturas e documentos de transporte, já que, em relação aos meios de pagamento se observa uma preocupação em quase todos os operadores, em permitir a sua identificação imediata através da escrita e diz-se imediata porque quando foi possível a sua apreciação mais detalhada se constatou ser, em alguns casos o próprio emitente dos cheques a levantar o dinheiro ao balcão das instituições bancárias.

A existência de meios de pagamentos, nomeadamente, cheques emitidos aos supostos “fornecedores”, com a consequente movimentação da conta bancária, não poderá, em nosso parecer, comprovar, por si só, a existência das operações económicas indicadas nas facturas emitidas pelos mesmos “fornecedores”, quando existem indícios, seguros e objectivos, que tais operações não são reais.

Desta forma, a contabilidade dos operadores não reflecte a veracidade das operações quanto a quantidades e valores, estendendo-se as vantagens indevidas, por redução do lucro tributável, a IRC, através de custos cuja indispensabilidade não está minimamente comprovada nos termos do artigo 23.º do IRC.

O que se pode concluir dos factos descritos, é a existência de fortes indícios de que as transacções tituladas pelas facturas emitidas pelos “fornecedores” indicados nos pontos 2.1.1 a 2.1.5, são simuladas, ou seja, não se deram nos termos que a empresa “..., Lda.” pretendeu registar, demonstrar e declarar.

4 – Enquadramento fiscal das correcções propostas

4.1. – Em sede de IVA

4.1.1 – Fornecedores com operações simuladas

Face ao exposto nos 2.1.1 a 2.1.5 do Capítulo III deste relatório, para os “fornecedores” que aí se encontram identificados, existem indícios fundados de que as facturas respectivas, não titulam operações reais, e por conseguinte o IVA deduzido por “... LDA”, relativamente às mesmas facturas, não é dedutível, uma vez que o Código do IVA, explicita no n.º 3 do seu artigo 19.º, que “não poderá deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente”. Este entendimento tem sido expresso na abundante jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, quando afirma que “ o direito à dedução do IVA pago a montante apenas poderá existir, segundo a própria natureza das coisas, relativamente a imposto efectivamente suportado em operações efectivamente acontecidas…”

Ainda quanto a IVA, mesmo que as respectivas facturas cumpram os requisitos do n.º 5 do artigo 36.ºdo Código do IVA, a existência dos indícios fortes e consistentes de que enfermam as operações referidas nas facturas de compra emitidos pelos sujeitos Passivos referidos nos pontos 2.1.1. a 2.1.5 do capitulo III do presente Relatório, torna indevida a dedução de IVA nos termos do n.º 3 do artigo 19.º do Código do IVA.

5 – Total das Correcções Meramente Aritméticas à matéria colectável

5.1 Em sede de IVA

No quadro seguinte, resume-se os totais de IVA indevidamente deduzido, por períodos mensais de imposto, de acordo com o exposto no ponto 4.1 do presente capítulo:

5.1.1. Exercício de 2005




Juntam-se em Anexo n.º 7- 3 folhas, listagem das facturas emitidas

(…)

IX – Direito de Audição – Fundamentação

Tendo sido notificado o sujeito passivo para exercer o direito de audição, nos termos previstos no artigo 60.º da Lei Geral Tributária e no artigo 60.º do Regime Complementar do procedimento de inspecção tributária, pelo ofício n.º 2738, datado de 1 de Abril de 2010, para a morada da sede da sociedade, o mesmo não o exerceu.

(…)”

7. Em 28/4/2010 a impugnante assinou o ofício emitido pela Divisão de inspecção tributária de ... com o assunto “ NOTIFICAÇÃO PESSOAL DO RELATÓRIO DE INSPECÇÃO TRIBUTÁRIA” (cf. oficio constante de fls. 106 dos autos em suporte de papel PAT).

8. Em 25/6/2010 a impugnante assinou o “MANDADO” constante de fls. 120 dos autos em suporte de papel, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta o seguinte (cf. verso de fls. 212 do PAT):

“ (…)


“Texto no original”

(…)”

9. Em 6/7/2010 foram emitidas as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios constantes de fls. 85 a fls. 104 dos autos em suporte de papel, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, todas com data limite para pagamento voluntário de 31/8/2010 e relativas aos seguintes períodos:

Liquidação n.º ..., período 0501 no valor de EUR 70,21;

Liquidação n.º ..., período 0504 no valor de EUR 770,28;

Liquidação n.º ..., período 0504 no valor de EUR 149,84;

Liquidação n.º ..., período 0505 no valor de EUR 11.051,86;

Liquidação n.º ..., período 0505 no valor de EUR 2.115,90;

Liquidação n.º ..., período 0506 no valor de EUR 10.595,92;

Liquidação n.º ..., período 0506 no valor de EUR 1.993,77;

Liquidação n.º ...5, período 0507 no valor de EUR 15.557,48;

Liquidação n.º ..., período 0507 no valor de EUR 2.871,10;

Liquidação n.º ..., período 0508 no valor de EUR 13.558,57;

Liquidação n.º ..., período 0508 no valor de EUR 2.460,60;

Liquidação n.º ..., período 0509 no valor de EUR 27.003,95;

Liquidação n.º ..., período 0509 no valor de EUR 4.808,92;

Liquidação n.º ..., período 0510 no valor de EUR 9.948,98;

Liquidação n.º ..., período 0510 no valor de EUR 1.736,85;

Liquidação n.º ..., período 0511 no valor de EUR 13.031,26;

Liquidação n.º ..., período 0511 no valor de EUR 2.233,52;

Liquidação n.º ..., período 0512 no valor de EUR16.002,58;

Liquidação n.º ..., período 0512 no valor de EUR 2.688,43;

10. Em 10/11/2010, a impugnante deduziu a reclamação graciosa constante de fls. 3 a 48 do PAT, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.

