Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:612/15.8BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:11/07/2024
Relator:LUÍSA SOARES
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL;
INSOLVÊNCIA
CULPA
Sumário:I- A declaração de insolvência priva o insolvente dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência (artigo 81.º, n.º 1 do CIRE).
II. Se o prazo legal de pagamento voluntário das dívidas termina em data posterior à declaração de insolvência, a questão subsume-se normativamente no artigo 24.º, nº 1, alínea a), da LGT impendendo sobre a Administração Tributária, o ónus da prova da culpa.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contra-Ordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I – RELATÓRIO

Vem a AT- Autoridade Tributária e Aduaneira, interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que deferiu a oposição à execução fiscal deduzida por L..........com referência ao processo executivo n.º 1589201401231774 e apensos, instaurado em nome da sociedade “Construções L.........., Sociedade Unipessoal, Lda.”, por dívidas de IRS – retenções na fonte e IVA do ano de 2013 no montante de € 2.656,76.

A Recorrente, nas suas alegações, formulou conclusões nos seguintes termos:

“I. Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou procedente a oposição judicial, intentada por L.........., já devidamente identificada nos autos e que, em consequência, ordenou quanto a este a extinção do processo de execução. fiscal n.º 1589201401231774 e apensos, a correr no Serviço de Finanças de Torres Vedras.

II. O Tribunal a quo entendeu que “o prazo para pagamento voluntário dos tributos em causa terminou em 15-05-2014 e 16-06-2014, ou seja, após a sociedade devedora originária ter sido declarada insolvente, o que ocorreu em 19-03-2014” e que “face à declaração de insolvência, o Oponente deixou de ser gerente da sociedade devedora originária, razão pela qual a reversão não podia ter sido efectivada ao abrigo da alínea b)”.

III. Para considerar a propriedade de tal asserção cumpre confrontá-la com a al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT, donde se retira que “Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são
subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si: (…) b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento”.

IV. Com efeito, tal preceito não refere que o prazo de pagamento voluntário do tributo é determinante de modo balizar o exercício efetivo das funções de gerência ou administração de facto por parte do devedor subsidiário. De tal preceito resulta claramente ser relevante para este efeito prazo legal de pagamento ou entrega.

V. Nos autos em questão está em causa dívida exequenda (quer no PEF principal quer nos apensos) proveniente de retenções da fonte de IRS relativas a diversos períodos mensais do ano de 2013.

VI. Ora, relativamente às retenções na fonte em sede de IRS, dispõe o CIRS no seu artigo 98.º:
“1 – Nos casos previstos nos artigos 99.º a 101.º e noutros estabelecidos na lei, a entidade devedora dos rendimentos sujeitos a retenção na fonte, as entidades registadoras ou depositárias, consoante o caso, são obrigadas, no ato do pagamento, do vencimento, ainda que presumido, da sua colocação à disposição, da sua liquidação ou do apuramento do respetivo quantitativo, consoante os casos, a deduzir-lhes as importâncias correspondentes à aplicação das taxas neles previstas por conta do imposto respeitante ao ano em que esses atos ocorrem.
2 – As quantias retidas devem ser entregues em qualquer dos locais a que se refere o artigo 105.º, nos prazos indicados nos números seguintes.
3 – As quantias retidas nos termos dos artigos 99.º a 101.º devem ser entregues até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que foram deduzidas.
(…)”.

VII. Reza ainda o n.º 1 do art.º 99.º do CIRS sob a epígrafe “Retenção sobre rendimentos das categorias A e H”, no que se refere aos rendimentos pagos aos trabalhadores, que “São obrigadas a reter o imposto no momento do seu pagamento ou colocação à disposição dos respetivos titulares as entidades devedoras: a) De rendimentos de trabalho dependente, com exceção dos rendimentos em espécie e dos previstos na alínea g) do n.º 3 do artigo 2.º (…)”.

VIII. Conforme se extrai da matéria de facto provada nos autos (pontos 4 a 7 do probatório) e demais documentação constante dos autos, a dívida exequenda é constituída basicamente por retenções na fonte de IRS relativas a vários meses do ano fiscal de 2013, pelo que nos termos do n.º 3 do art. 98.º do CIRS o prazo legalmente estabelecido para a entrega destas finda no “dia 20 do mês seguinte àquele em que foram deduzidas” . Pelo que, não parecem estar em sintonia com a lei as alusões constantes da sentença recorrida às datas de 15-05-2014 e 16-06-2014, datas estas que constam dos documentos anexos à certidão de dívida, o que se compreende na medida em que as mesmas dizem respeito à data de submissão da guia de pagamento pelo administrador de insolvência.

