Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:184/10.0BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:11/10/2022
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores: MEDIDAS COMINATÓRIAS
FALTA DE JUNÇÃO DO PA
PROVA IMPOSSÍVEL
IMPUTABILIDADE DA AT
Sumário:
I-A relevância instrutória de que se reveste o envio do processo administrativo pela AT, justifica que se estabeleçam certas medidas cominatórias, concretamente, que os factos alegados pelo autor se considerem provados, se aquela falta tiver tornado a prova impossível ou de considerável dificuldade (artigo 84.º, nº nº5 do CPTA).
II-Se a concreta densificação e análise casuística do suporte documental dos custos foi inviabilizada por factos não imputáveis à Recorrida, mas sim à AT, que em momento e em sede própria não cuidou de proceder à junção integral do PA, e ulteriormente, não conseguiu suprir essa falha instrutória, tornando a prova impossível, há que admitir-se e reconhecer-se que os custos se encontram suportados no acordo firmado entre a Recorrida e uma Entidade Terceira, como alegado pela Recorrida na sua p.i., e não contraditado, por prova idónea e concreta.
IV-Tendo as liquidações de juros compensatórios sido anuladas por inexistência de atuação culposa do sujeito passivo, e sendo tais liquidações da responsabilidade da AT, deve à mesma ser imputado o erro nos pressupostos de direito que está na base da anulação de tais liquidações.
Referências Internacionais:
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, a qual julgou totalmente procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade “SISTEMAS M...’S PORTUGAL, LDA” tendo por objeto o deferimento parcial de reclamação graciosa apresentada contra o ato de liquidação adicional de IRC de 2003.

A Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

“I.

O presente Recurso vem reagir contra a Sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a impugnação, anulando a liquidação de IRC referente a 2003, que resultou de ação de inspeção realizada pelos serviços de inspeção tributária (SIT) da Direção de Finanças (DF) de Lisboa, sendo que a questão em análise diz respeito à não aceitação da dedutibilidade fiscal do gasto contabilizado referente à aquisição de bilhetes do Sporting Clube de Portugal, no montante de € 43.644,62.

II.

A Fazenda Pública considera que a douta decisão do Tribunal a quo ora recorrida, não faz, salvo o devido respeito, total e acertada aplicação das normas legais aplicáveis ao caso sub judice e, bem assim, uma correta apreciação da matéria de facto relevante.

III.

Como resulta do relatório de inspeção tributária, os serviços de inspeção tributária (SIT) solicitaram ao sujeito passivo os elementos referentes às operações comerciais com clubes de futebol relativos à aquisição de camarotes ou ingressos nos estádios de futebol, o sujeito passivo apresentado elementos referentes ao Sporting CP, ao SL Benfica e ao FC Porto (cf a alínea C) dos factualidade provada, página 20 da sentença).

IV.

Como resulta do relatório de inspeção, relativamente ao Sporting CP, verificaram os SIT que a ora impugnante, em 1999, celebrou com o Sporting um contrato promessa de arrendamento de um lote de terreno destinado à construção e exploração de um restaurante, tendo a Mc Donalds procedido a um adiantamento de € 498.797,90 (correspondente a 100.000 contos).

V.

Em 30-08-2001, tendo como justificação a impossibilidade de concretizar o negócio prometido, de arrendamento de terreno para construção e exploração de restaurante, foi celebrado um acordo entre as partes, em que se estabelece a forma do adiantamento, prevendo-se entre as contrapartidas a atribuição à Mc Donalds, de bilhetes nas épocas de 2001/2002 e 2002/2003, no montante de € 174.579,26, dos quais € 43.644,82 foram contabilizados em 2003 (cf págs 19 do RIT, transcrito a págs 18 da sentença). Este acordo constava em anexo 10 ao RIT, tendo-se verificado que o mesmo não se encontrava junto aos autos, não tendo igualmente sido possível localizá-lo. Não obstante, o sujeito passivo em algum momento suscitou alguma discordância relativamente às cláusulas do acordo mencionadas no relatório de inspeção.

VI.

Os factos descritos revelam as contrapartidas que se encontravam previstas no acordo celebrado em 2001.

VII.

A douta sentença recorrida refere-se às duas correntes da jurisprudência, acolhendo a corrente que defendia que a comprovação dos gastos podia fazer-se com recurso a outros documentos que, não contendo embora as específicas solenidades da fatura, indicassem explicitamente as principais características da operação, entendendo a douta sentença, que, à data dos factos, o documento justificativo de um lançamento contabilístico e, em particular, um documento comprovativo de um custo não tinha que ser constituído por uma fatura ou documento equivalente, importando antes que o documento fosse adequado a comprovar a realização da operação e a relacioná-la com a fonte produtora.

VIII.

A fazenda não pode conformar-se com a douta sentença recorrida que considera que a AT não pôs em causa a materialidade das operações, considerando que apenas terá exigido uma documentação que não era exigível, aceitando que o acordo pudesse justificar o lançamento e a efetividade da despesa.

IX.

Importa salientar que a contabilização como custo tendo por base o acordo de 2001, não constitui justificação suficiente para o encargo contabilizado em 2003, face à inexistência de fatura ou qualquer outro documento equivalente que comprove o encargo contabilizado e a sua conexão com a atividade e com os factos descritos.

X.

E, não se trata apenas de exigir uma fatura, mas de aferir da existência de um comprovante do ano de 2003, da realização da despesa e da sua conexão com a atividade da empresa.

XI.

Com efeito, se o documento do anexo X é de 2001 e mais nenhum outro foi apresentado, nem outra prova foi produzida, cabe perguntar onde está a prova da realização da operação, que a douta sentença recorrida considera estar realizada.

XII.

Importa salientar que o teor do acordo (anexo X do RIT), descrito no RIT (e não contestado pelo sujeito passivo), não justifica o lançamento do custo em 2003, desde logo porque os termos do acordo contêm obrigações futuras que podem ou não ter sido concretizadas.

XIII.

Sendo que o relatório de inspeção evidenciou a impossibilidade de aceitação dos lançamentos contabilísticos como custo fiscal baseados no acordo (cf facto C) da sentença, página 36 da sentença), porquanto o acordo corresponde a uma declaração de vontade das partes, manifestada em 2001, sendo que a cedência de bilhetes, o direito à utilização do camarote ou a atribuição do estatuto de patrocinador do Sporting, são prestações de serviços com contrapartidas monetárias, que terão de ser faturadas. Ora, no caso concreto, nem foram faturadas, nem foi efetuada prova por qualquer outro meio, do comprovativo que justifica o lançamento como custo em 2003.

XIV.

Acresce ainda referir que cabe ao sujeito passivo o ónus de demonstrar a efetividade da operação e o montante do gasto, não podendo servir como comprovante do gasto contabilizado em 2003, um acordo celebrado em 2001. Neste sentido veja-se o acórdão do TCA Sul de 18-01-2005, processo nº 00066/03 (disponível em www.dgsi.pt), esclarecendo que cabe ao contribuinte o ónus da prova.

XV.

Importa salientar que a ora impugnante também não efetuou a prova por qualquer outro meio, sendo certo que, um contrato celebrado em 2001, não justifica um custo em 2003, tanto mais que não consta da contabilidade qualquer documento que permita a sua contabilização. Os SIT verificaram que foi efetuado por mero encontro de contas, não se encontrando devidamente documentado (cf págs 45 e 46 do RIT, paginas 36 e 37 da sentença).

XVI.

Em suma, se o acordo em abstrato prevê que venham a existir certas contrapartidas no futuro, no caso concreto é certo que não se encontra comprovado nem justificado a realização de despesas que possam ser contabilizadas como custo e o seu lançamento como custo. Recorde-se que os lançamentos na contabilidade terão de ter o correspondente documento de suporte.

XVII.

Sendo que, importa referir que o referido acordo que constitui o anexo X do relatório de inspeção tributária (RIT) não permite extrair que tenham sido atribuídos bilhetes no montante de € 43.644,82 contabilizados em 2003, como decorre desde logo do facto de o mesmo ter data de 30-08-2001. Assim, em face dos factos detetados, a correção efetuada pelos serviços de inspeção revela-se correta e adequada.

