Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 06100/12 |
Secção: | CT |
Data do Acordão: | 03/23/2017 |
Relator: | CATARINA ALMEIDA E SOUSA |
Descritores: | DAÇÃO EM CUMPRIMENTO ISENÇÃO IMT ARTIGO 8º CIMT |
Sumário: | I - Dispunha o artº 8º nº 1 do CIMT, na redacção anterior à Lei n.º 53-A/2006, de 29/12, que são «isentas do IMT as aquisições de imóveis por instituições de crédito ou por sociedades comerciais cujo capital seja directa ou indirectamente por aquelas dominado, em processo de execução movido por essas instituições ou por outro credor, bem como as efectuadas em processo de falência ou de insolvência e, ainda, as que derivem de actos de dação em cumprimento, desde que, em qualquer caso, se destinem à realização de créditos resultantes de empréstimos feitos ou de fianças prestadas». II - Contrariamente ao defendido pela ora Recorrente, deve concluir-se que nada na letra da lei exigia, para efeitos de reconhecimento da isenção de IMT nas aquisições de imóveis que derivem de dação em cumprimento, que se verifique um pressuposto atinente à situação de “incobrabilidade do crédito ou que o seu cumprimento esteja em mora, pelo menos há mais de um ano”. III - Os requisitos contidos no artigo 8º, nº1 do CIMT, para efeitos de reconhecimento da isenção, em caso de aquisição em resultado da dação em cumprimento, eram apenas dois: por um lado, (i) os adquirentes serem instituições de crédito ou sociedades comerciais cujo capital seja directa ou indirectamente por aquelas dominado, e por outro, (ii) as aquisições ou a dação destinarem-se à realização de créditos resultantes de empréstimos feitos ou de fianças prestadas. IV - A alteração do artigo 8º do CIMT, operada pela Lei nº n.º 53-A/2006, de 29/12, introduziu novos requisitos para a isenção de IMT, em caso de aquisições de imóveis operadas através da dação em cumprimento (no que toca aos imóveis não destinados exclusivamente à habitação), concretamente o decurso de um período de um ano entre a primeira falta de pagamento e o recurso à dação e a não existência de relações especiais entre o credor e o devedor. V – Porém, a nova redacção da norma não tem aplicação ao caso sub judice, já que a incidência do IMT se regula pela legislação em vigor ao tempo em que correr a transmissão (artigo 5º, nºs 1 e 2 do CIMT). |
Aditamento: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul
1 – RELATÓRIO Por decisão proferida em 18/04/12, o TT de Lisboa julgou a acção procedente e, em consequência, condenou a entidade demandada à prática de um acto que reconhecesse a isenção de IMT requerida pela Autora, bem como a proceder à restituição da quantia paga por aquele a título de imposto, acrescida de juros indemnizatórios, calculados desde 10 de Agosto de 2005 até à data da emissão da respectiva nota de crédito. Inconformada, a Entidade Demandada interpôs recurso jurisdicional para este TCA. Por acórdão de 10 de Julho de 2015, foi rejeitado o recurso jurisdicional, não se conhecendo o seu objecto. Com efeito, considerou o TCA que da sentença recorrida caberia reclamação para a conferência e não recurso jurisdicional. Não se conformando com tal decisão, a Entidade Demanda interpôs recurso de revista para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (STA). Por acórdão de 31 de Março de 2016, a Secção de Contencioso Tributário do STA admitiu o recurso de revista. Por acórdão de 14 de Dezembro de 2016, a Secção de Contencioso Tributário do STA concedeu provimento ao recurso, concluindo que “O disposto no art. 27.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA, na redacção anterior à que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro, não é aplicável nos tribunais de 1.