IX. Com efeito, de tais normativos cumpre referir que o importante para fixar a data relevante para efeitos de aferir a gerência de facto por parte do Oponente é a data em que foram disponibilizados os rendimentos sujeitos a IRS aos destinatários (trabalhadores), sendo possível concluir do acervo dos autos que tais rendimentos foram disponibilizados em data anterior à submissão das guias (estas já só foram registadas após à declaração de insolvência da devedora originária) com referência a cada um dos meses indicados nas guias.

X. Ora, tratando-se de IRS retido na fonte, a entrada dos montantes pecuniários nos cofres da Fazenda Pública não corresponde a um pagamento por parte do substituto tributário, mas antes a uma entrega de um montante que este sabe, ou deveria saber, não lhe pertencer.

XI. No caso dos autos, o prazo legal das entregas respeitantes a cada um períodos mensais de 2013 findou sempre nos dias 20 do mês seguinte ao do pagamento dos rendimentos, por parte da devedora originária, sendo este o prazo que releva para efeitos da al. b) do n.º 1 do art.24.º da LGT.

XII. Com efeito, extraindo-se dos autos que o Oponente recorrido ficou impossibilitado de exercer a gerência de facto com a declaração de insolvência da devedora originária em 19-03-2014, é mister concluir que aquando do final do prazo legal de entrega dos rendimentos retidos na fonte o mesmo ainda não se vira privado das suas prerrogativas de gerente da sociedade devedora originária.

XIII. Assim, salvo o devido e muito respeito, constata-se que o Tribunal a quo, aplicando mal o Direito à factualidade que brota dos autos e que vem plasmada na sentença recorrida, decidiu o litígio violando o disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 24.º bem como o disposto no art.º 98.º do CIRS, pelo que a sentença ora em causa, tendo desrespeitado tais normativos, deve ser revogada, sendo substituída por outra que, expurgando tal deficiência, faça a merecida e ansiada Justiça.

Termos em que, e com o douto suprimento de vossas excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a sentença ora recorrida, com as demais e devidas consequências legais, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!”.
* *
O Recorrido não apresentou contra-alegações.

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A Exmª. Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu douto parecer defendendo seja negado provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações (cfr. artigo 635°, n.° 4 e artigo 639°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objeto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, importa decidir se a sentença, ao julgar procedente a oposição à execução por ilegitimidade do oponente, enferma de erro de julgamento ao considerar que o prazo de pagamento voluntário das dívidas exequendas ocorreu em data posterior à declaração de insolvência.
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III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“Com relevância para a decisão, considera-se provada a seguinte factualidade constante dos autos:

1. Em 04-04-2001, através da Ap. 11/20010404, foi averbado na Conservatória do Registo Comercial a constituição da sociedade «Construções L.........., Sociedade Unipessoal, Lda.», tendo sido designado gerente o Oponente (cfr. certidão permanente de fls. 52 a 56 dos autos e fls. 9 a 13 do processo de execução fiscal – PEF – apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

2. Por sentença proferida em 19-03-2014 pelo Tribunal Judicial de Torres Vedras, no âmbito do processo n.º 860/14.9TBTVD, foi declarada a insolvência da sociedade «Construções L.........., Sociedade Unipessoal, Lda.» (cfr. fls. 29 dos autos e fls. 5 e 6 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

3. Por despacho proferido em 26-05-2014 pelo Tribunal Judicial de Torres Vedras, no âmbito do processo n.º 860/14.9TBTVD, foi determinado o encerramento do processo de insolvência da sociedade «Construções L.........., Sociedade Unipessoal, Lda.» (cfr. fls. 7 e 8 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

4. Em 24-06-2014 foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Torres Vedras, contra a sociedade «Construções L.........., Sociedade Unipessoal, Lda.», o processo de execução fiscal n.º 1589201401231774, para cobrança de dívida proveniente de retenção na fonte de IRS do ano de 2013, no valor de € 660,00, cujo prazo para pagamento voluntário terminou em 14-05-2014 (cfr. fls. 1 a 4 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

5. Ao processo de execução fiscal identificado no número antecedente foram apensados os processos de execução fiscal n.º 1589201401231782, n.º 158920140132606, n.º 1589201401232614, n.º 1589201401232622, n.º 1589201401238019 (cfr. fls. 27 a 51 dos autos e fls. 66 a 88 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

6. Consta da tramitação informática do processo de execução fiscal n.º 1589201401231774 e apensos que consta da base de dados da Administração tributária que houve despacho de reversão em 19-10-2014 (cfr. fls. 73 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

7. Ao Oponente foi entregue citação para a reversão do processo de execução fiscal n.º 1589201401231774 e apensos, no valor de € 2.656,76, com o seguinte teor:


(IMAGEM, ORIGINAL NOS AUTOS)

(cfr. fls. 138 a 140 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

8. A presente Oposição foi remetida por correio registado ao Serviço de Finanças de Torres Vedras em 09-12-2014, tendo dado entrada neste Tribunal em 16-02-2015 (cfr. fls. 1 e 5/verso dos autos);


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B) FACTOS NÃO PROVADOS

Não existem factos não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa.