11. Em 15/3/2011 a Chefe de Divisão por delegação de competências do Director da Direcção de Finanças de ... proferiu a decisão de indeferimento da reclamação graciosa identificada no ponto que antecede, nos termos do despacho e informação constantes de fls. 365 a 382 do PAT, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.

12. Em 15/3/2011 a impugnante interpôs recurso hierárquico da decisão de indeferimento identificada no ponto que antecede nos termos e com os fundamentos constantes de fls. 2 e seguintes do PAT, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.

13. Em 6/1/2012 o Subdirector Geral da Direcção de Serviços do IVA proferiu o despacho de indeferimento constante da informação n.º 2944 de 29/12/2011 por adesão aos fundamentos, constante de fls. 62 a 83 dos autos em suporte de papel e cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.

14. Durante o ano de 2005, a ora impugnante adquiriu aos seus fornecedores regulares e habituais, materiais fundidos e incorporados, ferro velho e sucatas de metal, alumínios, bronze e cobre (cf. depoimentos das testemunhas H..., F..., M..., L..., P...).

15. Durante os anos de 2005 e 2006, a ora impugnante também adquiriu alguns dos materiais descritos no ponto anterior a sucateiros que esporadicamente apareceram a vender materiais, entre os quais o L... que vivia maritalmente de R... (cf. depoimentos das testemunhas H..., F..., M..., L..., P...).

16. A Impugnante tem dois a três camiões que por vezes se deslocavam aos fornecedores para ir buscar material (cf. depoimento das testemunhas H..., F... e da testemunha L...).

17. No ano de 2005, J..., gerente de facto da empresa A..., Lda. foi descarregar sucata às instalações da impugnante com uma carrinha de caixa aberta (cf. depoimento da testemunha M...).


*

A decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, e especificados nos vários pontos da matéria de facto provada e no depoimento das testemunhas H..., F..., M..., L..., P... que revelaram conhecimento directo dos factos constantes dos pontos n.º 14, 15, 16 e 17 assim se revelando convincentes no que diz respeito às afirmações consideradas provadas, no restante as testemunhas enquanto trabalhadores da impugnante não conseguiram responder com um grau de certeza bastante, por desconhecimento quanto à identidade dos vendedores e quantidades de sucata vendida.

**

Nada mais foi provado com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir.

*

2.2. De direito

A ora Recorrida deduziu impugnação judicial do indeferimento do recurso hierárquico interposto contra o indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra as liquidações adicionais de IVA (e juros compensatórios) do ano de 2005, emitidas com fundamento no nº 3 do artigo 19º do CIVA – não aceitação da dedução de IVA resultante de operação simulada.

A impugnação judicial foi julgada procedente.

Perante a discordância com o decido em 1ª instância, foi, pela Fazenda Pública, interposto o presente recurso jurisdicional.

Vejamos, então, as questões que nos ocupam, começando pela questão primeiramente autonomizada – saber se o tribunal a quo errou no julgamento de facto, seja no que toca aos pontos 15 e 17 dos factos provados, seja quanto à factualidade atinente à efectividade das transacções a que respeitam as facturas desconsideradas, a qual, ponderada a prova testemunhal, deveria ter sido considerada não provada.

Antes de entrar na análise da questão propriamente dita, importa dar resposta à posição da Recorrida espelhada nas conclusões 2 e 3 das contra-alegações, já que, aí, a propósito do erro de julgamento de facto, se defende que o recurso deveria ser rejeitado, por violação do artigo 640º do CPC.

Para a Recorrida, a Recorrente não especifica “nas suas conclusões os factos concretos que considera incorretamente julgados, e os concretos meios probatórios, com exatidão, constantes do processo que impõem, na sua opinião, uma decisão diversa”.

Adiante-se, desde já, que nenhuma razão tem a Recorrida.

Vejamos, então.

Tenhamos presente que a impugnação da matéria de facto, tal como resulta do disposto no artigo 640º do CPC, obedece a regras que não podem deixar de ser observadas.

Com efeito, em tal preceito se dispõe que:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º”.

Basta ler o corpo das alegações do recurso – para onde a Recorrente remete nas conclusões formuladas – para concluir que aí se indicaram os factos incorrectamente julgados (15 e 17 do probatório) e o circunstancialismo de facto que, do ponto de vista da Recorrente, deve ser considerado não provado, em concreto a não demonstração da efectiva ocorrência, no ano de 2005, de qualquer transacção comercial entre a ora Recorrida e os alegados fornecedores A... e ... Lda., e, bem assim, a falta de prova das transacções com os alegados fornecedores R..., L..., Unipessoal, Lda e A..., Construções Lda, “nos moldes evidenciados pela facturação que emitiram à impugnante no exercício de 2005”.

Por outro lado, foram expressamente indicados os depoimentos testemunhais a considerar, com a referência precisa aos tempos dos registos da gravação que suporta os testemunhos.

Por conseguinte, contrariamente ao que defende a Recorrida, deve concluir-se que a Fazenda Pública cumpriu, quanto à impugnação da matéria de facto, o ónus que sobre si impendia, nos termos exigidos pelo artigo 640º do CPC:

Com isto disto, avancemos para a análise da impugnação da matéria de facto.


*

Nos pontos 15 e 17 da matéria de facto provada ficou a constar o seguinte:

“15. Durante os anos de 2005 e 2006, a ora impugnante também adquiriu alguns dos materiais descritos no ponto anterior a sucateiros que esporadicamente apareceram a vender materiais, entre os quais o L... que vivia maritalmente de R... (cf. depoimentos das testemunhas H..., F..., M..., L..., P...).

