Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 128/23.9BCLSB |
Secção: | CT |
Data do Acordão: | 10/24/2024 |
Relator: | JORGE CORTÊS |
Descritores: | CONTRIBUIÇÃO DE SERVIÇO RODOVIÁRIO. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL ARBITRAL |
Sumário: | I- A incompetência material do tribunal arbitral é fundamento de anulação da decisão arbitral, na medida em que corporiza o vicio de pronúncia indevida.
II- Os tribunais tributários arbitrais são competentes, em razão da matéria, para conhecer de pedidos de anulação de liquidações de Contribuição de Serviço Rodoviário, bem como dos pedidos restitutórios e indemnizatórios que lhes são acessórios. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
Aditamento: |
1 |
Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃO I- RelatórioA Autoridade Tributária e Aduaneira veio, ao abrigo do preceituado nos artigos 26.º e 27.º, ambos do Decreto-Lei nº10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Voluntária, doravante apenas designado por RJAT), impugnar a decisão do Tribunal Arbitral proferida no processo arbitral nº 702/2022-T que julgou procedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pela sociedade C…………….., U………….., Lda., e em consequência, declarou a ilegalidade dos atos de liquidação da Contribuição de Serviço Rodoviário, referentes ao período entre Julho e Setembro de 2022, condenando ainda a Administração Tributária “na restituição dos montantes indevidamente pagos, acrescidos de juros indemnizatórios”. A impugnante termina as alegações de impugnação, formulando as conclusões seguintes: A. Por via da presente Impugnação pretende a ora Impugnante reagir contra a decisão arbitral proferida a 31/07/2023 pelo Tribunal Arbitral coletivo, constituído no CAAD que julgou procedente o pedido de anulação dos montantes liquidados a título de CSR, relativamente às introduções no consumo de produtos petrolíferos, efetuadas pela Impugnada no período de julho a setembro de 2022, perfazendo um total de € 1.541.730,02. B. A Impugnante considera que a decisão arbitral se mostra contrária à lei, não podendo, por conseguinte, manter-se na ordem jurídica, entendendo que se verifica o vício de pronúncia indevida, por ter decidido para além do âmbito da jurisdição arbitral e de omissão de pronúncia sobre a prova produzida pela AT quanto à repercussão da CSR, nos termos previstos na alínea c) do nº 1 do artº 28.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT). Efetivamente, Da pronuncia indevida, nos termos da 1ª parte da alínea c) do nº 1 do artº 28.º do RJAT C. A espécie tributária da CSR é qualificada como contribuição financeira e não como imposto, encontrando-se, assim, excluída da arbitragem tributária, por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º do RJAT, aprovado pelo Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de janeiro e do artigo 2.º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março, pelas quais a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais se reporta apenas à apreciação de pretensões relativas a impostos, não abrangendo os tributos que devam ser qualificados como contribuição. Todavia, D. Por decisão arbitral proferida em 31/07/2023, o Tribunal Arbitral considerou, discorrendo sobre a natureza jurídica da CSR, que: “Entendemos, (…) subscrevendo o decidido no já citado Acórdão 304/2002-T que: - “A Contribuição de Serviço Rodoviário não cabe em nenhuma destas hipóteses. Desde logo, a CSR não tem como pressuposto uma prestação, a favor de um grupo de sujeitos passivos, por parte de uma pessoa coletiva. A contribuição é estabelecida a favor da E…… — Estradas ………….., E. P. E. (art. 3º, nº 2 da Lei n.º 55/2007), sendo essa mesma entidade a titular da receita correspondente (art.º 6º). No entanto, os sujeitos passivos da contribuição (as empresas comercializadoras de produtos combustíveis rodoviários) não são os destinatários da atividade da E…. — Estradas ……….., E. P. E., a qual consiste na “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento” da rede de estradas (art. 3º, nº 2 da Lei n.º 55/2007). Em segundo lugar, também não se encontra base legal alguma para afirmar que a responsabilidade pelo financiamento da tarefa administrativa em causa – que no caso será a “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede de estradas” – é imputável aos sujeitos passivos da contribuição, que são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários. Pelo contrário, o art.º 2.º da Lei n.º 55/2007 diz expressamente que o “financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da E…… - Estradas ………., E.P. E., (...), é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável.” Portanto, apesar de ser visível, de forma clara, o elemento de afetação da contribuição para financiar a atividade de uma entidade pública não territorial – a E. - Estradas ………….., E. P. E. – não é de modo algum evidente a existência, pelo contrário, afigura-se inexistir um “nexo de comutatividade coletiva” entre os sujeitos passivos e a responsabilidade pelo financiamento da respetiva atividade, ou entre os sujeitos passivos e os benefícios retirados dessa atividade. A Contribuição de Serviço Rodoviário visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da E…… — Estradas …………….., E. P. E. (art.º 1º da Lei 55/2007). O financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da E- — Estradas …………., E. P. E., é assegurado pelos respetivos utilizadores (art.º 2º). São, estes, como se conclui, os sujeitos que têm um vínculo com a atividade da entidade titular da contribuição e com a atividade pública financiada pelo tributo; são eles os beneficiários, e são eles os responsáveis pelo seu financiamento. No entanto, a contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, que, nos termos do art.º 4º n.