Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:7000/13.9BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:07/08/2021
Relator:ANA CRISTINA CARVALHO
Descritores:DELIBERAÇÃO COMISSÃO REVISÃO – FUNDAMENTAÇÃO
IVA
PRINCÍPIO DA NEUTRALIDADE
Sumário:I - Assentando a liquidação impugnada num acto emanado no procedimento de revisão, é nesse acto final que fixou a matéria tributável que se deve colher a fundamentação adoptada pela Administração Tributária.
II - A deliberação da Comissão de Revisão constitui um acto tributário de fixação da matéria tributável, pelo que, ainda que esta se limite a manter um valor encontrado em acção de fiscalização, tal fixação constitui acto seu que deve ser fundamentado nos termos legais, tal como resultava do artigo 21.º do Código de Processo Tributário.
III – Constituindo uma das finalidades da fundamentação a de assegurar a possibilidade de controlo jurisdicional do acto, já na vigência do Código de Processo Tributário, não seria de dispensar o cumprimento do dever de fundamentação, nem mesmo nas decisões acordadas em sede de procedimento de revisão, por não permitir tal controlo.
IV - Limitando-se a acta da Comissão de Revisão, no que se refere ao IVA reclamado, a alterar a base tributável sem explicitar os critérios que a determinaram ou, sequer, a remeter para o relatório da fiscalização tributária que apurou a matéria tributável, a deliberação da Comissão de Revisão tem de ser anulada por preterição da formalidade legal da fundamentação, o que determina também a anulação da liquidação efectuada com base na matéria tributável fixada.
V – Decorre do princípio da neutralidade que um particular que adquire bens para os fins de uma actividade económica, na acepção do artigo 4.º da Sexta Directiva, actua na qualidade de sujeito passivo, sendo a aquisição de bens por um sujeito passivo agindo nessa qualidade que determina a aplicação do regime do IVA e, consequentemente, do mecanismo da dedução.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – Relatório

E....., Lda, recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria (a fls. 391), na parte em que a mesma julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra os actos de liquidação adicional de IVA e respectivos juros compensatórios, relativos ao ano de 1993.

Nas alegações que apresentou, formulou as seguintes conclusões:

«A) - Na douta sentença recorrida julgou o pedido parcialmente (im)procedente, e manteve parte das liquidações do imposto decorrentes das correcções por métodos indiciários, e as liquidações decorrentes das correcções técnicas, efectuadas com base na consideração de que o IVA suportado na construção da discoteca não foi suportado pela impugnante, mas sim pelo seu sócio gerente, e por tal não poderia ter sido deduzido o imposto.

B) - Quanto a estas últimas referidas, a impugnante entende que não é indevida a dedução do IVA referente à construção da discoteca, onde exerceu e desenvolveu a sua actividade e o seu objecto social.

C) - Com efeito, as obras documentadas nas facturas dizem respeito a obras que se destinaram ao espaço físico essencial ao desenvolvimento da actividade da impugnante, sendo, deste modo, a fonte produtora de rendimento.

D) - Por outro lado, estando as facturas emitidas a favor da impugnante, não se vê como pode ser considerado que esta não tenha suportado o seu custo e o respectivo imposto (IVA). Logo, é a impugnante o sujeito passivo dessa relação jurídica e não o sócio gerente da impugnante.

E) - Acresce que a posse pela impugnante não pode ser afastada pelo facto da edificação se encontrar registada e ou licenciada em nome do proprietário do solo, nomeadamente se se tiver em conta o regime da acessão industrial imobiliária, prevista no n°1 do artigo 1340° do Código Civil.

F) - Acessão industrial imobiliária que não carece de prazo para ser exercida, direito este que a impugnante não abdicou e que poderá sempre exercer.

G) - Deste modo e porque a impugnante não abdicou da posse das benfeitorias, continuava a ter o direito não só de as amortizar, como a deduzir o respectivo IVA.

H)- O facto das obras terem sido realizadas em edifício alheio, mas afecto à actividade da impugnante, não lhes retira as características indispensáveis à sua consideração como custo e ou despesas fiscalmente relevante para efeitos de IRC e IVA, com o respectivo direito à sua dedução, porque as facturas foram emitidas em forma legal à impugnante.

I) - Sendo, portanto, ilegal a desconsideração da dedução do IVA suportado efectivamente pela impugnante, e cujo custo incorrido foi directamente imputado à obtenção de rendimentos e manutenção da fonte produtora dos mesmos: a discoteca.

J) - Mais ainda se aduz que tal correcção é incongruente e contraditória com o comportamento e actuação da administração tributária. Na verdade, procedeu à correcção técnica de não consideração da dedução do IVA, e por outro lado, aceitou e deferiu o pedido de reembolso do IVA, no período 93/09T, cujo crédito resultou, precisamente, da dedução do IVA suportado com as obras/construção da discoteca no valor de 2.000.000$00.

L) - Pelo que, não se compreende, nem se justifica como é que a administração tributária reconhece o direito ao reembolso do crédito de IVA e, posteriormente, considera a sua dedução indevida.

M)- Quanto à questão da fundamentação, o Mmo Juiz "a quo" apenas se pronunciou sobre a liquidação respeitante ao 2° T de 1993, por IVA deduzido indevidamente.

N) - Sucede, contudo, que a falta de fundamentação é alegada na P. I. quanto às restantes liquidações, nomeadamente quanto às liquidações decorrentes das correcções por métodos indiciários (cfr. artigos 25°, 26°, 29°, 31° da p. i.).

O) - Com efeito, o acto de fixação dos valores que serviram de base às liquidações impugnadas foi a deliberação da Comissão de Revisão, plasmada na acta n°..... (fls. 23 a 25 do autos), pelo que, é no teor desta deliberação que deve ser avaliado se o dever de fundamentação cumpre as exigências da suficiência, da clareza e da congruência, conforme previsto no art.125° do CPA.

P)- Acontece que, na acta da Comissão de Revisão, apesar de aí constarem os argumentos de cada um dos peritos, não há qualquer fundamentação para os valores finais apurados, e também não há a remissão para a fundamentação do relatório de inspecção tributária.

Q) - Ora, uma vez que o acto tributário que fixou a M. T. é o fixado na acta n° ..... e que esta não contém fundamentação nem quanto às razões que levaram à aplicação de métodos indirectos de tributação, nem quanto à quantificação dos concretos valores fixados (nem mesmo por remissão para o relatório de inspecção), são ilegais as liquidações daí decorrentes, por violação de lei e por preterição de formalidade essencial que é a fundamentação dos actos tributários.

R) - Termos em que, a douta sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito, tendo violado o artigo 19°, n°1 do CIVA (quanto à questão da dedução do IVA), o artigo 268° n° 3 da CRP e o artigo 21° do CPT (quanto à questão da fundamentação legal).»

Termina pedindo que o recurso seja julgado procedente e em consequência seja revogada a douta sentença recorrida, anulando-se as liquidações de IVA impugnadas e ainda não anuladas na decisão do tribunal a quo.

A Entidade Recorrida, notificada da admissão do recurso interposto, não contra-alegou.

Por decisão do Senhor Juiz Conselheiro Relator, de 03/07/2013, o Supremo Tribunal Administrativo julgou-se incompetente em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso, declarando competente para esse efeito este Tribunal Central Administrativo, ao qual o processo foi remetido a pedido da Recorrente.

Após remessa dos autos a este Tribunal Central a Exma. Procuradora–Geral Adjunta emitiu parecer no qual manifestou a sua concordância com a posição sustentada pelo Exmo Procurador-Geral Adjunto, junto do STA, na parte em que este considera que a sentença recorrida padece de nulidade, por omissão de pronúncia.

