Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06112/12
Secção:CT
Data do Acordão:06/08/2017
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:NULIDADE DA SENTENÇA QUANDO OS SEUS FUNDAMENTOS ESTÃO EM OPOSIÇÃO COM A DECISÃO.
ARTº.615, Nº.1, AL.C), DO C.P.CIVIL. ARTº.125, Nº.1, DO C.P.P.TRIBUTÁRIO.
ACTO TRIBUTÁRIO E FACTO TRIBUTÁRIO. NOÇÃO.
CONCEITO DE RENDIMENTO TRIBUTÁRIO EM SEDE DE C.I.R.S. (CONCEPÇÃO DE RENDIMENTO-ACRÉSCIMO).
ANULAÇÃO DO ACTO TRIBUTÁRIO BASEADA NA EXISTÊNCIA DE UM ERRO SOBRE OS PRESSUPOSTOS DE FACTO.
ERRADA QUANTIFICAÇÃO DA MATÉRIA TRIBUTÁVEL QUE FUNDAMENTA A ESTRUTURAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO.
ACTUAL CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO REVESTE A NATUREZA DE CONTENCIOSO DE PLENA JURISDIÇÃO.
ANULAÇÃO PARCIAL DO ACTO TRIBUTÁRIO.
ACTOS DIVISÍVEIS.
REGIME DA REFORMA DE ACTOS ADMINISTRATIVOS.
Sumário:1. Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.c), do C. P. Civil, é nula a sentença quando os seus fundamentos estejam em oposição com a decisão. Encontramo-nos perante um corolário lógico da exigência legal de fundamentação das decisões judiciais em geral consagrado no artº.154, nº.1, do C.P.Civil. O vício em análise, o qual tem como premissa a eventual violação do necessário silogismo judiciário que deve existir em qualquer decisão judicial, terá lugar somente quando os fundamentos da sentença devam conduzir, num processo lógico, a uma decisão oposta ou, pelo menos, diferente da que foi adoptada. No processo judicial tributário o vício de oposição entre os fundamentos e a decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário.
2. O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos. Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada.
3. Na construção do conceito de rendimento tributário o C.I.R.S. adopta a concepção de rendimento-acréscimo, segundo a qual a base de incidência deste tributo abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos, os quais também devem ser considerados manifestações de capacidade contributiva.
4. A anulação do acto tributário objecto do processo baseou-se na existência de um erro sobre os pressupostos de facto de que o acto padece (o qual se consubstancia num vício de violação de lei), verificando-se o mesmo, nomeadamente, quando está erradamente quantificada a matéria tributável que fundamenta a estruturação da liquidação objecto do processo (cfr.nºs.4 e 5 do probatório).
5. São diversas as razões no sentido de que o actual contencioso tributário reveste a natureza de contencioso de plena jurisdição:
a-Os princípios da oficialidade e da investigação ou inquisitório, estruturantes do processo judicial tributário, consubstanciando-se, o primeiro na atribuição ao juiz de poderes para dirigir o processo, e o segundo no poder de ordenar as diligências que entender necessárias para a descoberta da verdade, princípios estes que, além do mais, devem permitir a redução do número de processos que acabam sem decisões de mérito (cfr.artº.99, nº.1, da L.G.Tributária; artº.13, nº.1, do C.P.P.Tributário);
b-O princípio da tutela jurisdicional efectiva com consagração constitucional (cfr.artº.268, nº.4, da Constituição da República) somente é alcançado se as sentenças puderem ter todos os efeitos necessários e aptos a proteger o direito ou interesse apreciado pelo Tribunal, assim não podendo limitar-se à mera anulação do acto tributário e podendo o processo de impugnação revestir uma natureza condenatória, caso o contribuinte solicite não só a anulação do acto tributário, mas também a devolução do montante pago acrescido dos respectivos juros;
c-O princípio da economia processual que exige que se ponha fim ao litígio utilizando do processo judicial tudo o que puder ser aproveitado para basear uma decisão do Tribunal de onde sai logo uma definição da situação tributária concreta sob análise que não careça de qualquer nova pronúncia da Administração Tributária;
d-Por último, razões ligadas ao próprio âmbito do contencioso tributário ou aos limites à plena jurisdição de um tal contencioso, os quais só serão de aceitar em relação àqueles domínios ou aspectos da acção administrativa em que a mesma plena jurisdição implique para o juiz tributário a prática de actos que afrontem o núcleo essencial da função administrativa, nomeadamente a intangibilidade do caso julgado administrativo ou o respeito pelas áreas em que a Administração Tributária goza de uma margem de livre apreciação na sua decisão (v.g.discricionariedade técnica).
