Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06100/12
Secção:CT
Data do Acordão:03/23/2017
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:DAÇÃO EM CUMPRIMENTO
ISENÇÃO IMT
ARTIGO 8º CIMT
Sumário:I - Dispunha o artº 8º nº 1 do CIMT, na redacção anterior à Lei n.º 53-A/2006, de 29/12, que são «isentas do IMT as aquisições de imóveis por instituições de crédito ou por sociedades comerciais cujo capital seja directa ou indirectamente por aquelas dominado, em processo de execução movido por essas instituições ou por outro credor, bem como as efectuadas em processo de falência ou de insolvência e, ainda, as que derivem de actos de dação em cumprimento, desde que, em qualquer caso, se destinem à realização de créditos resultantes de empréstimos feitos ou de fianças prestadas».
II - Contrariamente ao defendido pela ora Recorrente, deve concluir-se que nada na letra da lei exigia, para efeitos de reconhecimento da isenção de IMT nas aquisições de imóveis que derivem de dação em cumprimento, que se verifique um pressuposto atinente à situação de “incobrabilidade do crédito ou que o seu cumprimento esteja em mora, pelo menos há mais de um ano”.
III - Os requisitos contidos no artigo 8º, nº1 do CIMT, para efeitos de reconhecimento da isenção, em caso de aquisição em resultado da dação em cumprimento, eram apenas dois: por um lado, (i) os adquirentes serem instituições de crédito ou sociedades comerciais cujo capital seja directa ou indirectamente por aquelas dominado, e por outro, (ii) as aquisições ou a dação destinarem-se à realização de créditos resultantes de empréstimos feitos ou de fianças prestadas.
IV - A alteração do artigo 8º do CIMT, operada pela Lei nº n.º 53-A/2006, de 29/12, introduziu novos requisitos para a isenção de IMT, em caso de aquisições de imóveis operadas através da dação em cumprimento (no que toca aos imóveis não destinados exclusivamente à habitação), concretamente o decurso de um período de um ano entre a primeira falta de pagamento e o recurso à dação e a não existência de relações especiais entre o credor e o devedor.
V – Porém, a nova redacção da norma não tem aplicação ao caso sub judice, já que a incidência do IMT se regula pela legislação em vigor ao tempo em que correr a transmissão (artigo 5º, nºs 1 e 2 do CIMT).
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

1 – RELATÓRIO


O B..., S.A instaurou no Tribunal Tributário de Lisboa acção administrativa especial contra o Ministério das Finanças, pedindo a anulação do despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, de 14 de Agosto de 2008, que indeferiu o reconhecimento da isenção de IMT por si requerido, bem como a restituição da quantia de €581.859.30, acrescida de juros indemnizatórios, e a condenação da entidade demandada a praticar o acto administrativo de deferimento do pedido de isenção.

Por decisão proferida em 18/04/12, o TT de Lisboa julgou a acção procedente e, em consequência, condenou a entidade demandada à prática de um acto que reconhecesse a isenção de IMT requerida pela Autora, bem como a proceder à restituição da quantia paga por aquele a título de imposto, acrescida de juros indemnizatórios, calculados desde 10 de Agosto de 2005 até à data da emissão da respectiva nota de crédito.

Inconformada, a Entidade Demandada interpôs recurso jurisdicional para este TCA.

Por acórdão de 10 de Julho de 2015, foi rejeitado o recurso jurisdicional, não se conhecendo o seu objecto. Com efeito, considerou o TCA que da sentença recorrida caberia reclamação para a conferência e não recurso jurisdicional.

Não se conformando com tal decisão, a Entidade Demanda interpôs recurso de revista para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (STA).

Por acórdão de 31 de Março de 2016, a Secção de Contencioso Tributário do STA admitiu o recurso de revista.

Por acórdão de 14 de Dezembro de 2016, a Secção de Contencioso Tributário do STA concedeu provimento ao recurso, concluindo que “O disposto no art. 27.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA, na redacção anterior à que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro, não é aplicável nos tribunais de 1.ª instância, estando a sua aplicação reservada para os tribunais superiores.”

Em consequência, foi revogado o acórdão proferido por este TCA e ordenado o conhecimento do recurso jurisdicional interposto pela Entidade Demandada.