XVIII.

A douta sentença incorre assim em erro de julgamento de facto e de direito, infringindo as normas do artigo 74º da LGT e do artigo 23º do CIRC.

XIX.

Acresce ainda referir que a douta sentença recorrida condena a Fazenda no pagamento de juros indemnizatórios como decorrência automática da procedência da impugnação, não analisando sequer a existência ou não de erro imputável ao serviço, pressuposto previsto no artigo 43º, nº 1 da LGT para o nascimento da obrigação de juros indemnizatórios.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente.

Porém, V. Exªas decidindo, farão a costumada JUSTIÇA.

***

A Recorrida apresentou as seguintes contra-alegações:

“i.A) Deve o recurso interposto pela Fazenda Pública ser rejeitado na parte relativa à matéria de facto, por incumprimento do ónus de alegação previsto no artigo 640.º do CPC.

B) Isto porque, não só não é possível descortinar uma discordância efetiva por parte da Recorrente com a matéria de facto dada como provada, como também não são identificados quaisquer factos novos que, no entender da Recorrente, devessem ser aditados ao probatório.

C) O recurso não merece provimento, pois a Recorrente (i) pretende fundamentar a posteriori o ato tributário; (ii) omite a presunção de veracidade do declarado pelo sujeito passivo e (iii) esquece o disposto no artigo 100.º do CPPT.

D) Como ficou provado nos autos, os SIT consideraram, no Relatório de Inspeção, que o acordo celebrado entre a ora Recorrida e o Sporting em 30.08.2001 (que constava do anexo 10 ao Relatório de Inspeção) não era, em abstrato, um “documento aceite fiscalmente para justificar um custo”, afirmando que faltava a fatura emitida pelo Sporting.

E) Só na decisão da reclamação graciosa é que a AT veio afirmar que a contabilidade da Recorrida deveria ter outros documentos de suporte (mormente, subentende-se, de origem interna).

F) Decidiu bem o Tribunal a quo, na esteira de jurisprudência agora pacífica, pela inadmissibilidade da fundamentação a posteriori, de quanto resulta que a fundamentação constante da decisão da reclamação graciosa não releva para efeitos de aferição da legalidade da correção e do ato de liquidação postos em crise.

G) Mais andou bem o Tribunal a quo ao decidir que, beneficiando as declarações dos contribuintes de uma presunção de veracidade (cfr. artigo 75.º da LGT), cabia à AT, ora Recorrente, o ónus da prova dos factos por si invocados para sustentar a correção efetuada no Relatório de Inspeção e sindicada nos autos.

H) Com efeito, contrariamente ao alegado pela Recorrente, para pôr em causa as declarações da Recorrida e fundamentar os factos constitutivos da correção efetuada, nos termos dos artigos 74.º e 75.º da LGT, o ónus da prova impendia sobre a AT.

I) Acresce que ainda que se considerasse que a AT teria, em algum momento, fundamentado a correção sub judice no acordo celebrado entre a ora Recorrida e o Sporting (o que só cautelarmente se equaciona, sem conceder), o referido acordo, apesar de integrar o Anexo 10 do Relatório de Inspeção e, por conseguinte, o processo administrativo, nunca foi junto aos autos pela AT.

J) Nos termos dos artigo 110.º, n.º 4 (na redação em vigor à data) e 111.º, n.º 2, ambos do CPPT, cabe à AT a junção do processo administrativo contendo a informação da inspeção tributária sobre a matéria de facto considerada pertinente.

K) Não tendo a AT juntado o referido acordo aos autos como parte integrante do processo administrativo, e alegando ter fundamentado a correção efetuada no juízo de valor que fez sobre o acordo celebrado entre a Recorrida e o Sporting (o que somente se equaciona, sem conceder, pois constitui a inadmissibilidade da fundamentação a posteriori), ainda assim deve improceder o recurso pois a AT não cumpriu o ónus da prova.

L) Mas mesmo que assim não se entenda, verificar-se-ia sempre a existência de fundada dúvida sobre a existência do facto tributário, pois o acordo entre a Recorrida e o Sporting não se encontra nos autos, por incumprimento da AT, o que significa que, nos termos do artigo 100.º, n.º 1 do CPPT, tal dúvida deve sempre ser decidida contra a AT.

M) E nem se afirme contra o exposto que a Recorrida poderia ter igualmente juntado o referido acordo aos autos, pois não só não era incumbência sua a junção do referido documento (parte integrante do Relatório de Inspeção), como à data em que o referido acordo (celebrado em 30.08.2001) foi solicitado à Recorrida, havia já decorrido o período legal de 10 anos previsto no artigo 130.º, n.º 1 do Código do IRC durante o qual os sujeitos passivos devem manter a documentação que integra o seu processo de documentação fiscal.

N) Não tendo a ora Recorrente feito a prova com que se encontrava onerada, nem tãopouco tendo dado cumprimento ao dever de juntar aos autos a totalidade do processo administrativo, assim incluindo o acordo que integrava o Anexo 10 do Relatório de Inspeção, mesmo na hipótese de os SIT terem fundamentado o ato tributário na inexistência de outros documentos diversos de faturas (o que, reitera-se, somente se equaciona, sem conceder minimamente), seria forçosa uma decisão como a que foi proferida pelo Tribunal a quo.

O) Termos em que andou bem o Tribunal a quo ao decidir que os gastos operacionais, suportados pela Recorrida, contabilizados na rubrica «publicidade» e justificados com um acordo firmado entre a Recorrida e o Sporting se encontram devidamente comprovados, sendo, por conseguinte, dedutíveis à luz do artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC.

P) Considerando a anulação da liquidação de IRC posta em crise, porque ilegal, o Tribunal a quo decidiu bem, ao abrigo do artigo 43.º da LGT, condenar a Recorrente no pagamento de juros indemnizatórios à Recorrida.

Nestes termos e nos mais de Direito, deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida, com os devidos efeitos legais.”

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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

“Com interesse para a decisão a proferir, consideram-se documentalmente provados, atendendo, ainda, à posição processual assumida pelas partes nos respectivos articulados, os seguintes factos:

A) A Impugnante é uma sociedade subsidiária de uma entidade não residente em território português, a M...’s Restaurant Operations, Inc., com sede nos Estados Unidos, tendo obtido desta financiamento para investimento na sua atividade, do qual resultou um endividamento no valor global de € 68.939.726,03 – cf. artigos 41.º e segs. da p. i., não impugnados pela Fazenda Pública, pp. 2 e 32 do Relatório de Inspeção Tributária (RIT) constante do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, doc. 11, junto com a p. i. a fls. 260 e 261, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, doc. 12, junto com a p. i. a fls. 262 e segs. cujo teor se dá por integralmente reproduzido e doc. 13, junto com a p. i. a fls. 277 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

B) A Impugnante apresentou, em 24 de janeiro de 2004, requerimento dirigido ao Diretor-Geral dos Impostos, ao abrigo do disposto nos n.ºs 6 e 7 do artigo 61.º do CIRC, para “demonstrar que o nível e as condições de endividamento junto da M...’s Restaurant Operations, Inc., entidade considerada como não residente para efeitos de IRC, são análogos aos que poderiam ser obtidos caso tivesse optado por se financiar junto de uma instituição financeira independente”, “razão pela qual não lhe será aplicável o disposto no n.º 1 do artigo 61.º do CIRC” – cf. doc. 2, junto com a p. i., a fls. 118 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido, com tradução dos documentos a fls. 353 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

C) A Impugnante foi alvo de uma ação de inspeção, em sede de IRC, no âmbito da qual foram efetuadas correções meramente aritméticas à matéria coletável do exercício de 2003 no montante de € 2.316.154,01, “por enquadramento nos artigos 61.º, n.ºs 1 e 6 e 42.º, n.º 1, alínea g) do CIRC”, com a seguinte fundamentação essencial:

«texto no original»

[…] – cf. doc. 3, junto com a p. i. a fls. 130 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido e pp. 6 e segs. e 47 do RIT constante do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
D) Dá-se por integralmente reproduzido o teor dos Anexos 1 a 7 ao RIT, constantes de fls. 379 a 441 do PAT apenso.
E) Ato impugnado: Em 10.12.2007, e na sequência do procedimento de inspeção a que se refere a al. C) supra, foi emitida a liquidação adicional de IRC n.º 2007 8610019112, referente ao exercício de 2003, que apurou reembolso no € 3.046.813,03 e juros compensatórios no montante de € 3.058,84, por reembolso anterior superior ao devido – cf. doc. 4 junto à p.i.
F) Ato impugnado: A 12.12.2007 foi emitida a compensação n.º 2007 00007221598, que apurou a quantia de € 27.183,27 a pagar, com data limite de pagamento voluntário em 21.01.2008 – cf. doc. 4 junto à p.i.
G) A 17.01.2008 a Impugnante pagou a quantia referida em E) – cf. doc. 4 junto à p.i.
H) Em 16.04.2008 a Impugnante apresentou reclamação graciosa do ato de liquidação referido em E), com fundamentação semelhante à invocada nos presentes autos, a qual aqui se dá por integralmente reproduzida – cf. doc. 5 junto à p.i.
I) Por Ofício n.º 005089, de 19.01.2010, recebido em 21.01.2010, a ora impugnante foi notificada do despacho de 18.01.2010, proferido pelo Diretor de Finanças Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa, que deferiu parcialmente a reclamação graciosa referida em H), com a fundamentação que aqui se dá por integralmente reproduzida e da qual se retira, além do mais, o seguinte:
«[…]
ANÁLISE
5- Em resultado de acção de inspecção foi elaborado o relatório de fls. 175 a fls. 227, cujo teor damos por reproduzido para todos os efeitos legais e para o qual remetemos (n°1 do art° 125° do CPA.
6- De acordo com o relatório, a reclamante, tendo excedido o rácio de subcapltalização previsto nos n°s 1 e 3 do art° 61° CIRC, apresentou uma exposição onde pretendia demonstrar que o nível e as condições de endividamento junto da M...'s Restaurant Operations Inc. (entidade não residente com a qual tem relações especiais) eram análogas às que poderia ter obtido de uma entidade independente.
7- A reclamante apresentou como prova três cópias de faxes do Barclays Bank que constam de fls. 65 a 67, cujo teor damos por reproduzido para todos os efeitos legais e parte do relatório da Deloitte (fls. 253 e segs) - vide, também, relatório a fls. 181.
8- No âmbfto da inspecção, foi pedido parecer à Direcção de Serviços de IRC sobre a prova apresentada pela reclamante para os efeitos previstos no n°6 do art° 61° do CIRC (fls. 158 a 174). A fls. 228 e segs. consta a informação daquela Direcção de Serviços, com despacho do Sr. Subdirector-Geral de 22/09/2006.
9- De acordo com a referida informação, os documentos bancários apresentados pela reclamante, obtidos em data posterior às datas dos financiamentos, apenas contêm taxas indicativas, sendo que no primeiro fax, não se faz qualquer referência ao montante dos empréstimos, Quanto aos financiamentos obtidos pela reclamante junto das instituições financeiras independentes, referidos no relatório da “Deloitte”, os montantes não têm qualquer proximidade com os financiamentos obtidos junto da sociedade americana e a periodicidade do pagamento dos juros também é diferente, ou seja, as condições não são comparáveis.
10- Conclui-se naquela informação da DSIRC que a prova produzida é insuficiente para os efeitos consignados no n°6 do art° 61° do CIRC, pelo que os juros respeitantes ao endividamento considerado em excesso não deve ser dedutível para efeitos fiscais.
11- No âmbito da inspecção, em sede de direito de audição, a reclamante apresentou uma informação complementar, elaborada pela Deloitte, datada de 19 de Março de 2007, onde se comenta a análise económica efectuada às operações financeiras vinculadas constantes do dossier fiscal de preços de transferência do exercício de 2002 (vide fls. 114 a 123).
12- De acordo com o relatório, aquela Informação complementar reaprecia os dados que constavam do dito dossier fiscal e procede a estudos adicionais (vide fls. 213 e 214). A Inspecção Tributária procedeu à análise do documento complementar elaborado pela Deloitte e concluiu que a reclamante não trouxe elementos novos ao processo que permitissem demonstrar, inequivocamente, que poderia ter obtido o mesmo nível de endividamento e em condições análogas de uma entidade independente. Os comprovativos apresentados inicialmente (faxes com taxas meramente indicativas), têm datas muito posteriores às dos empréstimos em referência, o que lhes retira credibilidade; os contratos das linhas de crédito de instituições independentes, sendo contemporâneos, são de curto prazo e oferecem taxas inferiores; as taxas praticadas nos financiamentos da M...'s Inc. cabem num intervalo largo de plena concorrência, quase sempre mais próximas do limite superior; se a reclamante tivesse tentado a negociação de financiamentos Idênticos com instituições financeiras autónomas, poderia ter obtido melhores taxas e condições dos que as praticadas nos empréstimos que contraiu com a M...’s Restaurant Operations Inc. (vide fls. 208 a 220). Deste modo, entendeu a Inspecção Tributária ser de manter as correcções propostas.
13- O art° 61° do CIRC tem como consequência fiscal quando existe endividamento excessivo para com uma entidade não residente em território português ou em outro Estado-membro da União Europeia, com a qual existam relações especiais, a não consideração, para efeitos fiscais, do custo dos juros correspondentes ao montante do excesso de endividamento. Para que o montante dos juros seja aceite fiscalmente, dado estarmos perante a existência de relações especiais, devem ser contratadas e praticadas condições idênticas às que normalmente seriam contratadas e praticadas entre entidades independentes em operações comparáveis.
14- O n°6 do art° 61° do CIRC prevê a possibilidade de derrogar o n°1, caso o sujeito passivo demonstre que poderia ter obtido o mesmo nível de endividamento em condições análogas de uma entidade Independente.
15- Ora, é neste ponto que a reclamante discorda do entendimento da Administração Tributária, afirmando que a prova por si apresentada é apta para afastar as regras da subcapitalização por ter conseguido demonstrar que obteria o mesmo endividamento se estivesse em causa uma entidade independente.
16- Afirma, ainda, que decidiu que parte do seu financiamento seria obtido junto da M...’s Inc. e que nunca foi sua intenção recorrer a instituições financeiras independentes (pontos 36, 51,52 da petição).
17- Ora se a reclamante nunca teve intenção de recorrer a instituições financeiras independentes, compreende-se que tenha apresentado como prova apenas os três faxes do Barclays Bank com data posterior aos empréstimos efectuados pela M...’s Inc.
