Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 548/24.1BELSB |
Secção: | CA |
Data do Acordão: | 11/14/2024 |
Relator: | JOANA COSTA E NORA |
Descritores: | INTIMAÇÃO PARA PROTECÇÃO DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS PRESSUPOSTOS |
Sumário: | I - Cabe a quem se pretenda valer da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, a demonstração da verificação dos pressupostos previstos no artigo 109.º, n.º 1, do CPTA, a qual deve assentar em factos cuja alegação se lhe impõe. II - Os direitos à livre deslocação no território nacional, à segurança e à saúde, constitucionalmente garantidos a todos os cidadãos portugueses, só assistem aos estrangeiros e apátridas que se encontrem ou residam em Portugal, em conformidade com o princípio da equiparação, consagrado no n.º 1 do artigo 15.º da Constituição da República Portuguesa. |
Votação: | Unanimidade |
Indicações Eventuais: | Subsecção COMUM |
Aditamento: |
1 |
Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃO Acordam, em conferência, os juízes da subsecção comum da secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul: I – RELATÓRIO A… e I…, de nacionalidade russa, residentes na Rússia, intentaram intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, contra o Ministério da Administração Interna e a Agência para a Integração, Migrações e Asilo, I.P.. Pedem a condenação das entidades demandadas a proferir decisão do seu pedido de autorização de residência e reagrupamento familiar bem como a emitir-lhes os títulos de residência correspondentes. Pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa foi proferida sentença a rejeitar liminarmente a petição por não terem sido alegados quaisquer factos concretos que permitam concluir que a emissão urgente de uma decisão de mérito é indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade e garantia. Os autores interpuseram o presente recurso de apelação, cujas alegações contêm as seguintes conclusões: “(…) Normas jurídicas violadas: artigo 615º, nº 1, alíneas d) e e), do CPC; artigos 20.º, nº 5, e 266º, nº 1, da CRP, artigos 4º, n.º 2, d, artigos 5º, 59º, 109º, 110º e 110º-A, do CPTA; artigos 6º e seguintes, 45º e seguintes, artigo 82º, n.º 5 e n.º 7 e artigo 122º, nº 1, d, da Lei nº 23/2007; artigo 20º da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen, de 14 de junho de 1985. 1. Conforme exposto, a decisão recorrida indeferiu liminarmente a petição inicial por suposta inadequação do meio processual utilizado pelos Recorrentes, considerou falta de legitimidade da Primeira Recorrida e condenou os Recorrentes ao pagamento das custas. 2. A decisão recorrida não permite distinguir os fatos que foram considerados como provados e relevantes, de modo que é obscura quanto aos seus fundamentos, devendo ser declarada nula. A decisão recorrida é ainda nula pois afirma que determinados factos não foram provados, incorrendo em excesso de pronúncia, pois isto não poderia ser decidido em sede liminar. 3. A decisão merece ser reformada quanto aos pressupostos fáticos, vez que foram demonstrados vários factos que não foram considerados pela decisão recorrida, que estão efetivamente demonstrados na P.I. 4. Os direitos, liberdades e garantias estão suficientemente densificados e alegados pela P.I. aperfeiçoada e documentos anexos, de modo que a decisão recorrida merece ser reformada admitindo-se o cabimento da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias dos Autores, de modo a aplicar a jurisprudência do Tribunal Administrativo sobre o tema. 5. Como demonstrado, uma eventual tutela cautelar não resguarda os interesses, liberdades e garantias dos Recorrentes, pois estes pretendem ver a sua situação resolvida de forma definitiva e não provisória, devendo a decisão recorrida ser reformada neste ponto, admitindo-se o cabimento da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias e determinando o prosseguimento da presente ação. 6. A decisão recorrida aplica o direito de forma equivocada, pois não há qualquer visto que se adeque a situação dos Recorrentes, tendo os Recorrentes solicitado as suas autorizações de residência, estes aguardam a decisão dos seus pedidos e não soluções intermediárias, devendo a sentença ser reformada neste ponto, admitindo-se os pedidos formulados na P.I. (…)” A entidade recorrida Ministério da Administração Interna respondeu à alegação dos recorrentes, invocando a sua ilegitimidade passiva, atenta a extinção do SEF, com a consequente transição das suas competências administrativas em matéria de migração e asilo para a Agência para a Integração, Migrações e Asilo, I. P.. O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, pugnou pela improcedência do recurso. Sem vistos dos juízes-adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. n.º 2 do artigo 36.