Em tal recurso, a Entidade Demandada, ora Recorrente, formulou as seguintes conclusões:

a) A Douta sentença, salvo o devido respeito, enferma de erro de julgamento, na parte que respeita à questão da isenção de considerar apenas dois requisitos literais: o adquirente ser uma instituição de crédito ou sociedade comercial cujo capital seja directamente ou indirectamente dominado por aquela e que a dação se destine à realização de créditos resultantes de empréstimos feitos ou de fianças prestadas.

b) Ao contrário, entende o ora recorrente que o ora recorrente não se encontra em situação de poder beneficiar da isenção, porque a interpretação desta norma não se pode bastar com o elemento literal, mas deve ser entendida no quadro geral de incumprimento de dívidas, resultante do mútuo ou de qualquer contrato de abertura de crédito, daí que seja necessário que o crédito esteja em situação de incobrabilidade ou pelo menos que o seu cumprimento esteja em mora, o que se afere, no entender do ora recorrente, na duração, pelo menos há mais de um ano, da situação de incumprimento.

c) Ora, o tribunal "a quo" ao interpretar a norma, bastando-se nos requisitos enunciados seria uma interpretação de tal modo extensiva do seu conteúdo todas as dações aí caberiam, o que atraiçoa o pensamento legislativo.

d) O requisito da mora e da consequente incobrabilidade do crédito, encontra­se no espírito da lei em vigor ao tempo dos factos, já que somente o incumprimento reiterado e provado justifica a existência e a concessão da respectiva isenção do artigo 8.º do CIMT.

e) A nova redacção da lei veio limitar esta exigência aos prédios urbanos não destinados a habitação, agilizando-se assim os processos de recuperação de crédito à habitação, provando-se que a lei permitia tal exigência.

f) Não há necessidade do procedimento da cláusula geral anti-abuso, basta a lei ser aplicada tal como foi interpretada.

g) A fundamentação da sentença ora recorrida, apenas recorreu à doutrina citada por um acórdão do STA, sem demonstrar a sua aplicabilidade ao caso concreto, apenas daí inferiu o interesse público extra-fiscal relevante que se pretende beneficiar não é o risco de cobrança, o que torna a fundamentação insuficiente para alicerçar a interpretação que pretende dar ao artigo 8.º do CIMT.

Termos em que, de acordo com o exposto, deverá revogar-se a sentença recorrida, considerando que o n°l do art. 8º do CIMT deveria ser interpretado no sentido de que comporta o requisito de incumprimento da divida, não se procedendo, por conseguinte, à restituição do imposto entretanto pago.”

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O Autor, aqui Recorrido, contra-alegou e concluiu nos seguintes termos:

1º O recurso apresentado pela Administração Tributária, não deve merecer colhimento por violar os comandos normativos impostos pelos artigos 8º, 10°, n. 6, alínea b) do CIMT, na redacção anterior à Lei n.º 53-A/2006, de 29/12 (Lei do Orçamento de Estado para 2007), bem como pelos artigos 5º e 74º igualmente do CIMT, artigo 12º, n.º 1 da LGT, artigo 11° do EBF e, ainda, pelos artigos 2º e 103º da CRP.

2° Por seu turno, a decisão do Tribunal a quo afigura-se rigorosa, precisa e correcta face à legislação em vigor à data dos factos, devendo assim dar-se por confirmada, improcedendo integralmente o teor das doutas alegações da Administração Tributária.”


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A Exma. Magistrada do Ministério Público, notificada para o efeito, emitiu parecer afirmando não estarem em causa “direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos especialmente relevantes ou de algum dos valores ou bens referidos no artigo 9.º nº2 do CPTA”.

As partes foram notificadas de tal pronúncia.


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Colheram-se os vistos dos Exmos. Adjuntos.

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2 - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. De facto

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto constante do aresto recorrido:

a) A autora é uma instituição de crédito registada junto do Banco de Portugal e autorizada a exercer a sua actividade em território português [facto não controvertido].

b) Em 4 de Fevereiro de 2000, a autora celebrou com a sociedade comercial C..., Lda. um contrato de empréstimo, mediante escritura pública outorgada no Primeiro Cartório Notarial de ... [documento de fls. 103 a 110 dos autos].

c) Nos termos do contrato referido em b), a autora concedeu à sociedade C..., Lda. um empréstimo no valor de €5.486.776. 87 [documento de fls.103 a 110 dos autos].