18- A reclamante sabia ou deveria saber que se não tivesse a prova prevista no nº 6 do art° 61° do CIRC, a consequência seria a não consideração dos juros como custos para efeitos de determinação do lucro tributável.
19- No caso, o sujeito passivo teria todo o interesse em ter uma prova consistente e credível para facultar aos Serviços da Administração Tributária que a apreciam. A prova deveria compreender declarações de entidades financeiras, dados relativos a empresas comparáveis do mesmo ramo de actividade
20- No dizer de Maria dos Prazeres Lousa, “o sujeito passivo tem (...) todo o interesse em facultar aos serviços da Administração Fiscal, que apreciam o pedido, todos os elementos indispensáveis para os convencer de que o nível de endividamento para com entidades não residentes, embora superior ao rácio fixado na lei, é justificado em termos comerciais e financeiros e não é influenciado por motivações de índole fiscal. A produção de prova assentará quer em elementos extraídos da própria empresa quer em elementos emitidos por terceiras - ofertas de crédito de bancos, dados relativos a empresas independentes comparáveis do mesmo ramo de actividade ou outras tidas por convenientes" ("As regras fiscais sobre a subcapitalização" in CTF n° 383).
21- Quanto à não aceitação como custo fiscal do encargo com a aquisição de bilhetes de ingresso no Estádio de Alvalade, por indocumentados, remetemos para a fundamentação do relatório de inspecção a fls. 196, 197, 199, 200 e 201. Acresce, contudo, referir o seguinte: em sede de IRC, admite-se que, no caso de inexistência de documento de origem externa (factura), a prova dos custos possa ser feita por documento interno, que deverá conter os elementos essenciais das facturas, desde que a veracidade da operação subjacente seja inequivocamente assegurada por outros meios de prova. Como salienta Freitas Pereira (in CTF n°365), um documento de origem interna só pode substituir um documento de origem externa quando sejam reunidas provas adicionais que confirmem a autenticidade dos movimentos reflectidos na contabilidade. Essas provas adicionais devem incidir não só sobre a materialidade da operação em si mesma, mas demonstrar a efectividade da operação e o montante gasto. No caso, o contrato apresentado não nos parece prova documental suficiente para demonstrar um custo ou encargo fiscal dentro do espírito da norma do art° 23° do CIRC.
22- Quanto aos prejuízos fiscais apurados no exercício, ao contrário do afirmado pela impugnante, os mesmos foram considerados pela Administração Tributária. Para tanto, basta a impugnante atentar nos “prints” do sistema informático de fls. 236 e 240-A, declaração corrigida peja AT e declaração apresentada pelo sujeito passivo, respectivamente. Conforme consta de fls. 177 do relatório, as correcções efectuadas totalizaram o montante de € 2 359 798,83. Fazendo uma simples operação aritmética conclui-se que o prejuízo declarado de €530 030,71 (fls. 240-A) foi considerado para o apuramento do lucro tributável de €1 829 768,12 (fls. 236).
23- Quanto à tributação autónoma, tem razão a impugnante. Da leitura do relatório (fls. 202), da análise dos valores declarados e dos valores corrigidos (prints de fls. 242 e 237), conclui-se tratar-se de erro na recolha do documento de correcção (fls.260), uma vez que a correcção de €43 644,82 relativa a despesas indevidamente documentadas (fls. 201 do relatório) não deveria ter sido digitada no campo 214 do quadro 07 conjuntamente com as despesas de carácter confidencial, mas sim no campo 225 para correcção do lucro tributável. Ao acrescer, erradamente, o montante de €43 644,82 no campo 214 do quadro 07, teve como consequência a tributação à taxa de 50%, nos termos do n°1 do art° 81° do C1RC - €43 644,82 x 50%= 21 822,41. Assim, iremos proceder à correcção em causa, ao consequente reembolso e aos juros indemnizatórios que se mostrem devidos (vide fls. 49, 244 e 248).
Face ao exposto, deve a presente reclamação proceder quanto á questão da tributação autónoma, mantendo-se todas as restantes correcções efectuadas em sede de Inspecção Tributária.
[…]» – cf. doc. 6 junto à p.i.
J) A presente impugnação judicial foi enviada a este TAF por correio com registo de05.02.2010 – cf. fls. 322 dos autos.
K) A Deloitte elaborou o Relatório de Preços de Transferência relativo ao exercício de 2003, a pedido da impugnante, cujo teor aqui se por integralmente reproduzido, bem como os esclarecimentos adicionais ao mesmo, prestados pela Deloitte, após elaboração do RIT – cf. doc. 7, protestado juntar na p. i. e junto a fls. 368 e segs. dos autos.
L) A 19.03.2007 a Deloitte elaborou um documento que contém comentários de “Complemento à análise económica às operações financeiras vinculadas efectuada no dossier fiscal de preços de transferência de 2002”, apresentando, ainda, “análises económicas efctuadas de acordo com metodologias alternativas, de modo a reforçar as conclusões apresentadas no contexto do DFPT de 2002 da Empresa”, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido – cf. doc. 10, junto com a p.i.
M) Em 30.06.1999 foi elaborado o documento intitulado “ALTERAÇÃO E ADITAMENTO AO CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO CELEBRADO EM 1 DE AGOSTO DE 1994”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e em que figuram como partes o Banco Santander Portugal, S.A. e a ora Impugnante, válido até 12.01.2000, prorrogável uma ou mais vezes, por períodos de seis meses, desde que solicitado pela aqui Impugnante, e através do qual o referido Banco concede à Impugnante um crédito até ao limite máximo de mil milhões de escudos, sendo estipulados juros sobre a utilização do capital na modalidade de conta corrente à taxa acrescida de 0,4 pontos percentuais ao dia, sujeita a revisão mensal com base na LISBOR a 1 mês, e taxa nominal, à data, de 3,576% e taxa anual efetiva de 3,635% – cf. doc. 14, junto com a p.i.
N) Da informação vinculativa da DGCI, emitida no Proc. n.º 771/2002, por despacho de 17.01.2004, sobre “PROCEDIMENTO DE APLICAÇÃO DAS NORMAS ANTIABUSO COSAGRADAS NO CÓDIGO DO IRC”, resulta que:
Do espetro de medidas antiabuso consagradas no Código do IRC, apenas está sujeita ao procedimento a que se refere o artigo 63.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário a prevista no n.º 10 do artigo 67.º. Não é de aplicar tal procedimento a outras disposições que não reúnam as características estabelecidas no n.º 2 do citado artigo 63.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, designadamente às medidas constantes dos artigos 58.º, 59.º, 60.º e 61.º do Código do IRC, já que as mesmas não só não se ajustam à delimitação conceitual acima referida como, também, contêm elas mesmas, um procedimento tendencialmente completo em que os direitos e garantias dos contribuintes se encontram plenamente assegurados. – cf. doc. 17 junto com a p.i.