(…)

17. No ano de 2005, J..., gerente de facto da empresa A..., Lda. foi descarregar sucata às instalações da impugnante com uma carrinha de caixa aberta (cf. depoimento da testemunha M...)”.


*

Quanto à pretendida supressão dos pontos 15 e 17 transcritos, há que dizer que a Recorrente não tem razão.

Efectivamente, após termos procedido à audição integral dos depoimentos das testemunhas, podemos concluir que o ponto 15 dos factos provados resulta dos depoimentos de L... e F..., embora já não dos restantes testemunhos indicados na motivação avançada na sentença, de cujos depoimentos nada se retira com relevo para a matéria em análise. Suprime-se, pois, a menção ao depoimento das testemunhas H..., M... e P..., por os mesmos se revelarem imprestáveis para a prova do aludido facto.

Já quanto ao ponto 17 dos factos provados, resulta do depoimento da testemunha M... que J..., gerente da A..., Lda, descarregou sucata nas instalações da Impugnante, no ano de 2005, e que para tal utilizava uma carrinha de caixa aberta, o que, corresponde, efectivamente, ao que resulta considerado na sentença.

Portanto, não há aqui nenhuma alteração a fazer.


*

Prosseguindo na análise da matéria de facto.

Pretende a Fazenda Pública, ora Recorrente, que este Tribunal faça consignar no julgamento de facto a não demonstração, pela Impugnante, da efectiva ocorrência, no ano de 2005, de qualquer transacção comercial entre a ora Recorrida e os alegados fornecedores A... e ... Lda., e, bem assim, a falta de prova das transacções com os alegados fornecedores R..., L..., Unipessoal, Lda e A..., Construções Lda, “nos moldes evidenciados pela facturação que emitiram à impugnante no exercício de 2005”.

E, adiante-se, desde já, que a razão está com a Fazenda Pública.

Com efeito, ouvida atentamente a extensa prova testemunhal, ressalta evidente que nenhum depoimento é suficiente para concluir que as transacções a que estão subjacentes as facturas desconsideradas pela AT, relativamente ao ano de 2005, tiveram efectivamente lugar.

Em primeiro lugar, importa deixar claro que as testemunhas ouvidas jamais se referiram aos alegados fornecedores A... e ... – Comércio e Exportação de Artigos de Consumo, sendo que o F... e o M..., funcionários da Impugnante, expressamente interrogados sobre isso, afirmaram desconhecer tais fornecedores.

Portanto, quanto a estes dois fornecedores (aos quais respeitam parte das facturas desconsideradas), há que dizer que a prova feita é nenhuma.

Mas à mesma conclusão somos levados em relação aos restantes três alegados fornecedores/ emitentes de facturas.

Vejamos.

Como é evidente, para este aspecto em particular, o depoimento da inspectora tributária T… é irrelevante; a sua visão dos factos (contrária à da Impugnante) está amplamente reflectida no RIT que elaborou.

O depoimento de H... é igualmente inútil para os fins visados. Trata-se de um comerciante de sucata que manteve relações comerciais com a Impugnante e que, por isso, a conhece e a descreve como uma empresa séria. Pouco mais foi por ele dito e, nessa medida, nada com interesse foi referido para efeitos de considerar demonstrada a materialidade das operações tituladas pelas facturas desconsideradas; o depoimento em causa é absolutamente genérico e focado unicamente nas relações comerciais da testemunha com a impugnante.

O mesmo se diga da C... que, em 2005, não trabalhava para a Impugnante e, nessa medida, desconhecia qualquer fornecedor/ vendedor de sucata que tivesse vendido mercadoria à JMS, em 2005.

Também os conhecimentos do TOC da impugnante circunscrevem-se à estrutura da empresa e ao circuito documental com relevo para a contabilidade, não abarcando a materialidade das operações mencionadas nas facturas desconsideradas pela AT.

Portanto, até aqui e para os fins ora visados (prova da materialidade das operações a que correspondem as facturas), os depoimentos ouvidos não revelam qualquer utilidade.

Vejamos quanto aos demais depoimentos:

- quanto ao F..., motorista da Recorrida, resulta que o mesmo afirmou conhecer a R... (da R...) e o L..., por os mesmos se deslocarem ao estaleiro da Impugnante para descarregar sucata; referiu a existência dos seus estaleiros em Coina e posteriormente em Fernão Ferro, por serem locais onde, por vezes, (não estando seguro que fosse em 2005) carregava material para a Impugnante;

- quanto ao depoimento de M..., operador de máquinas da Recorrida, afirmou conhecer J... por este se deslocar (em 2005/2006) ao estaleiro para descarregar sucata e que o mesmo usava uma carrinha de caixa aberta;

- quanto ao depoimento da testemunha L..., há que dizer que o mesmo afirmou ser fornecedor da impugnante, esclarecendo que lhe vendia sucata, recebendo para pagamento cheques que logo levantava ao balcão para efectuar o pagamento em dinheiros aos “ajuntadores” que a recolhiam; situou os fornecimentos em 2005 / 2006, sem precisão.

Ora, ponderada toda a prova testemunhal ouvida, resulta para nós claro que a Impugnante não logrou demonstrar a efectividade das operações económicas a que alegadamente correspondem as facturas desconsideradas pelos serviços inspectivos e que melhor constam identificadas no RIT.

Note-se que, das três últimas testemunhas por nós referidas, duas delas são funcionárias da Impugnante, sendo que a outra está directamente ligada à emissão de parte das facturas desconsideradas e reputadas de falsas (caso do L..., ligado à L... Unipessoal, Lda e, também, como se verificou à R...). Evidencia-se aqui, do nosso ponto de vista, ou uma forte ligação profissional à Impugnante ou um interesse directo na causa (notório no caso de L...), que retiram solidez, distanciamento e imparcialidade aos seus depoimentos.