6. Em resumo, o Tribunal tem poder não só para anular a parte ilegal do acto tributário, mas também para fixar a parte não ilegal do mesmo, conquanto que essa fixação não colida com o núcleo essencial da função administrativa. E é precisamente devido à existência desse poder, permitindo que os trabalhos de investigação obtenham a verdade material e aproveitando o que puder ser aproveitado do trabalho da Administração Tributária, que podemos entender a decisão judicial de revogação do acto tributário operada por uma sentença de conteúdo positivo e dando corpo ao princípio de um contencioso de plena jurisdição.
7. A divisibilidade do acto tributário constitui o argumento utilizado pela jurisprudência para fundamentar a possibilidade da decisão judicial de anulação parcial dos actos tributários. Baseando-se na classificação dos actos administrativos divisíveis a jurisprudência dos Tribunais Superiores abundantes vezes já afirmou que os actos que imponham a obrigação de pagamento de uma quantia, como é o caso dos actos de liquidação de tributos, são naturalmente divisíveis uma vez que correspondem a um quantitativo pecuniário e são apurados através de operações aritméticas, divisibilidade essa que igualmente resulta da própria lei, em virtude do que é admissível a sua anulação parcial quando o fundamento da anulação apenas afecte uma parte do acto. Assim já não acontece no caso de acto tributário que assente na fixação da matéria colectável por métodos indirectos.
8. Na sequência de anulação parcial da liquidação, se for efectuada uma nova liquidação, relativa à parte não anulada, ela substituirá a primeira, devendo ser-lhe dado o tratamento jurídico próprio da reforma de actos administrativos, previsto no artº.79, nº.1, da L.G.T., e artº.44, nº.1, al.d), do C.P.P.T., que se consubstancia na sanação de um vício de violação de lei que afecta o acto reformado, mantendo o seu conteúdo válido e eliminando ou substituindo a parte afectada pela ilegalidade. A reforma tem efeito retroactivo (artº.137, nº.4, do C.P.A., então em vigor), pelo que, mesmo que seja efectuada uma nova notificação os seus efeitos devem reportar-se à data em que foi efectuada a primeira. É que a retroactividade será meramente aparente, uma vez que, na parte não anulada, o acto anterior produz efeitos desde a respectiva notificação, sendo apenas confirmado pelo acto reformador.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do T.A.F. de Sintra, exarada a fls.156 a 169 do presente processo, através da qual julgou procedente a impugnação intentada pela sociedade recorrida, “C..., L.da.”, tendo por objecto liquidações de retenção na fonte de I.R.S. e juros compensatórios, relativas ao ano de 1998 e no montante total de € 7.589,51.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.212 a 220 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença declaratória de procedência da impugnação judicial deduzida, que mandou anular o acto de liquidação adicional de IRS nº ..., referente a retenções na fonte de trabalho independente do exercício de 1998 no montante de 1.148.603$00 acrescido de juros compensatórios no valor de 372.985$00 o que totaliza 1.521.561$00 (€ 7.589,51);
2-Alega a impugnante erro na qualificação jurídica dos factos e consequentemente, erro na aplicação do direito. Consubstancia a sua fundamentação no facto de no âmbito da sua actividade, ter efectuado pagamentos a pessoas singulares não residentes, provenientes de prestações de serviço efectuadas em Portugal, tendo os respectivos contratos sido celebrados antes da entrada em vigor do Decreto - Lei nº 25/98, de 10 de Fevereiro;
3-Alega ainda que as alterações fiscais introduzidas pelo Decreto-Lei nº 25/98, de 10 de Fevereiro, não se aplicam às relações tributárias constituídas na vigência de norma anterior, por força do princípio da não retroactividade das normas fiscais;
4-Defende que os pagamentos efectuados a essas pessoas singulares, constantes das facturas nº 3.6, 3.7, 3.8, 3.10, 3.12, 3.14, 3.16, 3.18, 3.20, 3.22 e 3.24 não estariam sujeitos a retenção na fonte por disposto no art.23º da Convenção celebrada entre Portugal e França, no art.20° da Convenção celebrada entre Portugal e Inglaterra e no art.22° da Convenção celebrada entre Portugal e Espanha;
5-A douta sentença julgou procedente a impugnação mandando anular o acto de liquidação impugnado;
6-Com o devido respeito com o que desta forma foi decidido, não se conforma a Fazenda Pública, sendo outro o seu entendimento, já que considera que a douta sentença sob recurso padece de erro de julgamento de facto e erro de julgamento de direito, como a seguir se argumentará e concluirá;
7-Analisando a douta sentença, verificamos que no segmento IV - O Direito, a Meritíssima Juiz na apreciação "da sujeição a retenção na fonte dos pagamentos efectuados pela impugnante", após analisar a situação decidiu "também neste ponto improcede a alegação da Impugnante" (cf. fim da fl.166 da sentença);