d) No âmbito do mesmo contrato, a sociedade C..., Lda. constituiu a favor da autora hipoteca voluntária sobre os prédios urbanos inscritos na matriz sob os artigos 815, 816, 817 e 818, sitos na Rua da ..., freguesia da ..., concelho de ... [documento de fls. 103 a 110 dos autos].

e) Mediante a outorga de escritura pública de ampliação de mútuo e reforço de hipoteca, em 17 de Junho de 2003, a autora ampliou o empréstimo concedido à sociedade "C..., Lda." para o valor de €6.965.569.99 [documento de fls. 119 a 130 dos autos].

f) A autora celebrou com a sociedade C..., Lda. um contrato de abertura de crédito e fiança, mediante escritura pública outorgada em 17 de Maio de 2001, no Primeiro Cartório Notarial de ... [documento de fls. 131a 144 dos autos].

g) Nos termos do contrato referido em f), foi efectuada a abertura de crédito junto da autora a favor da sociedade C..., Lda., no montante de €6.983.177.56, tendo sido constituída hipoteca voluntária sobre o prédio inscrito na matriz sob o artigo 2562, da freguesia de ... [documento de fls.131a 144 dos autos].

h) Em 30 de Novembro de 2001, foi outorgada escritura pública de abertura de crédito a favor da sociedade C..., Lda. no montante de € 1.462.250.00 [documento de fls. 145 a 157 dos autos].

i) Para garantia da abertura de crédito referida em h), foi constituída hipoteca voluntária sobre os prédios descritos na 2ª Conservatória do Registo Predial de ... sob os n°s 4860, 4861 e 4864, todos da freguesia de ..., e omissos na matriz [documento de fls. 145 a 157 dos autos].

j) A autora concedeu à sociedade C..., S.A, através dos contratos identificados em b), e), f) e h), os montantes de €6.965.569.99, 6.983.177.56 e 1.462.250.00 [documentos de fls. 103 a 157 dos autos].

k) À data da celebração dos contratos referidos, a designação social da autora era "B..., S.A." [documento do processo administrativo tributário, cujas fls. não se encontram numeradas].

l) Por carta de 1 de Agosto de 2005, a sociedade C..., Lda. apresentou à autora uma proposta de dação em pagamento [documento de fls.160 a 169 dos autos].

m) Em 9 de Agosto de 2005, a autora apresentou pedido de reconhecimento da isenção de IMT, relativo à aquisição de imóveis derivada da dação em cumprimento efectuada pela sociedade C..., Lda. [documento de fls. 181a 194 dos autos].

n) Em 10 de Agosto de 2005, a autora outorgou escritura pública de dação com a sociedade C..., Lda. [documento de fls. 217 a 235 dos autos].

o) Nos termos da escritura pública referida em n), a sociedade C..., Lda. liquidou à autora a quantia de 8.947.630.42, com a dação das seguintes fracções:
“Texto no original”

p) Em 10 de Agosto de 2005, a autora procedeu ao pagamento do IMT relativo à aquisição das fracções identificadas em o) no valor de €581.859.30 [documento de fls.195 a 216 dos autos].

q) Em 2 de Março de 2006, foi emitido pela DSIMT o ofício n° …, dirigido à autora, onde consta, além do mais, o seguinte: "(...)Afim de dar seguimento ao processo em causa, solicito a V.Exa se digne apresentar a esta Direcção de Serviços o seguinte: - Quanto à existência da dívida e do seu reconhecimento: justificativo/prova do atraso do cumprimento da dívida, que não deverá ser inferior a um ano; Justificativo/prova de inscrição no balanço do ano anterior da dívida em questão na rubrica de créditos ou juros vencidos da entidade credora; - Se foram desenvolvidos os procedimentos tendentes ao ressarcimento da dívida, e se o referido contrato de dação em cumprimento foi o meio último (antes da acção de execução) para recuperação dos valores em dívida: Justificativo/prova de que se verificaram tentativas de cobrança das dívidas em mora. (...)". [documento de fls.236 dos autos].

r) Em 11 de Abril de 2006, a autora respondeu ao ofício referido em q), referindo, além do mais, o seguinte: "(...)A dação em pagamento constituiu assim a única forma de solver os referidos créditos, sendo consensual entre as partes que tal dação era a única forma de extinção "de créditos de empréstimos feitos " (...) " [documento de fls.252 e 253 dos autos].

s) No âmbito do procedimento, a autora não procedeu à entrega de comprovativos de que a dívida da sociedade C..., Lda. se encontrava em incumprimento há mais de um ano [facto não controvertido].

t) Em 2 de Novembro de 2006, a autora foi notificada do projecto de decisão de indeferimento do pedido de reconhecimento da isenção de IMT por si apresentado [documento de fls. 254 a 273 dos autos].

u) Em 17 de Novembro de 2006, a autora exerceu o seu direito de audição prévia, referindo, além do mais, o seguinte:
(…)

(...)".