Para além da concreta posição das testemunhas relativamente à Impugnante, o próprio depoimento mostrou-se genérico, pouco circunstanciado, temporalmente pouco preciso, e não baseado em factos concretos quanto à materialidade das operações em causa.

Perante os indícios recolhidos pela AT e a desconsideração das facturas em causa, impunha-se, à Impugnante, uma produção de prova testemunhal consistente, circunstanciada e credível que fosse suficiente para contrariar os tais indícios recolhidos de facturação falsa.

Importa deixar claro que não está aqui em causa a questão de saber se a Impugnante adquiria sucata a fornecedores; importava, sim, saber e demonstrar que a adquiriu, no ano de 2005, a cinco concretos fornecedores, nos valores e espécies que constam das facturas em análise (daí que não se possa ver qualquer contradição entre os ponto 15 e 17 dos factos provados e a matéria de facto não provada).

Ora, repete-se, esta prova está longe de ter sido conseguida pela parte que se propôs fazê-la, ou seja, a impugnante, ora Recorrida.

Nesta medida, há que fazer reflectir no probatório esta falta de prova dos factos alegados no articulado inicial, o que faremos deixando consignado na matéria de facto não provada o seguinte:

“- não se provou que as facturas concretamente identificadas no relatório de inspeçcão tributária, emitidas por A..., ... Lda., R..., L..., Unipessoal, Lda e A..., Construções Lda, relativas ao ano de 2005, tivessem subjacentes efectivas transacções realizadas entre a impugnante e aquelas cinco sociedades comerciais”.

Com isto dito, percebe-se que se conclua, quanto a esta primeira questão analisada, que a Recorrente, Fazenda Pública, tem parcialmente razão na impugnação que fez da matéria de facto. Tem razão em relação à matéria de facto não provada; não tem razão quanto à pretendida eliminação dos pontos 15 e 17 dos factos provados.


*

Estabilizada a matéria de facto, avancemos para a questão de saber se o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao concluir que, in casu, a Administração Tributária não recolheu indícios sérios da existência de facturação falsa e, como tal, ao determinar a anulação das liquidações adicionais de IVA sindicadas.

Vejamos.

Para a Fazenda Pública, a sentença proferida no TAF de ... é errada porquanto se conclui, sem sombra para dúvidas, que “deveria o julgador ter aportado à conclusão de que as operações em causa não tinham aderência à realidade, sendo assim indevida a dedução, por parte da ora recorrida, do IVA mencionado nas facturas que as titulavam” e que “nestes casos (…) não impende sobre a AT a obrigação de provar a ocorrência de simulação entre o adquirente, beneficiário do direito à dedução do IVA, e o fornecedor das “facturas falsas”.

A sentença recorrida, para concluir no sentido de que “nos termos do artigo 100.º, n.º1 do CPPT e artigo 74.º, n.º1 da LGT, pesado o défice de fundamentação substancial das correcções aritméticas impugnadas e os fundamentos alegados pela impugnante deve proceder totalmente a presente impugnação”, seguiu a seguinte linha de raciocínio que, na parte relevante, se transcreve:

“(…)

Da análise do relatório de inspecção, resulta que a impugnante não violou os seus deveres legais de organização contabilística, como seja os contidos nas normas dos art.º 17.º n.º 3 e 98.º n.º3 do CIRC, que dispõe que “a contabilidade deve estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições em vigor para o respetivo sector de actividade e reflectir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo,” constituindo aquele o afloramento de um princípio geral e que dispõe que “na execução da contabilidade deverá observar-se em especial o seguinte:

(…)

Ainda que se considere que perante indícios sérios da falsidade da facturação, cabe ao contribuinte a demonstração da veracidade da mesma, é à Administração Tributária que cabe a demonstração da seriedade desse indícios, através de elementos e de factos que de forma expressa e clara têm que resultar da inspecção.

O exercício do direito à dedução tem por base a declaração do contribuinte, que nos termos do artigo 75.º da Lei Geral Tributária, se presume verdadeira quando seja apresentada nos termos previstos na lei e os dados dela constantes se encontram inscritos na sua contabilidade ou escrita, por sua vez organizadas de acordo com a legislação comercial ou fiscal.

Pelo que, quando alguém tem a seu favor uma presunção legal não tem que provar o facto a que ela conduz – artigo n.º 350.º, n.º 1, do Código Civil.

A desconsideração dos custos em sede de IVA teria que assentar na falta de requisitos legais das facturas em causa, na escrita da impugnante, na ausência de comprovativos de pagamento, de actividade de venda, mais precisamente em indícios fortes relativos à impugnante e discutidos no seio da inspecção que lhe foi efectuada.

Cabe à administração fiscal indiciar a existência da declaração formal fundamentadora do seu juízo subjectivo quanto à existência de deduções superiores às devidas e provar a pertinência desse juízo, pela enunciação de elementos fáctico - jurídicos convincentes da adequação e correcção desse juízo.

Através da enunciação de indícios sérios (que traduzam uma probabilidade elevada) de que as operações referidas nas facturas são simuladas, ou não são indispensáveis ao desenvolvimento da actividade do sujeito passivo.

Se a AT não lograr fazer a prova do bem fundado da formação do seu juízo, tem de ser valorado contra ela e é obstativo da análise sobre se a impugnante logrou ou não provar, em tribunal, a existência dos factos tributários que subjazem à dedução de imposto que efectuou.

