Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:422/09.1BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:03/02/2023
Relator:HÉLIA GAMEIRO SILVA
Descritores:REFORMA QUANTO A CUSTAS
REMANESCENTE
Sumário:A dispensa do remanescente da taxa de justiça, tem natureza excecional, pressupõe uma menor complexidade da causa e uma simplificação da tramitação processual aferida pela especificidade da situação processual e pela conduta das partes.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1.ª Sub-secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul


1 – RELATÓRIO

A Fazenda Pública, notificada do acórdão por nós proferido que concedeu parcial provimento ao recurso contra si interposto pela S.....– E....., SA., vem nos termos do disposto no n.° 1 do artigo 616.° e n.° 1 do artigo 666.°, ambos, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi da al. e) do artigo 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) -, requerer a sua reforma quanto a custas (remanescente) com os seguintes fundamentos:

«1. Nos termos do acórdão supra identificado, que decidiu conceder parcial provimento ao recurso, foi a Fazenda Pública condenada naturalmente em custas na proporção do seu decaimento.

2. Contudo, tendo em conta o valor da causa, que ascende ao montante muito elevado de €598.641,09, impõe-se, nos termos da lei, o pagamento do respectivo remanescente, em cumprimento do disposto na anotação à TABELA I anexa ao Regulamento das Custas Processuais (RCP), de acordo com a 1.a parte do n.° 7 do art.° 6.° do citado diploma legal.

3. Lembramos que as questões materiais aqui em causa, por um lado estabelecer qual o regime das reintegrações e amortizações aplicável ao caso concreto e, por outro, se haveria lugar ao pagamento de juros compensatórios por atraso de pagamento não se tratam, na nossa opinião, de questões particularmente complexas.

4. Acresce que a Fazenda Pública entende que adoptou, neste processo, um comportamento processual irrepreensível de colaboração com os Tribunais, pautando a sua conduta processual pelo princípio da colaboração com a justiça, abstendo-se da prática de actos inúteis, fornecendo todos os elementos necessários à boa decisão da causa e não promovendo quaisquer expedientes de natureza dilatória.

5. Mas o Tribunal, ao não se pronunciar sobre o valor das custas processuais, com a consequência de funcionar a regra geral da fixação do valor a pagar apenas pelo critério do valor da causa, na nossa opinião, não atendeu aos princípios da proporcionalidade, do excesso, e da justiça que devem ser tidos em conta nesta situação.

6. O que lhe é permitido pelo artigo 6°, n° 7 do RCP, que concede ao juiz, oficiosamente ou a instância das partes, como é aqui o caso, um poder/dever de dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça devida a final, em função da apreciação casuística da especificidade da situação em causa, permitindo-se ao juiz adequar o valor da taxa de justiça aos custos que, em concreto, o processo consumiu ao sistema de administração de justiça, em ordem à salvaguarda, entre outros valores, dos da proporcionalidade e da justiça.

7. Por outro lado, diz-nos o acórdão do STA de 22/03/2017, no recurso n° 01568/15, que “A dispensa do remanescente prevista neste preceito legal prende-se com a verificação de dois requisitos cumulativos, a simplicidade da questão tratada e a conduta das partes facilitadora e simplificadora do trabalho desenvolvido pelo tribunal”.

8. Também o STA, mais recentemente (P. 1240/08.0BEPRT de 10 de Março de 2021), renovou entendimento já anteriormente expresso no processo 2778/11.7BEPRT de 09.01.2019 e seguindo, entre outros, os acórdãos do Tribunal Constitucional n.°s 227/07 e 421/2013, respectivamente de 28-3-2007 e 15-7-2013, disse o seguinte:

(...) não podemos olvidar que a taxa de justiça tem uma natureza bilateral constituindo a contrapartida devida pela utilização do serviço público da justiça por parte do sujeito passivo (cfr. artigos. 3.°, n.° 2, e 4.°, n.° 2, da LGT).
E que, como vem sendo decidido, não sendo de exigir uma equivalência rigorosa entre o valor da taxa e o custo do serviço prestado, muitas vezes difícil ou mesmo impossível de determinar, não podemos perder de vista o critério de que «a causa e justificação do tributo tem que radicar do ponto de vista material no serviço recebido pelo utente, pelo que uma desproporção manifesta ou flagrante com o custo do serviço e com a sua utilidade para tal utente afecta claramente uma tal relação sinalagmática que a taxa pressupõe» e que «os critérios de cálculo da taxa de justiça, integrando normação que condiciona o exercício do direito fundamental de acesso à justiça (art. 20.° da Constituição), constituem, pois, a essa luz, zona constitucionalmente sensível, sujeita, por isso, a parâmetros de conformação material que garantam um mínimo de proporcionalidade entre o valor cobrado ao cidadão que recorre ao sistema público de administração da justiça e o custo/utilidade do serviço que efectivamente lhe foi prestado (artigos 2.° e 18.°, n° 2, da mesma Lei Fundamental), de modo a impedir a adopçãode soluções de tal modo onerosas que se convertam em obstáculos práticos ao efectivo exercício de um tal direito».
9. Pelo exposto, parecem-nos reunidas as circunstâncias para que este Tribunal faça uso da faculdade prevista na segunda parte do n.° 7 do art.° 6 ° do RCP, por forma a dispensar a Fazenda Pública do pagamento do remanescente da taxa de justiça, reformando-se, nessa parte, o Acórdão quanto a custas, ao abrigo do n.° 1 do art.° 616.° do CPC.