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A convicção do tribunal, baseou-se na análise crítica de toda a prova produzida nos autos, designadamente nas informações oficiais e documentos constantes dos autos e do processo de execução fiscal apenso, não impugnados conforme indicado em cada número probatório, tudo de acordo com o princípio da livre apreciação da prova.”.


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Ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 1 do CPC, importa, para melhor densificar os factos dados como provados, alterar a redação do ponto 5 do probatório, passando esta a ser a seguinte:

5. Ao processo de execução fiscal identificado no número antecedente foram apensados os processos de execução fiscal n.º 1589201401231782, n.º 158920140132606, n.º 1589201401232614, n.º 1589201401232622 referentes a IRS - retenções na fonte de 2013 deles constando como data limite de pagamento - 14/05/2014, e o processo de execução, n.º 1589201401238019 relativo a IVA de 2013 dele constando como data limite de pagamento - 16/06/2014 (cfr. fls. 46 do doc. 004533577 16-02-2015 13:57:25 numeração SITAF – fls. 27 a 51 dos autos e fls. 66 a 88 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

O Tribunal Tributário de Lisboa julgou procedente a oposição à execução fiscal tendo considerado o oponente parte ilegítima por não se encontrarem preenchidos os pressupostos da responsabilidade subsidiária na medida em que a reversão foi efetuada ao abrigo da alínea b) do nº 1 do art. 24º da LGT quando deveria ter sido nos termos da alínea a) da mesma disposição legal.

Para o efeito o tribunal recorrido verteu a seguinte fundamentação, que de seguida se transcreve na parte relevante:
“(…) Segundo resulta do probatório, e tendo por base a citação entregue ao Oponente, a reversão operou ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, ou seja, no pressuposto que o prazo legal de pagamento ou entrega terminou no período do exercício do cargo de gerente (cfr. n.º 7 do probatório).
Sucede que, tal como resulta igualmente do probatório, não foi isso que sucedeu, uma vez que o prazo para pagamento voluntário dos tributos em causa terminou em 15-05-2014 e 16-06-2014, ou seja, após a sociedade devedora originária ter sido declarada insolvente, o que ocorreu em 19-03-2014 (cfr. nºs 2, 4 e 5 do probatório).
Ora, face à declaração de insolvência, o Oponente deixou de ser gerente da sociedade devedora originária, razão pela qual a reversão não podia ter sido efectivada ao abrigo da alínea b), mas sim da alínea a) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT.
Com efeito, por imperativo de lei, a partir do momento em que é declarada a insolvência de uma sociedade, cessam os poderes de gestão e administração dos gerentes e administradores.
De facto, decorre expressamente da regra fixada pelo artigo 81.º n.º 1 do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE) que a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente dos poderes de administração e disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador de insolvência.
Aliás, a privação dos poderes de administração e disposição dos bens do devedor é um efeito necessário da declaração de insolvência, uma vez que se produz em todos os casos e por mero efeito da declaração de insolvência.
(…)
Assim, o artigo 82.º do CIRE deve ser interpretado no sentido que os administradores se mantêm em funções, mas apenas para questões levantadas no processo de insolvência, seus incidentes e apensos, e não quanto à gestão, direcção e administração da sociedade insolvente.
(…) Além disso, dispõe o artigo 172.º do CIRE que os débitos derivados das obrigações tributárias verificadas após a declaração de insolvência são considerados dívidas da massa que devem ser satisfeitas, nas datas dos seus vencimentos, pelo Administrador de Insolvência.
Aliás, o artigo 65.º do CIRE, desde a redacção introduzida pela Lei n.º 16/2012 de 20 de Abril, passou a prever nos seus n.ºs 4 e 5 que o cumprimento das obrigações fiscais surgidas desde a declaração de insolvência até à deliberação pelo encerramento da sociedade e liquidação da massa insolvente ou caso se opte pela manutenção da empresa em actividade caberão a quem tiver sido conferida a administração do insolvente.
Em resenha útil, de tudo o que ficou dito, resulta que a declaração de insolvência implicou a destituição do responsável subsidiário do cargo de gerente, com a consequente impossibilidade de praticar qualquer acto de gestão, onde se inclui, naturalmente, o pagamento de impostos.
Assim sendo, o Oponente não podia efectuar o pagamento dos impostos em causa pois já lhe tinham sido retirados os seus poderes de gestão da sociedade devedora originária, aquando do respectivo prazo de pagamento do imposto.
(…)
Pelo menos, em face das normas enunciadas, e dos factos provados, não podemos concluir que a falida continuou a ser gerida e representada pelo Recorrido nos mesmos termos em que era até à declaração de falência. (…)”.