[documento de fls.274 a 287 dos autos].

v) Em 14 de Agosto de 2008, o pedido de reconhecimento da isenção de IMT apresentado pela autora foi indeferido, por despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, exarado na Informação nº …/2007 [documento de fls. 95 a 102 dos autos].

w) Na Informação referida em v), consta, além do mais, o seguinte:
(…)
“Texto integral no original”



Factos não provados
Não resultaram provados outros factos com relevo para a decisão da causa.


Motivação da decisão de facto
A decisão da matéria de facto assentou na análise dos documentos constantes dos autos e do processo administrativo tributário apenso, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas dos factos provados.

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2.1. De direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam do conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Lidas as conclusões das alegações de recurso resulta claro que, segundo a Recorrente, a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de direito, pois que procedeu a errada interpretação e aplicação da norma de isenção de IMT contida no n° l do artigo 8º do CIMT.

Com efeito, para a Recorrente, a Recorrida, contrariamente ao entendido pelo Tribunal a quo, “não se encontra em situação de poder beneficiar da isenção, porque a interpretação desta norma não se pode bastar com o elemento literal, mas deve ser entendida no quadro geral de incumprimento de dívidas, resultante do mútuo ou de qualquer contrato de abertura de crédito, daí que seja necessário que o crédito esteja em situação de incobrabilidade ou pelo menos que o seu cumprimento esteja em mora, o que se afere, no entender do ora recorrente, na duração, pelo menos há mais de um ano, da situação de incumprimento.