º 1, al. a) do CIEC, são os “depositários autorizados” e os “destinatários registados”, não existindo qualquer nexo específico entre o benefício emanado da atividade da entidade pública titular da contribuição e o grupo dos respetivos sujeitos passivos. Embora a Autoridade Tributária afirme que a posição dos revendedores de produtos petrolíferos é a de uma “espécie de substituição tributária”, não entendemos assim, pois tal entendimento não tem apoio na lei. (…) Ainda poderia acrescentar-se que o universo de entidades que beneficiam ou dão causa à atividade financiada pela CSR não é um grupo delimitado de pessoas, mas é toda a população de um modo geral. E que o efetivo sacrifício fiscal, suportado através de uma repercussão meramente económica, não é suportado apenas pelos que efetivamente utilizam a rede de estradas a cargo da I …………… de Portugal S.A., mas também pelos que utilizam vias rodoviárias que não se incluem nessa rede. Por conseguinte, conclui também este tribunal que a Contribuição de Serviço Rodoviário, apesar do seu nomen juris e de a sua receita se destinar a financiar uma atividade pública específica, não tem o caráter de comutatividade, bilateralidade ou sinalagmaticidade grupal ou coletiva que é necessária à contribuição financeira”. Concluímos, por isso, ser a CSR um verdadeiro imposto” E. Ora, salvo o devido respeito, não tem qualquer validade o raciocínio que é feito na decisão impugnada quanto à qualificação / natureza jurídica da CSR, porquanto, por um lado, assenta, no errado pressuposto, de que a CSR não é repercutida a montante, quando, resulta quer da lei, quer da doutrina, o seu contrário e, por outro, o debate quanto à qualificação / natureza jurídica da CSR, fica completamente arredado da apreciação do alcance legislativo que foi estabelecido na vinculação da administração tributária à jurisdição do CAAD. Efetivamente, F. Por um lado, com a entrada em vigor em setembro de 2020 da Lei n.º 5/2019, de 11 de janeiro, e do Regulamento n.º 141/2020, de 20 de fevereiro, da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), que estabelecem deveres de informação e de faturação do comercializador de combustíveis em postos de abastecimento ao consumidor, passou a ser obrigatório identificar/detalhar todas as componentes do preço, nomeadamente a detalhar a CSR na fatura de venda ao consumidor, fica inequivocamente clarificado, que o objetivo do legislador da CSR é que esta contribuição seja repercutida, a montante, até ao consumidor final, que é o utilizador da rede rodoviária nacional. G. No mesmo sentido, vai a Lei nº 24-E/2022, de 30 de dezembro, quando altera o Código dos Impostos Especiais de Consumo, a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, e o Decreto-Lei n.º91/2015, de 29 de maio, transpondo as Diretivas (UE) 2019/2235, 2020/1151 e 2020/262, e introduzindo profundas alterações ao anterior regime da CSR, a qual passou a estar incorporada no ISP. H. Segundo a exposição de motivos da respetiva proposta de lei, “Determina-se (…) que uma parte da receita cobrada, em território continental, a título de imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, é objeto de consignação em benefício do serviço rodoviário nacional. Destarte, respeitando os princípios que nortearam a criação da contribuição de serviço rodoviário, designadamente o desígnio de repercutir nos utilizadores da rede viária os custos inerentes à gestão da rede rodoviária nacional tendo em atenção o percurso que estes realizam consumindo uma unidade de medida de combustível, sanciona-se expressamente a internalização desta como parte do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos. Esta integração não implica, em todo o caso, qualquer agravamento do nível de tributação em sede de impostos especiais de consumo, não se traduzindo em qualquer acréscimo ou oneração adicional aos cidadãos e às empresas, assegurando-se a garantia de plena e efetiva neutralidade”. I. Assim, da receita do ISP, uma parcela equivalente à que corresponde à contribuição, será utilizada para financiar a Infraestruturas de Portugal, conforme a nova redação dos artigos 1.º, 3.º e 4.º da Lei 55/2007, de 31 de agosto, introduzida pela Lei 24-E/2022. J. Se dúvidas houvesse quanto à repercussão da CSR nos preços de venda e sobre quem é que efetivamente suporta o custo do pagamento desse montante ao Estado, o legislador esclarece que o ISP/CSR é sempre repercutido nos consumidores, conforme resulta da nova redação do artigo 2º do CIEC, introduzida pela Lei nº 24-E/2022: K. E de acordo com o artigo 6.º da Lei nº 24-E/2022, que atribui à nova redação do artigo 2.º do CIEC a natureza de norma interpretativa, o ISP/CSR é sempre repercutido nos consumidores, sendo esta norma de aplicação retroativa. L. Também em sede doutrinal é inequívoco que a CSR, enquanto uma componente que integra o valor global do Imposto sobre os Produtos Petrolíferos, a par das taxas unitárias do ISP e da taxa de carbono, que foi criada enquanto imposto especial de consumo não harmonizado, com a natureza de imposto indireto, é repercutível, isto é, embora seja formalmente pago pelo sujeito passivo, este transfere o seu custo para o consumidor, incluindo-o no preço pago pelo bem, cfr, nomeadamente, A. Brigas Afonso e Manuel T. Fernandes, Em Noções gerais sobre Impostos Especiais de Consumo, artigo publicado em 2006, no vol. 3 da Revista da FDUP, pág. 20 e 21, e Código dos Impostos Especiais de Consumo, Anotado e Atualizado, Coimbra Editora, 3ª edição, pág.34 e 35 e Sérgio Vasques, Em Os Impostos Especiais de Consumo, 2001, Editora Almedina, pág. 81 e seguintes. M. Por outro lado, como acima referido, o debate quanto à qualificação / natureza jurídica da CSR, fica completamente arredado da apreciação do alcance legislativo que foi estabelecido na vinculação da administração tributária à jurisdição do CAAD. N. Em rigor, há que ter presente que na vinculação da administração tributária à jurisdição do CAAD há uma clara intenção legislativa em restringir o âmbito da arbitragem tributária em relação ao que foi permitido pela autorização legislativa, pelo que, quando o artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, se refere a impostos, está a reportar-se apenas aos tributos a que legalmente é atribuída tal designação (como, por exemplo, o IVA, o IRC e o IRS), não estando, por conseguinte, a reportar-se a tributos que pela lei são denominados como taxas ou contribuições financeiras a favor das entidades públicas. O. Além