Inconformada com o decidido, veio a Recorrente invocar errónea aplicação do direito aos factos, alegando que in casu, sendo a dívida exequenda relativa a retenções na fonte de IRS do ano de 2013, a data relevante para efeitos de aferir a gerência de facto por parte do Oponente é a data em que foram disponibilizados os rendimentos sujeitos a IRS aos destinatários (trabalhadores), concluindo que o prazo legal das entregas respeitantes a cada um períodos mensais de 2013 findou sempre nos dias 20 do mês seguinte ao do pagamento dos rendimentos por parte da devedora originária, sendo este o prazo que releva para efeitos da al. b) do n.º 1 do art.24.º da LGT, sendo o Recorrido parte legítima na execução, porquanto era gerente de facto naqueles períodos.

Vejamos.

No caso em apreço a administração tributária reverteu as execuções fiscais contra o Recorrido invocando para o efeito o disposto na alínea b) do nº 1 do art. 24º da LGT.

Consagra o nº 1 do art. 24.° da LGT:
“Os administradores, diretores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa coletiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”.


Defende a Recorrente que in casu, a data relevante para aferir da responsabilidade subsidiária do oponente será a data em que foram disponibilizados os rendimentos sujeitos a IRS aos destinatários (trabalhadores), concluindo que o prazo legal das entregas respeitantes a cada um períodos mensais de 2013 findou sempre nos dias 20 do mês seguinte ao do pagamento dos rendimentos por parte da devedora originária.

Dos factos assentes na sentença recorrida e não impugnados, resultou provado que:
i) “2. Por sentença proferida em 19-03-2014 pelo Tribunal Judicial de Torres Vedras, no âmbito do processo n.º 860/14.9TBTVD, foi declarada a insolvência da sociedade «Construções L.........., Sociedade Unipessoal, Lda.»”;
ii) “4. Em 24-06-2014 foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Torres Vedras, contra a sociedade «Construções L.........., Sociedade Unipessoal, Lda.», o processo de execução fiscal n.º 1589201401231774, para cobrança de dívida proveniente de retenção na fonte de IRS do ano de 2013, no valor de € 660,00, cujo prazo para pagamento voluntário terminou em 14-05-2014”;
iii) “5. Ao processo de execução fiscal identificado no número antecedente foram apensados os processos de execução fiscal n.º 1589201401231782, n.º 158920140132606, n.º 1589201401232614, n.º 1589201401232622 referentes a IRS - retenções na fonte de 2013 deles constando como data limite de pagamento - 14/05/2014, e o processo de execução, n.º 1589201401238019 relativo a IVA de 2013 dele constando como data limite de pagamento - 16/06/2014”.

Na verdade tratando-se de retenções na fonte de IRS e de IVA do ano de 2013, os respetivos factos tributários ocorreram efetivamente em data anterior à declaração de insolvência, em período temporal em que o Recorrido era gerente de facto, contudo, os elementos constantes dos processos executivos mencionam como data limite de pagamento – 14/05/2014 e 16/06/2014 – datas posteriores à declaração de insolvência da sociedade devedora originária.

Recorde-se que a responsabilidade subsidiária dos gerentes e administradores, por dívidas da executada originária, tem por pressuposto o exercício efetivo do cargo de gerente ou administrador.

Como se salienta no Acórdão do STA, de 02/03/2011 no recurso nº 0944/10, “Como se conclui da inclusão nesta disposição das expressões «exerçam, ainda que somente de facto, funções» e «período de exercício do seu cargo», não basta para a responsabilização das pessoas aí indicadas a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respectivas funções, ponto este que é pacífico, a nível da jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo.
Assim, desde logo se vê que a responsabilidade subsidiária depende, antes de mais, do efectivo exercício da gerência ou administração, ainda que somente de facto, à semelhança do que o artigo 13.º do CPT também já consagrava”.