º do CPTA), cumpre apreciar e decidir. II – QUESTÕES A DECIDIR Face às conclusões das alegações de recurso – que delimitam o respectivo objecto, nos termos do disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC -, as questões que ao Tribunal cumpre solucionar são as de saber se a sentença recorrida padece de: a) Nulidade por não elencar os factos provados e por considerar factos não provados numa decisão liminar, por obscuridade e/ou por excesso de pronúncia; b) Erro de julgamento: a. De facto, por terem sido demonstrados factos que não foram considerados na decisão; b. De direito: i. Por terem sido alegados e densificados os direitos, liberdades e garantias em causa; ii. Por a tutela cautelar não ser suficiente para a salvaguarda dos direitos invocados. III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A sentença recorrida não fixou factos. IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO A. Da nulidade da sentença Nos termos do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, “É nula a sentença quando: a) Não contenha a assinatura do juiz; b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido. Alegam os recorrentes que a sentença é nula por não elencar os factos provados e por considerar factos não provados numa decisão liminar, por não permitir distinguir os factos que foram considerados como provados e relevantes - sendo obscura -, e por na mesma se afirmar – em sede liminar - que determinados factos não foram provados, incorrendo em excesso de pronúncia. Vejamos. Nos termos da citada alínea b), a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, e não quando não especifique fundamentos de facto que não a justificam. Visando a fundamentação a exteriorização das razões, de facto e de direito, que determinaram certa decisão, só faz sentido que constem da sentença os fundamentos que a justificam, e não quaisquer outros. Assim, assentando a decisão na falta de alegação de factos, inexistem factos passíveis de serem enunciados para sustentarem tal decisão, porquanto se os mesmos não foram alegados, muito menos se têm por provados. É esse o caso dos presentes autos, em que a decisão de rejeitar liminarmente a petição se baseou na circunstância de o autor não ter cumprido o ónus de alegar factos aptos a concluir pela carência de uma decisão urgente e definitiva para tutela de direitos, liberdades e garantias, enquanto pressuposto do meio processual utilizado. Neste contexto, se é certo que a sentença recorrida não fixou factos, tal não consubstancia qualquer nulidade na medida em que a decisão naquela contida não assenta em factos, antes na falta de alegação de factos concretizadores de um dos pressupostos de recurso à intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias. Ademais, e ao contrário do que alegam os recorrentes, a sentença recorrida não elencou factos não provados, o que afasta qualquer excesso de pronúncia. Ante o exposto, improcedem as invocadas nulidades da sentença. B. Do erro de julgamento de facto Sobre o ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, dispõe o artigo 640.º do CPC, nos seus n.ºs 1 e 2, que deve o mesmo “obrigatoriamente” e “sob pena de rejeição”, especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; e c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Quanto à especificação dos concretos meios probatórios que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes. De todo o modo, a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto só deve ocorrer se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa – cfr. artigo 662.º, n.º 1, do CPC. Com efeito, a impugnação da decisão da matéria de facto não se justifica por si só, desligada da decisão de mérito proferida, sendo instrumental desta, pois que visa alterar a matéria de facto que o Tribunal a quo considerou provada, a fim de alcançar uma diferente decisão de mérito. Assim, se, «por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for, "segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito", irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a atividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente. Quer isto dizer que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objeto da impugnação não for suscetível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual consagrados nos artigos 2.º n.º 1, 137.º e 138.º.» - cfr. o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24.04.2012, proferido no processo n.º 219/10.6T2VGS.C1 (in www.dgsi.pt). A este propósito, cabe ainda referir que, sobre a relação entre o ónus de alegação das partes e os poderes de cognição do tribunal, resulta dos n.ºs 1 e 2 do artigo 5.