disso, utilizando a Constituição e a Lei designações específicas para classificar os vários tipos de tributos, terá de se presumir que, para efeito da definição das competências dos tribunais arbitrais, se pretendeu aludir à classificação que legislativamente foi adotada em relação a cada tributo e não à que o intérprete poderá considerar mais apropriada, como base em considerações, frequentemente complexas, de natureza doutrinal. P. Assim e seguindo nesta matéria a decisão arbitral proferida em 29/05/2023 no Processo do CAAD nº 31/2023-T, em que foi árbitro presidente o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, processo que também tem como objeto a CSR: “O artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, que autorizou o Governo a legislar no sentido de instituir a arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, fixou como possível âmbito da arbitragem «os actos de liquidação de tributos, incluindo os de autoliquidação, de retenção na fonte e os pagamentos por conta, de fixação da matéria tributável, quando não dêem lugar a liquidação, de indeferimento total ou parcial de reclamações graciosas ou de pedidos de revisão de actos tributários, os actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação, os actos de fixação de valores patrimoniais e os direitos ou interesses legítimos em matéria tributária ».. O Decreto-Lei n.º 10/2011 (RJAT), emitido ao abrigo da autorização legislativa, não estendeu o âmbito da jurisdição arbitral tributária a todo o tipo de litígios permitidos pela autorização legislativa, limitando a competência dos tribunais arbitrais à «declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta», à «declaração de ilegalidade de actos de determinação da matéria tributável, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais» e à «apreciação de qualquer questão, de facto ou de direito, relativa ao projecto de decisão de liquidação, sempre que a lei não assegure a faculdade de deduzir a pretensão referida na alínea anterior». A Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, restringiu ainda mais o âmbito da arbitragem tributária, eliminado a possibilidade de recurso à arbitragem para declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando deem origem à liquidação de qualquer tributo, e para apreciação de qualquer questão, de facto ou de direito, relativa ao projeto de decisão de liquidação. No entanto, o artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça», veio admitir que, no âmbito das competências dos tribunais arbitrais, o âmbito da arbitragem tributária fosse limitado de harmonia com a vinculação. Foi em concretização deste desígnio legislativo que foi emitida a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, que definiu o «objecto da vinculação» e os «termos da vinculação» da seguinte forma: “(…) Artigo 2.º Objecto da vinculação Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes: a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário; b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão; c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira- (…)” Desta legislação e regulamentação conclui-se que houve uma preocupação em limitar o âmbito da arbitragem tributária: – na alínea a) do n.º 4 do artigo 124.º da Lei de autorização legislativa admitia-se a possibilidade de nela ser incluída a generalidade dos litígios relativos a liquidação de tributos (inclusivamente os praticados pelos contribuintes) e de fixação de valores patrimoniais que podem ser apreciados em processo de impugnação judicial e o reconhecimento de direitos e interesse legítimos em matéria tributária; – no artigo 2.º do RJAT não se incluiu na arbitragem tributária o reconhecimento de direitos e interesse legítimos em matéria tributária e estabeleceu-se no artigo 4.º, que a vinculação da Administração Tributária, que se reconduz a definição do âmbito da arbitrabilidade de litígios deveria ser efetuada por portaria; - com a Lei n.º 64-B/2011, impôs-se que na portaria se indicassem o tipo e o valor máximo dos litígios, o que tem como corolário que nem todos os litígios abrangidos pelo artigo 2.º, n.º 1, do RJAT; – a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, limitou a vinculação aos serviços da Administração Tributária estadual e aos tribunais «que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida», com várias exceções. A intenção legislativa de restringir o âmbito da arbitragem tributária em relação ao que foi permitido pela autorização legislativa resulta com evidência destes diplomas e é explicada pelas justificadas dúvidas que, no início da arbitragem tributária, se suscitavam sobre o possível inadequado funcionamento de um meio inovador de resolução de litígios em matéria tributária, bem patentes nas preocupações sentidas pelo Senhor Conselheiro Santos Serra, Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, na sessão de apresentação do novo regime de arbitragem fiscal, que ocorreu em Lisboa, no dia 14-12-2010: “Assim, e logo à partida, é preciso que o regime de arbitragem tributária ora constituído consiga afastar receios de que, por via da arbitragem, as partes consigam contornar as imposições legais que sobre si recaem, e que façam letra morta dos princípios da legalidade e da igualdade entre contribuintes em matéria tributária, com a capacidade negocial diferenciada das partes a sobrepor-se ao princípio da tributação de acordo com a sua real capacidade contributiva.” A consciência dos riscos como fundamento das limitações do âmbito foi expressamente explicada pelo Senhor Prof. Doutor Sérgio Vasques (que desempenhava as funções de Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais ao tempo em que foram emitidos o Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, e a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março), em texto publicado na Newsletter n.