Portanto, para a Recorrente a sentença errou “na parte que respeita à questão da isenção” (…) por “considerar apenas dois requisitos literais: o adquirente ser uma instituição de crédito ou sociedade comercial cujo capital seja directamente ou indirectamente dominado por aquela e que a dação se destine à realização de créditos resultantes de empréstimos feitos ou de fianças prestadas”.
Vejamos se lhe assiste razão:
Respondendo à questão de saber se à Autora assistia o direito ao reconhecimento da isenção de IMT prevista no artigo 8°, n°1 do CIMT, na redacção anterior à entrada em vigor das alterações introduzidas pela Lei n°53-A/2006, de 29 de Dezembro, o Tribunal a quo respondeu afirmativamente.
Para tanto, e em síntese, o TT de Lisboa, após explicar o regime legal dos benefícios fiscais, o âmbito da isenção prevista no artigo 8º, nº1 do CIMT, em particular, o alcance das diferenças de redacção da norma antes e depois do Orçamento do Estado para 2007 e, bem assim, o regime jurídico da dação em cumprimento, veio a concluir que à Autora assistia razão, ou seja, que gozava da isenção de IMT relativamente aos imóveis que havia adquirido em consequência da dação em cumprimento operada entre a Autora, instituição de crédito/credora, e a sociedade C..., Lda, devedora.
Para assim concluir, o TT de Lisboa considerou, além do mais, o seguinte:
“(…)
De facto, a norma do artigo 8°, na redacção anterior à entrada em vigor da alteração introduzida pela Lei n°53-A/2006, de 29 de Dezembro, refere-se às aquisições derivadas de dação em cumprimento, pelo que não sendo pressuposto desta, como referimos, a situação de incumprimento, não deve este ser considerado um requisito da isenção.
Pelo exposto, concluímos que o incumprimento da dívida não sendo pressuposto da dação em cumprimento, não é igualmente requisito da isenção prevista no artigo 8° do CIMT, a qual apenas se encontra dependente do preenchimento dos dois requisitos supra elencados, a saber: que o adquirente seja uma instituição de crédito ou sociedade comercial cujo capital seja directamente ou indirectamente dominado por aquela e que a dação se destine à realização de créditos resultantes de empréstimos feitos ou de fianças prestadas”.
(…)
Resultou provado nos autos que a autora é uma instituição de crédito registada junto do Banco de Portugal e autorizada a exercer a sua actividade em território português [alínea a) dos factos provados], pelo que o primeiro pressuposto da isenção se encontra preenchido.
Resultou, ainda, provado que a autora celebrou com a sociedade "C..., Lda. um contrato de empréstimo [alínea c) dos factos provados], um contrato de abertura de crédito e fiança [alínea f) dos factos provados] e um contrato de abertura de crédito [alínea h) dos factos provados], cujo valor global ascendia à quantia de €15.410.998.00 [alínea j) dos factos provados], bem como que a autora aceitou a dação em pagamento proposta pela referida sociedade, a qual se reportava aos contratos supra referidos e determinou a aquisição dos imóveis a que se reportam os autos [alíneas n) e o) dos factos provados].
Nesta medida, concluímos se encontra verificado o segundo pressuposto da isenção, qual seja a aquisição derivada de acto de dação em cumprimento, pelo que deve ser reconhecida à autora a isenção de IMT prevista no artigo 8°, n°1 do CIMT, cumprindo, nesta medida, condenar a entidade demandada à prática de um acto administrativo que, deferindo o pedido da autora, reconheça a referida isenção, o que se determinará a final”.
Ora, adiantando, desde já, a nossa posição sobre a questão em apreciação, deve dizer-se que o Tribunal recorrido decidiu com acerto.
Comecemos por lançar mão de um acórdão do STA, também convocado em 1ª instância, o qual nos permite perceber muito claramente a melhor interpretação a dar ao artigo 8º, nº1 do CIMT, na redacção aplicável ao caso em análise, ou seja, a que estava em vigor antes das alterações provocadas pela Lei n.º 53-A/2006, de 29/12 (Orçamento do Estado para 2007).
Pode ler no acórdão do STA de 21/03/12, proferido no recurso nº 599/10, além do mais, que:
“(…)
Vejamos, antes de mais, as normas em causa.
Dispunha o artº 8º nº 1 do CIMT na redacção em vigor ao tempo em que se constitui a obrigação tributária (A incidência do IMT regula-se pela legislação em vigor ao tempo em que se constituir a obrigação tributária – artº 5º do IMT.), (redacção anterior à lei n.º 53-A/2006, de 29/12) que são «isentas do IMT as aquisições de imóveis por instituições de crédito ou por sociedades comerciais cujo capital seja directa ou indirectamente por aquelas dominado, em processo de execução movido por essas instituições ou por outro credor, bem como as efectuadas em processo de falência ou de insolvência e, ainda (Sublinhado nosso.), as que derivem de actos de dação em cumprimento, desde que, em qualquer caso, se destinem à realização de créditos resultantes de empréstimos feitos ou de fianças prestadas».
E quanto ao reconhecimento das isenções preceituava o artº 10º do CIMT (na redacção da Decl. de Rectificação nº 4/2004 de 9 de Janeiro) que as isenções previstas na alínea b) do artigo 6.º e na parte final do artigo 8.º, são reconhecidas por despacho do Ministro das Finanças sobre informação e parecer da Direcção-Geral dos Impostos e que o pedido a que se refere o n.º 1 deve, quando for caso disso, conter a identificação e descrição dos bens, bem como o fim a que se destinam, e ser acompanhado dos documentos para demonstrar os pressupostos da isenção ( nº 2 do artº 10º).
A questão objecto de recurso é sobretudo uma questão de interpretação da lei fiscal e, concretamente, de norma sobre benefícios fiscais.
Ora na interpretação da lei há-de presumir-se que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artº 9º, nº 3 do Código Civil).
Assim para a análise do preceito forçoso é recorrer ao subsídio interpretativos do elemento gramatical e também à ratio legis, tendo sempre como presente que a captação do sentido de uma norma não pode fazer-se de uma forma isolada.