º do CPC que o juiz só pode fundar a sua decisão nos seguintes tipos de factos: (i) nos factos essenciais (que constituem a causa de pedir e em que se baseiam as excepções invocadas), alegados pelas partes nos articulados; (ii) nos factos instrumentais, que resultem da instrução da causa; (iii) nos factos complementares ou concretizadores dos factos essenciais alegados pelas partes e que resultem da instrução da causa; (iv) nos factos notórios (que são do conhecimento geral e que não carecem de alegação nem de prova – cfr. artigo 412.º, n.º 1, do CPC ); e (v) nos factos de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções (que também não carecem de alegação – cfr. artigo 412.º, n.º 2, do CPC). Ademais, se é certo que “(…) deve a sentença tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da ação, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão.”, “Só são, porém, atendíveis os factos que, segundo o direito substantivo aplicável, tenham influência sobre a existência ou conteúdo da relação controvertida.” – cfr. artigo 611.º, n.ºs 1 e 2, do CPC. Feito o enquadramento dos termos em que é admissível a alteração da matéria de facto, importaria analisar a impugnação dos recorrentes. Sucede que os recorrentes não especificam quais os concretos factos que entendem estar demonstrados e que não foram considerados na decisão, com o que se impõe rejeitar o recurso quanto à matéria de facto, nos termos acima enunciados. C. Do erro de julgamento de direito A intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias “(…) pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar.” - cfr. artigo 109.º, n.º 1, do CPTA. Trata-se de um meio processual sumário e principal, pois que visa a prolação de uma decisão urgente e definitiva. E tem carácter excepcional porque só pode ser utilizado quando “a célere emissão de uma decisão de mérito (…) se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar”, sendo a regra a da utilização da acção não urgente, sempre que esta, ainda que conjugada com o processo cautelar, seja apta a garantir aquela tutela. Nestes termos, o recurso à intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, pressupõe a sua indispensabilidade, a qual ocorrerá quando for necessária uma tutela urgente para assegurar o exercício de um direito, liberdade e garantia, e quando a tutela cautelar não for possível ou suficiente para o efeito. No que concerne à impossibilidade ou insuficiência do decretamento de uma providência cautelar, “A impossibilidade poderá resultar do facto de o juiz, para se pronunciar, ter necessariamente de ir ao fundo da questão, o que, como é sabido, lhe está vedado no âmbito dos procedimentos cautelares. Por sua vez, a insuficiência respeita à incapacidade de uma decisão provisória satisfazer as necessidades de tutela do particular, posto que estas apenas lograrão obter satisfação com uma tutela definitiva, sobre o fundo da questão. Estamos a referir-nos àquelas situações sujeitas a um período de tempo curto, ou que digam respeito a direitos que devam ser exercitados num prazo ou em datas demarcadas, maxime, questões relacionadas com eleições, actos ou comportamentos que devam ser realizados numa data fixa próxima ou num período de tempo determinado (como exames escolares ou uma frequência do ano lectivo), situações de carência pessoal ou familiar em que esteja em causa a própria sobrevivência pessoal de alguém, ou, ainda, casos relativos à situação civil ou profissional de uma pessoa.” – cfr. CATARINA SANTOS BOTELHO, “A intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias: quid novum?”, O Direito, n.º 143, I, 2011, pp. 31-53. Assim, cabe a quem pretenda valer-se deste meio processual alegar factos concretos idóneos ao preenchimento dos referidos pressupostos, a saber: (i) “a existência de uma situação jurídica individualizada que caracterize um direito, liberdade e garantia, cujo conteúdo normativo se encontre suficientemente concretizado na CRP ou na lei para ser jurisdicionalmente exigível por esta via processual”, não bastando invocar, genericamente, um direito, liberdade e garantia; e (ii) “a ocorrência de uma situação, no caso concreto, de ameaça do direito, liberdade e garantia em causa, que só possa ser evitada através do processo urgente de intimação” – cfr. Carlos Alberto Fernandes Cadilha e Mário Aroso de Almeida, “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 4.ª edição, Almedina, 2017, p. 883. A sentença recorrida rejeitou liminarmente a petição com a seguinte fundamentação: “(…) No caso concreto, das alegações vertidas no requerimento inicial não se retira que caso o pedido venha a ser concedido em sede de ação administrativa os requerentes não retirarão utilidade na tutela, na medida em que nada é alegado sobre os concretos motivos pelos quais não podem aguardar o desfecho de uma ação principal. Efetivamente, os requerentes nada alegam quanto à indispensabilidade de recorrer a uma tutela principal urgente, na medida em que não alegam porque não podem aguardar pelo desfecho de uma ação principal. As alegações dos requerentes são insuficientes para concluir pela indispensabilidade do recurso à intimação do artigo 109.