º 1 do CAAD: “A arbitragem tributária, tal como contemplada no Regime da Arbitragem Tributária veio a apresentar âmbito mais estreito relativamente ao que figurava na autorização legislativa do orçamento do estado para 2010, pela consciência de que esta era, e continua a ser, uma experiência inovadora que não vai sem os seus riscos. Foi também com precaução que a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, através da qual se vinculou a administração tributária ao regime, impôs vários limites desde logo atendendo à especificidade e ao valor das matérias em causa, associando-se deste modo a Administração Fiscal a este mecanismo de resolução alternativa de litígios nos estritos termos e condições estabelecidos na Portaria» Nos litígios em matéria de direito tributário está em causa o interesse público primacial de um Estado de Direito, que é a obtenção de receitas imprescindíveis ao próprio funcionamento global do Estado, o que justifica que na vinculação se tomassem cautelas. A arbitragem tributária poderia vir a ser um meio generalizado alternativo de resolução de litígios fiscais, mas, antes de serem dadas provas reiteradas da qualidade e isenção das suas decisões, a necessidade de proteção do interesse público e de assegurar a efetividade dos princípios essenciais da legalidade e da igualdade tributária que o enformam nesta matéria recomendava em 2011 e recomenda atualmente que se avance com cuidado, sem entusiasmos desmedidos, não deixando ao arbítrio dos cidadãos a opção livre e ilimitada por esse meio de resolução de litígios. Essa cautela é especialmente aconselhada quando, por razões de celeridade, se optou por restringir os meios de impugnação e recurso das decisões arbitrais e, por isso, é menor do que nos tribunais tributários a viabilidade de correção de possíveis erros de julgamento que sejam lesivos do interesse público. Por isso se justificava em 2011 e se justifica ainda hoje que haja limitações ao acesso à arbitragem tributária, de forma de compatibilizar a utilização deste meio opcional de acesso à justiça com a obrigação estadual de proteger o interesse público, assegurar a legalidade e igualdade tributária e a arrecadação de receitas imprescindíveis para o funcionamento do Estado. A esta luz, o artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer que o âmbito da vinculação seria definido por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, atribui-lhes um poder discricionário, para definirem a amplitude da vinculação da forma como entendam que melhor se prossegue o conjunto de interesses públicos cuja concretização está em causa, definição esta que não pode dispensar, naturalmente, a avaliação da verificação da existência das condições de ordem material e humana necessárias para a implementação deste novo regime. Neste contexto em que havia uma evidente intenção de restringir o âmbito inicial da arbitragem tributária em relação à amplitude permitida pela lei de autorização legislativa, sendo consabido que a Constituição da República Portuguesa (CRP) e a Lei Geral Tributária (LGT) aludem a vários tipos de tributos, que designam como «impostos», «taxas» e «contribuições financeiras» [artigos 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP] e 3.º, n.ºs 2 e 3, da LGT], a inclusão da palavra «impostos» na expressão «apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida» contrastando com a referência mais abrangente a «actos de liquidação de tributos» que foi usada na alínea a) do n.º 4 do artigo 24.º da Lei n.º 3-B/2010 (autorização legislativa) para definir o âmbito da autorização, tem de ser interpretada expressão precisa da restrição que se pretendeu efetuar. Na verdade, assente que a intenção legislativa era restringir o âmbito da jurisdição arbitral, se foi utilizada uma expressão com alcance restritivo para indicar o âmbito da restrição, tem de pressupor-se, presumindo que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (como impõe o n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil), que se pretendeu restringir nos precisos termos, se não houver razões que imponham que se conclua que houve alguma deficiência na expressão do pensamento legislativo. Uma norma com alcance restritivo deve, em princípio, ser interpretada em termos estritos e não extensivamente, pois a ampliação do seu alcance estará presumivelmente ao arrepio do pensamento legislativo que a interpretação jurídica visa reconstituir (artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil). Como se escreve no Acórdão n.º 539/2015, do Tribunal Constitucional: «As contribuições financeiras constituem um tertium genus de receitas fiscais, que poderão ser qualificadas como taxas coletivas, na medida em que compartilham em parte da natureza dos impostos (porque não têm necessariamente uma contrapartida individualizada para cada contribuinte) e em parte da natureza das taxas (porque visam retribuir o serviço prestado por uma instituição pública a certo círculo ou certa categoria de pessoas ou entidades que beneficiam coletivamente de um atividade administrativa) (Gomes Canotilho/Vital Moreira, em “Constituição da República Portuguesa Anotada”, I vol., pág. 1095, 4.ª ed., Coimbra Editora). As contribuições distinguem-se especialmente das taxas porque não se dirigem à compensação de prestações efetivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, mas à compensação de prestações que apenas presumivelmente são provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, correspondendo a uma relação de bilateralidade genérica. Preenchem esse requisito as situações em que a prestação poderá beneficiar potencialmente um grupo homogéneo ou um conjunto diferenciável de destinatários e aquelas em que a responsabilidade pelo financiamento de uma tarefa administrativa é imputável a um determinado grupo que mantém alguma proximidade com as finalidades que através dessa atividade se pretendem atingir (sobre estes aspetos, Sérgio Vasques, ob. cit., pág. 221, e Suzana Tavares da Silva, em “As taxas e a coerência do sistema tributário”, pág. 89-91, 2.ª edição, Coimbra Editora)». Por outro lado, quando foi emitida a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, em que o Governo definiu o âmbito da vinculação à arbitragem tributária, a Autoridade Tributária e Aduaneira já administrava tributos com a designação de «contribuição» (designadamente, desde 2008, a contribuição de serviço rodoviário que aqui está em causa, e tinha já sido criada pelo artigo 141.