Da fundamentação aportada para o relatório final de inspecção, além das características dos sujeitos emitentes das facturas desconsideradas pela AT, não existem elementos relativos à impugnante, indiciadores de alegada simulação.

Ora, o endosso do cheque por parte do fornecedor, não é um acto passível de ser controlado pela impugnante, para que do mesmo se possa extrair a inexistência do pagamento, de conluio e eventual simulação.

Não foi apontado qualquer vício aos registos contabilísticos da impugnante ou qualquer outro elemento que alicerce a conclusão de simulação e dedução de custos superiores aos legalmente devidos.

Efectivamente, os sujeitos passivos nas suas trocas comerciais não tem a possibilidade, bem como legitimidade para controlar a estrutura produtiva dos seus fornecedores, se esse esforço é realizado muitas vezes com vista a certificar a qualidade dos produtos ou serviços comercializados, o mesmo não se passa em negociações de ocasião e relativamente a um produto como sucata ou ferro velho.

Não obstante, nalguns casos a impugnante emitiu os cheques para pagamento das facturas à ordem do fornecedor, tendo a Administração Tributaria apurado que os mesmos foram endossados a terceiros pelo próprio fornecedor.

Em contraposição, a Administração Tributária não põe em causa que a impugnante cumpria escrupulosamente os seus deveres de escrituração e documentação dos custos, pelo que sobre ela recaía o ónus demonstrar que as operações tituladas nesses documentos não se materializaram.

(…)

Ou seja, a Administração Tributária não chegou a demonstrar com razoável certeza a existência de uma simulação em que estivesse conluiada a Impugnante”.
Vejamos, então.

Relembre-se que nos termos do citado artigo 19º, nº3 do CIVA, não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada.

Comecemos por nos referir ao ónus da prova no âmbito das correcções em análise.

Como tem sido realçado, reiterada e uniformemente, pela jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, quando a Administração Tributária desconsidera facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da LGT, competindo à Administração fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade. Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção – vide, entre muitos outros, os acórdãos do TCA Norte de 24-01-2008, processo n.º 01834/04 Viseu, de 24-01-2008, processo n.º 2887/04 Viseu, de 27-01-2011, processo n.º 455/05.7BEPNF e de 18-03-2011, processo n.º 456/05BEPNF.

Tenha-se em conta, como também é aceite, que não é imperioso que a Administração efectue uma prova directa da simulação. Como em muitos outros casos, haverá que recorrer à prova indirecta, a “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova” – cfr. Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág. 154; também neste sentido, entre outros, o acórdão do TCAN, de 26/04/12 (processo nº 00964/06.0 BEPRT).

Ou seja, a AT não tem que demonstrar a falsidade das facturas, bastando-lhe evidenciar a consistência desse juízo (Acórdão do STA de 27/10/04, Processo 810/04), invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada de a operação referida na factura ser simulada, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade – artigo 75º da LGT.

Como se refere no acórdão do TCAN, de 23 de Novembro de 2012 (proc. nº 1523/05.0 BEVIS-Aveiro), “no que concerne à prova que compete à Administração - na repartição do ónus da prova de que demos nota supra -, o que é imprescindível é que aquela a faça de factos suficientes indiciadores a que o Tribunal possa concluir, “em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência” (expressão de Castro Mendes citado por Saldanha Sanches), pela elevada probabilidade (ou até certeza) de que o negócio declarado por aquelas partes não corresponde à realidade materializada naquela factura”.

Nesta tarefa, poderá a Administração Tributária lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios, pelo que tais indicadores de falsidade das facturas não têm necessariamente que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado.

Vejamos, então, não perdendo de vista o enquadramento jurídico gizado relativamente ao ónus da prova e considerando os factos apurados em sede inspectiva, com vista a dar resposta à questão de saber se resulta dos factos considerados que a AT fez prova da verificação de indícios que lhe permitiam concluir que as facturas relativamente às quais o IVA nelas incluído foi desconsiderado não tiverem subjacentes quaisquer operações económicas realizadas entre R... (R...), L... Sociedade Unipessoal, Lda., A..., ... – Comércio, Importação e Exportação de Artigos de Consumo, Lda. e A... – Construções, Lda. e a Impugnante, ora Recorrida.

Em caso afirmativo, importará saber se a Impugnante logrou demonstrar em Tribunal que, não obstante os indícios colhidos, são reais, isto é, existiram efectivamente, tais operações económicas entre os sujeitos envolvidos.

Para concluir pela existência de indícios sérios de que as facturas não correspondem a operações reais, a AT apoiou-se, no essencial e como base da sua análise, em diversas acções de inspecção levadas a cabo relativamente a cinco alegados fornecedores da impugnante, apropriando-se expressamente das informações e conclusões alcançadas em cada um desses documentos. Isto mesmo, aliás, ressalta evidente do muito extenso relatório de fiscalização elaborado com respeito à Impugnante e do qual apenas uma pequena parte se mostra transcrita na sentença recorrida, apesar de o seu conteúdo ter sido dado por integralmente reproduzido.

Vejamos então.

Quanto a R.../ R...