8-Posteriormente a douta sentença refere que: "por falta de prova, a liquidação adicional efectuada pela Administração Fiscal, no exercício de 1998 da impugnante, é anulável, apenas se aceitando, para este efeito, os pagamentos devidamente documentados através das facturas com referência 3.6, 3.8, 3.10, 3.12, 3.14, 3.16, 3.18, 3.20, 3.22 e 3.24, no valor total de Esc. 4.479.300$00";
9-E decide: “nessa medida procede a presente impugnação judicial”;
10-Também no que respeita à al. "b) Da aplicabilidade aos autos da Convenção sobre Dupla Tributação" a douta sentença após analisar a situação, conclui "Assim, neste ponto, improcede a alegação da Impugnante" (cf. fl.169 da douta sentença);
11-No entanto a Meritíssima Juiz no segmento decisório considerou procedente a presente impugnação, mandando anular o acto de liquidação;
12-Com o devido respeito e salvo melhor opinião, somos de parecer que o segmento decisório deste aresto está em contradição com a fundamentação que lhe está subjacente, senão vejamos;
13-A questão a dirimir prende-se com o facto de saber se a impugnante deveria, no exercício de 1998, relativamente aos pagamentos a não residentes, ter efectuado a retenção na fonte à taxa de 15% prevista no CIRS, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 25/98;
14-Não explicitando a douta sentença no segmento decisório que a anulação da liquidação é apenas parcial, ao considerar procedente a presente impugnação e mandando anular a liquidação impugnada, está a mandar anular a totalidade da liquidação de IRS referente a imposto e juros compensatórios do exercício de 1998, no montante de 1.521.561$00 (€ 7.589,51);
15-O critério utilizado pelo juiz "a quo" na sua fundamentação foi apreciar separadamente as situações a dirimir: a) "da sujeição a retenção na fonte dos pagamentos efectuados pela Impugnante" e b) "da aplicabilidade aos autos da Convenção sobre Dupla Tributação";
16-E para fundamentar a alínea a) do artigo anterior a douta sentença considerou que dos documentos anexos ao Relatório de Inspecção constam as facturas 3.6, 3.8, 3.10, 3.12, 3.14, 3.16, 3.18, 3.20, 3.22 e 3.24 referentes a pagamentos a não residentes sendo que apenas a factura com a referência 3.16, no valor de 600.000$00 tem data anterior à data da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 25/98, de 10 de Fevereiro;
17-E considera ainda a douta sentença que "não obstante, mesmo quanto a esse pagamento, o mesmo já estaria sujeito a retenção na fonte à taxa de 25%, nos termos dos artigos 17°, n°1, al. a) e 74°, nºs 1 e 4 c) do CIRS, na redacção dada pela Lei 52-C/96, de 27 de Dezembro, pelo que também neste ponto improcede a alegação da impugnante";
18-É contraditória e ininteligível a fundamentação da decisão quando nela se afirma: "Por falta de prova, a liquidação adicional efectuada pela Administração Fiscal, no exercício de 1998 da impugnante, é anulável, apenas se aceitando, par este efeito, os pagamentos devidamente documentados através das facturas com referência 3.6, 3.8, 3.10, 3.12, 3.14, 3.16, 3.18, 3.20, 3.22 e 3.24, no total de 4.479.300$00";
19-Por um lado afirma-se que não foi efectuada a prova, pelo que a liquidação é anulável;
20-Por outro lado e dentro da mesma frase, diz-se que "apenas se aceita ... os pagamentos devidamente fundamentados";
21-Que na situação em apreço são todas as facturas constantes da alínea e) do probatório, ou seja todas as facturas objecto de análise e que estão subjacentes à liquidação adicional efectuada;
22-E que estão devidamente comprovadas no Anexo 3 do Relatório (cf.fl.80 99 do PAT);
23-Analisando ainda a douta sentença na parte referente à aplicabilidade aos autos da Convenção sobre Dupla Tributação, a mesma considerou a impugnação improcedente em virtude de a impugnante não ter feito prova (através de documentos oficiais emitidos pelas autoridades fiscais espanholas) de que, durante o exercício de 1998 tais prestadores de serviços tinham a sua residência fiscal em Espanha;
24-Acresce ainda referir que toda a fundamentação ínsita na douta sentença conduz a que a decisão seja indubitavelmente improcedente, contrariamente ao que foi decidido;
25-Assim, porque os fundamentos estão em contradição com a decisão, a douta sentença está ferida de nulidade por força do disposto na alínea c) do art.668º do Código de Processo Civil (CPC);
26-E, ao mandar anular na totalidade o acto tributário padece de erro por violação do art.100º da Lei Geral Tributária (LGT). Pelo que com o devido respeito e salvo melhor opinião, a decisão não poderia ser outra senão a da improcedência da impugnação;
27-Nestes termos e com o douto suprimento de Vªs Exªs, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por douto acórdão que julgue improcedente na totalidade a presente impugnação, assim se fazendo a habitual JUSTIÇA.