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a contribuição sobre o sector bancário), pelo que não se pode aventar, com pertinência, que não se colocasse, no momento da emissão daquela Portaria, a necessidade esclarecer com rigor se o âmbito da vinculação abrangia ou não tributos com a designação de «contribuições». A intenção governamental de afastar da vinculação à arbitragem tributária as pretensões relativas a contribuições é confirmada pela alteração efetuada ao artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2001 pela Portaria n.º 287/2019, de 3 de Setembro, em que se manteve a referência restritiva a «impostos», em momento em que a Autoridade Tributária e Aduaneira já administrava vários tributos com a designação de «contribuições», como, além da CSR e da contribuição sobre o sector bancário, a contribuição extraordinária sobre o setor energético (criada pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro) e a contribuição extraordinária sobre a indústria farmacêutica (criada pelo artigo 168.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro). Por outro lado, utilizando a Constituição e a Lei designações específicas para classificar os vários tipos de tributos, terá de se presumir também que, para efeito da definição das competências dos tribunais arbitrais, se pretendeu aludir à classificação que a legislativamente foi adotada em relação a cada tributo e não à que o intérprete poderá considerar-se mais apropriada, como base em considerações de natureza doutrinal. A classificação de tributos especiais, designadamente para apurar se devem ser ou não tratados constitucionalmente como impostos é, frequentemente, uma tarefa complexa, objeto de abundante jurisprudência do Tribunal Constitucional. Não há qualquer razão para crer, em termos de razoabilidade, que o legislador, que tem de se presumir que consagrou a solução mais acertada (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), tivesse optado por impor indagações com esse nível de dificuldade, incerteza de resultados e morosidade para definição da competência dos tribunais arbitrais, em vez de optar pela identificação clara e segura dos tributos a que pretendeu aludir através da designação que legislativamente foi considerada adequada que, além do mais, se compagina melhor com a celeridade de decisões que se visou atingir com a criação da arbitragem tributária. Para além disso, nem se pode aceitar, à face da presunção de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), que fosse atribuída à CSR a designação de «contribuição» se legislativamente se pretendesse que ela fosse considerada como um «imposto» e não como uma das «demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas» a que aludem o artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP e o artigo 3.º, n.º 2, da LGT. A expressão do pensamento em termos adequados faz-se necessariamente através da expressão correta e não uma outra que o dissimule. Assim, em boa hermenêutica, é de concluir que o artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, quando se refere a «impostos», está a reportar-se apenas aos tributos a que legalmente é atribuída tal designação (como, por exemplo, o IVA, o IRC e o IRS) e àqueles que, embora tenham outra designação, a própria lei explicitamente considerada «impostos» (como sucede com as «contribuições especiais que assentam na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma atividade», que o n.º 3 do artigo 4.º da LGT identifica e expressamente considera «impostos»). E, paralelamente, aquele artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 não se estará a reportar a tributos que pela lei são denominados como «taxas» ou «contribuições financeiras a favor das entidades públicas», que não se enquadrem na definição das referidas «contribuições especiais», mesmo que, após análise aprofundada das suas características pelo tribunal previamente definido como competente, se possa concluir que devem ser considerados como impostos especiais, designadamente para efeitos de aplicação das exigências constitucionais relativas a impostos. No caso da CSR, é manifesto que não se está perante uma «contribuição especial» enquadrável no conceito definido no n.º 3 do artigo 4.º da LGT, pois não assenta «na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma actividade», pelo que não há suporte literal mínimo para que seja considerada, na perspetiva legislativa, um dos «impostos» a que alude o artigo 2.º da Portaria n.º 112-/2011. Por outro lado, da relegação da definição do âmbito da vinculação para diploma de natureza regulamentar depreende-se que, subjacente à restrição que se pretendeu efetuar estarão também razões pragmáticas relacionadas com a criação das condições práticas para implementação do novo regime, que normalmente se reservam para diplomas de natureza executiva, como são as relativas à disponibilidade de meios humanos da Administração Tributária com formação adequada para a representarem adequadamente nos processos tributários que exijam formação mais especializada. Neste caso, pelas limitações ao âmbito da jurisdição arbitral que se fazem nas alíneas c) e d) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, quanto a litígios relacionados com matéria aduaneira, entrevê-se que estarão razões desse tipo subjacentes a essas restrições à arbitrabilidade de litígios. Tendo o poder discricionário para definir o âmbito da vinculação sido atribuído aos membros do Governo indicados no artigo 4.º, n.º 1, da Portaria n.º 112-A/2011 e não aos tribunais arbitrais, não podem estes substituir-se àqueles na definição do âmbito da jurisdição arbitral. Desde logo porque os tribunais não possuem o conhecimento de todos os elementos de natureza operacional que podem ter levado os membros do Governo que emitiram a Portaria n.