As partes foram notificadas nos termos do artigo 665.º, n.º 3 do CPC e nada disseram ou requereram.

Com dispensa de vistos vem o processo à conferência para decisão.

II – Delimitação do objecto do recurso

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir:

i) se a sentença recorrida padece de nulidade por omissão de pronuncia quanto à questão da falta fundamentação da decisão da Comissão de Revisão da qual resultou a aplicação de métodos indiciários e a final, as liquidações objecto de impugnação, respeitantes aos 3.º e 4.º trimestres de 1993;

ii) sendo a questão anterior procedente, importa decidir se a decisão da Comissão de Revisão é ilegal por falta de fundamentação e padecendo de tal vício, se as liquidações que dela resultaram também padecem do mesmo vício;

iii) por fim, importa apreciar se ocorreu erro de julgamento de facto e de direito quanto à decisão relativa à dedução do IVA suportado na construção da discoteca, quando se considera que o imposto não foi suportado pela impugnante, ora recorrente, mas sim pelo seu sócio gerente e como tal não poderia ter sido deduzido.

III – FUNDAMENTAÇÃO

III.1 - Fundamentação de facto

A sentença recorrida deu como assente a factualidade que infra se reproduz:

«1. A impugnante foi submetida a uma ação de fiscalização externa, na sequência de um pedido de reembolso de IVA, no âmbito da qual foi elaborado o relatório da inspeção tributária junto a fls. 69 e segs. cujo conteúdo se dá por reproduzido.

2. A ação de fiscalização permitiu apurar o seguinte:

I Caracterização da firma.

a. A impugnante declarou o início de atividade no dia 25 de Fevereiro de 1993.

b. As instalações onde funcionou a firma pertenciam ao sócio gerente sr. M....., que as tinha começado a construir, em terreno que também já lhe pertencia, ainda no ano de 1992, tendo continuado a sua construção em 1993, com licença de construção obtida em seu nome (fls.72 e declarações de fls. 95 cujo conteúdo se dá por reproduzido).

c. Em 1 de Julho de 1993 a discoteca abriu ao público e a firma registou os primeiros proveitos no dia dois do mesmo mês;

d. A partir de 13 de Setembro a discoteca passou a abrir apenas aos fins de semana, situação que se manteve até ao Carnaval de 1994.

e. Depois do Carnaval de 1994, a atividade da firma ficou restrita à solução de todas as responsabilidades assumidas, após a qual cessará a sua atividade (fls.73 cujo conteúdo se dá por reproduzido).

II Organização Contabilística.

f. A firma possui os livros de registo contabilístico exigidos pela Lei Comercial e Fiscal, encontrando-se os mesmos escriturados até 31 de Dezembro de 1993 (fls.73 cujo conteúdo se dá por reproduzido),

g. Na sua contabilidade, a firma releva todos os pagamentos e recebimentos através da conta Caixa. A conta Depósitos à Ordem é movimentada apenas uma vez no exercício de 1993 - depósito de 900.000$ -

i. Embora o gerente da sociedade tenha afirmado que os pagamentos eram feitos por cheque, sendo alguns também feitos em dinheiro (fls. 93 cujo conteúdo se dá por reproduzido).

h. Os recebimentos têm como suporte mapas de "Apuros ao Balcão Durante o Mês de___" onde se podem ver os totais diários e o total mensal. Não existem os suportes folhas de Caixa ou Fitas de máquina discriminativas.

i. Nos meses de Julho, Agosto e Setembro, para além dos mapas indicados encontraram-se fitas de máquina que indicavam, ao fim de cada dia, registos do tipo:

10 cervejas xxx$00;

20 whiskys xxx$00;

15 cockteils xxx$00;

j. Durante o período em que a discoteca esteve aberta no exercício de 1994 não se encontraram quaisquer registos de recebimentos, pagamentos ou outros quaisquer.

III Existências de Mercadorias.

k. A firma não arquivou talões de máquina, tendo apenas anexado aos mapas de apuramento diário e mensal (meses de Julho, Agosto e Setembro) talões com os totais das diferentes mercadorias vendidas no dia respetivo (fls. 74 cujo conteúdo se dá por reproduzido).

l. Da análise dos talões juntos aos mapas de Apuro, supra referidos, não se encontram quaisquer tipos de sanduíches ou outra descrição susceptível de se terem efetuado vendas de pão, queijo, fiambre, hambúrgueres, bens estes que se encontram registados em compras e não são mencionados no inventário final.

IV Fornecedores/Custos:

m. Foi encontrada cópia de fatura emitida pela "C..... Lda" com o mesmo número, a mesma data e o mesmo descritivo, mas com valor diferente da fatura original, sendo o valor desta superior.

i. O valor global da fatura n° 3978 de 30/03/93, registado na firma "E....., Lda. é de Esc. 4.089.719$;

ii. O valor global da fatura n°3973 de 30/03/93, registado na firma "C....., Lda" é de Esc. 2.959.044$. (fls. 75 cujo conteúdo se dá por reproduzido).

n. O sujeito passivo tinha contabilizado das faturas do fornecedor "L....." emitidas a 1/7/1993 com o mesmo n° 4166, correspondentes a mercadorias e valores diferentes. Após visita a este fornecedor constatou-se que só uma delas estava registada na contabilidade (fls. 75 cujo conteúdo se dá por reproduzido)

V Espectáculos.

o. A firma efetuava espetáculos com bastante frequência e destes alguns foram facturados, encontrando-se registados nos custos da empresa. Mas em relação a outros, porém, não foi emitida qualquer fatura ou outro documento de custo ou pagamento. Houve no entanto publicidade em que as faturas emitidas referem o nome de artistas ou grupos musicais, dos quais não se encontra qualquer documento emitido.

Encontram-se nestas condições, os seguintes cantores/grupos musicais:

- ..... (93 e 94);

- ..... e .....;

- .....;

- ..... e .....;

- .....e .....;

- .....e .....;

- .....;

- .....;

- .....e .....;

- .....;

- .....;

- ..... (94);

- .....;

- .....;

- .....;

- .....;

- .....;

- .....

- ......

p. Em custos com salários e remunerações a firma apenas registou

Órgãos Sociais: 189.700$;

Encargos Sobre Remunerações: 46.477$;

Outros Encargos com o pessoal: 147.755$

q. O serviço era assegurado por cerca de 20 pessoas (declaração de fls. 95 cujo conteúdo se dá por reproduzido).

i. 2 seguranças (15.000$/pessoa por noite);

ii. 2 disco-jockeys (15.000$/pessoa por noite);

iii. 2 recepcionistas (6.000$/pessoa por noite);

iv. 8 barmens durante os fins de semana e 5 nos restantes dias da semana (8.000$/pessoa por noite);

v. 1 Leight-jocker (8.000$/noite);

vi. 3 arrumadores de louça (3.000$/pessoa por noite);

vii. 2 empregadas de copa (3.000$/pessoa por noite);

viii. 5 elementos de um grupo musical (8.000$/elemento por noite) - tudo como consta de fls. 76 cujo conteúdo se dá por reproduzido.

r. O que permite concluir que a impugnante omitiu nos seus registos contabilísticos uma parte das suas despesas.

VI - Proveitos:

s. Na declaração mod. 22 de IRC, a impugnante declarou proveitos no montante de 27.367.936$ sendo 26.860.473$ de Serviços Prestados e 507.461. de Vendas de Tabaco.

t. A Análise dos documentos de suporte de Caixa, verificou-se que o valor de 26.860.473$ correspondia apenas aos meses de Julho, Agosto e Setembro - valor que também foi referido na DP de IVA do 3° Trimestre.

u. O valor da Base Tributável referida na DP de IVA 4° T, que correspondia ao somatório dos mapas de serviços prestados ao balcão nos meses de Outubro, Novembro e Dezembro e que foi de 18.805.000$ = (5.845.000$+4.957.000$+8.002.629$), ficou omisso quer na contabilidade quer na Decl. Mod. 22 relativa ao exercício de 1993.

v. No exercício de 1994 não foi encontrado qualquer proveito na contabilidade.