X
A sociedade recorrida produziu contra-alegações (cfr.fls.222 a 232 dos autos), as remata com o seguinte quadro Conclusivo:
1-Vem o presente recurso interposto da decisão que julgou procedente a impugnação judicial apresentada pela recorrida do ato de liquidação nº. ..., relativo ao apuramento de retenções na fonte de IRS de trabalho independente, do exercício de 1998, no valor de Esc. 1.148.603$00 (€ 5.729,21), acrescida de juros compensatórios no valor de Esc. 372.985$00 (€ 1.860,44);
2-De acordo com a referida decisão, apesar de a Administração Tributária ter considerado que a impugnante fez pagamentos a não residentes no valor total de Esc. 7.657.350$00 (€ 38.194,70), a verdade é que apenas se encontram devidamente documentados pagamentos feitos pela impugnante no valor total de Esc. 4.479.300$00 (€ 22.342,65);
3-Deste aresto apresentou o Representante da Fazenda Pública um pedido de aclaração de sentença, que terminou referindo que: "Com o devido respeito e salvo melhor opinião, somos de parecer que a decisão só poderia ser parcialmente procedente.", o qual foi indeferido pelo juiz a quo;
4-O Representante da Fazenda Pública não põe em causa qualquer um dos factos contantes do probatório;
5-O que coloca em causa, isso sim, é o sentido da decisão, que classifica de contraditória e ininteligível em virtude de, por um lado, dizer-se que a liquidação é anulável, afirmando ao mesmo tempo que apenas alguns dos pagamentos sujeitos àquela retenção na fonte estão adequadamente documentados;
6-Ora, salvo o devido respeito, o que é contraditório e ininteligível é o articulado das alegações;
7-O que está aqui em causa é a interpretação que o Representante da Fazenda Pública faz da sentença do tribunal a quo, que motivou o pedido de aclaração;
8-Daí que o Representante da Fazenda Pública tenha no ponto 17º das alegações protestado contra tal indeferimento, referindo que a douta sentença não explicitava no seu segmento decisório "que a anulação é apenas parcial, ao considerar procedente a presente impugnação e mandando anular a liquidação impugnada, está a mandar anular a totalidade da liquidação de IRS referente a imposto e juros compensatórios do exercício de 1998, no montante de 1.521.561$00 (€ 7.589,51).";
9-Ora, quanto a isto há a dizer que o processo tributário é um contencioso de mera anulação (cfr. artigo 100 da LGT);
10-Significa isto que ao juiz cabe decidir sobre a existência de ilegalidades que possam inquinar o ato e depois sobre se as mesmas importam, ou não, a anulação total ou parcial do ato impugnado;
11-A Administração Tributária por seu turno está obrigada, de acordo com o mencionado artigo 100° da LGT a "em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.";
12-ln casu, o ato impugnado foi claramente anulado na sua totalidade, reconduzindo-se portanto a questão em análise em saber se o ato tributário impugnado devia ter sido anulado na totalidade ou somente na parte inquinada de ilegalidade, isto é, anulada parcialmente, na parte correspondente aos pagamentos relativamente aos quais a Administração Tributária contabilizou sem dispor do adequado suporte documental e de prova;
13-Como é já jurisprudência pacífica, o ato tributário, enquanto ato divisível, tanto por natureza como por definição legal, é suscetível de anulação parcial;
14-O que também é jurisprudência pacífica, é que há ilegalidades que inquinam irremediavelmente todo o ato tributário, não sendo possível quanto às mesmas isolar apenas um aspeto seu que possa ser inutilizado sem afetar todo o ato;
15-Foi o que sucedeu por exemplo no âmbito do processo nº. 0583/10, onde foi proferido em 12/01/2011 acórdão pelo Supremo Tribunal Administrativo onde se considerou: "não é, todavia possível proceder­se à anulação parcial do ato, se o vício judicialmente reconhecido resulta de, na fixação da matéria coletável por métodos indiretos, a AT ter presumido uma margem de lucro que o Tribunal entendeu excessiva, ou insuficientemente demonstrada, pois não cabe aos tribunais, substituindo-se à Administração, escolher a margem de lucro ajustada ao caso e proceder à correspondente liquidação.";