º 112-A/2011. E, depois, porque foi a esses membros do Governo e não aos tribunais arbitrais que a lei atribuiu o poder de definir o âmbito da vinculação. Pelo exposto, a interpretação correta, alicerçada no teor literal deste artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 e nas regras interpretativas que constam do n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, mas tendo também em conta as «circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada» (artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil), é a de que se pretendeu restringir a vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a litígios em que estejam em causa tributos legislativamente classificados como impostos ou explicitamente como tal considerados (como sucede com as «contribuições especiais» referidas no n.º 3 do artigo 4.º da LGT), com as exceções arroladas naquela norma. Assim, é de concluir que não é abrangida pela vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira, a apreciação de litígios que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas à CSR. (…). Esta interpretação do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 é compaginável com a Constituição, como já decidiu o Tribunal Constitucional no acórdão n.º 545/2019, de 16-10-2019, proferido no processo n.º 1067/2018.” (O destacado a bold é nosso) Q. De onde resulta, em suma, que no caso decidendo, se verifica a incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria, por falta da vinculação exigida pelo artigo 4.º do RJAT, para a apreciação das pretensões relativas à CSR. Mas ainda que assim não se entenda, R. Também não concordamos com a apreciação que a decisão arbitral impugnada fez quanto à natureza / qualificação jurídica da CSR. S. Assim, quanto à natureza jurídica da CSR, a qual, repete-se, constitui uma contribuição financeira, distinguindo-se, assim, do imposto, dir-se-á ainda que: T. De acordo com o disposto no artigo 1.º e no n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, na redação aplicável à data dos factos, a CSR foi criada com o objetivo de financiar a rede rodoviária nacional, a cargo da I ………………… Portugal, IP, S.A. (doravante IP), nos termos do Contrato de Concessão Geral da rede rodoviária nacional celebrado com o Estado, e “constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis “ U. Existindo um vínculo entre o destino dado às receitas da CSR e o motivo específico que levou à sua criação, a rede rodoviária nacional a cargo da IP é financiada pelos seus utilizadores (princípio do utilizador-pagador), e apenas subsidiariamente pelo Estado, cfr. artigo 2.º da Lei n.º 55/2007, constituindo receia própria da IP. V. Representando, assim, a CSR, uma contraprestação/contrapartida pela utilização dos serviços prestados pela IP aos utentes/utilizadores das vias rodoviárias, em nome do Estado, por força das bases da referida concessão, aprovadas pelo Decreto-Lei nº 380/2007, de 13 de novembro. W. De acordo com o contrato de concessão, a IP está obrigada a “serviços públicos” específicos, como a conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional. X. Tratando-se de um tributo de carácter comutativo, embora baseado numa relação de bilateralidade genérica ou difusa que, interessando a um grupo homogéneo de destinatários (os utilizadores da rede rodoviária nacional), se efetiva na compensação da conservação e requalificação da rede rodoviária nacional, assumindo assim a natureza jurídica de contribuição financeira e não de imposto. Y. Como é sabido, as contribuições financeiras constituem figuras "híbridas" ou "tertíum genius" entre as taxas e os impostos "que poderão ser qualificadas como taxas coletivas, na medida em que compartilham em parte da natureza dos impostos (porque não têm necessariamente uma contrapartida individualizada para cada contribuinte) e em parte da natureza das taxas (porque visam retribuir o serviço prestado por uma instituição pública a certo círculo ou certa categoria de pessoas ou entidades que beneficiam coletivamente de um atividade administrativa)" (Gomes Canotilho / Vital Moreira, em Constituição da República Portuguesa Anotada, 1 vol., pág. 1095, 4.ª ed., Coimbra Editora). Na mesma linha, seguem, por exemplos, as decisões proferidas pelo TC n.º 539/2015, 344/2019 e 255/2020. Z. Assim, à luz do regime legal da CSR e da Jurisprudência do TC, considera-se que a CSR é uma contribuição e não um imposto, conquanto e, em síntese, constitui um tributo que resulta da necessidade financiar uma entidade pública que tem como propósito gerir a rede rodoviária nacional, encontrando-se a sua receita consignada a esse fim/entidade; incide sobre os utilizadores da rede rodoviária nacional, que beneficiam da gestão da IP, enquanto utilizadores das estradas da rede nacional; e o facto gerador do tributo consubstancia uma prestação administrativa (a cargo da IP) presumivelmente provocada ou aproveitada por um grupo em que o sujeito passivo se integra (Cfr. Acórdão do TC n.º 255/2020). AA. Face ao que antecede, a CSR encontra-se excluída da arbitragem tributária por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º do RJAT, aprovado pelo Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de janeiro e do artigo 2.º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março, pelas quais a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais se reporta apenas à apreciação de pretensões relativas a impostos, não abrangendo os tributos que devam ser qualificados como contribuição. BB. Razões pelas quais a decisão arbitral impugnada padece do vício de pronuncia indevida, previsto na 1ªparte da alínea c) do nº 1 do artigoº 28.º do RJAT, por ter decidido para além do âmbito da jurisdição arbitral, em razão da matéria. Sem conceder, Da omissão de pronúncia, nos termos da 2ª parte da alínea c) do nº 1 do artº 28.º do RJAT. CC. A questão subjudice está relacionada com a conformidade da legislação nacional que criou a CSR com a Regulamentação Comunitária vigente sobre a matéria e, em qualquer caso, com o direito que o Estado tem de recusar o reembolso daquela contribuição quando o encargo fiscal é efetivamente suportado por uma pessoa diferente do sujeito passivo do tributo, pois que, neste caso, o reembolso do CSR a este último, determinaria uma situação de enriquecimento sem causa. DD. Sobre o direito de o Estado recusar o reembolso de uma contribuição, ainda que indevidamente liquidada, por violação do direito da União Europeia, já se pronunciou o TJUE, no despacho Vapo Atlantic S.A., proferido no âmbito do processo C‑460/21, a 7 de fevereiro de 2022, na sequência de reenvio espoletado no âmbito do processo arbitral n.