Nestes termos, requerer-se, a V. Ex.a, se digne proceder à reforma do acórdão, dispensando a F.P. do pagamento do remanescente da taxa de justiça.


»«

Notificada do requerimento a suscitar o presente incidente, a Requerida nada disse.

»«

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal, pronunciando-se no sentido do deferimento do pedido.

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Com dispensa dos vistos legais, vem os autos submetidos à conferência desta Subsecção do Contencioso Tributário para decisão.

»«

Do direito

A titulo de introito dir-se-á que a prolação da sentença ou acórdão deixa imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa, como decorre do artigo 613.º nº 1 do CPC, aqui aplicável ex vi da alínea e do artigo .º do CPT, porém, exceciona o nº 2 da norma citada que é lícito, ao juiz, retificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença, nos termos dos artigos seguintes.

Do artigo 616.º n.º 1 do CPC decorre que a parte pode requerer, no tribunal que proferiu a sentença (acórdão), a sua reforma quanto a custas ou multa.


Vejamos então

Decorre do n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas processuais (RCP) que, “[N]nas causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.

Por seu lado o Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a afirmar, a dispensa do remanescente da taxa de justiça, tem natureza excecional, pressupõe uma menor complexidade da causa e uma simplificação da tramitação processual aferida pela especificidade da situação processual e pela conduta das partes.

Neste sentido, acolhemos e com a devida vénia transcrevemos o acórdão proferido por aquele tribunal em 07/05/2014, no processo n.º 01953/13 a elucidar que “[A]a norma constante do nº7 do art. 6º do RCP deve ser interpretada em termos de ao juiz, ser lícito, mesmo a título oficioso, dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de €275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes),iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade.”

Volvendo ao caso sub judice, damos conta que no acórdão exarado nos autos na parte posta em crise com este pedido de reforma, consta do respetivo dispositivo: “Custas a cargo da recorrente na proporção do decaimento”, decisão esta tomada em consequência de ter sido concedido provimento parcial ao recurso, logo, como bem refere a Fazenda Pública, aqui requerente, esta foi naturalmente condenada na proporção do decaimento.

Assim e sendo que o valor da causa no presente processo se fixou em € 598.641,09.

Constatamos que o pedido de dispensa do pagamento do remanescente das custas, a FP, invoca, em síntese, a sua conduta processual e a pouca complexidade da questão apreciada.

Decorre do n.º 1 do artigo 527.º do CPC que “[A]a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito».

Acrescentando o n.º 2 do mesmo preceito legal que se entende que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

Ora a situação em causa no acórdão em questão não pode ser considerada de complexidade superior à comum, pelo contrário, está em causa uma situação de algum modo facilitada não só porque a matéria de facto resultou exclusivamente dos elementos documentais juntos aos autos, mas também porque o tratamento jurídico se mostrou de algum modo simplificado com apoio na jurisprudência citada, sendo certo que a conduta assumida pelas partes em sede de recurso, se pautou pelo cumprimento do dever de boa-fé processual. Podemos, pois, concluir que houve simplificação da tramitação processual, em razão do uso dessa faculdade.

Por outro lado, o valor a pagar a título de remanescente, afigura-se-nos elevado em face do serviço prestado, a justificar a dispensa do pagamento do remanescente como modo de obviar à violação dos princípios constitucionais do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efetiva, da proporcionalidade e da necessidade, o que justifica o deferimento da pretensão a requerente.

Pelo exposto, impõe-se alterar o segmento decisório quanto a custas, dispensando-se o pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, nº 7, do RCP.

4 - DECISÃO

Em face do exposto, acordam, em conferência, os Juízes da 1.ª subsecção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em atender ao pedido de reforma do acórdão quanto à condenação em custas e, em conformidade, em alterar a decisão proferida no acórdão de 13/10/2022 em matéria de custas, do qual ficará a constar o seguinte:

“Custas na proporção do decaimento, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça”.

Sem custas.

Lisboa, 02 de março de 2023


Hélia Gameiro Silva – Relatora

Ana cristina Carvalho – 1.ª Adjunta

Isabel Fernandes – 2.ª Adjunta

(Assinado digitalmente)