VII - Entradas na Discoteca.

w. Existiam cartões através dos quais eram controladas as entradas e os consumos efetuados na discoteca, com várias categorias de preços.

i.- cartões de consumo mínimo em que os utilizadores pagavam 500$ e 700$ respetivamente senhoras e homens, com direito a duas bebidas de cápsula, ou uma das outas exceto Whisky velho;

ii. Cartões de consumo livre para homens e senhoras que substituíam os convites;

iii. Existiam também bilhetes, que só funcionavam para os grupos "....." e ".....". sendo o preço dos bilhetes de 1.500$ com direito a uma bebida até whisky novo;

iv. Houve algumas cessões em que o preço mínimo era 1.000$

(fls. 77 cujo conteúdo se dá por reproduzido).

x. Entre 22/07 e 20/08 foram impressos 83.000 cartões.

y. Em 29/7 foram impressos 10.000 bilhetes.

z. A discoteca está licenciada para uma lotação de 1.200 pessoas.

aa. O grupo "....." ganhou pela sua atuação 2.800.000$ + IVA.. Para este espetáculo foram impressos 5.000 bilhetes, sendo o preço de cada um de 1.500$.

i. As receitas apuradas no dia da sua atuação foram de 1.338.950$ (IVA incluído)

bb. No dia 8/8/1993 atuou o grupo "....." a quem foi pago 1.700.000$ +IVA.

i. O valor apurado com IVA incluído foi de 1.465.200$;

ii. O número de bilhetes emitidos a 1.500$ foi de 5.000

cc. No dia 8/7/1993 atuou o ".....", de que não existem documentos de pagamento.

i. O apuramento nesse dia foi de 141.700$, tendo o sócio gerente dito que nesse dia a discoteca estava cheia

dd. No dia 4/12/1993 atuou "....." a quem foram pagos cerca de 2.000.000$.

i. A receita nessa noite foi de 1.039.702$

ee. A partir de Agosto não foi encontrada nenhuma fatura que referisse ter a firma comprado mais cartões.

VIII - Imobilizações e Obras em Curso

ff. A construção da discoteca iniciou-se em 1992, implantada em terreno pertencente ao Sr. M..... com licença de construção emitida em seu nome.

gg. Em 17/4/94 foi celebrado um contrato promessa de compra e venda e trespasse, junto a fls. 97 e segs. e cujo conteúdo se dá por reproduzido.

hh. Na conta n°441 - Obras em Curso - a sociedade EmprE....., Lda. contabilizou todas as faturas e vendas a dinheiro relacionadas com a construção do edifício da discoteca, com o valor global de 30.443.114$, deduzindo o IVA respetivo no montante global de 4.870.833$.

ii. Para além destes valores, a firma considerou:

i. Como pertencente à construção do edifício os bens constantes da fatura n° 085, de 18/12/1993, emitida por J..... no valor de 1.500.000$ a que corresponde o IVA no montante de 240.000$ e contabilizada na conta n°42.203;

ii. Como pertencente ao imobilizado da discoteca uma linha MT para abastecimento instalação 2ª catg. Constante da fatura n°6680 de 25/6/1993, emitida pela EDP em nome de M..... no valor de 849.863$ e a que corresponde o IVA no montante de 135.978$, contabilizada na conta 42.202.

jj. Nos mapas de Imobilizado existem:

i. 2025 Afetos a hotéis restaurantes e similares (Edifício Discoteca (30.443.114$+1.500.000$)= 31.943.114$ - IVA = 5.110.833$

ii. 2110 Cabos aéreos e suportes 849.863$-IVA = 135.978$

3. Deste modo, a AT considerou que todos os documentos registados em "Obras em Curso" mais a fatura 085 de J..... não seriam aceites como sendo da responsabilidade da firma e as reintegrações contabilizadas e inerentes a estas obras não seriam aceites como custo fiscal e o IVA deduzido seria regularizado a favor do Estado.

4. Em face dos factos supra descritos, a AT considerou ter ocorrido a omissão de custos e proveitos, e reconheceu a impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria coletável, pelo que lançou mão da avaliação indireta da matéria coletável.

a. De que resultou imposto em falta no montante de 5.792.143$, para 1993 (fls. 18 e 85 cujo conteúdo se dá por reproduzido).

b. E 2.697.582$ para 1994 (fls. 19 e 88 cujo conteúdo se dá por reproduzido).

5. Tal proposta teve por base o custo médio de cada espetáculo, apurado de acordo com o valor total dos espetáculos faturados e contabilizados, em número de 13, e no montante total de 7.550.000$, o que equivale a 580.769$ para cada espectáculo (7.550.000$/13).

6. Este valor foi multiplicado por 16, por ser este o número de espetáculos não documentados, o que deu o resultado de 9.292.304$.

7. Por seu turno, os custos com pessoal foram reconhecidos em 19.507.000$.

8. Notificada, a impugnante requereu procedimento de revisão matéria tributável, nos termos que constam de fls. 9 cujo conteúdo se dá por reproduzido.

9. Reunida, a Comissão de Revisão reduziu o IVA referente a 1993, fixado em 5.792.143$, para 4.778.883$ (fls. 24 cujo conteúdo se dá por reproduzido).

10. E em relação ao IVA referente a 1994, fixado em 2.697.582$, foi o mesmo reduzido para 640.000$. Tudo acrescido dos juros compensatórios

11. A fixação da Base Tributável para efeitos de IVA em relação a 1993 e 1994 foi alcançada por acordo entre os vogais da administração fiscal e do contribuinte (fls. 24 cujo conteúdo se dá por reproduzido).

12. Para além disso, foi proposta a liquidação de IVA, mediante correcções técnicas, por dedução indevida de IVA, no montante total de 5.246.811$ (fls. 90 cujo conteúdo se dá por reproduzido).

13. Nessa proposta de liquidação é referido o IVA liquidado indevidamente referente ao 2° T de 1993, no montante de 1.989.246$ (fls. 90 cujo conteúdo se dá por reproduzido).

14. No dia em que abriu a discoteca "....." abriu também a discoteca "Império Romano".

15. A 200 metros existe outra discoteca.

16. Em face da concorrência, a impugnante investiu muito em publicidade.

17. Relativamente ao período de 93/09T o sujeito passivo pediu um reembolso de IVA no valor de 2000.000$. Em 31/1/1995, o SIVA deduziu a este montante igual valor da dívida resultante das correções técnicas, fixada em 5.246.811$, a título de compensação.

18. Nestas condições, a dívida de IVA por correções técnicas foi reduzida para 3.246.811$ após encontro de valores = (5.246.811$ - 2.000.000$).

a. Facto de que a impugnante não foi notificada (fls. 45, 360 e 361 cujo conteúdo se dá por reproduzido).

19. No entanto, a liquidação no montante de 5.246.811$ (fls. 46 cujo conteúdo se dá por reproduzido), foi anulada na totalidade como consta de fls. 47 cujo conteúdo se dá por reproduzido.

20. A impugnante aderiu em 31/1/1997 ao regime de pagamento em prestações, tendo apenas pago, até 8/10/1998 a quantia de Esc. 733.891$ (informação de fls. 66 verso cujo conteúdo se dá por reproduzido)»

Consta da mesma sentença a título de “MOTIVAÇÃO” que «A convicção do Tribunal assentou nos seguintes meios de prova:

PROVA DOCUMENTAL.