º 564/2020-T, relativo à CSR liquidada à Impugnada no ano de 2016, nos seguintes termos: “37 (…) o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o direito da União deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades nacionais possam fundamentar a sua recusa de reembolsar um imposto indireto contrário à Diretiva 2008/118 na presunção de que esse imposto foi repercutido sobre terceiros e, consequentemente, no enriquecimento sem causa do sujeito passivo. 38 Como resulta de jurisprudência constante, o direito de obter o reembolso dos impostos cobrados num Estado-Membro em violação das disposições do direito da União é a consequência e o complemento dos direitos conferidos aos particulares por estas disposições, conforme foram interpretadas pelo Tribunal de Justiça. Assim, um Estado-Membro está, em princípio, obrigado a reembolsar os impostos cobrados em violação do direito da União, ao abrigo das regras processuais nacionais aplicáveis e no respeito pelos princípios da equivalência e da efetividade (v., neste sentido, designadamente, Acórdãos de 9 de novembro de 1983, San Giorgio, 199/82, EU:C:1983:318, n.º 12, e de 1 de março de 2018, Petrotel-Lukoil e Georgescu, C-76/17, EU:C:2018:139, n.º 32). 39 A obrigação de reembolsar os impostos cobrados num Estado-Membro em violação das disposições da União conhece apenas uma exceção. Com efeito, sob pena de conduzir a um enriquecimento sem causa dos titulares do direito, a proteção dos direitos garantidos na matéria pela ordem jurídica da União exclui, em princípio, o reembolso dos impostos, direitos e taxas cobrados em violação do direito da União quando seja provado que o sujeito passivo responsável pelo pagamento desses direitos os repercutiu efetivamente noutras pessoas (v., neste sentido, Acórdãos de 14 de janeiro de 1997, Comateb e o., C-192/95 a C-218/95, EU:C:1997:12, n.º21, e de 1 de março de 2018, Petrotel-Lukoil e Georgescu, C-76/17, EU:C:2018:139, n.º 33). 40 Por conseguinte, incumbe às autoridades e aos órgãos jurisdicionais nacionais assegurar o respeito pelo princípio da proibição do enriquecimento sem causa, incluindo quando nada conste a este respeito no direito nacional. (…) 42 Por conseguinte, um Estado-Membro só se pode opor ao reembolso de um imposto indevidamente cobrado à luz do direito da União quando as autoridades nacionais provarem que o imposto foi suportado na íntegra por uma pessoa diferente do sujeito passivo e quando o reembolso do imposto conduzisse, para este sujeito passivo, a um enriquecimento sem causa. (…)” (O sublinhado é nosso). EE. De onde resulta, na esteira da jurisprudência há muito assente pelo TJUE, que desde que seja provado que os impostos indevidamente arrecadados foram efetivamente incluídos no preço das mercadorias vendidas e, assim, repercutidos nos adquirentes, o Estado não está obrigado à devolução dos ditos impostos (v.g., entre outros, Proc.º TJUE C-199/82, de 09/11/1983 (O Caso San Giorgio). FF. E ainda de acordo com a jurisprudência pacífica do Tribunal de Justiça (TJUE), são incompatíveis com o direito comunitário as modalidades de prova cujo efeito seja fazer com que seja praticamente impossível ou excessivamente difícil a devolução dos impostos arrecadados contra as disposições de Direito comunitário, considerando o TJUE que tal se verifica quando se imponha ao contribuinte o ónus de provar que os tributos indevidamente pagos não foram repercutidos sobre outros sujeitos. GG. O raciocínio supra explanado tem de ser igualmente válido para a prova a apresentar pelo Estado. HH. Isto é, de acordo com aquele acórdão do TJUE, a repercussão efetiva dos montantes liquidados a título de CSR sobre terceiros, é suscetível de prova pelo Estado e, no caso de a mesma ser produzida, o Estado pode opor-se à devolução de impostos aos sujeitos passivos. Ora, II. No caso que nos ocupa, fazendo jus ao acórdão do TJUE, a AT apresentou prova documental sobre a repercussão efetiva sobre terceiros da totalidade dos montantes liquidados a título de CSR, bem como do efetivo enriquecimento sem causa da Impugnada, consubstanciada numa análise objetiva e na descrição do tratamento contabilístico e do enquadramento fiscal efetuado pelo sujeito passivo à CSR, no período em causa, suportada pela junção da documentação das transações comerciais reais, conforme resulta da informação de 05/03/2023, da Divisão de Inspeção Tributária I – Equipa 15, da Direção de Finanças de Braga, da AT, para onde se remete, constante do PA. Todavia, JJ. Por decisão arbitral proferida em 31/07/2023, o Tribunal Arbitral considerou procedente o pedido formulado pela Impugnada, anulando os atos de liquidação de CSR em demanda, sustentando, que “A recusa do reembolso do imposto indevidamente liquidado, por violação do direito da União Europeia, apenas é admissível se a Administração Tributária provar que o imposto foi suportado, na íntegra ou parcialmente, por uma pessoa diferente do sujeito passivo e que, além disso, não se repercutiu negativamente nas margens de venda ou no volume de vendas do sujeito passivo, de modo a que o reembolso pudesse gerar um enriquecimento sem causa, o que não pode ser provado por meras presunções”. KK. Ainda de acordo com tal juízo, “Não pode (…) ser elemento de prova suficiente, a demonstração do tratamento contabilístico do custo das mercadorias vendidas quando o mesmo deva incluir todos os gastos incorridos, incluindo o imposto.” Seria ainda necessário demonstrar que, nas condições de mercado resultantes do agravamento da tributação, o sujeito passivo teria beneficiado, ainda que parcialmente, do efeito da repercussão do imposto nos consumidores”. LL. Com tal decisão, fica inviabilizada, em concreto, e em abstrato, a possibilidade que o acórdão do TJUE oferece, dizendo que a repercussão efetiva dos montantes liquidados a título de CSR sobre terceiros, é suscetível de prova. MM. Efetivamente, concluir liminarmente que a prova