ª instância, estando a sua aplicação reservada para os tribunais superiores.” Em consequência, foi revogado o acórdão proferido por este TCA e ordenado o conhecimento do recurso jurisdicional interposto pela Entidade Demandada. Em tal recurso, a Entidade Demandada, ora Recorrente, formulou as seguintes conclusões: “ a) A Douta sentença, salvo o devido respeito, enferma de erro de julgamento, na parte que respeita à questão da isenção de considerar apenas dois requisitos literais: o adquirente ser uma instituição de crédito ou sociedade comercial cujo capital seja directamente ou indirectamente dominado por aquela e que a dação se destine à realização de créditos resultantes de empréstimos feitos ou de fianças prestadas. b) Ao contrário, entende o ora recorrente que o ora recorrente não se encontra em situação de poder beneficiar da isenção, porque a interpretação desta norma não se pode bastar com o elemento literal, mas deve ser entendida no quadro geral de incumprimento de dívidas, resultante do mútuo ou de qualquer contrato de abertura de crédito, daí que seja necessário que o crédito esteja em situação de incobrabilidade ou pelo menos que o seu cumprimento esteja em mora, o que se afere, no entender do ora recorrente, na duração, pelo menos há mais de um ano, da situação de incumprimento. c) Ora, o tribunal "a quo" ao interpretar a norma, bastando-se nos requisitos enunciados seria uma interpretação de tal modo extensiva do seu conteúdo todas as dações aí caberiam, o que atraiçoa o pensamento legislativo. d) O requisito da mora e da consequente incobrabilidade do crédito, encontrase no espírito da lei em vigor ao tempo dos factos, já que somente o incumprimento reiterado e provado justifica a existência e a concessão da respectiva isenção do artigo 8.º do CIMT. e) A nova redacção da lei veio limitar esta exigência aos prédios urbanos não destinados a habitação, agilizando-se assim os processos de recuperação de crédito à habitação, provando-se que a lei permitia tal exigência. f) Não há necessidade do procedimento da cláusula geral anti-abuso, basta a lei ser aplicada tal como foi interpretada. g) A fundamentação da sentença ora recorrida, apenas recorreu à doutrina citada por um acórdão do STA, sem demonstrar a sua aplicabilidade ao caso concreto, apenas daí inferiu o interesse público extra-fiscal relevante que se pretende beneficiar não é o risco de cobrança, o que torna a fundamentação insuficiente para alicerçar a interpretação que pretende dar ao artigo 8.º do CIMT. Termos em que, de acordo com o exposto, deverá revogar-se a sentença recorrida, considerando que o n°l do art. 8º do CIMT deveria ser interpretado no sentido de que comporta o requisito de incumprimento da divida, não se procedendo, por conseguinte, à restituição do imposto entretanto pago.” * O Autor, aqui Recorrido, contra-alegou e concluiu nos seguintes termos: “ 1º O recurso apresentado pela Administração Tributária, não deve merecer colhimento por violar os comandos normativos impostos pelos artigos 8º, 10°, n. 6, alínea b) do CIMT, na redacção anterior à Lei n.º 53-A/2006, de 29/12 (Lei do Orçamento de Estado para 2007), bem como pelos artigos 5º e 74º igualmente do CIMT, artigo 12º, n.º 1 da LGT, artigo 11° do EBF e, ainda, pelos artigos 2º e 103º da CRP. 2° Por seu turno, a decisão do Tribunal a quo afigura-se rigorosa, precisa e correcta face à legislação em vigor à data dos factos, devendo assim dar-se por confirmada, improcedendo integralmente o teor das doutas alegações da Administração Tributária.” * A Exma. Magistrada do Ministério Público, notificada para o efeito, emitiu parecer afirmando não estarem em causa “direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos especialmente relevantes ou de algum dos valores ou bens referidos no artigo 9.º nº2 do CPTA”. As partes foram notificadas de tal pronúncia. * Colheram-se os vistos dos Exmos. Adjuntos. * 2.1. De facto É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto constante do aresto recorrido: “ a) A autora é uma instituição de crédito registada junto do Banco de Portugal e autorizada a exercer a sua actividade em território português [facto não controvertido]. b) Em 4 de Fevereiro de 2000, a autora celebrou com a sociedade comercial C..., Lda. um contrato de empréstimo, mediante escritura pública outorgada no Primeiro Cartório Notarial de ... [documento de fls. 103 a 110 dos autos]. c) Nos termos do contrato referido em b), a autora concedeu à sociedade C..., Lda. um empréstimo no valor de €5.486.776. 