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A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:
Não resultam dos autos quaisquer factos, com relevo para a apreciação da questão decidenda, que importe julgar como não provados.

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Ficou consignado como motivação da matéria de facto o seguinte:
“A decisão da matéria de facto provada efetuou-se com base no exame dos documentos que constam dos autos e do processo administrativo apenso, referenciados em cada uma das alíneas do probatório, bem como na posição assumida pelas partes nos respetivos articulados e nos demais elementos que compõem os autos.”

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III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de IRC do exercício de 2003, e respetivos juros compensatórios.
Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.
Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir:
Ø Se deve ser rejeitada a impugnação da matéria de facto, na medida em que a Recorrente incumpriu o ónus imposto pelo artigo 640.º do CPC, aplicável ex vi artigo 281.º do CPPT;
Ø Se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito quanto à correção dos gastos operacionais contabilizados na rubrica “publicidade” respeitantes à aquisição de bilhetes do SPORTING CLUBE DE PORTUGAL.
Ø Se a condenação no pagamento de juros indemnizatórios fundou-se numa mera decorrência automática da procedência da impugnação, sem aferição da existência de erro imputável aos serviços, como legalmente se impunha.

Vejamos, então.
A Recorrida nas suas contra-alegações vem, desde logo, requerer que seja rejeitado o recurso da impugnação da matéria de facto na medida em que não foram cumpridos os requisitos constantes no artigo 640.º do CPC.
Contudo, e ainda que a afirmação e cominação atinente à impugnação da matéria de facto se afigure, em abstrato, correta, a verdade é que, in casu, a mesma carece de fundamento, na medida em que de uma interpretação conjugada das conclusões com as alegações de recurso não se vislumbra qualquer impugnação quanto ao recorte probatório dos autos, não se retirando, assim, qualquer aditamento por complementação e substituição ou mesmo qualquer supressão do acervo fático.
E por assim ser carece de fundamento e relevância o aduzido quanto à aludida rejeição.
Prosseguindo.
A Recorrente, aduz, ab initio, que o Tribunal a quo, não fez uma total e acertada aplicação das normas legais aplicáveis ao caso sub judice e, bem assim uma correta apreciação da matéria de facto relevante, desde logo, porque deve valorar-se o acordo firmado com o SPORTING CLUBE DE PORTUGAL, LDA -cujas premissas base, especificamente, os factos atinentes às contrapartidas, encontram-se contemplados no Relatório de Inspeção Tributária- ainda que para retirar a sua inidoneidade e insuficiência para documentar o custo visado.
Mais defende que, é incorreto o juízo de entendimento constante na decisão recorrida quanto à materialidade das operações, até porque, sublinha, a contabilização como custo tendo por base o acordo de 2001, não constitui justificação suficiente para o encargo contabilizado em 2003, face à inexistência de fatura ou qualquer outro documento equivalente que comprove o encargo contabilizado e a sua conexão com a atividade e com os factos descritos.
Propugna, para o efeito, que o teor do acordo (anexo X do RIT), não permite justificar o lançamento do custo em 2003, por um lado, face à data da sua outorga e concreta extensão temporal, e por outro lado, porque contempla obrigações futuras que podem ou não ter sido concretizadas. Advogando, adicionalmente, que o ónus era da parte e que a mesma não fez prova do custo.
Sufraga, in fine, que no concernente ao pagamento de juros indemnizatórios o Tribunal a quo procedeu à condenação automática decorrente da procedência, não analisando, conforme imposto pelo plasmado no artigo 43.º, nº1 da LGT, a existência ou não de erro imputável ao serviço para o nascimento da obrigação de juros indemnizatórios.
Dissente a Recorrida, relevando, desde logo, que a questão atinente ao acordo celebrado não pode relevar, conforme sentenciado pelo Tribunal a quo, na medida em que consubstancia fundamentação a posteriori, não contemplada no Relatório de Inspeção Tributária.
Sem embargo do exposto, defende que, contrariamente ao alegado pela Recorrente, nunca foi sindicada a materialidade do gasto, e a sua contabilização, e que o ónus foi cumprido pela Recorrida encontrando-se o mesmo suportado documentalmente.
Mais relevando, neste particular, que, de todo o modo, a falta de junção do aludido acordo, tem de ser valorada contra a AT, em conformidade com o consignado no artigo 84.º, nº6, do CPTA, na medida em que o visado documento integrava o anexo X), do Relatório de Inspeção Tributária.
A final, aduz que sempre a impugnação judicial teria de ser julgada procedente, porquanto, in limite, sempre a dúvida teria de ser valorada contra a AT, em ordem ao consignado no artigo 100.º do CPPT.
No atinente aos juros indemnizatórios, propugna pela manutenção da aludida condenação porquanto a anulação da liquidação de IRC padece de vício de violação de lei, donde, nenhuma censura pode ser assacada ao decidido pelo Tribunal a quo.
Vejamos, então.
Comecemos por convocar a fundamentação jurídica que esteou a procedência da presente impugnação judicial.
O Tribunal a quo, após convocar excertos da fundamentação jurídica do Aresto do STA que ordenou a realização de diligências instrutórias e, competente densificação do ónus probatório, ajuíza que “[p]ese embora, como se refere no acórdão do STA, em sede de apreciação da reclamação graciosa a administração tributária dê a entender que seria admissível outra forma de documentar o lançamento contabilístico em apreço, que não através de fatura, o certo é que, da fundamentação da correção ora em apreciação – que é aquela que consta do relatório de inspeção tributária (não sendo de admitir fundamentação a posteriori – o que resulta é que os custos em apreço, relativos a publicidade, não foram aceites por falta de faturas referentes aos respetivos lançamentos, e não porque o «acordo» em causa não fosse explícito em relação aos termos acordados, ou porque do mesmo faltasse a identificação das partes, ou por qualquer outra razão atinente ao mencionado documento que, como vimos acima – e não obstante as diligências deste tribunal com vista à junção do mesmo aos autos –, não consta do processo administrativo tributário, nem, em momento algum, foi junto aos autos.”
Substanciando, depois, mediante convocação do Relatório de Inspeção Tributária que “na verdade, o que decorre da fundamentação da correção em apreço, que subjaz à emissão da liquidação adicional, é que: “A parceria com o Futebol Clube do Porto e o acordo celebrado com o Sporting Clube de Portugal, cujo grosso da contrapartida é a cedência de bilhetes que a M...'s Portugal utiliza para campanhas promocionais junto dos seus clientes, enquadram-se no conceito de publicidade, pelo que o tratamento contabilístico ou fiscal nos parece correcto. Contudo, e no que se refere ao acordo com o Sporting, se o princípio é adequado já a forma não merece credibilidade. Com efeito, a cedência (venda) dos bilhetes não foi facturada pelo Sporting (por conseguinte sem liquidação de IVA), sendo obtida por mero encontro de contas relativo a um adiantamento efectuado com outro objectivo, pelo que o custo não se encontra devidamente documentado. Ao não exigir a competente factura, a M...’s Portugal foi co-responsável pela não liquidação de IVA e pela eventual não assunção do proveito por parte do Sporting. Conforme alínea a) do n.º 3 do artº 115º do CIRC, todos os lançamentos contabilísticos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e susceptíveis de serem apresentados sempre que necessário. Ora, no caso concreto, um acordo não é um documento aceite fiscalmente para justificar um custo. Porque não se trata de um encargo (custo) comprovadamente indispensável para a realização dos proveitos (corpo do n.º 1 do art.º 23º do CIRC), e porque não se encontra documentado, acresce-se ao resultado fiscal, € 43.644,82, nos termos da alínea g) do n.º 1 do art.º 42.º do CIRC.”
Amparando-se, outrossim, que “[s]alta à evidência que os serviços de inspeção tributária “descartaram” o mencionado «acordo» (que haveria de constituir o anexo X ao RIT) como documento fiscalmente aceite para justificar o custo de € 43.644,82, referente a publicidade, não por qualquer irregularidade relacionada com o documento em apreço – já que nenhuma lhe é apontada – mas apenas por entenderem que os mesmos haveriam de ter suporte em faturas emitidas pelo Sporting Clube de Portugal.
E mais. Os serviços de inspeção tributária não põem, sequer, em causa que o montante em apreço se refere, efetivamente, a publicidade – como se alcança da afirmação enquadram-se no conceito de publicidade, pelo que o tratamento contabilístico ou fiscal nos parece correcto – apenas questionando a respetiva forma de documentação, quando diz, nomeadamente, que a forma não merece credibilidade e que um acordo não é um documento aceite fiscalmente para justificar um custo.”
Concluindo, assim, que “[d]a fundamentação da correção sub judicio, não resultam elementos que ponham em causa a materialidade dos valores declarados pelo sujeito passivo, apenas se exigindo para os mesmos uma forma de documentação que não era exigível, por se estar em sede de correção de IRC e não de IVA.
Pelo exposto, à míngua da demonstração, por parte da AT, da falta de idoneidade substancial do dito «acordo» para efeitos de documentação dos custos referentes a publicidade, concluímos, como já antes se havia concluído, que procede a presente impugnação judicial, também quanto à correção referente à aquisição de bilhetes de ingresso no Estádio de Alvalade.”
Ora, para aquilatar da bondade do decidido há, antes de mais, que convocar o teor do Aresto do STA que antecede e que subjaz à prolação da sentença, ora, objeto de recurso. Atentemos, então, na fundamentação jurídica que estribou o deficit instrutório e a realização de diligências adicionais e atinentes ao efeito, e ulterior prolação da visada decisão.
Lê-se no aludido Aresto, e no que para os presentes autos releva, o seguinte:
“A questão que importa decidir é, então, a de saber se custos operacionais contabilizados na rubrica «publicidade» e justificados com um acordo firmado com o Sporting Clube de Portugal estão ou não devidamente documentados.
