Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:474/12.7BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:06/09/2022
Relator:VITAL LOPES
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
LIQUIDAÇÃO DE IRS
NOTIFICACÃO POR CARTA REGISTADA COM AVISO DE RECEPÇÃO
FALTA DE NOTIFICAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO NO PRAZO DE CADUCIDADE
Sumário:I - A liquidação adicional oficiosa de IRS deve ser notificada ao sujeito passivo, por carta registada com aviso de recepção (art.º 38° nº 1 do CPPT e artigos 65° nº 4, 66º e 149° nº 2 do CIRS).
II - Não tendo a AT observado as formalidades legais da notificação, contra si deve ser valorada a falta de prova de que a correspondência chegou ao conhecimento, ou esfera de cognoscibilidade, do sujeito passivo destinatário, caso em que a formalidade legal preterida (carta registada sem aviso de recepção) se degradaria em formalidade não essencial (por ter sido entregue) e, por isso, a notificação haveria de ter-se como validamente efectuada dentro do prazo de caducidade.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1 – RELATÓRIO

A Exma. Representante da Fazenda Pública, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que julgou procedente a oposição deduzida por K… à execução fiscal n.º 1058201101001744 e 1058201101017730 contra si instaurada para cobrança de dívida de IRS de 2006 e juros, no valor global de 23.181,50€.
Nas alegações, formula as seguintes e doutas conclusões:
«

1. A douta sentença recorrida decidiu pela procedência do pedido fundamentando tal decisão no facto do Oponente ter indicado como endereço o domicílio fiscal do seu procurador na Rua de Portugal, n.º 3… em Faro, tendo o procurador acabado por alterar o seu domicílio profissional e mais tarde, em 2008, veio a falecer;
2. Daí concluiu a Mmª Juiz a quo que quando foi emitida a liquidação posta em causa nos autos, a mesma foi enviada para essa morada onde nunca veio a ser recebida nem pelo procurador nem pelo Oponente, considerando facto assente que o oponente nunca residiu em Portugal;
3. Concluiu que a AT não provou que o acto tributário se tornou eficaz nem apresentou o AR assinado não podendo por isso considerar-se a liquidação notificada no prazo de caducidade;
4. A FP não pode concordar com tal decisão;
5. Com efeito, a alínea K) da fundamentação da douta decisão sob recurso considerou assente que o oponente declarou o seu domicílio fiscal perante a AT na referida morada;
6. Sendo certo que o procurador alterou posteriormente a sua morada fiscal, tal facto, salvo melhor e douta opinião, não tem qualquer relevância para a boa decisão da causa;
7. O Oponente nunca declarou ser residente no estrangeiro nem nunca indicou qualquer representante fiscal, nem, ainda, comunicou qualquer alteração de domicílio fiscal perante a AT como era sua legal obrigação;
8. O contrário não ficou provado nos autos;
9. Nestes termos, qualquer que fosse a forma de notificação utilizada, até a pessoal, a mesma nunca seria realizada noutro local por nenhum outro ter sido comunicado à AT;
10. Nos presentes autos, logrou a AT provar o envio das notificações para a morada indicada pelo sujeito passivo, ora oponente;
11. Nenhuma outra prova seria exigível, sendo as restantes conclusões da douta sentença, resultantes de deduções e não elementos probatórios insertos nos autos;
12. Em conclusão, incorreu o julgador da 1ª instância em erro de julgamento e violou o disposto no art.º 19º da LGT e 41º do CPPT.

Pelo exposto e com mui douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogada a sentença recorrida, prosseguindo a exeução fiscal os seus termos até cobrança da dívida, como é de inteira JUSTIÇA».

O Recorrido apresentou contra-alegações que culmina com as seguintes e doutas conclusões:
«
A) A douta sentença não violou o disposto nos artigos 19.º da LGT e 41.º CPPT.

B) A douta sentença enquadrou os factos dados como assente à lei aplicável;

C) A douta sentença considerou que, quanto aos factos provados a convicção do douto Tribunal a quo fundou-se na documentação junta com os articulados e no processo de execução fiscal, que não foram impugnados pelas partes;
D) A douta sentença concluiu que, a Fazenda Pública à data do prazo da caducidade da liquidação, 31/12/2010, tinha conhecimento pleno, pelo menos desde 07/05/2010 (data do relatório da inspecção consta a escritura pública de compra datada de 2004, consta a morada do Opoente no Reino Unido e à data da venda em 2006, morada do Opoente, Reino Unido}.