16-Nesse mesmo acórdão se pode ainda ler que "nestes casos, como se sublinha no Ac. STA de 27.08.2005, rec 287105, in www.dgsi.pt, deve anular-se totalmente o ato "pois não cabe aos tribunais, substituindo-se à administração, escolher a margem de lucro ajustada ao caso e proceder à correspondente liquidação";
17-Ora, in casu, também não cabe aos tribunais proceder à liquidação do imposto considerando apenas o montante correspondente a parte dos pagamentos considerados na liquidação oficiosa impugnada;
18-Termos em que, com o sempre douto suprimento de V. Exas., deverá negar-se provimento ao recurso apresentado pelo representante da Fazenda Pública e em consequência confirmar-se a decisão recorrida, pois só assim se fará a costumada Justiça.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do provimento do presente recurso (cfr.fls.242 a 244 dos autos).
X
Corridos os vistos legais (cfr.fls.246 dos autos), vêm os autos à conferência para deliberação.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.158 a 161 dos autos - numeração nossa):
1-A sociedade impugnante, "C..., Lda.", com o n.i.p.c. ..., foi constituída em 1997, com o fim exclusivo de intervir na construção, concepção e montagem de pavilhões de diversos países existentes na Expo 98 (cfr.factualidade admitida por acordo das partes);
2-Através da ordem de serviço n.º 37.173, de 10/05/99, foi ordenada uma acção de inspecção às contas da impugnante, que incidiu sobre o exercício de 1998 (cfr.relatório de inspecção junto a fls.15 a 26 do processo administrativo apenso);
3-Na sequência da acção de inspecção referida no número anterior, foi elaborado o relatório de inspecção, do qual se destaca o seguinte:

“Texto no original”

(cfr.relatório de inspecção junto a fls.15 a 26 do processo administrativo apenso);

4-Do anexo 3 do relatório de inspecção consta a seguinte informação:



(cfr.documento junto a fls.76 do processo administrativo apenso);

5-Juntas ao anexo 3 do relatório constam as seguintes facturas:

“Quadro no original”

(cfr.documentos juntos a fls.80 a 99 do processo administrativo apenso, os quais se dão por integralmente reproduzidos);
6-Os prestadores de serviço contratados pela sociedade impugnante, referidos no número anterior do probatório, em 1998 não eram residentes em Portugal (cfr.factualidade admitida por acordo das partes);
7-Na sequência das conclusões do relatório de inspecção, em 05/09/2001, a Administração Fiscal emitiu a liquidação adicional de IRS, n.º ..., relativa ao exercício de 1998, com o valor de imposto de Esc.1.148.603$00, acrescida de juros compensatórios no valor de Esc.372.958$00, que perfez um valor total a pagar de Esc. 1.521.561$00/€ 7.589,51, da qual surge como sujeito passivo a sociedade impugnante (cfr.documento junto a fls.17 dos presentes autos).

X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Com relevância para a decisão da causa, não se provou que os prestadores de serviços, referidos no nº.5 do probatório, tivessem residência em Espanha, uma vez que a Impugnante não juntou aos autos qualquer documento emitido pelas Autoridades Fiscais espanholas comprovativo desse facto…”.
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A decisão da matéria de facto resultou do exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que constam dos autos, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida considerou, em síntese, julgar procedente a presente impugnação e, consequentemente, anulou o acto tributário objecto do processo (cfr.nº.7 do probatório), tudo em virtude da A. Fiscal somente ter efectuado prova do pagamento a não residentes no montante de Esc.4.479.300$00, quando a liquidação impugnada tinha por base supostos pagamentos no valor total de Esc. 7.657.350$00 (cfr.nºs.4 e 5 do probatório).