Do ponto de vista da estrutura gramatical do período e particularmente da pontuação utilizada, como bem se nota no voto de vencido de fls. 95 e segs, não parece ter cabimento na letra da lei o entendimento acolhido no acórdão recorrido.
A norma prevê a isenção de imposto nas aquisições de imóveis por parte das instituições de crédito em processo de execução movido por essas instituições, bem como as efectuadas em processo de insolvência ou que derivem de dação em cumprimento, quando, em qualquer um dos casos, se destinem à realização de créditos resultantes de empréstimos feitos ou de fianças prestada.
O denominador comum em todas aquelas situações, e que constitui pressuposto da isenção, é o facto de, por um lado, os adquirentes serem instituições de crédito ou sociedades comerciais cujo capital seja directa ou indirectamente por aquelas dominado, e por outro, as aquisições ou ainda a dação se destinarem à realização de créditos resultantes de empréstimos feitos ou de fianças prestadas.
Não há nada na redacção do preceito que aponte para a conclusão que a isenção de imposto nas aquisições de imóveis que derivem de dação em cumprimento, tenha como pressuposto a existência de um processo judicial visando a cobrança coerciva da dívida.
Acresce que a interpretação sufragada pelo acórdão recorrido não é apenas incompatível com a letra da lei. Ela também não dispõe de suporte no plano teleológico.
Com efeito, também aqui se discorda da tese que fez vencimento no acórdão recorrido (cf. fls. 92 v.), e também suportada pela entidade recorrida, no sentido de que «é o risco de cobrança, enquanto elemento perturbador do sistema financeiro, que constitui o interesse público extra-fiscal relevante que se pretende preservar e a ratio da norma, e que pelo legislador foi eleito como a razão para a existência dos benefícios fiscais».
As razões da isenção são outras e prendem-se, sobretudo, com a teleologia do imposto.
Vejamos.
O IMT tributa a transmissão, a titulo oneroso, dos bens imóveis, sendo o seu sujeito passivo o comprador ou adquirente desses bens.
Porque incide sobre aquisições onerosas, o imposto não tem por finalidade a sujeição do aumento líquido da riqueza, porque ele não se pode verificar.
Na verdade, sendo a aquisição onerosa, dela não resulta qualquer aumento líquido do património do adquirente, mas antes uma mera substituição do suporte em que se materializa esse património ou riqueza, dinheiro por imóveis na maioria dos casos (Ver neste sentido, José Maria Fernandes Pires, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, pag. 151.).
Por essa razão, como sublinha José Maria Fernandes Pires, ob. cit., pag. 151, «o IMT não sujeita a imposto um aumento líquido da riqueza de um sujeito passivo, nem a entrada de imóveis no seu património, mas antes uma manifestação de uma riqueza já existente no património do adquirente, que se revela no momento da aquisição de imóveis e que se consubstancia nos meios que vão ser mobilizados para financiar essa aquisição.»
Não é essa porém a hipótese das aquisições de imóveis por parte das instituições de crédito em processo de execução movido por essas instituições, bem como as efectuadas em processo de insolvência ou que derivem de dação em cumprimento.
Como resulta do preceito trata-se de aquisições de imóveis (em processo de execução de insolvência ou que derivem de dação em cumprimento) que têm como fim a satisfação dos créditos resultantes de empréstimos feitos ou de fianças prestadas. Trata-se, afinal, de situação que tem algum paralelismo com os regimes de não sujeição e isenção de prédios adquiridos para revenda e para construção quando os adquirentes e proprietários são empresas que exercem actividade de compra de prédios para revenda, para quem esses imóveis são apenas a mercadoria com que exercem a sua actividade comercial.
Com efeito as instituições de crédito exercem uma actividade de intermediação financeira e a especificidade do seu negócio não é a propriamente gestão de imóveis que lhes serviram de garantia.
A aquisição de imóveis, nestes casos previstos pelo referido artº 8º nº 1 não é objectivo da actividade da instituição financeira, mas sim uma forma de obter a satisfação de créditos resultantes de empréstimos feitos ou de fianças prestadas (De referir, ainda, que, nos termos do artigo 11º do Código do IMT, as aquisições referidas deixarão de beneficiar de isenção se os prédios não forem alienados no prazo de cinco anos.).
Não há portanto aqui um enriquecimento do adquirente ou sequer o financiamento da aquisição com a sua riqueza acumulada, mas sim a realização de créditos resultantes de empréstimos feitos ou de fianças prestadas, sendo a aquisição do imóvel uma forma de liquidar a dívida existente.
Daí a razão de ser da isenção pois que o IMT é um imposto sobre o património que tem por finalidade tributar a riqueza manifestada com a aquisição onerosa, situação que não ocorre em qualquer uma daquelas situações – aquisição em processo de execução, insolvência ou dação em cumprimento – em que a instituição de crédito adquire o imóvel como contrapartida e pagamento de empréstimos concedidos.
A ratio da isenção, quer nas situações de dação em cumprimento ou quer nas aquisições em processo de execução ou insolvência, é a mesma, sendo que nada justifica a exigência, como pressuposto do reconhecimento da isenção, de que nas situações de dação em cumprimento o crédito esteja a ser demandado coercivamente em processo judicial.
Tanto mais que, como bem se salienta na declaração de voto de fls. 96, a dação em cumprimento constitui uma forma de extinção das obrigações, que, em princípio exige o acordo entre o credor e o devedor.