87 [documento de fls.103 a 110 dos autos]. d) No âmbito do mesmo contrato, a sociedade C..., Lda. constituiu a favor da autora hipoteca voluntária sobre os prédios urbanos inscritos na matriz sob os artigos 815, 816, 817 e 818, sitos na Rua da ..., freguesia da ..., concelho de ... [documento de fls. 103 a 110 dos autos]. e) Mediante a outorga de escritura pública de ampliação de mútuo e reforço de hipoteca, em 17 de Junho de 2003, a autora ampliou o empréstimo concedido à sociedade "C..., Lda." para o valor de €6.965.569.99 [documento de fls. 119 a 130 dos autos]. f) A autora celebrou com a sociedade C..., Lda. um contrato de abertura de crédito e fiança, mediante escritura pública outorgada em 17 de Maio de 2001, no Primeiro Cartório Notarial de ... [documento de fls. 131a 144 dos autos]. g) Nos termos do contrato referido em f), foi efectuada a abertura de crédito junto da autora a favor da sociedade C..., Lda., no montante de €6.983.177.56, tendo sido constituída hipoteca voluntária sobre o prédio inscrito na matriz sob o artigo 2562, da freguesia de ... [documento de fls.131a 144 dos autos]. h) Em 30 de Novembro de 2001, foi outorgada escritura pública de abertura de crédito a favor da sociedade C..., Lda. no montante de € 1.462.250.00 [documento de fls. 145 a 157 dos autos]. i) Para garantia da abertura de crédito referida em h), foi constituída hipoteca voluntária sobre os prédios descritos na 2ª Conservatória do Registo Predial de ... sob os n°s 4860, 4861 e 4864, todos da freguesia de ..., e omissos na matriz [documento de fls. 145 a 157 dos autos]. j) A autora concedeu à sociedade C..., S.A, através dos contratos identificados em b), e), f) e h), os montantes de €6.965.569.99, 6.983.177.56 e 1.462.250.00 [documentos de fls. 103 a 157 dos autos]. k) À data da celebração dos contratos referidos, a designação social da autora era "B..., S.A." [documento do processo administrativo tributário, cujas fls. não se encontram numeradas]. l) Por carta de 1 de Agosto de 2005, a sociedade C..., Lda. apresentou à autora uma proposta de dação em pagamento [documento de fls.160 a 169 dos autos]. m) Em 9 de Agosto de 2005, a autora apresentou pedido de reconhecimento da isenção de IMT, relativo à aquisição de imóveis derivada da dação em cumprimento efectuada pela sociedade C..., Lda. [documento de fls. 181a 194 dos autos]. n) Em 10 de Agosto de 2005, a autora outorgou escritura pública de dação com a sociedade C..., Lda. [documento de fls. 217 a 235 dos autos]. o) Nos termos da escritura pública referida em n), a sociedade C..., Lda. liquidou à autora a quantia de 8.947.630.42, com a dação das seguintes fracções: p) Em 10 de Agosto de 2005, a autora procedeu ao pagamento do IMT relativo à aquisição das fracções identificadas em o) no valor de €581.859.30 [documento de fls.195 a 216 dos autos]. q) Em 2 de Março de 2006, foi emitido pela DSIMT o ofício n° …, dirigido à autora, onde consta, além do mais, o seguinte: "(...)Afim de dar seguimento ao processo em causa, solicito a V.Exa se digne apresentar a esta Direcção de Serviços o seguinte: - Quanto à existência da dívida e do seu reconhecimento: justificativo/prova do atraso do cumprimento da dívida, que não deverá ser inferior a um ano; Justificativo/prova de inscrição no balanço do ano anterior da dívida em questão na rubrica de créditos ou juros vencidos da entidade credora; - Se foram desenvolvidos os procedimentos tendentes ao ressarcimento da dívida, e se o referido contrato de dação em cumprimento foi o meio último (antes da acção de execução) para recuperação dos valores em dívida: Justificativo/prova de que se verificaram tentativas de cobrança das dívidas em mora. (...)". [documento de fls.236 dos autos]. r) Em 11 de Abril de 2006, a autora respondeu ao ofício referido em q), referindo, além do mais, o seguinte: "(...)A dação em pagamento constituiu assim a única forma de solver os referidos créditos, sendo consensual entre as partes que tal dação era a única forma de extinção "de créditos de empréstimos feitos " (...) " [documento de fls.252 e 253 dos autos]. s) No âmbito do procedimento, a autora não procedeu à entrega de comprovativos de que a dívida da sociedade C..., Lda. se encontrava em incumprimento há mais de um ano [facto não controvertido]. t) Em 2 de