Apropriando-se de inúmera e detalhada informação obtida pela Direcção de Finanças de ... em fiscalização à referida R..., a Direcção de Finanças de ... pôde concluir que:

- a R... não tem estrutura e capacidade instalada para realizar as operações que a ... tem registadas na sua contabilidade, sendo que a sua actividade era desenvolvida em paralelo e nos mesmos termos em que era desenvolvida a actividade de L..., Lda., também caracterizado como operador fictício;

- os fornecedores da R... são inexistentes ou não têm também capacidade para realizar as operações de venda a este operador;

- foram identificados fornecedores com actividade real não relacionada com a venda de sucata;

- utilização abusiva de moradas e NIPC para a emissão de facturação falsa, titulando negócios inexistentes;

- pagamentos efectuados em dinheiro, o que é inverosímil, face aos montantes em causa;

- inexistência de encargos inerentes ao exercício de qualquer actividade, designadamente luz, água, seguros, combustíveis, portagens, máquinas, reparações, comunicações ou encargos com pessoal.
Efectivamente, ao longo de cerca de 50 páginas, o relatório de inspecção descreve pormenorizadamente aspectos relacionados com a análise dos documentos contabilísticos, a estreita relação desta empresa com outro fornecedor da Impugnante (a L... Soc. Unipessoal Lda.,), os meios de pagamento usados, os materiais vendidos e os fornecedores da R..., os quais permitem perceber que estamos, muito seguramente, perante uma sociedade que não vendeu à impugnante o que consta das facturas desconsideradas, num total de
€ 316.979,19 (sem IVA).

Destaca-se aqui, em concreto, o facto de os movimentos, apesar dos elevados montantes envolvidos, ocorrerem sempre “em dinheiro vivo”, de inexistirem registos de custos indispensáveis ao normal exercício de uma actividade (pessoal, electricidade, transportes, seguros, combustíveis, etc), a existência de armazém de espaço exíguo face aos volumes de material transaccionado, a significativa antiguidade do parque automóvel da L... (viaturas de 1982 e 1987), pondo em causa a efectiva possibilidade de transporte dos seus materiais e da R....

Note-se que a análise ao fornecedor R... é feita em paralelo com a de L..., pois, quer a Regina, quer o Luís, declararam que a actividade da R... é levada a cabo pelo L..., em paralelo com a L... Soc. Unipessoal Lda.

As análises aos fornecedores da R... também levaram os serviços de inspecção a concluir pela inexistência de reais transmissões comerciais entre aqueles e esta, o que resulta da análise feita, entre outras, à respectiva situação tributária (AT e segurança social) e às relações com terceiros e fornecedores.

Quanto L... Soc. Unipessoal Lda

Apropriando-se de inúmera e detalhada informação obtida pela Direcção de Finanças de ... em fiscalização ao referido L..., a Direcção de Finanças de ... pôde concluir que:

- trata-se de um sujeito passivo não declarante;

- ausência de estrutura e capacidade instalada para realizar as operações que a ..., Lda tem registadas na sua contabilidade;

- os seus fornecedores são inexistentes ou não têm também capacidade para realizar as operações de venda a este agente, operando no início da cadeia de facturação simulada;

- os seus fornecedores apresentam moradas inconsistentes com a actividade de “sucatas”,

- os recebimentos são efectuados por “levantamento ao balcão” ou por endosso a terceiros e a sequência numérica das facturas ou não existe ou não acompanha a das guias de remessa.

Efectivamente, ao longo de cerca de 30 páginas, o relatório de inspecção descreve pormenorizadamente aspectos relacionados com a análise dos documentos contabilísticos, com os fornecedores da L..., os quais não evidenciam estrutura para as vendas que fazem a esta sociedade, com a estrutura empresarial desta empresa (designadamente o seu armazém), os materiais vendidos, os meios de pagamento, tudo isto levando a perceber que estamos, muito seguramente, perante uma sociedade que não vendeu à ..., Lda o que consta das facturas desconsideradas, as quais, no ano de 2005, se cifraram em € 80.408,25 (sem IVA).

Destaca-se aqui, em concreto, as reduzidas dimensões do armazém/instalações desta empresa quando em causa está facturação de cerca de 558 toneladas/ mês de sucata, no valor médio de 469 mil euros. Para mais, como consta do RIT, em tal armazém “o único material ali existente, em pequena quantidade, era alumínio”.

Salienta-se, também, como resulta do RIT, a inexistência de empregados de escritório e de motoristas, de armazém com capacidade para albergar as quantidades de sucata transaccionadas, a ausência de despesas registadas relacionadas com luz, água, ferramentas e utensílios de desgaste rápido, material de escritório, rendas, alugueres, despesas de representação, de comunicação, com seguros, com combustíveis ou com transportes, tudo a tornar evidente um desajuste claro entre a facturação emitida e a estrutura empresarial detida pelo fornecedor em análise.

As análises aos fornecedores da sociedade P... também levaram os serviços de inspecção a concluir pela inexistência de reais transmissões comerciais entre aqueles e esta, o que resulta da análise feita, entre outras, à respectiva situação tributária (AT e segurança social) e às relações com terceiros e fornecedores.

No relatório inspectivo ressalta igualmente a prática de pagamentos em dinheiro ou em cheques ao portador (levantados ao balcão) ou até cheques endossados a terceiros, o que impede/ dificulta perceber o verdadeiro circuito financeiro das operações.

Quanto a A..., a AT recolheu os seguintes indícios:

- as facturas emitidas titulam a transmissão de elevadas quantidades de ferro que, no entanto, nunca adquiriu, tratou, transportou, tenha entrado em contacto ou estado na sua posse, ou mesmo por referência a uma origem sobre a qual se possa identificar a mercadoria;

- ao contribuinte não é conhecida qualquer capacidade estrutural e financeira, ou mesmo uma apetência para o desempenho das actividades em causa;

- a origem dos materiais (ferro) constante das facturas, tendo como destinatário a Impugnante, ficou por apurar, ou mesmo até a sua real existência.

Fez-se realçar que o único fornecedor desta sociedade faleceu em meados de 2005. Apesar disso a maior parte do ferro vendido à ... foi-o posteriormente àquela ocorrência, sem que se descortine a origem da mercadoria.

Acresce que, A... exibe facturas emitidas pelo seu único fornecedor em data posterior ao seu falecimento.