É certo, por outro lado, que a redacção do artº 8º do CIMT foi alterada pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2007) (Pretendeu-se obviar à repetição de situações detectadas pela a administração fiscal em que esta isenção de imposto consagrada na lei estava a ser utilizada abusivamente. Como se refere em notícia do suplemento de economia do Jornal ………, publicada em 13.11.2006, da autoria de ………, ………, citando o então Ministro das Finanças, ………, terão sido detectados casos em que eram as próprias instituições financeiras que, quando pretendiam adquirir um determinado imóvel, sugeriam ao seu proprietário que contraísse um empréstimo de montante igual ao valor pelo qual estaria disposto a vender esse mesmo imóvel. O proprietário do imóvel contraía o empréstimo, recebia o dinheiro da instituição financeira, não pagava as respectivas prestações e dava o imóvel como dação em pagamento desse mesmo empréstimo. A instituição financeira recebia o imóvel e, nos termos da lei, não pagava o imposto que teria de pagar caso adquirisse o imóvel normalmente.), restringindo-se a isenção aos casos de aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas destes exclusivamente destinados a habitação, que derivem de actos de dação em cumprimento (nº 1) e de aquisições de prédios ou de fracções autónomas destes não abrangidos no número anterior, que derivem de actos de dação em cumprimento, desde que tenha decorrido mais de um ano entre a primeira falta de pagamento e o recurso à dação em cumprimento, exigindo-se também que não existam relações especiais entre credor e devedor, nos termos do n.º 4 do artigo 58.º do CIRC.
Mas como vimos esta redacção da norma não tem aplicação ao caso subjudice já que a incidência do IMT se regula pela legislação em vigor ao tempo em que correr a transmissão ( artº 5º, ns. 1 e 2 do CIMT)
Ainda assim sempre se dirá que esta alteração veio até reforçar o entendimento de que a isenção em causa se funda na especificidade do negócio das instituições financeiras, tendo a nova redacção em vista restringir o campo de utilizações abusivas por partes dos agentes económicos.
Em face de tudo o exposto conclui-se que o acórdão recorrido e a decisão de indeferimento por ele ratificada, ao considerarem como pressuposto para o reconhecimento da isenção prevista no artº 8º, nº1, segunda parte, do CIMT (aquisição derivada de acto de dação em cumprimento) que o crédito esteja a ser exigido em processo judicial, fizeram errada interpretação do referido preceito legal, pelo que o recurso merece, nesta parte, provimento”.
Por conseguinte, na linha da jurisprudência transcrita, e contrariamente ao defendido pela ora Recorrente, há que concluir que nada na letra da lei exigia (tomando em conta a redacção do artigo 8º do CIMT aplicável no caso), para efeitos de reconhecimento da isenção de IMT nas aquisições de imóveis que derivem de dação em cumprimento, que se verifique um pressuposto atinente à situação de “incobrabilidade do crédito ou que o seu cumprimento esteja em mora, pelo menos há mais de um ano”.
Na verdade, os requisitos contidos no artigo 8º, nº1 do CIMT, para efeitos de reconhecimento da isenção, em caso de aquisição em resultado da dação em cumprimento, eram apenas dois: por um lado, (i) os adquirentes serem instituições de crédito ou sociedades comerciais cujo capital seja directa ou indirectamente por aquelas dominado, e por outro, (ii) as aquisições ou a dação destinarem-se à realização de créditos resultantes de empréstimos feitos ou de fianças prestadas.
Deve, aliás, acrescentar-se que, nos termos em que a dação em cumprimento é regulada na nossa lei civil (termos que, naturalmente, não são desconhecidos do legislador fiscal), a mesma, como causa de extinção das obrigações além do cumprimento, está dependente apenas do consentimento do credor e não do incumprimento do devedor (ou desse incumprimento, relativamente à prestação a que o devedor está inicialmente vinculado, ser superior a um determinado período de tempo) – cfr. artigos 837º a 840º do Código Civil.
É verdade, e não se desconsidera, que a alteração do artigo 8º do CIMT, operada pela Lei nº n.º 53-A/2006, de 29/12, introduziu novos requisitos para a isenção de IMT, em caso de aquisições de imóveis operadas através da dação em cumprimento (no que toca aos imóveis não destinados exclusivamente à habitação), concretamente o decurso de um período de um ano entre a primeira falta de pagamento e o recurso à dação e a não existência de relações especiais entre o credor e o devedor.
Tal alteração, como também se percebe, terá sido motivada pela utilização abusiva da isenção de IMT, por parte das instituições de crédito, nos termos em que estava inicialmente consagrado tal benefício fiscal.
Contudo, repete-se, a nova redacção da norma não tem aplicação ao caso sub judice, já que a incidência do IMT se regula pela legislação em vigor ao tempo em que correr a transmissão (artigo 5º, nºs 1 e 2 do CIMT).
Por conseguinte, em face do exposto, há que concluir que o Tribunal a quo interpretou e aplicou correctamente a lei aplicável ao caso concreto.
Assim, partindo da interpretação da norma que acolhemos, não restam dúvidas que, no caso, estão verificados os pressupostos legais para a concessão da isenção, atenta a redacção do artigo 8º, nº 1, então em vigor.
Na verdade, verifica-se, tal como resulta da matéria de facto assente, que:
- a Autora (aqui Recorrida) é uma instituição de crédito, autorizada para o exercício dessa actividade - alínea a) da matéria de facto;
- e, por outro lado, que a Autora (aqui Recorrida) celebrou com a sociedade "C..., Lda”. um contrato de empréstimo [alínea c) dos factos provados], um contrato de abertura de crédito e fiança [alínea f) dos factos provados] e um contrato de abertura de crédito [alínea h) dos factos provados], cujo valor global ascendia à quantia de €15.410.998.00 [alínea j) dos factos provados], bem como que a autora aceitou a dação em pagamento proposta pela referida sociedade, a qual se reportava aos contratos supra referidos e determinou a aquisição dos imóveis a que se reportam os autos [alíneas n) e o) dos factos provados].
Por conseguinte, não merece censura a sentença que decidiu que, mostrando-se verificados ambos os pressupostos da isenção, “deve ser reconhecida à autora a isenção de IMT prevista no artigo 8°, n°1 do CIMT, cumprindo, nesta medida, condenar a entidade demandada à prática de um acto administrativo que, deferindo o pedido da autora, reconheça a referida isenção”.
Até aqui, portanto, nenhuma razão assiste à Recorrente.