Os meios de prova documental que serviram para a convicção do tribunal estão referidos no «probatório» com remissão para as fls. do processo onde se encontram.

A falta de notificação da documentação de fls. 45 e segs. resulta da omissão do ónus probatório que recaía sobre a AT, a qual como se vê dos ofícios de fls. 360 e 361 não conseguiu demonstrar tal notificação.

PROVA TESTEMUNHAL.

Quanto a este meio de prova, relevaram os depoimentos das testemunhas inquiridas, que confirmaram, no essencial, os factos articulados pela impugnante. A Sra. M..... mencionou que no período de tempo em que funcionou, a discoteca só funcionava sexta e sábado. Admite-se que este depoimento se refira ao ano de 2004, na medida em que o próprio sócio gerente afirmou, a fls. 95, que nos meses de Julho e Agosto de 1993 a discoteca «funcionou» diariamente.

A testemunha arrolada pela administração fiscal confirmou o seu relatório, e justificou a razão por que mencionou o número de 3000 pessoas como sendo a lotação da discoteca. Explicou ainda que tal facto não teve relevância na quantificação do imposto


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Por se considerar relevante para a decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada, adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, aplicável por força da remissão operada pelo artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:

21. A 26/5/1995 teve lugar a reunião da comissão de revisão que após discussão da petição culminou em acordo nos seguintes termos: «passou-se à análise dos factos e dos cálculos determinantes dos valores fixados por métodos Indiciários, tendo o vogal da reclamante sublinhado os seguintes aspectos: 1. Os custos omitidos foram inferiores aos presumidos, nomeadamente no que se refere aos espectáculos; 2. No dia em que abriu a discoteca “Stressless” abriu também a discoteca “Império Romano”, facto que concorreu para a diminuição da afluência de clientes; 3. A 200 m existe outra discoteca; 4. Dada a grande concorrência investiu muito em publicidade o que faz também diminuir a rentabilidade fiscal; 5. Relativamente ao exercício de 1994, manteve-se em funcionamento até ao Carnaval com abertura apenas aos sábados, por já ter contrato com o ...... Não fosse este programa teria encerrado no fim de 1993, pois os clientes que tinha não justificavam a casa aberta. --- Por sua parte a vogal da Fazenda Pública fez sobeja demonstração do critério e dos cálculos adoptados e seguidos pela Administração Fiscal e da sua razoabilidade tenso, relativamente ao aludido no ponto 1) referido não assistir qualquer fundamento ou razão ao reclamante face ao que adicionalmente foi esclarecido em visita complementar.- Quanto ao referido nos outros pontos, não deixou a vogal de pontualmente aí considerar a razão parcial da reclamante no que se refere à Rentabilidade Fiscal obtida. - Relativamente ao exercício de 1994 a vogal da Fazenda Pública admitiu a abertura apenas aos sábados, o que foi também esclarecido em visita complementar efectuada. Analisados estes pontos procurou-se, com a intervenção do presidente da comissão, chegar a acordo na determinação do Lucro Tributável e Imposto a Pagar. Assim, foi deliberado por consenso dos dois vogais, alterar os valores fixados inicialmente para os valores a seguir indicados. (…) IVA 1993 base tributável 29.868.018$00 Taxa 16% Imposto a pagar 4.778.883$00 1994 base tributável4.000.000$00 Taxa 16% Imposto a pagar 640.000$00.» - cf. documento de fls. 23 dos autos;

22. Por despacho do Director Distrital de Finanças de Leiria datado e 12/2/1999 foram mantidas as correcções referindo-se, relativamente às correcções técnicas, que «o valor de 5.246.811$00 corresponde às correcções técnicas de IVA deduzido indevidamente de facturas de aquisição de materiais do imobilizado propriedade do sócio e não da impugnante. Embora as facturas possam estar em nome da impugnante, contudo, os bens adquiridos são propriedade de terceira pessoa (…) o IVA inicialmente liquidado de 2.000.000$00, equivale ao valor do reembolso solicitado» - cf. documento de fls. 178 dos autos;

23. Em 27/1/1995 foi proferido despacho sobre o pedido de reembolso de IVA no valor de 2.000.000$00 apresentado pela impugnante, referente ao período de 93/09T, no sentido de proceder «à liquidação da quantia de 2.000.000$00 efectuada através da dedução de igual montante» sendo o reembolso de 0$. Esta dedução é devida a título de compensação e resulta de terem sido (…) apuradas correcções de imposto relativas aos períodos de 93-03T, 06T; 09T e 12T no montante de 5.246.811$ (…) pelo que, o imposto em dívida é agora de 3.246.811$» – cf. documento de fls. 45 dos autos.


*

III.2 – Apreciação do recurso

Na sequência de análise do pedido de reembolso de IVA referente ao período de 93/09T a impugnante (doravante recorrente), foi sujeita a uma acção de inspecção relativamente aos exercícios de 1993 e 1994. Na decorrência desta acção foram efectuadas correcções em sede de IVA, relativas a imposto não dedutível nos termos do artigo 20.º do CIVA, e determinada a avaliação da matéria tributável com recurso a métodos indirectos, donde resultaram as liquidações sindicadas.

Não se conformando com a fixação do IVA nos termos do artigo 82.º do CIVA, na redacção então vigente, deduziu reclamação para a Comissão Distrital de Revisão.

Na referida Comissão foi alcançado acordo no sentido de reduzir o valor do lucro tributável de IRC, que não está aqui em causa, bem como da base tributável de IVA de 36 200 897$00, a que corresponde IVA em falta de 5 792 143$00, para 29 868 018$00, apurada por métodos indiciários, resultando dos autos que a AT procedeu à anulação parcial da dívida

Por sentença do Tribunal Administrativo de Leiria a impugnação foi julgada parcialmente procedente com a anulação da liquidação de IVA relativa ao 2.º trimestre de 1993 no montante de 655 786$, bem como dos correspondentes juros, por falta de fundamentação e determinada a ineficácia da compensação no valor de 2 000 000$, improcedendo a impugnação quanto ao mais.

Nas conclusões M) e N) a Recorrente alega que a sentença sob recurso é nula por omissão de pronúncia quanto à questão da falta de fundamentação, já que o Juiz a quo apenas se pronunciou sobre a liquidação respeitante ao 2.° trimestre de 1993, por IVA deduzido indevidamente, apesar da alegação na petição inicial da falta de fundamentação quanto às restantes liquidações, nomeadamente quanto às liquidações decorrentes das correcções por métodos indiciários (cfr. artigos 25°, 26°, 29°, 31° da p. i.).

O Juiz a quo no despacho de sustentação considerou não se verificar tal nulidade uma vez que «a sentença apreciou a falta de fundamentação em relação à liquidação que a impugnante apontou em concreto vícios de fundamentação; em relação às outras, não foi alegado qualquer fundamento concreto para o invocado vício» concluindo que, a seu ver, não havia que apreciar tal questão.

Vejamos então.

Nos termos do disposto no artigo 125.º, n.º 1 do CPPT «[c]onstituem causas de nulidade da sentença (…) a fala de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar». De igual modo dispõe o artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, segundo o qual «[é] nula a sentença quando o juiz (…) deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…)».

A nulidade por omissão de pronuncia, está relacionada com o dever que sobre o juiz impende de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas, cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, que decorre do artigo 608.º, n.º 2 do CPC.

Importa assim, apreciar e decidir, tendo presente o que vinha alegado na petição inicial, se o tribunal recorrido omitiu pronúncia sobre questão sobre a qual devesse ter apreciado.