Importa começar por lembrar que estamos perante custos relativos ao exercício de 2003. A redação do CIRC a considerar e, por isso, a anterior à que lhe foi introduzida pela Lei n.º 82-C/2014, de 31 de dezembro. Não existia então uma norma equivalente à do n.º 6 do seu artigo 23.º (na redação atual), segundo o qual, «quando o fornecedor dos bens ou prestador dos serviços esteja obrigado à emissão de fatura ou documento legalmente equiparado nos termos do Código do IVA, o documento comprovativo dos bens ou serviços (…) deve obrigatoriamente assumir essa forma».
Como se sabe, havia ao tempo duas correntes jurisprudenciais: uma que defendia que os gastos com operações sujeitas a faturação deviam ser obrigatoriamente comprovados por fatura emitida pelo fornecedor dos bens ou prestador dos serviços que observasse os requisitos estabelecidos no Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado; outra que defendia que a comprovação desses gastos podia fazer-se com recurso a outros documentos que, não contendo embora as específicas solenidades da fatura, indicassem explicitamente as principais características da operação (sujeitos, objeto, data e preço).
Era a segunda a corrente maioritária e aquela que foi adotada, designadamente, nos acórdãos deste Supremo Tribunal de 8 de julho de 1999, no processo n.º 23535, e de 5 de julho de 2012, no processo n.º 658/11. Neste último se decidiu, além do mais, que «em sede de IRC, o documento comprovativo e justificativo dos custos para efeitos do disposto nos arts. 23.º, n.º 1, e 42.º, n.º 1, alínea g), do CIRC não tem de assumir as formalidades essenciais exigidas para as faturas em sede de IVA».
Jurisprudência que agora se reafirma. À data dos factos, o documento justificativo de um lançamento contabilístico e, em particular, um documento comprovativo de um custo não tinha que ser constituído por uma fatura ou documento equivalente. O que importava era que o documento fosse adequado a comprovar a realização da operação e a relaciona-la com a fonte produtora.
Quer dizer, não relevava o conteúdo formal do documento, mas um certo conteúdo funcional, a sua adequação para cumprir uma certa função, que podemos agora designar de função de justificação ou de credibilização.
Trata-se de uma função dos documentos que não tem paralelo no direito civil, porque não está aqui em causa comprovar as declarações negociais e assegurar a sua eficácia externa (com a consequente estabilidade e segurança nos negócios jurídicos) mas indiciar a transferência de riqueza, isto é, constituir um indício fundado da ocorrência de uma operação com relevo fiscal.
Assim, os documentos de suporte aos lançamentos contabilísticos deviam ser adequados a relacionar um certo fluxo financeiro com uma operação subjacente com relevo económico (a jusante) e com a fonte produtora (a montante). Se permitissem o estabelecimento desse elo ou nexo na cadeia dos acontecimentos da empresa seriam documentos credíveis, no sentido de que conferiam uma certa aparência de verdade à operação e concorriam, assim, para suportar a credibilidade da própria escrita, tão necessária ao funcionamento da presunção a que alude o artigo 75.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária.
Mas, se o enfoque estava no conteúdo funcional desses documentos (na função específica que cumpriam no plano contabilístico e do direito fiscal), isto também significa que, na falta de disposição legal que o impusesse, os documentos não tinham que ter uma forma específica, isto é, não tinham que observar específicos requisitos formais para cumprirem a sua função.
De salientar que as faturas têm – ainda hoje – uma função em sede de IVA que não tem paralelo no em sede de IRC e que podemos designar de função de acertamento ou até de substanciação. Porque servem para acertar (titular) um direito (o direito a deduzir o imposto nele mencionado) e consubstanciar (incorporar) o ato cuja estrutura e comando torna esse direito possível (o ato de faturar). Porque, como refere JOSÉ GUILHERME XAVIER DE BASTO [«A Tributação do Consumo e a sua Coordenação Internacional», in Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal (164), Lisboa 1991, pág. 140], em sede de IVA «cada fatura mencionando imposto constitui um cheque sobre o tesouro».
Nas palavras de TOMÁS MARIA CANTISTA DE CASTRO TAVARES [«Da relação de dependência parcial entre a contabilidade e o direito fiscal na determinação do rendimento tributável das pessoas coletivas: algumas reflexões ao nível dos custos», in Ciência e Técnica Fiscal n.º 396, pág. 124], «as exigências formais em sede de IVA resultam das características e dos fins acautelados por este imposto, quais sejam de uma intervenção poligonal, por incidência financeira do imposto sobre as diversas fases de transação do bem (…). Ao nível do imposto sobre o rendimento, as exigências formais não são tão severas», porque «[a]o documento justificativo apenas se pede que identifique as operações societárias e que condense um eficaz mecanismo de controlo».
Assumindo, então, que o documento justificativo do lançamento contabilístico relativo aos custos operacionais que a Recorrida contabilizou na rubrica «publicidade», no montante de € 43.644,62 não tinha que ser uma fatura, importa
ainda responder a outra questão: a de saber se esse lançamento poderia ser justificado com um «acordo» firmado com o prestador do serviço.
A resposta a esta questão é a seguinte: depende.
Em abstrato, um acordo entre os contraentes, vertido num documento escrito e que contenha a identificação completa dos contraentes (incluindo os números de identificação fiscal respetivos), a denominação dos serviços prestados, os elementos que evidenciem os seus aspetos quantitativos, a data e o preço, pode ser um documento justificativo da operação contabilística correspondente. Em primeiro lugar, porque alberga as características fundamentais da operação, permitindo a sua individualização e a verificação da sua conexão com a fonte produtora. Em segundo lugar, por se tratar, em princípio, de um documento bilateral (e, por isso, um suporte externo) que pode ser oposto ao prestador do próprio serviço.
Em concreto, não é possível dizer. Porque esse dito «acordo» nunca foi junto aos autos, nem ao processo administrativo em apenso.
Como deriva do processo administrativo em apenso, esse «acordo» constará do anexo X do relatório de inspeção tributária, mas ao processo administrativo só foram juntas cópias dos sete primeiros anexos. Debalde se procurou alguma cópia do dito «acordo» junto à petição inicial, porque a ali impugnante também não se dignou juntá-lo aos autos. À cautela, atenta a dimensão do processo físico, confirmamos também que não é nenhum dos documentos que a Mm.ª Juiz a quo dá como reproduzidos nas alíneas “H” e seguintes dos factos provados. Poderia então dizer-se que o conteúdo do acordo é indiferente, porque a Administração Tributária se terá limitado a dizer que, um acordo (em abstrato) não constitui documento justificativo. Mas é raciocínio que não podemos fazer porque, embora a inspeção tributária tivesse assumido que só considerava documento justificativo a «competente fatura», a fundamentação do ato que vingou na decisão da reclamação graciosa não é tão perentória, tendo-se assumido ali que, no caso da inexistência da fatura (o único documento a que atribuiu origem externa), a prova dos custos poderia ser efetuada por outros documentos (substitutivos) desde que confirmasse a autenticidade dos movimentos refletidos na contabilidade. Coisa que, no caso concreto, entendeu não suceder.
Ou seja, se a decisão administrativa começou por ser a de repudiar (em abstrato) o acordo como documento justificativo, a decisão graciosa foi no sentido de (em concreto) considerar esse documento insuficiente para demonstrar a efetividade da operação e o montante gasto. Remetendo, assim, implicitamente, para o conteúdo concreto do documento anexado ao relatório de inspeção tributária.
A análise do documento também serviria para, no caso de não conter todos os elementos necessários e de se mostrarem apenas parcialmente incumpridos os critérios de documentação do custo, avaliar a gravidade das lacunas e ponderar as suas consequências. É que da falta de indicação de alguma característica da operação no documento de suporte também não tem que derivar a rejeição liminar da dedução do custo correspondente. Não sem que o juízo sobre a falta de colaboração extraprocedimental evidenciada na deficiente documentação da operação seja complementado com um juízo sobre o cumprimento dos deveres de colaboração endoprocedimental, isto é, sobre o empenho manifestado pelo sujeito passivo ao longo do próprio procedimento inspetivo em esclarecer as razões da deficiência documental e os meios para a superar. Porque o comportamento do contribuinte no procedimento também pode indicar se a deficiência derivou da intenção de ocultar (algum d) os verdadeiros contornos da operação ou de alguma outra circunstância justificável.
De todo o exposto deriva que o tribunal de primeira instância deveria ter, no quadro dos seus poderes de instrução oficiosa consagrados no artigo 114.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, avocado o documento em causa ou cópia do mesmo. E formulado com base nele um juízo concreto sobre a sua idoneidade para justificar o custo correspondente.
Não o tendo feito, incorreu em erro de julgamento. Devendo com este fundamento ser anulada a decisão recorrida, no segmento respetivo, e ordenada a devolução dos autos à primeira instância para realização da diligência omitida e prolação e nova decisão, na parte correspondente.” (destaques e sublinhados nossos).
Ora, atentando na fundamentação que supra se transcreveu ter-se-á de concluir que ficou, definitivamente, consolidado pelo órgão jurisdicional de cúpula, o seguinte:
ü À data da prática dos factos tributários, o documento justificativo de um lançamento contabilístico e, em particular, um documento comprovativo de um custo não tinha que ser constituído por uma fatura ou documento equivalente, bastando, assim, que a documentação carreada fosse apta e adequada a comprovar a realização da operação e a relacioná-la com a fonte produtora;
ü O acordo que a Recorrida convoca para suportar o custo visado, pode, em concreto, relevar e ser suficiente e idóneo, bastando, para o efeito, que o mesmo permita aquilatar os elementos essenciais da operação e atestar a individualização e a verificação da sua conexão com a fonte produtora;
ü Para aquilatar da sua dimensão, âmbito, alcance e suficiência, pese embora a decisão administrativa tenha repudiado (em abstrato) o acordo como documento justificativo, a decisão graciosa foi no sentido de (em concreto) considerar esse documento insuficiente para demonstrar a efetividade da operação e o montante gasto, logo é premente a sua junção, posterior análise e inerentes cominações.