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Na sentença posta em crise decidiu-se, ainda, o seguinte:
“(…)
Nos presentes autos, a autora pede, além da anulação do despacho de indeferimento e da condenação à prática do acto devido, a restituição da quantia por si paga a título de IMT, no valor de €581.859.30, acrescida de juros indemnizatórios.
Vejamos.
Antes de mais, importa ter presente o disposto no artigo 100° da LGT, a saber: "A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo de execução da decisão".
Ora, tendo concluído que a autora deveria beneficiar da isenção de IMT prevista no artigo 8°, n°1 do CIMT, o pagamento deste imposto mostra-se indevido, pelo que lhe assiste o direito ao reembolso do valor indevidamente pago, forma de reconstituição da legalidade violada”.
A Recorrente, em coerência com a sua posição quanto ao não preenchimento dos requisitos necessários ao reconhecimento da isenção de IMT, insurge-se contra a decisão que determina a restituição do montante pago a título de IMT.
Sem nenhuma razão, como é evidente.
Concluindo-se, nos termos expostos, pela isenção de IMT e estando demonstrado, como está, que a Recorrida pagou um valor de imposto do qual estava isenta, evidente se torna que esse pagamento é indevido e, como tal, deve ser restituído ao sujeito passivo.
Para mais, tal como decidido, tem o Recorrido direito a juros indemnizatórios, nos exactos termos determinados pelo Tribunal a quo (que, de resto, não foram postos em causa), pois que, ocorreu o pagamento indevido do IMT liquidado pela autora, determinado por erro imputável aos serviços, que indeferiram o reconhecimento da isenção.
Em face de tudo o que vem dito, conclui-se, pois, pela improcedência da totalidade das conclusões da alegação de recurso e, consequentemente, pelo não provimento do recurso jurisdicional, mantendo-se a sentença recorrida nos termos em que foi proferida.

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3 - DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal em negar provimento ao recurso jurisdicional, mantendo-se a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 23/03/17


Catarina Almeida e Sousa

Bárbara Teles

Pereira Gameiro