X
Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O recorrente aduz, em primeiro lugar e em síntese, que o segmento decisório do aresto recorrido está em contradição com a fundamentação que lhe está subjacente. Que toda a fundamentação ínsita na sentença recorrida conduz a que a decisão fosse, indubitavelmente, a improcedência da impugnação, contrariamente ao que foi decidido. Assim, porque os fundamentos estão em contradição com a decisão, a sentença está ferida de nulidade nos termos do artº.668, nº.1, al.c), do Código de Processo Civil (cfr.conclusões 7 a 12 e 18 a 25 do recurso), pretendendo assacar à decisão do Tribunal "a quo" o vício de nulidade devido a contradição entre os fundamentos e a decisão.
Deslindemos se a decisão recorrida comporta tal pecha.
Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.c), do C. P. Civil, é nula a sentença quando os seus fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível. Encontramo-nos perante um corolário lógico da exigência legal de fundamentação das decisões judiciais em geral consagrado no artº.154, nº.1, do C.P.Civil. O vício em análise, o qual tem como premissa a eventual violação do necessário silogismo judiciário que deve existir em qualquer decisão judicial, terá lugar somente quando os fundamentos da sentença devam conduzir, num processo lógico, a uma decisão oposta ou, pelo menos, diferente da que foi adoptada (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.141 e 142; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.689 e 690; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.36 e 37).
No processo judicial tributário o vício de oposição entre os fundamentos e a decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário. Mais se dirá que não ocorre esta nulidade quando a alegada contradição for entre os fundamentos de facto da decisão ou, por outras palavras, quando se tenham dado como assentes factos incompatíveis entre si, como parece querer defender o recorrente (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.361 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 18/2/2010, rec.1158/09; ac.S.T.A-2ª.Secção, 4/5/2011, rec.66/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/3/2012, proc. 1103/06; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/2/2013, proc.5713/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/8/2013, proc.6883/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 30/4/2014, proc.7435/14).
No caso “sub judice”, não vislumbra este Tribunal que a sentença recorrida padeça da nulidade em análise. Concretizando, a decisão recorrida não comporta nenhuma contradição entre os fundamentos e a decisão, na medida em que, tendo decidido pela procedência da impugnação deduzida, mais anulando a liquidação objecto do processo, a fundamentação jurídica de tal peça processual vai no mesmo sentido, chegando o Tribunal “a quo” à conclusão de que a A. Fiscal somente efectuou prova do pagamento a não residentes no montante de Esc. 4.479.300$00, quando a liquidação impugnada tinha por base supostos pagamentos no valor total de Esc.7.657.350$00.
Apesar do acabado de relatar, reconhece este Tribunal que a decisão recorrida não pode considerar-se um modelo de clareza, levando em consideração a figura do silogismo judiciário que deve basear a estrutura lógica de qualquer sentença (cfr.Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.670 e seg.; Manuel A. Domingos Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág.295 e seg.).
Em suma, não se vê que a sentença recorrida padeça de qualquer vício lógico (obscuridade; contradição) na sua estrutura que tenha por consequência a respectiva declaração de nulidade.
Face ao exposto, julga-se improcedente este fundamento do recurso.
Defende, igualmente e em sinopse, o recorrente que a questão a dirimir prende-se com o facto de saber se o impugnante/recorrido deveria, no exercício de 1998, relativamente aos pagamentos a não residentes, ter efectuado a retenção na fonte, a título definitivo, prevista nos artºs.17 e 74, do C.I.R.S. Que não explicitando a sentença recorrida, no dispositivo, que a anulação da liquidação é apenas parcial, ao considerar procedente a presente impugnação, está a mandar anular a totalidade da liquidação de I.R.S. objecto do processo. Que ao mandar anular, na totalidade, o acto tributário a sentença padece de erro por violação do artº.100, da L.G.T. (cfr.conclusões 13 a 17 e 26 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo, supõe-se, consubstanciar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos (cfr.Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág.324; Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 1996, pág.57; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.269). Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/2/2013, proc.5713/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7073/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/3/2014, proc.7384/14).
Na construção do conceito de rendimento tributário o C.I.R.S. adopta a concepção de rendimento-acréscimo, segundo a qual a base de incidência deste tributo abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos, os quais também devem ser considerados manifestações de capacidade contributiva (cfr.nº.5 do preâmbulo do C.I.R.S.; Paulo de Pitta e Cunha, A Fiscalidade dos Anos 90, O Novo Sistema de Tributação do Rendimento, Almedina, 1996, pág.20; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.379).