E) Conclui-se que a Fazenda Pública tinha conhecimento da sua morada do Reino Unido, onde sempre residiu para o notificar das liquidações, 29/12/2010 quando as enviou para a morada Rua de Portugal, n.º 3…, em Faro;

F) E não o fez, vindo a fazer a notificação para o Reino Unido em 19/06/2012.

G) Conclui-se que, o Tribunal a quo julgou em conformidade com as normas legais aplicadas ao caso em concreto, aplicando os artigos 45 .º, n.º 1 e 4, 46º n.º 1da LGT, para fundamentação da caducidade, n.º 1do artigo 36.º, n.º 1 artigo 38.2, n.º 3 e 4 do artigo 39. do CPPT e artigos 65.º e 149.º do Código IRS.

Pelo supra exposto, mui respeitosamente, deve o Tribunal julgar improcedente o recurso interposto pela Fazenda Pública e consequentemente, manter a douta decisão de sentença do Tribunal a quo procedência da oposição com base na alínea e), n.º 1 do artigo 204.º do CPPT.
FAZENDO-SE JUSTIÇA».

A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu mui douto parecer concluindo que ao recurso deverá improceder.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação da Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), a questão que importa apreciar reconduz-se a indagar se a sentença incorreu em erro de julgamento ao concluir pela falta de notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade.

3 – MATÉRIA DE FACTO

Em sede factual deixou-se consignado na sentença recorrida:
«

Com base nos documentos e elementos constantes dos autos, com interesse para a decisão, atentas as soluções plausíveis de direito, julgo assente a seguinte factualidade:

A) Em 11/01/2011 e 29/03/2011 foram instaurados os processos 1058201101001744 e 1058201101017730 para cobrança de IRS de 2006 e respetivos juros, no valor global de €23.181,50 (cfr. fls. 59 a 62 dos autos);

B) Em 4/08/2004, por escritura pública, o Oponente adquiriu, por escritura pública, e através do seu procurador, P… o lote de terreno para construção urbana designado por Lote 1…, sito em Cabeçados, freguesia de Almancil, concelho de Loulé, pelo preço de €220.000,00 (cfr. fls. 17 a 20 dos autos);

C) Em 07/08/2006, o Oponente alienou, por escritura pública e através do seu procurador, P…, o lote de terreno para construção urbana designado por Lote 1…, sito em Cabeçados, freguesia de Almancil, concelho de Loulé, pelo preço de €480.000,00 (cfr. fls. 31 a 34 dos autos);

D) Em 23/07/2004, o procurador do Oponente entregou e assinou Modelo 1 e foi efetuado o pagamento de IMT (cfr. fls. 21 e 22 dos autos);

E) K… declarou à Administração Tributária, para efeito do seu domicílio fiscal, a Rua de Portugal, n.º 3…, em Faro (cfr. fls. 22 e 29 dos autos);

F) O procurador do Oponente faleceu em 05/07/2008 (cfr. fls. 17 dos autos);

G) O procurador do Oponente tinha, como domicílio profissional, em 2004, Rua de Portugal, 3… em Faro e em 2006, Rua Pedro Nunes, nº …, Faro (cfr. fls. 31 e 36 dos autos);

H) Por ordem de serviço nº OI201000410 de 07/02/2010 e OI201000438 de 22/02/2010, foi feita inspeção tributária de âmbito parcial, referente a IRS de 2006 e 2008 aos rendimentos da esposa do Oponente (cfr. fls. 51 dos autos);

I) Em 07/05/2010 foi feito relatório de inspeção tributária que fixou uma mais-valia para o ano fiscal de 2006, no valor de €25.346,10 euros (cfr. fls. 54 dos autos);

J) Foram emitidas liquidações referentes a IRS de €20.390,52 e liquidação de juros no valor de €2.790,98, cuja falta de pagamento originou os processos executivos identificados na alínea A) (cfr. fls. 60, 62 e 152 a 154 dos autos);

K) A Administração Tributária enviou, em 29/12/2010, para a morada Rua de Portugal, n.º 3…, em Faro, as liquidações emitidas em nome do Oponente (cfr. fls. 146 a 154 dos autos);

L) Em 19/06/2012 foi emitido uma declaração por parte de contabilistas do Oponente a atestar que o mesmo sempre residiu no Reino Unido e aí submeteu as suas declarações fiscais e pagou todos os impostos (cfr. fls. 37 e 38 dos autos);

M) O Oponente residiu sempre no Reino Unido (cfr. fls. 37 e 38 dos autos);

N) O Oponente foi citado, em Maio de 2012, na sua residência no Reino unido (por acordo).