E isto porque, tendo sido invocada, pela AT, a insuficiência da documentação de um custo com o facto de um determinado documento não evidenciar os termos da operação, o juízo sobre o erro material na desconsideração do custo correspondente não dispensa a análise desse documento.
Ora, face ao supra expendido, a questão atinente à fundamentação constante no Relatório de Inspeção Tributária e ulterior possibilidade, alcance e densificação no processo de reclamação graciosa já se encontrava, definitivamente, resolvida, não podendo, nessa medida, secundar-se o aduzido pelo Tribunal a quo a propósito da fundamentação a posteriori, na medida em que o STA reputou a sua análise como primacial, carecendo apenas extrapolar as devidas consequências, em termos de suporte documental, e do seu concreto teor.
Mas se, como visto, não se sufraga a interpretação propugnada pelo Tribunal a quo, neste concreto particular, na medida em que haveria que ponderar e aquilatar, em concreto e como ordenado pelo STA, o teor do aludido Acordo firmado com o SPORTING CLUBE DE PORTUGAL, certo é que o mesmo não pode ter o alcance almejado pela Recorrente, concretamente, de manutenção das visadas correções e do ato de liquidação.
E isto porque, conforme veremos, a anulação do ato impugnado impera por razões atinentes ao âmbito e alcance do ónus probatório, na medida em que, conforme aduzido pela Recorrida, a impossibilidade de sindicância, em concreto, do documento e ulterior cumprimento do ónus probatório, terá de ser valorada contra a AT.
Explicitemos, então, porque, assim, o entendemos.
No caso vertente, o TAF de Sintra na sequência e em estrito cumprimento do citado Aresto do STA, requereu a junção aos autos “[d]o documento constante do anexo X ao relatório de inspecção tributária de forma completa, uma vez que ao processo administrativo só foram juntas cópias dos sete primeiros anexos.”, tendo a AT após várias concessões de prorrogação de prazo, esclarecido que pese embora tivesse “[s]ido localizado o processo de inspeção, verificamos não constar dele o anexo solicitado, cuja cópia foi remetida junto com o projeto de relatório, assumindo-se que o documento do arquivo se possa ter extraviado ou se encontre separado no arquivo.”
Ora, face ao supra aludido, há que retirar as devidas consequências da falta de junção de um PA incompleto, e cuja incompletude não foi passível de supressão a posteriori, por eventual, extravio.
Para o efeito, há, efetivamente, que recorrer ao plasmado no artigo 84.º, nºs 5 e 6 do CPTA (1), aplicável por remissão do artigo 2.º, alínea d), do CPPT, e atenta a natureza impugnatória dos visados autos, o qual preceitua que:
“5-A falta do envio do processo administrativo não obsta ao prosseguimento da causa e determina que os factos alegados pelo autor se considerem provados, se aquela falta tiver tornado a prova impossível ou de considerável dificuldade.
6 - Da junção aos autos do processo administrativo é dado conhecimento a todos os intervenientes no processo.”
Ora, in casu, como visto, é não controvertido que o suporte documental dos custos operacionais contabilizados na rubrica “publicidade”, apresentado pela Recorrida foi, efetivamente, o acordo firmado entre a Recorrida e o SPORTING CLUBE DE PORTUGAL, razão pela qual integrava um anexo, concretamente, o anexo X, do Relatório de Inspeção Tributária e demandou, mediante vinculação do Acórdão que está na génese da presente decisão, a sua análise casuística.
Contudo, como já devidamente evidenciado anteriormente, essa concreta densificação e casuística análise foi inviabilizada por factos não imputáveis à Recorrida, mas sim à AT, que em momento e em sede própria não cuidou de proceder à junção integral do PA, e ulteriormente, não conseguiu suprir essa falha instrutória. Donde, tal falha tem de ter os devidos reflexos na esfera probatória, atribuindo-se, por conseguinte, a cominação contemplada no citado normativo.
Como doutrinam MÁRIO AROSO DE ALMEIDA E CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, em anotação ao citado normativo (2)2, “[a] relevância instrutória de que se reveste o envio do processo administrativo pela entidade pública demandada, justifica que se estabeleçam certas medidas cominatórias para assegurar que a Administração cumpra em tempo útil o dever que lhe é imposto (…)”.
Mais esclarecendo que, “[e]m relação ao precedente regime do artigo 11 .° da LPTA, o tribunal considerou que a falta de remessa, sem justificação, do processo instrutor colocava o impugnante na impossibilidade absoluta de provar o erro sobre os pressupostos de facto invocado (traduzido, no caso, em erro de correcção de provas em exames), não obstando à consequência processual dai resultante o facto de haver contra-interessados no processo. Isto porque se entendeu que o não sancionamento da conduta da autoridade administrativa apenas pelo facto de existirem contra-interessados implicaria a postergação do direito do impugnante à apreciação da legalidade do acto e uma violação do seu direito de acesso à justiça e à tutela jurisdicional efectiva e plena (3).”
Elucidando, adicionalmente, que “[é] patente que relativamente a esses factos (que constituem a base da presunção), a autoridade demandada e os contra-interessados poderão efectuar a contraprova, quer demonstrando que todos os documentos foram enviados, quer provando - ainda que não tenha sido possível esse envio -, por quaisquer outros meios, que os factos alegados não correspondem à verdade ou não poderiam ser comprovados através do processo administrativo (4).”(destaques nossos).
Ora, transpondo o supra expendido para a realidade fática dos autos, ter-se-á de concluir que a aludida falta tornou a prova impossível, por facto, inteiramente, circunscrito na esfera da AT. E por assim ser, há que admitir-se e reconhecer-se que os custos se encontram suportados no aludido acordo, como alegado pela Recorrida na sua p.i., e não contraditado, por prova idónea e concreta, estando, por isso, os mesmos documentados para efeitos do consignado no artigo 41.º do CIRC.
Note-se que, não se está a propugnar qualquer inversão em termos de ónus probatório, mas, tão-só, a ajuizar, com o aduzido suporte legal, que não pode ser assacada qualquer responsabilidade à Recorrida na falta de junção do documento visado, na medida em que o mesmo, como visto, integrava o PA. Sem embargo do exposto, sempre se dirá que, à data da prolação do Aresto do STA, já há muito havia decorrido o prazo consignado no artigo 130.º, nº1 do CIRC.
De ressalvar, ainda neste conspecto, que não logra procedência o aduzido em 16.º e V) e VI) das conclusões quanto à circunstância dos elementos essenciais do acordo se encontrarem contemplados no Relatório de Inspeção Tributária, desde logo, porque a alusão ao aduzido acordo é absolutamente genérica, não podendo, natural e necessariamente, ter o alcance almejado pela Recorrente. Ademais, a procedência de tal argumentação contradiz e colide, per se, com o ordenado no Aresto do STA, que reputou, como visto e já densificado anteriormente, uma ponderada e casuística análise do visado acordo.
Carecendo, outrossim, de qualquer relevância as extrapolações quanto ao teor do visado acordo, mormente, âmbito temporal e sua possibilidade de corporização e suporte para o exercício visado, na medida em que, não constando o mesmo dos autos e, sendo, como visto, perentória a sua insusceptibilidade de junção aos autos, qualquer interpretação do seu teor mais não representa que uma mera extrapolação sem suporte factual fidedigno.