º do CPTA. A verificação do requisito da indispensabilidade é feita em concreto, pelo que o apelo a decisões anteriores, nos termos em que é feita, tem um alcance limitado, uma vez que têm o ónus de alegar os contornos factuais da sua situação para habilitar o tribunal a valorar a similitude das situações e, logo, apreciar a aplicabilidade da fundamentação e sentido decisório. A situação dos requerentes é diferente daquelas outras em que o requerente se encontra em território nacional, aqui tem organizado a sua vida, porém a segurança jurídica e o grau de estabilidade da sua permanência em Portugal eram, segundo a argumentação do acórdão, colocados em causa pela inércia do SEF (agora AIMA) em decidir o pedido de concessão de autorização. Este entendimento está em linha com a jurisprudência do TEDH segundo a qual um Estado que admite a permanência de um estrangeiro no seu território não o pode colocar num «… “espaço de não direito”…», sob pena de a sua omissão conduzir à «… violação de outros direitos fundamentais de que o estrangeiro é titular…», violação cuja reintegração não é compatível com uma decisão provisória na medida em que, pela sua natureza, o manteria no referido estado de incerteza [cf., neste sentido, Ana Rita Gil, Estudo sobre o Direito da Emigração e do Asilo, página 109]. No caso concreto os requerentes não alegam residir em Portugal, não alegam que o território nacional é o centro da sua vida, não alegam factos que permitam concluir que a putativa inércia da administração os coloca numa situação de tamanha incerteza que se encontrem impedidos «…de levar a cabo uma vida privada e familiar normal» [ob. e loc. cit]. Aliás, o que decorre da argumentação vertida no requerimento inicial é que conduzem a sua vida pessoal, familiar e profissional no local onde residem e que projetam/almejam que a mesma se possa vir a desenvolver, no todo ou em parte, em Portugal, sem, contudo, explicar a urgência na realização de tal projeto para a tutela dos direitos fundamentais que invocam. Do mesmo passo não explicam em que medida a AIMA os compele a manter o investimento, já que a manutenção, ou não, o mesmo e, logo, a perceção dos lucros que podem obter não está intimamente ligada à sua permanência em território nacional. Nada obsta a que os requerentes, segundo juízos de oportunidade e conveniência que só a eles lhes pertencem, prescindam do investimento, acarretando a consequência de deixarem de preencher um dos requisitos de que depende a concessão do título de residência. Finalmente, quanto à pretensão de serem convidados a substituir o requerimento inicial por um requerimento de processo cautelar, refira-se que, como ensina o Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão do processo n.º 036/22.0BALSB, explica que do artigo 110.º-A do CPTA «…não resulta uma obrigação de convolação do processo de intimação numa providência cautelar, mas apenas uma possibilidade de o fazer, quando o Tribunal entenda que a tutela requerida se basta com a adoção da mesma providência.», a qual não opera quando a requerente «… não alega[-] factos que demonstrem a indispensabilidade, nem tão pouco a urgência da intimação – e por maioria de razão de uma providência cautelar - para prevenir ou reprimir uma ameaça iminente dos seus direitos, liberdades e garantias.». Do exposto decorre que não estão reunidos os pressupostos do artigo 109.º do CPTA, motivo pelo qual o requerimento inicial deverá ser rejeitado. (…).” Ou seja, o Tribunal a quo decidiu rejeitar liminarmente a p.i. porque os autores nada alegam sobre os concretos motivos pelos quais não podem aguardar o desfecho de uma acção principal, i. é, quanto à indispensabilidade de recorrer a uma tutela principal urgente, requisito cuja verificação é feita em concreto, pelo que não estão reunidos os pressupostos do artigo 109.º do CPTA, motivo pelo qual o requerimento inicial deverá ser rejeitado. Insurgem-se os recorrentes contra o assim decidido, alegando que os direitos, liberdades e garantias invocados estão suficientemente densificados e alegados e que a tutela cautelar não os resguarda pois pretendem ver a sua situação resolvida de forma definitiva e não provisória, inexistindo qualquer visto que se adeque à sua situação. Vejamos. Os recorrentes apenas alegam que a demora na decisão do seu pedido de autorização de residência viola o princípio da dignidade humana e os seus direitos à liberdade, à livre deslocação no território nacional, à segurança, à identidade pessoal, a trabalhar e à estabilidade no trabalho ou à saúde, sem explicar em que termos concretos isso acontece, ou seja, sem alegar factualidade apta a concluir no sentido que pretendem. Ou seja, nem sequer se trata de uma alegação insuficiente; é mesmo uma falta de alegação de factos. E