*

III-2. Factualidade não provada:
Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.
*
Fundamentação do julgamento:
Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na documentação junta com os articulados e no processo de execução fiscal, que não foram impugnados pelas partes.».

Ao abrigo do disposto no art.º 662/1 altera-se o ponto K) da matéria assente, que passa a ter a seguinte redacção:

K) A Administração Tributária, em 29/12/2010, enviou, mediante simples registo postal, para a morada Rua de Portugal, n.º 3…, em Faro, as liquidações emitidas em nome do Oponente (cf. fls. 146 a 154 dos autos, em particular, “Guias de expedição de registos”, a fls. 146 e 149).

4 – MATÉRIA DE DIREITO

Estabilizado o probatório, em causa nos autos, está, saber se o oponente, aqui recorrido, foi ou se considera validamente notificado da liquidação exequenda dentro do prazo de caducidade, fundamento de oposição subsumível na alínea e) do n.º 1 do art.º 204.º do CPPT.

No caso, sendo a dívida exequenda proveniente de IRS (imposto periódico) e referente ao ano de 2006, o prazo de caducidade de quatro anos (art.º 45/1 da LGT), contado nos termos do n.º 4 do deste art.º 45.º da LGT, encontra o seu termo em 31/12/2010, como de resto a sentença deixa bem explicado.

Trata-se, pois, de indagar se o oponente se considera notificado antes ou até aquela data de 31/12/2010.

Mostra o probatório que em causa está uma liquidação adicional oficiosa efectuada no seguimento de inspecção levada a efeito ao contribuinte (pontos H) e I) do probatório).

A liquidação adicional oficiosa de IRS deve ser notificada ao sujeito passivo, por carta registada com aviso de recepção.

Com efeito, dispõe o n.º 4 do art.º 65.º do Código do IRS que «A Direcção-Geral dos Impostos procede à alteração dos elementos declarados sempre que, não havendo lugar à fixação a que se refere o n.º 2, devam ser efectuadas correcções decorrentes de erros evidenciados nas próprias declarações, de omissões nelas praticadas ou correcções decorrentes de divergência na qualificação dos actos, factos ou documentos com relevância para a liquidação do imposto».

E de acordo com o disposto no art.º 66.º, n.º 1 do mesmo Código, «Os actos de fixação ou alteração previstos no artigo 65.º são sempre notificados aos sujeitos passivos, com a respectiva fundamentação».

Preceituando o art.º 149.º, n.º 2 do CIRS (à data vigente), que «as notificações que se refere o artigo 66.º, quando por via postal, devem ser efectuadas por meio de carta registada com aviso de recepção».

Não tendo a AT observado as formalidades legais da notificação do acto, tendo procedido à notificação do contribuinte por via registada simples (ponto k) do probatório), cabe-lhe o ónus de demonstrar que, não obstante a inobservância das formalidades legais, o acto chegou ao conhecimento, ou à esfera de cognoscibilidade, do destinatário.

Prova que não faz, sendo que a ausência dessa prova tem de ser valorada contra a Fazenda Pública, que é a parte onerada com a demonstração do facto.

Neste modo de ver, independentemente de a morada para onde foi enviada a correspondência corresponder, ou não, à que foi declarada pelo oponente/recorrido como sendo o seu domicílio fiscal, inexistindo prova de que chegou ao conhecimento, ou esfera de cognoscibilidade, do destinatário (o aqui recorrido) – caso em que a formalidade legal preterida (carta registada sem aviso de recepção) se degrada em formalidade não essencial (por ter sido entregue) e, por isso, a notificação haveria de ter-se como validamente efectuada dentro do prazo de caducidade – não pode este ter-se por notificado.

Alegando o oponente que só em Maio de 2012, aquando da citação, teve conhecimento da liquidação, é manifesto que a notificação da liquidação do tributo não foi efectuada dentro do prazo de caducidade, devendo a execução ser extinta por este fundamento.

Tendo a sentença decidido neste alinhamento, não merece qualquer censura, sendo de confirmar e negar provimento ao recurso.

5 – DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Condena-se a Recorrente em custas.

Lisboa, 09 de Junho de 2022.



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Vital Lopes




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Luísa Soares




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Tânia Meireles da Cunha