De relevar, ainda neste particular -e em sentido inverso ao propugnado pela Recorrente, e aqui corroborando a esteira de entendimento do Tribunal a quo- dimana, inequívoco que, in casu, nunca foi sindicada a substancialidade do custo e a suficiência e adequação da contabilização.
Com efeito, de uma leitura aturada do Relatório Inspetivo promana claro no item atinente ao “enquadramento dos encargos” que “a cedência de bilhetes que a M...´s Portugal utiliza para campanhas promocionais junto dos seus clientes, enquadram-se no conceito de publicidade, pelo que o tratamento contabilístico ou fiscal nos parece correcto.” Esclarecendo, adicionalmente, que o cerne da questão se coadunava com a forma, evidenciando, de forma clara, que “[s]e o princípio é adequado já a forma não merece credibilidade”, porquanto, “[a] cedência (venda dos bilhetes não foi facturada pelo Sporting (por conseguinte sem liquidação de IVA, sendo obtida por mero encontro de contas relativo a um adiantamento efectuado com outro objectivo, pelo que o custo não se encontra devidamente documentado”. (destaques e sublinhados nossos).
Acresce, in fine, que face ao teor do Relatório de Inspeção Tributária, à factualidade provada constante no probatório, e ao deficit na junção da prova visada, sempre a fundada dúvida quanto ao ato impugnado teria de reverter contra a AT.
Como doutrinado em recente Aresto do STA, prolatado no âmbito do processo nº 0695/07.4BEPRT 0450/18, de 12 de janeiro de 2022, “[s]e da prova produzida resultar dúvida fundada (…) deve o ato tributário ser anulado.” Esclarecendo, na fundamentação jurídica que perfilhamos, que “[n]os casos em que há dúvidas fundadas sobre o facto tributário que persistam após a instrução (non liquet) a lei manda anular o ato.(..)”
Logo, no limite, a dúvida fundada e o aduzido princípio consignado no artigo 100.º do CPPT sempre acarretariam a anulação do ato impugnado.
Destarte, tudo visto e ponderado, improcede o arguido erro de julgamento, mantendo-se, nessa medida, a decisão recorrida, ainda que com a presente fundamentação, donde, o juízo anulatório.
Subsiste, então, por analisar o erro de julgamento quanto ao pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios, segundo o qual o Tribunal a quo se limitou a estabelecer uma condenação automática sem a competente densificação da imputabilidade do erro imputável aos serviços.
Vejamos, então.
O Tribunal a quo, ajuizou, para o efeito, o seguinte:
“A reconstituição da situação atual hipotética a que alude o artigo 100.º da LGT, que estabelece que “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei”, implica a restituição do montante do imposto pago, bem como o pagamento dos juros indemnizatórios, nos termos do disposto no artigo 43.º, n.º 1, da LGT, que estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
Ora, do supra expendido, retira-se, inversamente ao propugnado pela Recorrente, que o Tribunal a quo, reputou que ocorreu um erro imputável aos serviços, que determinou a anulação do ato tributário, subsumindo-se, assim, a questão no artigo 43.º, nº1, da LGT.
Logo, não só não merece provimento a alegação atinente à existência de uma aduzida “condenação automática”, como o aludido juízo de entendimento não merece censura, na medida em que, existe, efetivamente, erro imputável aos serviços.
Com efeito, a consagração expressa deste direito no artigo 43.º da LGT reflete o princípio da igualdade dos sujeitos da relação, sendo devidos juros indemnizatórios sempre que os contribuintes sejam privados, de forma indevida, de meios financeiros por razões imputáveis à AT.
Do teor do artigo 43.º da LGT, resulta, assim, que os juros indemnizatórios se destinam a compensar o contribuinte pelo prejuízo causado pelo pagamento indevido de uma prestação tributária ou pelo atraso na restituição oficiosa de tributos, sendo requisitos do mesmo:
a) que haja um erro num ato de liquidação de um tributo;
b) que esse erro seja imputável aos serviços;
c) que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial;
d) que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária superior ao legalmente devido.
No atinente ao sindicado erro imputável aos serviços, esclarece JORGE LOPES DE SOUSA que a utilização da expressão “erro” e não “vício” ou “ilegalidade” para aludir aos factos que podem servir de base à atribuição de juros, revela que se teve em mente apenas os vícios do ato anulado a que é adequada essa designação, que são o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito 5.
5 Em anotação ao artigo 61º do CPPT, in Código de Procedimento e Processo Tributário anotado e comentado, I vol., Áreas Editora, Lisboa, 5ª edição, 206, p. 472.
De chamar à colação, ainda neste particular, o Acórdão proferido pelo Pleno da Seção de Contencioso Tributário do STA, no processo nº 0632/14, com data de 21 de janeiro de 2015, disponível para consulta em www.dgsi.pt, no qual se sumariou, entre o mais:
“ II-Constitui erro imputável aos serviços e pode servir de base à responsabilidade por juros indemnizatórios a falta do próprio serviço, nomeadamente a prática de uma liquidação ilegal e, por isso ilícita.
III – Tendo as liquidações de juros compensatórios sido anuladas por inexistência de atuação culposa do sujeito passivo, e sendo tais liquidações da responsabilidade da Administração Tributária, deve à mesma ser imputado o erro nos pressupostos de direito (artº 35º, nº 1 da LGT) que está na base da anulação de tais liquidações” (sublinhados e destaques nossos).
Assim, em consonância com a fundamentação jurídica constante no citado Aresto e demais jurisprudência nele citada, que se perfilha, a anulação da liquidação impugnada fundou-se em vício de violação de lei, por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito atinentes ao suporte documental do custo em contenda, concatenando, outrossim, com deficiência instrutória na esfera da AT. Pelo que, inexistindo atuação culposa do sujeito passivo e tendo a liquidação sido emitida pela AT deve à mesma ser imputado o vício de violação de lei que está na base da anulação de tal liquidação.
Em face do que vem sendo dito, conclui-se que se verificam os requisitos para o reconhecimento, no caso em apreciação, do direito da Recorrida a juros indemnizatórios, já que o tributo foi pago e a liquidação impugnada resulta de erro imputável aos serviços, erro esse determinante da anulação do ato impugnado.
Validando-se, assim, a condenação da AT no respetivo pagamento, desde a data do pagamento indevido até à data da emissão da respetiva nota de crédito, conforme ajuizado pelo Tribunal a quo.
Destarte, face a todo o expendido e sem necessidade de quaisquer considerandos, mantém-se, integralmente, o juízo anulatório, ainda que com a presente fundamentação, e as demais consequências legais.

***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO e manter a decisão recorrida na ordem jurídica, com a presente fundamentação.
Custas pela Recorrente.
Registe. Notifique.

LISBOA, 10 DE NOVEMBRO DE 2022

(PATRÍCIA MANUEL PIRES)
(JORGE CORTÊS)
(LUÍSA SOARES)

(1) Regime subsidiário prevalente atenta a enumeração do artigo 2.º do CPPT.
(2) Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 3ª edição, pág.549.
(3) In Ob. Cit, pág.551.
(4) In Ob. Cit, pág.553.