para se poder concluir pela indispensabilidade de uma tutela de mérito urgente no caso concreto, impunha-se-lhes que alegassem factualidade concreta demonstrativa de que a falta de decisão do pedido de autorização de residência os impedia de desenvolver uma vida normal (privada, familiar, profissional, etc), designadamente que tinham em Portugal o centro da sua vida, o que, manifestamente, não fizeram. Assim, a alegação dos recorrentes reconduz-se a uma pressa na obtenção da autorização de residência, e a uma expectativa - legítima, aliás – de ver decidido o seu pedido no prazo legal, o que não se confunde com uma situação de urgência, não tendo sido alegada qualquer factualidade consubstanciadora de uma situação de urgência na tutela de um direito fundamental. Os autores recorrentes não descrevem uma situação factual de urgência e lesão dos direitos que invocam – necessária ao preenchimento dos pressupostos de recurso à intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias -, limitando-se a afirmar uma mera lesão dos mesmos, não sendo possível extrair da sua alegação qualquer urgência para os recorrentes na concessão de autorização de residência. É que não basta estar em causa um direito, liberdade e garantia, sendo ainda necessário demonstrar que é urgente a sua tutela, o que os recorrentes, nos termos expostos, não fizeram. Acresce que não assistem aos recorrentes os direitos que invocam. É verdade a Constituição da República Portuguesa garante tais direitos a todos os cidadãos, e que o artigo 15.º estende o gozo dos direitos do cidadão português aos estrangeiros e apátridas que se encontrem ou residam em Portugal. Sucede que os recorrentes nem se encontram nem residem em Portugal, pelo que, não beneficiando de tal extensão, não lhes assistem aqueles direitos. Já quanto à dignidade da pessoa humana, consubstancia a mesma um princípio, um valor constitucional objectivo que se projecta em vários direitos constitucionalmente consagrados, também não lograram os recorrentes concretizar a sua violação. Assim, não só pela falta de alegação de factos consubstanciadores da indispensabilidade de uma decisão urgente, mas também por não assistirem aos autores recorrentes os direitos que invocam, não se mostram verificados os pressupostos de recurso à intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias. Afirmam ainda os recorrentes que a tutela cautelar não é suficiente para a salvaguarda dos direitos invocados. Todavia, trata-se de uma mera – e extemporânea – conclusão sem qualquer substracto factual, que desconsidera, em absoluto, a tutela que o processo cautelar assegura. De todo o modo, sempre se dirá que, atentos os contornos factuais alegados, a situação de facto descrita pelos recorrentes, não sendo de urgência – como é exigível que seja para que se recorra à intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias -, seria – se fosse urgente - susceptível de ser acautelada com a adopção de uma providência cautelar que intimasse a entidade demandada a emitir um título de residência provisório, de modo a permitir que os recorrentes permanecessem, de modo regular, em Portugal até ser proferida decisão em acção principal de condenação a decidir o pedido de autorização de residência, não se mostrando, assim, imprescindível, nem sequer necessário, que se decida definitivamente com carácter urgente se os recorrentes têm direito à emissão de autorização de residência. Tal decretamento, para além de suficiente para tutela dos direitos cuja violação os recorrentes invocam, não poria em causa o regime de entrada, permanência, saída e afastamento de cidadãos estrangeiros do território português, constante da Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho, considerando que a entidade a quem cabe decidir o pedido de autorização de residência não se pronunciou ainda sobre o preenchimento das condições legalmente previstas para a concessão de tal autorização. Não se revelando indispensável ao exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade e garantia, a célere emissão de uma decisão, nem sendo impossível ou insuficiente para o efeito o decretamento de uma providência cautelar, não se mostram verificados os pressupostos de recurso à intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias. Termos em que se impõe julgar improcedentes os fundamentos de recurso invocados. * Sem custas, nos termos do artigo 4.º, n.º 2, alínea b), do Regulamento das Custas Processuais. V – DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes da Subsecção comum da Secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul em: a) rejeitar o recurso quanto à matéria de facto; b) negar provimento ao recurso interposto e, em consequência, confirmar a sentença recorrida. Sem custas. Lisboa, 14 de Novembro de 2024 Joana Costa e Nora (Relatora) Marta Cavaleira Lina Costa |