A Recorrente invocava o seguinte (cfr. artigos 25°, 26°, 29°, 31° da p. i.): «relativamente ao IVA liquidado com base em métodos indiciários, que foi objecto de apreciação da Comissão de Revisão, nada mais soubemos, além do que consta da Acta, por nada nos ter sido notificado.» Mais acrescentava que «como as presunções feitas não são correctas, a fundamentação do acto administrativo e tributário em recurso, além de insuficiente, também é errada, o que constitui vício de forma que o inquina de ilegalidade e torna nulo.» Sustenta ainda que «a rectificação que foi levada a cabo das nossas declarações periódicas, não foi efectuada fundadamente (…) pelo que, o acto tributário, por falta e errada fundamentação, está inquinada de vício de forma e preterição de formalidades legais, até porque a Administração Fiscal também não demonstrou, sem margem para dúvida, como exige a citada disposição legal» (reportando-se ao artigo 82.º do CIVA) «que foram praticadas quaisquer omissões ou inexactidões nos registos, ou que delas conste um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos», sustentando ter demonstrado a inexistência das omissões ou inexactidões.

Se bem interpretamos os referidos artigos da petição inicial, a Recorrente refere que, além da acta da Comissão, nada mais recebeu (nada mais soubemos, além do que consta da Acta), e lidos os artigos indicados pela Recorrente em conjugação com o artigo 27.º percebe-se que, além de questionar a legalidade das liquidações, também indica como causa de pedir dessa ilegalidade a insuficiente e errada fundamentação da acta conforme decorre do artigo 36.º constituindo assim, fundamento da impugnação a (i)legalidade do acto de determinação da matéria colectável consubstanciada na deliberação plasmada na acta da Comissão de Revisão.

A nulidade invocada pela Recorrente relaciona-se assim, com a omissão de pronuncia quanto à questão que invocou na petição inicial relativa à falta de fundamentação das liquidações decorrentes da aplicação de métodos indiciários por se fundarem na deliberação da comissão de revisão cuja fundamentação é também omissa cuja apreciação, na óptica da Recorrente, devia ter sido efectuada na sentença sob recurso. E assiste-lhe razão.

Lida a fundamentação da sentença, constatamos que não foi emitida pronúncia sobre tal questão, pelo que ocorre a invocada nulidade.

Aqui chegados, constando dos autos todos os elementos de prova necessários à decisão da questão importa decidir em substituição.

As partes foram notificadas nos termos do artigo 665.º, n.º 3 do CPC e nada disseram ou requereram.

Sobre a questão, alega a Recorrente nas conclusões O) a R) que a referida acta não contém qualquer fundamentação que explicite os valores finais apurados pela comissão de revisão, nem ocorre qualquer remissão para a fundamentação do relatório de inspecção tributária. Na petição inicial a Recorrente invocava a insuficiência da fundamentação de tal acto, que procedeu à determinação da matéria tributável por revisão.

A insuficiente fundamentação, na medida em que não permite ao seu destinatário a percepção sobre a motivação, o iter cognoscitivo percorrido para concluir como se concluiu na decisão, equivale à falta de fundamentação.

As liquidações impugnadas que assentam na decisão da Comissão de Revisão, têm a sua fundamentação nesse acto emanado no procedimento de revisão, sendo nesse acto final que fixou a matéria colectável que se deve colher a fundamentação adoptada pela Administração (neste sentido v.g. Acórdão do STA, de 17/09/2015, P. 0637/15).

Importa ter presente que, ao caso sub judice é aplicável o regime do Código do Processo Tributário atenta a data em que decorreu o procedimento de inspecção, e o Código do IVA em vigor àquela data.

Ora, a fundamentação de todos os actos praticados em matéria tributária em sentido amplo, que afectem os direitos e interesses dos contribuintes, em especial a liquidação oficiosa, constitui uma garantia que decorria, à data da prática dos actos em causa, do disposto no artigo 21. ° do Código de Processo Tributário (CPT), como concretização, no processo tributário, da garantia geral da fundamentação dos actos administrativos consagrada constitucionalmente no n.º 3 do artigo 268.º.

Ainda com interesse para a decisão da questão colocada, dispunha o artigo 81.º do CPT, que a decisão de tributação por métodos indiciários especificará os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável e indicará os critérios utilizados na sua determinação. Tais motivos constam do relatório de inspecção.

No caso dos autos, em matéria de IVA, a base tributável determinada na sequência da acção de fiscalização foi objecto de reclamação. No âmbito da comissão de revisão, os vogais que a compuseram acordaram em reduzir os montantes da matéria tributável, bem como a base tributável, calculados para efeitos de IVA, por constarem que a rentabilidade fiscal obtida foi inferior à presumida. A deliberação nessa sede constitui assim, o acto que estabeleceu a base tributável que deu origem aos actos de liquidação impugnados. Por conseguinte, é por referência a este acto que se deve aferir do cumprimento do dever de fundamentação, já que esse constitui o acto que põe termo ao procedimento de determinação da base tributável.

Na vigência do CPT a reclamação da decisão de fixação da matéria tributável, era restrita às questões de quantificação da matéria colectável, conforme resulta do artigo 84.º do referido código, quando estipulava que «da decisão que fixe a matéria tributável, com fundamento na sua errónea quantificação, cabe reclamação dirigida
à comissão de revisão.»

Tal como sucede actualmente (cf. artigo 86.° da LGT), a reclamação da decisão de fixação da matéria tributável constitui condição de impugnação judicial com fundamento em errónea quantificação, conforme resultava do n.º 3 do artigo 84.º do CPT.

Da matéria de facto aditada resulta claramente que foi alcançado acordo em que interveio o vogal representante da Recorrente e o perito de apoio ao reclamante, contudo do teor da acta apenas é possível retirar que a vogal nomeada pela administração fiscal admitiu que, tendo em conta as circunstâncias invocadas pela Recorrente a rentabilidade fiscal obtida é inferior à presumida e que, em concreto relativamente ao ano de 1994, admitiu-se que a discoteca apenas funcionou aos sábados, com base em visita complementar ao local.

Quanto à forma como foram determinados os valores revistos, nada resulta da acta que permita perceber o percurso e raciocínio seguido no cálculo dos valores que integram o acordo alcançado na reunião da comissão, não sendo possível apreender concretamente como foram determinados tais valores.

A insuficiência da fundamentação não permite conhecer a correcção do resultado a que ali se chegou, impedindo a possibilidade de controle jurisdicional do acto, porquanto a Recorrente invoca a existência de errada quantificação e erro nos pressupostos de facto da decisão. Ora, o controle judicial eficaz quanto aos vícios concretamente alegados depende do conhecimento da fundamentação externada na referida deliberação.

Coloca-se agora a questão de saber se a participação na referida comissão de um vogal nomeado pelo contribuinte no acordo alcançado, no âmbito daquela comissão de revisão, vincula a Recorrente, impedindo-a de sindicar esse acto.

Tendo em conta que a situação dos autos remonta a 1995, ano em que teve lugar a reclamação para a comissão de revisão, desde já se adianta que a resposta é negativa.