Da análise efectuada pela AT, verifica-se também que A... não consta nos registos da Segurança Social como empregador, mas como trabalhador por conta de outrem.

Este fornecedor, de acordo com os dados colhidos, não é proprietário de veículos que possam fazer o transporte de sucata. A análise feita às matrículas dos veículos indicados nas facturas permite perceber que, em alguns casos, se trata de veículos ligeiros, veículos estes que não estão aptos ao transporte de toneladas de sucata. Noutros casos, de veículos com capacidade de transporte, os proprietários não revelaram conhecer tais transportes.

Acrescente-se que, de acordo com o RIT, as moradas constantes das facturas emitidas por A... correspondem a moradias de habitação, sem espaço de armazenamento, local de carga/ descarga ou outros espaços destinados à recepção e pesagem dos materiais.

Quanto à sociedade ... – Comércio e Exportação de Artigos de Consumo, Lda.

- inexistência de estrutura empresarial e contabilidade;

- impossibilidade de identificar os fornecedores;

- ausência de instalações adequadas ao desenvolvimento da actividade de comercialização de sucata; de notar que foram visitados diversos locais que se ia sabendo terem relação com esta empresa e jamais foi possível encontrar uma estrutura compatível com a venda de sucatas; tal como relata a inspecção, na maior parte dos casos, daquilo que se tratava era de casas destinadas a habitação ou escritórios onde a dita empresa não era conhecida;

-não identificação de imobilizado ou funcionários;

- em sede de fiscalização, apurou-se que a ... exerceu de facto a actividade relacionada com vestuário.

Quanto à sociedade A...

- a inexistência de contabilidade,

- impossibilidade de identificar os fornecedores;

- o seu legal representante assumiu em declarações que “o recurso à “A..., Lda”, apenas serviu para a emissão de facturas, a fim de recuperar um crédito de IVA”;

- trata-se de um sujeito passivo não declarante em sede de IRC e IVA, nos anos de 2005 e 2006, não exercendo a actividade constante do seu objecto social (construção de edifícios), nem evidenciando o exercício real do comércio de sucatas;

- não possui estrutura (material e humana) para a prática de qualquer actividade comercial, não dispondo de instalações, máquinas ou pessoal.


*

Ora, sem necessidade de considerações muito desenvolvidas, em face da evidência resultante dos elementos recolhidos pelos serviços de inspecção e aos quais deixámos expressa referência, entendemos poder concluir que, in casu, a AT recolheu, efectivamente, indícios sérios e seguros de que as facturas emitidas pelos fornecedores R..., L... - Sociedade Unipessoal, Lda., A..., ... – Comércio, Importação e Exportação de Artigos de Consumo, Lda. e A... – Construções, Lda, no ano de 2005, não titulam reais vendas de sucata que aqueles tenham efectuado à Impugnante, J....
Efectivamente, estes “factos-índice”, contrariamente ao que o Tribunal a quo considerou, numa análise concatenada e ponderados à luz da experiência, são suficientes para permitir à AT desconsiderar o IVA que têm as apontadas facturas como suporte documental, com o fundamento de que as operações referidas nessas facturas são simuladas – artigo 19º, nº3 do CIVA.
Com efeito, os elementos recolhidos em sede inspectiva – sublinhe-se, com apoio em fiscalizações com origem em terceiros, fornecedores da Impugnante e ora Recorrida - vão, inequivocamente, num sentido claro: o de que os cinco fornecedores em causa, emitentes das facturas respeitantes ao ano de 2005, não dispunham de capacidade económico-financeira, logística ou empresarial para a realização das operações em causa.
Relembre-se que, no ano de 2005, estamos a considerar facturação no montante total de € 572.662,18, a que corresponde IVA deduzido no valor de € 117.863,50.
Tais indícios, portanto, traduzem uma probabilidade elevada de as facturas em causa não titularem operações reais, ou seja, de que os apontados fornecedores não venderam à Recorrida os bens mencionados nas facturas por esta contabilizadas e em que os apontados cinco fornecedores figuram como emitentes.
Porque assim é, como se entende, há que dizer que a AT demonstrou os pressupostos da sua actuação, cumprindo, nos termos já expostos, o ónus da prova que, neste ponto, lhe competia.
Não procedem, em nosso entendimento, as consequências que, quer a Recorrida, quer a sentença, pretendem retirar do suporte documental subjacente ao pagamento, por meio de cheque, das facturas em causa.
Note-se, como é sabido, que o fenómeno da facturação falsa é, muitas vezes, acompanhado pela preocupação em documentar todo o circuito de pagamento através de cheques, com cópias dos documentos emitidos, de forma a que se estabeleça a exacta correspondência entre a factura e o meio de pagamento.
Contudo, este circuito documental não tem a suportá-lo, muitas vezes, o correspondente circuito financeiro ou do dinheiro, tratando-se, por isso, de uma mera aparência de pagamentos e recebimentos.
E aqui, aliás, é o que acontece, ou pelo menos, assim evidenciam os elementos recolhidos em sede inspectiva. Com efeito, se os cheques são emitidos ao portador, levantados ao balcão da instituição bancária ou posteriormente endossados a terceiros, torna-se díficil (ou mesmo impossível) estabelecer uma linha segura do circuito do dinheiro e estabelecer a convergência com o circuito documental.
Porconseguinte, foram evidenciados factos objectivos que, no entendimento deste Tribunal, são de molde a concluir fundadamente por um quadro de enorme probabilidade de as transacções alegadamente ocorridas entre as partes não corresponderem (materialmente) à realidade pressuposta nas facturas a que respeita o IVA desconsiderado.
Todos estes “factos-índice”, numa análise concatenada e ponderados à luz da experiência, são suficientes para permitir à AT, como sucedeu, desconsiderar o IVA que tem as apontadas facturas como suporte documental, com o fundamento de que as operações referidas nessas facturas são simuladas.
Assim sendo, como se entende que é, há que concluir que a AT demonstrou os pressupostos da sua actuação, cumprindo, nos termos já expostos, o ónus da prova que, neste ponto, lhe competia – cfr. artigo 74º da LGT.
Por conseguinte, isto é, tendo a Administração cumprido o ónus que sobre si impendia, competia ao Impugnante ter apresentado prova capaz de destruir esses indícios, demonstrando que a mercadoria descrita nas facturas em causa lhe foi entregue, ou seja, que aquelas facturas têm subjacentes operações económicas reais.