Revertendo ao caso dos autos, conforme se retira da decisão do Tribunal “a quo” e supra se menciona, este anulou o acto tributário objecto do processo (cfr.nº.7 do probatório), em virtude da A. Fiscal somente ter efectuado prova do pagamento a não residentes, por parte da sociedade ora recorrida, no montante de Esc.4.479.300$00, quando a liquidação impugnada tinha por base supostos pagamentos no valor total de Esc.7.657.350$00 (cfr.nºs.4 e 5 do probatório).
O apelante, por sua vez, defende que ao mandar anular, na totalidade, o acto tributário a sentença recorrida padece de erro por violação do artº.100, da L.G.T.
Do exame da factualidade provada, não impugnada pelo recorrente, retira-se que a anulação do acto tributário objecto do processo se baseou na existência de um erro sobre os pressupostos de facto de que o acto padece (o qual se consubstancia num vício de violação de lei), verificando-se o mesmo, nomeadamente, quando está erradamente quantificada a matéria tributável que fundamenta a estruturação da liquidação objecto do processo (cfr.nºs.4 e 5 do probatório; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, II volume, 2011, pág.115 e seg.).
Será que o Tribunal pode mandar anular parcialmente o acto de liquidação objecto do presente processo, conforme defende o recorrente (e admite o recorrido).
Pensamos que sim.
Expliquemos porquê.
Desde logo e para quem o defenda, a natureza de contencioso de mera anulação que terá o processo judicial tributário não impedia, antes exigia, o exame do acto tributário objecto do processo e a sua consequente anulação parcial.
No entanto, salvo melhor opinião, o actual contencioso tributário já não pode considerar-se um contencioso de mera anulação.
São diversas as razões no sentido de que a anulação parcial do acto tributário pressupõe um contencioso de plena jurisdição:
1-Os princípios da oficialidade e da investigação ou inquisitório, estruturantes do processo judicial tributário, consubstanciando-se, o primeiro na atribuição ao juiz de poderes para dirigir o processo, e o segundo no poder de ordenar as diligências que entender necessárias para a descoberta da verdade, princípios estes que, além do mais, devem permitir a redução do número de processos que acabam sem decisões de mérito (cfr.artº.99, nº.1, da L.G.Tributária; artº.13, nº.1, do C.P.P.Tributário);
2-O princípio da tutela jurisdicional efectiva com consagração constitucional (cfr.artº.268, nº.4, da Constituição da República) somente é alcançado se as sentenças puderem ter todos os efeitos necessários e aptos a proteger o direito ou interesse apreciado pelo Tribunal, assim não podendo limitar-se à mera anulação do acto tributário e podendo o processo de impugnação revestir uma natureza condenatória, caso o contribuinte solicite não só a anulação do acto tributário, mas também a devolução do montante pago acrescido dos respectivos juros;
3-O princípio da economia processual que exige que se ponha fim ao litígio utilizando do processo judicial tudo o que puder ser aproveitado para basear uma decisão do Tribunal de onde sai logo uma definição da situação tributária concreta sob análise que não careça de qualquer nova pronúncia da Administração Tributária;
4-Por último, razões ligadas ao próprio âmbito do contencioso tributário ou aos limites à plena jurisdição de um tal contencioso, os quais só serão de aceitar em relação àqueles domínios ou aspectos da acção administrativa em que a mesma plena jurisdição implique para o juiz tributário a prática de actos que afrontem o núcleo essencial da função administrativa, nomeadamente a intangibilidade do caso julgado administrativo ou o respeito pelas áreas em que a Administração Tributária goza de uma margem de livre apreciação na sua decisão (v.g.discricionariedade técnica).
Em resumo, no tipo de situações em análise, o Tribunal tem poder não só para anular a parte ilegal do acto tributário, mas também para fixar a parte não ilegal do mesmo, conquanto que essa fixação não colida com o núcleo essencial da função administrativa. E é precisamente devido à existência desse poder, permitindo que os trabalhos de investigação obtenham a verdade material e aproveitando o que puder ser aproveitado do trabalho da Administração Tributária, que podemos entender a decisão judicial de revogação do acto tributário operada por uma sentença de conteúdo positivo e dando corpo ao princípio de um contencioso de plena jurisdição (cfr.Joaquim Manuel Charneca Condesso, Anulação parcial dos actos e suas consequências legais, Revista Julgar, Edição da A.S.J.P., nº.15, pág.165 e seg.).