Com efeito, no domínio da aplicação do Código de Processo Tributário não ocorre a vinculação do contribuinte aos termos do acordo obtido no procedimento de revisão, pelo facto desse vogal não agir na comissão como um representante deste, sendo apenas nomeado por ele, tal como relativamente ao vogal da Fazenda Pública, nomeado pelo pelo Director Distrital de Finanças, incumbindo-lhes o dever legal de agir com imparcialidade e independência técnica, conforme resulta expressamente do n.º 3 do artigo 86.º do CPT. Dessa imparcialidade e independência resulta a consequência de que, embora nomeado pelo contribuinte, a sua actuação não é efectuada em representação deste, e assim sendo, também a sua actuação não o vincula. Daí que o legislador tivesse estabelecido a impugnabilidade dos actos nos termos amplos em que o fez no artigo 120.º do CPT, ao contrário do que sucede actualmente, nos termos do n.º 4 do artigo 86.º da LGT, em conjugação com o disposto no n.º 1 do artigo 117.º, do CPPT. No actual regime não pode ser invocada na impugnação do acto de liquidação a ilegalidade da fixação da matéria tributável resultante de acordo obtido no procedimento de revisão, previsto nos artigos 91.º e 92.º da mesma Lei, quer quanto às operações de quantificação através de métodos indirectos, quer relativamente à decisão de os utilizar (excepto quando esteja em causa actuação pelo representante para além dos limites dos seus poderes de representação, em abuso de poder de representação, cf. Acórdão proferido pelo STA no processo n.º 0277/11 datado de 25/01/2012, sobre a diferença de regimes v.g. Acórdão do mesmo Tribunal processo n.º 0657/04 de 23/11/2004).

Sendo impossível compreender, em concreto, como se obtiveram os montantes acordados no âmbito da comissão de recurso, importa conceder provimento às conclusões de recurso apreciadas.

Nas conclusões Q) a R), alega a Recorrente que a sentença incorreu em erro de julgamento de direito por violação dos artigos 268.º, n.º 3 da CRP e 21.º do CPT quanto à questão da fundamentação legal das liquidações. Sustenta a sua alegação na consideração de que o acto de fixação dos valores que serviram de base às liquidações impugnadas constitui a deliberação da Comissão de Revisão, plasmada na acta n.° ..... (fls. 23 a 25 dos autos), concluindo que, é no teor desta deliberação que deve ser avaliado se o dever de fundamentação cumpre as exigências da suficiência, da clareza e da congruência, conforme previsto no artigo 125.° do CPA

E assim é. Na verdade, constituindo a fundamentação as liquidações o teor do acordo no âmbito da aludida comissão, concluindo-se pela preterição do dever de fundamentação da deliberação, as liquidações emitidas com fundamento nos valores ali acordados, também são contaminadas pelo referido vício como actos consequentes que são. Assim, a falta de fundamentação no que se refere aos pressupostos que levaram à aplicação de métodos indirectos de tributação (cf. primeira parte da conclusão Q)) bem com quanto aos valores finais apuradas no âmbito da comissão de revisão (cf. conclusão P)), também determina a ilegalidade das liquidações daí decorrentes. Donde se conclui pela procedência das referias conclusões de recurso.

Nas conclusões A) a I) e R), 2ª parte alega a Recorrente que a sentença incorreu em erro de julgamento de direito, por violação do artigo 19.º, n.º 1 do CIVA quanto à questão da dedução do IVA.

Sustenta-se no relatório de inspecção que a construção da discoteca se iniciou em 1992, em terreno pertencente ao sócio M....., acrescentando-se que no contrato promessa de compra e venda e trespasse que celebrado em Abril de 1994. Com a referida fundamentação a AT desconsiderou o IVA que havia sido deduzido (cf. pontos n.º 2 ff. A jj. e n.º 3 do probatório).

O tribunal a quo julgou improcedente a impugnação de tais correcções com base na seguinte fundamentação: «As correções técnicas foram efetuadas com base na consideração de que o IVA suportado na construção da discoteca, bem como o constante da fatura 085 J..... e 6680 EDP não foi suportado pela impugnante, mas sim pelo seu sócio gerente.

Com efeito, os documentos recolhidos pela administração fiscal demonstram que a discoteca foi construída pelo Sr. M....., sócio gerente da impugnante. É o que se deduz com razoável segurança da licença de construção em nome do sócio gerente, bem como do contrato promessa de compra e venda junto aos autos, no qual o sócio gerente e esposa se identificam como «donos e legítimos proprietários de um prédio urbano (...) destinado a discoteca».

Mas para além desses documentos, o próprio declarou que a construção do edifício foi feita em nome do mesmo (fls. 95).

E foi este, e não a sociedade, que alienou o prédio urbano, embolsando o respetivo preço.

Se foi o sócio gerente, e não a sociedade, que beneficiou da construção do imóvel, a liquidação do IVA e respetiva dedução em nome da sociedade apenas se pode conceber ou como operação simulada, em que a sociedade suporta os encargos mas não os benefícios, ou como donativo da sociedade ao sócio gerente.

De um modo ou de outro, a impugnante não pode ser considerada sujeito passivo de imposto, razão por que não poderia deduzir o imposto alegadamente suportado a montante (Art°19/1 CIVA).

Por conseguinte, as correções efetuadas nesta sede estão plenamente justificadas e legalmente fundamentadas.»

Alega a recorrente que as facturas foram emitidas em seu nome, «as obras se destinaram, ou podiam destinar, à fonte produtora do rendimento», é a impugnante o sujeito passivo, não abdica das benfeitorias e sendo as obras realizadas afectas à actividade, ainda que em edifício alheio, não lhe retira a característica indispensável à sua consideração como custo, com direito à dedução de IVA.

Vejamos.

O IVA é um imposto plurifásico, que assenta numa estrutura de entrega e respectiva dedução pelos vários intervenientes na cadeia, até ao consumidor final, que o suporta, sem o poder deduzir. O IVA funciona, assim, pelo método indirecto subtracctivo, de acordo com o qual o sujeito passivo deduz ao imposto liquidado nos seus outputs, o imposto liquidado nos respectivos inputs.

Constituindo o IVA um imposto resultante de um processo de harmonização que decorreu em várias etapas, importa analisar o seu quadro jurídico na regulamentação comunitária e, concreto, no que se regere aos pressupostos do direito à dedução e ao conceito de sujeito passivo.

O direito à dedução do IVA constitui uma das principais características deste imposto concretizando o princípio da neutralidade. Resultando, desde logo, do artigo 2º da Primeira Directiva do IVA (Directiva n.º 67/227/CEE, do conselho, de 11 de Abril de 1967, publicada no JO n.º L 71. de 14/3/67), nos seguintes termos: «em cada transacção, o imposto sobre o valor acrescentado, calculado sobre o preço do bem ou do serviço à taxa aplicável ao referido bem ou serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto sobre o valor acrescentado que tenha incidido directamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço.»

Atendendo à data dos factos nos presentes autos, a questão que nos ocupa regese pela Sexta Directiva. Vejamos.

Nos termos do artigo 2.º da Sexta Directiva:

«Estão sujeitas ao imposto sobre o valor acrescentado:

1. As entregas de bens e as prestações de serviços, efetuadas a título oneroso, no território do país, por um sujeito passivo agindo nessa qualidade [...

Por seu turno, dispõe o artigo 5.º da mesma directiva, sob a epígrafe «Entregas de bens»:

«1. Por ‘entrega de um bem’ entendese a transferência do poder de dispor de um bem corpóreo, como proprietário.

[...]

3. Os EstadosMembros podem considerar bens corpóreos:

[...]

b) Os direitos reais que conferem ao respetivo titular um poder de utilização sobre bens imóveis;

[...]

5. Os EstadosMembros podem considerar como entrega, na acepção do n.º 1, a entrega de determinados trabalhos imobiliários.

[...]

7. Os EstadosMembros podem equiparar a entrega efetuada a título oneroso:

a) A afectação por um sujeito passivo aos fins da própria empresa de um bem produzido, construído, extraído, transformado, comprado ou importado no âmbito da atividade de empresa, no caso de a aquisição de tal bem a outro sujeito passivo não conferir direito à dedução total do imposto sobre o valor acrescentado;

[…]»

Sobre o conceito de sujeito passivo dispõe o artigo 4.° da Sexta Directiva:

«1. Por ‘sujeito passivo’ entendese qualquer pessoa que exerça, de modo independente, em qualquer lugar, uma das actividades económicas referidas no n.° 2, independentemente do fim ou do resultado dessa actividade.