Importa então determinar se nas datas de 14/05/2014 e 16/06/2014, o Recorrido dispunha do poder de decisão sobre o pagamento dos tributos ou se os poderes de gestão e direção da sociedade insolvente já não se encontravam na sua esfera jurídica.

Para o efeito destacamos o disposto no art. 81.º, nº 1 do CIRE ao consagrar que “Sem prejuízo do disposto no título X [Administração pelo devedor], a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência”, e o seu n.º 4 determina que “O administrador da insolvência assume a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência”.

Desta disposição legal resulta que, a partir do momento em que é declarada a insolvência de uma sociedade, cessam os poderes de gestão e administração dos gerentes e administradores, os quais passam a competir ao administrador de insolvência (cfr. entre outros o Acórdão do TCA Sul de 27/09/2018 – proc. 1592/14.2BESNT).

O sistema jurídico-tributário integra um regime especial que legitima a instauração de execuções fiscais contra uma sociedade devedora mesmo após a sua declaração de insolvência e o seu prosseguimento contra os gerentes e/ou administradores através do instituto da reversão (artigos 180.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 23.º e 24.º da Lei Geral Tributária).
Se o prosseguimento da execução fiscal contra o revertido tem por objectivo o pagamento coercivo de créditos vencidos após aquela declaração de insolvência e num período de tempo em que o revertido já não detinha poderes de disposição nem de administração – por esses poderes estarem, na data de vencimento do crédito, cometidos ao administrador da insolvência por força da transferência preceituada no artigo 81.º do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas – é sobre a Fazenda Pública que recai o ónus de alegar e provar que a insuficiência de bens no património da devedora susceptíveis de garantir aquele pagamento é culposamente imputável ao revertido (artigo 24.º, n.º 1, al a) da Lei Geral Tributária)”. (cfr. Acórdão do TCA Sul de 14/02/2019 – proc. 3677/15.9BESNT).

Destaca-se ainda o entendimento vertido no Acórdão do TCA Sul de 17/09/2020 no proc. 2666/14.5BESNT no sentido que: “Além disso, a privação dos poderes de administração e disposição dos bens do devedor é um efeito necessário da declaração de insolvência porquanto se produz em todos os casos e por mero efeito da declaração de insolvência.
Nas palavras de LUÍS MANUEL TELES DE MENEZES LEITÃO « [e]sta solução [a do art. 81º, nº 1] compreende-se, dado que a declaração de insolvência faz pressupor uma certa desconfiança na capacidade de administração do devedor, dado que aí pode ter residido a causa da sua situação de insolvência». (Direito da Insolvência, 7ª ed., p. 167)
Nesta ordem de ideias, bem pode afirmar-se que terminando o prazo legal as dívidas exequendas em data posterior à declaração de insolvência, só poderia levar a concluir que se estava perante o regime previsto na alínea a) do artigo 24.º da LGT, e não perante a alínea b).
Nessa medida, compete à Administração Tributária provar que foi por culpa do Oponente que o património da devedora originária se tornou insuficiente para satisfação da dívida em cobrança coerciva.”.

Do quadro fáctico-jurídico acima exposto resulta que o oponente, ora Recorrido, com a declaração de insolvência da sociedade e a consequente nomeação do administrador de insolvência, deixou de ter poderes de disposição e de administração da sociedade, pelo que, pese embora seja gerente de facto no período de constituição dos factos tributários que originaram os créditos exequendos, contudo, no período do seu cumprimento, face à nomeação do administrador de insolvência, o gerente ficou privado dos seus poderes de disposição e administração, não estando na sua disponibilidade a opção de pagar ou não pagar aqueles créditos. Ora esta situação tem pleno enquadramento na responsabilidade subsidiária prevista na alínea a) do nº 1 do art. 24º da LGT, cabendo neste caso, à administração tributária o ónus da prova quanto à culpa do gerente na insuficiência do património da devedora originária.

Cumpre salientar que a reversão deveria ter sido efetuada ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1 art. 24º da LGT pelo que competia à administração tributária provar que foi por culpa do oponente que o património da devedora originária se tornou insuficiente para satisfação da dívida em cobrança coerciva, e, não tendo sido feita essa prova, deve o oponente ser considerado parte ilegítima na execução fiscal nos termos da alínea b) do nº 1 do art. 204º do CPPT, tal como foi decidido pelo tribunal a quo.

Por tudo o que vem exposto entendemos que o oponente é efetivamente parte ilegítima na execução, sendo de negar provimento ao recurso mantendo-se assim a sentença recorrida.
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V- DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.
Lisboa, 7 de novembro de 2024
Luisa Soares
Filipe Carvalho das Neves
Lurdes Toscano