Mais se deve reconhecer que os Tribunais Tributários sempre têm procedido à anulação parcial dos actos tributários, igualmente prevendo a lei tal possibilidade (cfr.artº.5, do C.P.C.Impostos; artºs.130, nº.3, e 145, do C.P.Tributário; artºs.79, nº.1, e 100, da L.G.Tributária; artº.112, nº.3, do C.P.P.Tributário).
Esta solução parece impor-se com base em dois vectores:
1-A divisibilidade do acto tributário;
2-A natureza jurídica da sentença de anulação parcial do acto tributário como de plena jurisdição.
A divisibilidade do acto tributário constitui o argumento utilizado pela jurisprudência para fundamentar a possibilidade da decisão judicial de anulação parcial dos actos tributários. Baseando-se na classificação dos actos administrativos divisíveis (cfr.Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol.II, Almedina, 1991, pág.1396; ac.S.T.A.-Pleno da 1ª.Secção, 18/7/1985, rec.15294, A.Dout., nº.300, pág.1533 e seg.), os Tribunais Superiores abundantes vezes já afirmaram que os actos que imponham a obrigação de pagamento de uma quantia, como é o caso dos actos de liquidação de tributos, são naturalmente divisíveis uma vez que correspondem a um quantitativo pecuniário e são apurados através de operações aritméticas, divisibilidade essa que igualmente resulta da própria lei, em virtude do que é admissível a sua anulação parcial quando o fundamento da anulação apenas afecte uma parte do acto. Assim já não acontece no caso de acto tributário que assente na fixação da matéria colectável por métodos indirectos (cfr. v.g.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/9/1999, rec.24101; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 16/5/2001, rec.25532; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 27/9/2005, rec.287/05; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/7/2012, proc.4397/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.7660/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/12/2015, proc.7421/14).
Igualmente a doutrina fiscal admite a característica da divisibilidade no acto tributário (cfr.José Casalta Nabais, Direito Fiscal, Almedina, 4ª. edição, 2006, pág.415; J.L. Saldanha Sanches, O contencioso tributário como contencioso de plena jurisdição, Fiscalidade, nº.7/8, Julho/Outubro de 2001, pág.63 e seg.; André Festas da Silva, Princípios Estruturantes do Contencioso Tributário, Dislivro, 2008, pág.75).
Por último, se dirá que, na sequência de anulação parcial da liquidação, se for efectuada uma nova liquidação, relativa à parte não anulada, ela substituirá a primeira, devendo ser-lhe dado o tratamento jurídico próprio da reforma de actos administrativos, previsto no artº.79, nº.1, da L.G.T., e artº.44, nº.1, al.d), do C.P.P.T., que se consubstancia na sanação de um vício de violação de lei que afecta o acto reformado, mantendo o seu conteúdo válido e eliminando ou substituindo a parte afectada pela ilegalidade. A reforma tem efeito retroactivo (artº.137, nº.4, do C.P.A., então em vigor), pelo que, mesmo que seja efectuada uma nova notificação os seus efeitos devem reportar-se à data em que foi efectuada a primeira. É que a retroactividade será meramente aparente, uma vez que, na parte não anulada, o acto anterior produz efeitos desde a respectiva notificação, sendo apenas confirmado pelo acto reformador (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.7660/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/12/2015, proc.7421/14; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, 4ª. edição, 2012, pág.727 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, II volume, 2011, pág.342 e seg.).
"In casu", situando-se o vício detectado na liquidação objecto do processo na errónea quantificação da matéria tributável, deve o Tribunal ordenar a anulação parcial da liquidação identificada no nº.7 da matéria de facto, mais se ordenando a sua reforma tendo por base o quantitativo da matéria colectável reconhecida no nº.5 da factualidade provada (matéria colectável no montante de Esc.4.479.300$00/€ 22.342,65).
Arrematando, julga-se procedente o examinado recurso e, consequentemente, revoga-se a sentença recorrida, a qual padece do vício de erro de julgamento de direito incidente sobre a norma constante do artº.100, da L.G.T., ao que se provirá na parte dispositiva do presente acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO, revogar a sentença recorrida, julgar parcialmente procedente a impugnação deduzida, determinar a anulação parcial da liquidação identificada no nº.7 da matéria de facto, mais se ordenando a sua reforma tendo por base o quantitativo da matéria colectável reconhecido no nº.5 da factualidade provada.
X
Custas a cargo da sociedade recorrida, em ambas as instâncias e na medida em que decaiu.
Isenção subjectiva de custas por parte da recorrente Fazenda Pública.
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Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 8 de Junho de 2017



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Bárbara Tavares Teles - 2º. Adjunto)