2. As actividades económicas referidas no n.° 1 são todas as actividades de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas. A exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com carácter de permanência é igualmente considerada uma actividade económica.

[…]»

O artigo 17.° da Sexta Directiva, intitulado «Origem e âmbito do direito à dedução», dispõe nos seus n.ºs 1 e 2:

«1. O direito à dedução surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível.

2. Desde que os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das próprias operações tributáveis, o sujeito passivo está autorizado a deduzir do imposto de que é devedor:

a) o imposto sobre o valor acrescentado devido ou pago em relação a bens que lhe tenham sido fornecidos ou que lhe devam ser fornecidos e a serviços que lhe tenham sido prestados ou que lhe devam ser prestados por outro sujeito passivo;

[…]»

Das citadas normas extrai-se a conclusão de que o direito à dedução do IVA constitui a trave mestra do sistema que permite aos sujeitos passivos deste imposto, desde que os bens e os serviços a que respeita tal imposto a deduzir, sejam utilizados para os fins das próprias operações tributáveis. Trata-se de assegurar que o IVA não afecta o valor da cadeia produtiva na medida em que os bens ou os serviços sejam utilizados para efeitos de operações tributáveis a jusante, os sujeitos passivos têm direito a deduzir o IVA devido ou pago sobre os mesmos a montante.

Trata-se da concretização do princípio da neutralidade, subjacente a este imposto, no que toca ao direito à dedução em específico, reflectida na necessidade de o IVA não interferir no modo como os agentes desenvolvem o seu processo produtivo.

Existem, no entanto, certas situações que não conferem direito à dedução cuja interpretação deve assumir carácter restritivo.

A Directiva em referência foi objecto de transposição, dispondo a alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º do Código do IVA que se encontram sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado «As transmissões de bens e as prestações de serviços efetuados no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal.»

O Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) tem esclarecido, em diversos acórdãos, que um particular que adquire bens para os fins de uma actividade económica, na acepção do artigo 4.º da Sexta Directiva, actua na qualidade de sujeito passivo, sendo a aquisição de bens por um sujeito passivo agindo nessa qualidade que determina a aplicação do regime do IVA e, consequentemente, do mecanismo da dedução.

Assim, um contribuinte cujas actividades estejam sujeitas ao IVA tem direito, de acordo com o artigo 17.°, n.° 2, da Sexta Directiva, a deduzilo quando exista uma relação directa e imediata entre os bens e serviços utilizados e as operações a realizar relativamente às quais lhe assiste um direito à dedução cf. acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de Junho de 2000, Midland Bank (C98/98, Colect., p. I4177).

Como esclarece o Tribunal de Justiça no processo n.º C-435/05 de 8/02/2007 disponívelhttps://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/HTML/?uri=CELEX:62005CJ0435&qid=1622999780687&from=PT «22. A título liminar, importa recordar que o regime das deduções instituído pela Sexta Directiva visa libertar inteiramente o empresário do encargo do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas actividades económicas. O sistema comum do IVA garante, por conseguinte, a perfeita neutralidade quanto à carga fiscal de todas as actividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados das mesmas, na condição de estarem, em princípio, elas próprias sujeitas ao IVA (v., nomeadamente, acórdãos de 14 de Fevereiro de 1985, Rompelman, 268/83, Recueil, p. 655, n.° 19; de 15 de Janeiro de 1998, Ghent Coal Terminal, C37/95, Colect., p. I1, n.° 15; e de 22 de Fevereiro de 2001, Abbey National, C408/98, Colect., p. I1361, n.° 24).

23 Segundo jurisprudência assente, a existência de uma relação directa e imediata entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito à dedução é, em princípio, necessária para que o direito à dedução do IVA pago a montante seja reconhecido ao sujeito passivo e para determinar a extensão de tal direito (v. acórdãos Midland Bank, já referido, n.° 24; Abbey National, já referido, n.° 26; bem como acórdão de 3 de Março de 2005, Fini H, C32/03, Colect., p. I1599, n.° 26). O direito à dedução do IVA que incidiu sobre a aquisição de bens ou serviços a montante pressupõe que as despesas efectuadas com a sua aquisição tenham feito parte dos elementos constitutivos do preço das operações tributadas a jusante com direito à dedução (v. acórdãos Midland Bank, já referido, n.° 30; Abbey National, já referido, n.° 28; bem como acórdão de 27 de Setembro de 2001, Cibo Participations, C16/00, Colect., p. I6663, n.° 31).

24 Porém, admitese igualmente o direito à dedução a favor do sujeito passivo, mesmo na falta de uma relação directa e imediata entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito à dedução, quando os custos dos serviços em causa fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta. Estes custos têm, com efeito, uma relação directa e imediata com o conjunto da actividade económica do sujeito passivo (v., nomeadamente, acórdãos já referidos Midland Bank, n.os 23 e 31, e Kretztechnik, n.° 36).»

https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/HTML/?uri=CELEX:61990CJ0097&from=PT

Salienta-se que integram o conceito de actividade económica a realização de despesas de investimento e, em geral, as actividades preparatórias, pelo que, o IVA que as onera confere direito à dedução mesmo antes do início da exploração efectiva da empresa, subsistindo este direito ainda que, por razões alheias à sua vontade, o sujeito passivo não chegue a fazer uso desses bens ou serviços na realização de operações tributadas (cf. acórdão de 15 de Janeiro de 1998, Ghent Coal, C-37/95, n.º 24 e acórdãos Rompelman, já citado, n.º 22; de 29 de Fevereiro de 1996, INZO, C-110/94, n.ºs 18 e 19; Gabalfrisa, n.º 47; de 8 de Junho de 2000, Breitsohl, C-400/98, n.º 34).

Subsumindo o caso dos autos às referias normas, a Impugnante desenvolveu, no período em causa, a actividade de discoteca, café e de restaurante. Ora, o desenvolvimento dessas actividades constituem a exploração de um bem com o fim de auferir receitas com carácter de permanência, independentemente de ter tido actividade durante um pequeno período de tempo, ou do facto de a sociedade ter cessado a sua actividade. Os custos incorridos com o acabamento da edificação tiveram em vista a exploração da discoteca enquanto actividade económica, na acepção do referido artigo 4.º da 6ª Diretiva, e como tal, tributável. Donde se conclui que esses custos foram efectuados para os efeitos e tendo em vista as actividades tributáveis da Impugnante. Constituindo a referia actividade a causa dos custos, concluímos que estes têm uma relação directa e imediata com as referidas actividades.

A questão da propriedade do imóvel não integra os pressupostos estabelecidos pelo regime do IVA determinantes do direito à dedução, uma vez que o que releva é a relação directa e imediata entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito à dedução.

Também o facto de ter sido celebrado um contrato promessa de compra e venda com trespasse não constitui um fundamento que permita excluir o referido direito. Na verdade, ao invés, apenas permite confirmar a afectação do imóvel ao funcionamento e exploração da discoteca, na medida em que a transmissão da propriedade foi objecto de promessa conjuntamente com o estabelecimento indicando uma relação directa e imediata entre os custos de actividade económica também para os promitentes adquirentes.

Por fim, o argumento de que a licença de exploração foi emitida em nome do sócio gerente nada mais acrescenta, para além do que se referiu relativamente ao contrato promessa, julgamento que aqui se reitera.

Neste sentido, a propósito de uma situação semelhante, decidiu o TCAN no processo n.º 0013/2000 – Mirandela datado de 15/10/2010 nos seguintes termos: «o único fundamento invocado pela administração tributária para justificar a liquidação foi a existência de dedução de imposto por parte da Recorrida que seria indevida em virtude de se reportar a aquisições que se destinaram à construção de um imóvel que, embora destinado à exploração da sua actividade de comércio a retalho de combustível para veículos a motor, foi implantado num terreno que era propriedade do seu sócio-gerente R….