Ónus que, definitivamente, não cumpriu já que não logrou, pela prova produzida, afastar os indícios ponderosos da simulação das facturas, recolhidos pela AT, tendo todos os factos por si invocados e através dos quais visava demonstrar aquela realidade – existência de diversas transacções comerciais entre si e A..., ... Lda., R..., L..., Unipessoal, Lda e A..., Construções Lda – obtido, como vimos, na apreciação do erro de julgamento de facto que vinha suscitado, resposta negativa.

Portanto, e retomando o que já atrás vínhamos dizendo, era à Impugnante que competia demonstrar que, apesar de todos estes indícios, eram reais - ou seja, correspondiam a operações materiais – as compras facturadas nos documentos que incluem o IVA corrigido.

E, do nosso ponto de vista, esta demonstração não foi feita, sendo que, como já atrás dissemos, o facto de os cheques terem sido emitidos aos fornecedores, não prova – longe disso, aliás - o pagamento das facturas.
Já o dissemos. A análise dos autos leva-nos a ponderar que, na realidade, uma coisa é o circuito documental que se mostra evidenciado (facturas, cheques, endossos), o qual pode, até, mostrar-se formalmente correcto; outra bem diferente é o circuito económico do dinheiro. E, neste concreto ponto, há que realçar que a AT fez notar expressamente o facto de os cheques, apesar dos valores elevadíssimos em causa terem sido descontados/ levantados ao balcão e/ou endossados a terceiros, o que não deixa sem mácula todo este circuito de pagamentos.

Portanto, a prova produzida, em concreto aquela que competia à Impugnante, não chega para cumprir o ónus que a este respeito lhe era legalmente imposto, ou seja, o ónus de prova de que as operações se realizaram efectivamente e de que se verificam os pressupostos de que depende o seu direito à dedução do imposto.

Contrariamente, a AT provou a factualidade que a levou a não aceitar a respectiva dedução de imposto, factualidade essa que é susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte.

E assim sendo, fácil se torna concluir que a sentença que assim não decidiu, não pode manter-se.

Há, pois, que conceder provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública e, consequentemente, revogar a sentença nessa exacta medida, julgando-se a impugnação judicial improcedente, com a consequente manutenção das liquidações de IVA contestadas.


*
Um último esclarecimento se impõe a propósito das considerações feitas pela Recorrida nas conclusões 12 e 13 das contra-alegações.
Refere a Recorrida que demonstrou o recebimento, por transferência bancária, das vendas das mercadorias aos seus clientes espanhóis, admitindo-se que, com tal consideração, pretende chamar a atenção para a circunstância – expressa de forma simples - de não poder vender o que não comprou.
Ora, a verdade é que, ainda que se entenda o alcance de tal afirmação, a verdade é que tais recebimentos dos seus clientes não constam dos factos provados. Contudo, e mesmo que assim não fosse, a verdade é que o que aqui está em causa não é o facto de a Impugnante não poder vender o que não comprou; o que aqui está em causa é que dos autos resulta que a Impugnante não comprou a mercadoria que surge descrita nas concretas facturas que foram desconsideradas e, assim sendo, não pode deduzir esse IVA.
Melhor dito: com base nos indícios recolhidos pela AT, deve concluir-se que não foi com base nas facturas aqui desconsideradas que foi adquirida a mercadoria lá descrita, pois que os emitentes daquelas facturas não a podiam ter vendido. Assim sendo, e se a factura não titula a verdade de uma operação, não há como deduzir o IVA nela reflectido,
Acresce, ainda respondendo a outra das considerações feitas em sede de contra-alegações, que a circunstância de a AT não ter desconsiderado as facturas na esfera dos emitentes, no que aos proveitos respeita (ou seja, nas palavras da Impugnante, “o Fisco considera fictícias as compras mas tributou as vendas na esfera dos fornecedores”), não torna, por si, obrigatória a dedução do IVA na esfera da Impugnante, já que essa actuação da AT (que aqui não está em apreciação) não transforma em verdadeiras as operações descritas em facturas relativamente às quais há fortes indícios que levam a concluir pela sua falsidade. E, perante operações simuladas, o artigo 19º, nº3 do CIVA não deixa margem para dúvidas.
Nesta conformidade, e sem necessidade de nos alongarmos mais, julgam-se procedentes as conclusões das alegações de recurso, devendo conceder-se provimento ao recurso e, nessa medida, revogar-se a sentença recorrida, julgando-se improcedente a impugnação judicial deduzida pela J..., Lda.

*

3 – DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, julgar a impugnação judicial improcedente, mantendo-se as liquidações de IVA efectuadas com fundamento no artigo 19º, nº3 do CIVA.

Custas pela Recorrida, em ambas as instâncias.

Oportunamente, responda ao ofício de fls. 289 dos autos.

Lisboa, 25/05/17


__________________________

(Catarina Almeida e Sousa)

_________________________

(Barbara Tavares Teles)

_________________________

(Pereira Gameiro)