Novembro de 2006, a autora foi notificada do projecto de decisão de indeferimento do pedido de reconhecimento da isenção de IMT por si apresentado [documento de fls. 254 a 273 dos autos]. u) Em 17 de Novembro de 2006, a autora exerceu o seu direito de audição prévia, referindo, além do mais, o seguinte: (...)". [documento de fls.274 a 287 dos autos]. v) Em 14 de Agosto de 2008, o pedido de reconhecimento da isenção de IMT apresentado pela autora foi indeferido, por despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, exarado na Informação nº …/2007 [documento de fls. 95 a 102 dos autos]. w) Na Informação referida em v), consta, além do mais, o seguinte: * 2.1. De direito
Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam do conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer. Lidas as conclusões das alegações de recurso resulta claro que, segundo a Recorrente, a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de direito, pois que procedeu a errada interpretação e aplicação da norma de isenção de IMT contida no n° l do artigo 8º do CIMT. Com efeito, para a Recorrente, a Recorrida, contrariamente ao entendido pelo Tribunal a quo, “não se encontra em situação de poder beneficiar da isenção, porque a interpretação desta norma não se pode bastar com o elemento literal, mas deve ser entendida no quadro geral de incumprimento de dívidas, resultante do mútuo ou de qualquer contrato de abertura de crédito, daí que seja necessário que o crédito esteja em situação de incobrabilidade ou pelo menos que o seu cumprimento esteja em mora, o que se afere, no entender do ora recorrente, na duração, pelo menos há mais de um ano, da situação de incumprimento. Portanto, para a Recorrente a sentença errou “na parte que respeita à questão da isenção” (…) por “considerar apenas dois requisitos literais: o adquirente ser uma instituição de crédito ou sociedade comercial cujo capital seja directamente ou indirectamente dominado por aquela e que a dação se destine à realização de créditos resultantes de empréstimos feitos ou de fianças prestadas”. * Na sentença posta em crise decidiu-se, ainda, o seguinte:“(…) Nos presentes autos, a autora pede, além da anulação do despacho de indeferimento e da condenação à prática do acto devido, a restituição da quantia por si paga a título de IMT, no valor de €581.859.30, acrescida de juros indemnizatórios. Vejamos. Antes de mais, importa ter presente o disposto no artigo 100° da LGT, a saber: "A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo de execução da decisão". Ora, tendo concluído que a autora deveria beneficiar da isenção de IMT prevista no artigo 8°, n°1 do CIMT, o pagamento deste imposto mostra-se indevido, pelo que lhe assiste o direito ao reembolso do valor indevidamente pago, forma de reconstituição da legalidade violada”. A Recorrente, em coerência com a sua posição quanto ao não preenchimento dos requisitos necessários ao reconhecimento da isenção de IMT, insurge-se contra a decisão que determina a restituição do montante pago a título de IMT. Sem nenhuma razão, como é evidente. Concluindo-se, nos termos expostos, pela isenção de IMT e estando demonstrado, como está, que a Recorrida pagou um valor de imposto do qual estava isenta, evidente se torna que esse pagamento é indevido e, como tal, deve ser restituído ao sujeito passivo. Para mais, tal como decidido, tem o Recorrido direito a juros indemnizatórios, nos exactos termos determinados pelo Tribunal a quo (que, de resto, não foram postos em causa), pois que, ocorreu o pagamento indevido do IMT liquidado pela autora, determinado por erro imputável aos serviços, que indeferiram o reconhecimento da isenção. Em face de tudo o que vem dito, conclui-se, pois, pela improcedência da totalidade das conclusões da alegação de recurso e, consequentemente, pelo não provimento do recurso jurisdicional, mantendo-se a sentença recorrida nos termos em que foi proferida. * 3 - DECISÃO
Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal em negar provimento ao recurso jurisdicional, mantendo-se a sentença recorrida. Custas pela Recorrente. Lisboa, 23/03/17 Catarina Almeida e Sousa
Bárbara Teles
Pereira Gameiro |