A sentença recorrida, depois de uma muito cuidada análise da questão, concluiu que, “o IVA deduzido consta de facturas emitidas na forma legal, são referentes a materiais ou prestação de serviços relacionados com a construção do posto de abastecimento de combustíveis e a impugnante vem referenciada como destinatária das mesmas, à excepção das facturas (…). Por outro lado, resulta dos autos que, não obstante a construção do posto de venda de combustíveis ter sido efectuado em terreno não pertencente à executada, tal construção figurava no activo imobilizado desta [alínea c) do probatório] e existia um contrato de comodato com o proprietário relativamente ao imóvel onde foi realizada a construção [al. g) do probatório].

Face ao exposto e uma vez que o bem foi adquirido e utilizado pela impugnante para a realização de operações sujeitas a imposto e dele não isentas, afigura-se-nos estarem preenchidas as condições para o exercício do direito à dedução do imposto suportado com a construção do posto de venda de combustíveis, salvo quanto ao IVA mencionado nas facturas (…)»

Quanto à dedução de IVA constante de factura relativa a «linha MT para abastecimento instalação 2ª categoria», datada de 25/06/1993 (cf. ponto 2.ii. ii da matéria de facto assente), apresenta-se emitida em nome do sócio e não da sociedade, pelo que, o destinatário ou adquirente do bem não é a sociedade e assim sendo, não existe o direito à dedução do IVA no montante de 240.000$00 que correspondem a € 1 197,11, mencionado na referida factura.

Termos em que se mostram parcialmente procedentes as conclusões de recurso apreciadas.

Por fim, na conclusão J) a recorrente alega que existe um comportamento contraditório entre a correcção em causa e a actuação da Administração, na medida em que «aceitou e deferiu o pedido de reembolso do IVA, período de 93/09T, cujo crédito resultou, precisamente, da dedução do IVA suportado com as obras/construção da discoteca no valor de 2.000.000$00.» Efectivamente, resulta do ponto 23 do probatório que o pedido de reembolso respeitante ao período de 93/09T foi deferido, vindo aquele montante a ser aplicado, por compensação, no pagamento parcial das liquidações resultantes de correcções técnicas aqui sindicadas. A sentença recorrida declarou aquela compensação ineficaz, por falta de notificação à impugnante. Assim, a dívida proveniente das liquidações resultantes das correcções técnicas operadas pela AT, por considerar a dedução indevidamente manteve-se pelo montante inicial (sem compensação).

Embora a AT tenha reconhecido o direito à dedução do IVA em questão, a verdade é que foi no exercício do poder/dever de fiscalização do cumprimento das obrigações declarativas, bem como da correcção da contabilidade que a AT efectuou as correcções. Porém, à excepção da factura emitida em nome do sócio da recorrente, relativamente a todas as restantes foi reconhecido o direito à dedução do IVA nelas mencionado, pelo que, o efeito pretendido pela recorrente está votado ao insucesso.


Quanto à responsabilidade por custas, em face do decaimento parcial, a mesma cabe às partes na proporção do decaimento (cf. artigo 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 2.º, alínea e) do CPPT). Tendo em consideração que o processo foi instaurado antes de 01/01/2004 em que vigorava o Regulamento das Custas dos Processos Tributários, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 29/98, de 11 de Fevereiro, e entrado em vigor no dia 12/02/1998 (cf. art. 10.º do DL 29/98), em cuja alínea a) do n.º 1 do art. 3.º foi consagrada a isenção subjetiva de custas do «Estado, incluindo os seus serviços e organismos, ainda que personalizados».

Esta isenção deixou de ter consagração legal com a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro no artigo 2.º do Código das Custas Judiciais.

Não obstante, aquele DL 324/2003 continha uma disposição transitória no seu artigo 14.º, n.º 1, por força do qual as alterações ao Código das Custas Judiciais que introduziu apenas se aplicavam aos processos instaurados após a sua entrada em vigor, que ocorreu em 01/01/2004, nos termos do disposto no artigo 16.º n.º 1.

Por sua vez, nos termos do disposto no artigo 27.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 34/2008 de 26 de Fevereiro, que aprovou o Regulamento das Custas Processuais (RCP), quanto à respectiva aplicação no tempo, a Fazenda Pública continuou a beneficiar da referida isenção, o mesmo se verificando actualmente, após a entrada em vigor das alterações introduzidas ao RCP pela Lei n.º 7/2012 de 13 de Fevereiro, a qual, no n.º 4 do respectivo artigo 8.º, prevê que: «Nos processos em que as partes se encontravam isentas de custas, (...), e a isenção aplicada não encontre correspondência na redação que é dada ao Regulamento das Custas Processuais pela presente lei, mantém-se em vigor no respetivo processo, a isenção de custas.»

Assim sendo, embora parcialmente responsável pelas custas, em face do seu decaimento parcial, a Fazenda Pública encontra-se isenta do respectivo pagamento, na 1.ª instância, e no presente recurso.



IV – CONCLUSÕES

I - Assentando a liquidação impugnada num acto emanado no procedimento de revisão, é nesse acto final que fixou a matéria tributável que se deve colher a fundamentação adoptada pela Administração Tributária.

II - A deliberação da Comissão de Revisão constitui um acto tributário de fixação da matéria tributável, pelo que, ainda que esta se limite a manter um valor encontrado em acção de fiscalização, tal fixação constitui acto seu que deve ser fundamentado nos termos legais, tal como resultava do artigo 21.º do Código de Processo Tributário.

III – Constituindo uma das finalidades da fundamentação a de assegurar a possibilidade de controlo jurisdicional do acto, já na vigência do Código de Processo Tributário, não seria de dispensar o cumprimento do dever de fundamentação, nem mesmo nas decisões acordadas em sede de procedimento de revisão, por não permitir tal controlo.

IV - Limitando-se a acta da Comissão de Revisão, no que se refere ao IVA reclamado, a alterar a base tributável sem explicitar os critérios que a determinaram ou, sequer, a remeter para o relatório da fiscalização tributária que apurou a matéria tributável, a deliberação da Comissão de Revisão tem de ser anulada por preterição da formalidade legal da fundamentação, o que determina também a anulação da liquidação efectuada com base na matéria tributável fixada.

V – Decorre do princípio da neutralidade que um particular que adquire bens para os fins de uma actividade económica, na acepção do artigo 4.º da Sexta Directiva, actua na qualidade de sujeito passivo, sendo a aquisição de bens por um sujeito passivo agindo nessa qualidade que determina a aplicação do regime do IVA e, consequentemente, do mecanismo da dedução.

V- Decisão

Termos em que, acordam os juízes que integram a 1ª Sub-secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo em conceder parcial provimento ao recurso e em consequência:

a) revogar a sentença recorrida no que concerne à liquidação sindicada decorrente das correcções operadas com recurso a métodos indirectos, julgando nessa parte procedente a impugnação judicial;

b) revogar a sentença recorrida na parte referente à liquidação sindicada decorrente das operadas correcções técnicas, excepto quanto à factura n.º 6680/LRA A de 25/06/93, julgando a impugnação judicial nessa medida
parcialmente procedente.


Custas pela Recorrente, na proporção do respectivo decaimento, atenta a isenção subjectiva de que beneficia a Recorrida.

Registe e notifique.

Lisboa, 8 de Julho de 2021.


A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, as Senhoras Desembargadoras Ana Pinhol e Isabel Fernandes, integrantes da formação de julgamento, têm voto de conformidade com o presente Acórdão.



A relatora

Ana Cristina Carvalho