produzida pela Autoridade Tributária assenta em “meras presunções” e que não é “elemento de prova suficiente, a demonstração do tratamento contabilístico do custo das mercadorias vendidas quando o mesmo deva incluir todos os gastos incorridos, incluindo o imposto”, é um ardil que tem o propósito da exigência de uma prova impossível. NN. Pois, por um lado, a repercussão do CSR não é uma repercussão que tenha um mecanismo de requisitos formais legalmente consagrados como acontece, por exemplo, com o IVA (o mecanismo do reembolso ou o da dedução do IVA pago a montante, exercido por intermédio da declaração periódica, subtraindo ao IVA liquidado o respetivo IVA dedutível, nos termos previstos no CIVA), mas uma repercussão meramente económica, que não é faturada separadamente, cujo valor não é discriminado na fatura de venda de combustível, nem reconhecida numa conta de rendimentos específica, não se encontrando segregada ou registada num documento contabilístico ou outro fiscalmente relevante. OO. Aliás, dada a relação jurídica material subjacente, seria mesmo patológico que existisse um documento justificativo contabilístico ou outro fiscalmente relevante onde estivesse registada a CSR. PP. Do mesmo modo, também do ponto de vista do registo contabilístico, a CSR não está individualizada numa conta específica, pois o valor da CSR não está segregado do valor do ISP. O tratamento dado à CSR é exatamente o mesmo que é dado ao ISP, ou seja, os impostos são tratados como um todo. QQ. Por outro lado, contrariamente ao que consta da decisão arbitral ora impugnada, o registo contabilístico da CSR pelo sujeito passivo, enquanto “custo das mercadorias vendidas”, é um elemento fundamental para aferir pela sua repercussão económica sobre os consumidores. RR. O apuramento do Custo das Mercadorias Vendidas tem em vista quantificar todos os fatores que são incluídos no preço de venda, o qual incorpora o Custo das Mercadorias Vendidas, acrescido da margem obtida pelo sujeito passivo na comercialização daqueles combustíveis. SS. Ou seja, todos os elementos que estão incluídos no Custo das Mercadorias Vendidas, estão a fazer parte do preço de venda obtido com a venda daquelas mercadorias. TT. Daí a importância de se apurar o Custo das Mercadorias Vendidas, que é a rubrica contabilística que identifica o que está a “ser dado em troca”, no que às mercadorias diz respeito, pela obtenção do correspondente preço de venda do consumidor final. UU. No caso concreto, verificou-se que a C……………….., em conformidade com o tratamento contabilístico consagrado na NCRF18, incorpora a CSR no Custo das Mercadorias Vendidas (tal como faz relativamente ao ISP e à taxa de carbono) e se no custo dos inventários está incluído o valor da CSR, significa que o encargo com a CSR está a ser transferida para o seu cliente. VV. Para além de a CSR estar a ser repercutida, ainda permite a obtenção de uma margem de comercialização pelo exercício daquela atividade. WW. E esta conclusão não configura qualquer presunção, mas apenas a constatação de um facto. XX. Finalmente, considerar a decisão arbitral impugnada, que a AT também não fez qualquer prova relativamente ao enriquecimento sem causa, porquanto “Seria ainda necessário demonstrar que, nas condições de mercado resultantes do agravamento da tributação, o sujeito passivo teria beneficiado, ainda que parcialmente, do efeito da repercussão do imposto nos consumidores”, é igualmente a exigência de uma prova impossível, que olvida os conceitos de “neutralidade fiscal” e de não agravamento do preço de venda dos combustíveis, que estiveram subjacentes à criação da CSR em do valor da CSR, garantindo-se assim a neutralidade fiscal desta contribuição). YY. Nesse sentido, não é possível estabelecer uma relação entre a integração do montante da CSR no custo do ISP e nos preços praticados, com eventuais prejuízos associados à diminuição do volume de venda de combustíveis. ZZ. Esta é uma questão meramente teórica e um exercício especulativo, que não se verifica, pois, a não vende nem, que tenhamos conhecimento ou que tenha sido invocado, alguma vez vendeu abaixo do Custo das Mercadorias Vendidas. AAA. Neste âmbito, é fundamental ter em conta que a procura inelástica de combustíveis representa uma sensibilidade diminuta ou não tão intensa às flutuações dos preços. BBB. E de acordo com a característica da procura inelástica de combustíveis, decorre de um dos mais elementares corolários da teoria microeconómica, que o vendedor não terá qualquer razão para absorver o custo do imposto e não aumentar o preço quando confrontado com um aumento da taxa de imposto. CCC. Na verdade, se o vendedor sabe que não haverá redução na procura se aumentar o preço, o que é racional do ponto de vista económico é que inclua o imposto no preço mais alto sem alterar a sua margem de lucro, sem que ocorra uma diminuição do volume de venda de combustíveis e fazendo com que o imposto seja suportado pelos consumidores finais. DDD. Ora, como já se referiu, a AT fez prova de que a incorpora a CSR no Custo das Mercadorias Vendidas e na atividade de venda de combustível tem apurado uma margem de comercialização positiva. Ou seja, a CSR não causou qualquer prejuízo resultante da diminuição das suas vendas. EEE. Assim, a incorpora a CSR no preço de venda dos combustíveis e consequentemente o encargo com esta contribuição é repercutido para terceiros (no final serão os consumidores finais a suportar este encargo), pelo que um eventual reembolso da CSR à conduz a um enriquecimento sem causa, na medida em que se estaria a reembolsar um montante a uma entidade distinta daqueles que no final suportaram o encargo com a CSR (os consumidores finais). FFF. Se a se limita a entregar ao Estado esta contribuição, incluindo-a no preço de venda dos combustíveis, o reembolso da mesma a esta entidade faria com que esta beneficiasse de um rendimento referente a uma contribuição que não suportou e consequentemente, a um enriquecimento sem causa. GGG. O Estado ao reembolsar a CSR à estaria a transferir para esta entidade as verbas que os consumidores finais suportaram quando adquiriram os combustíveis, sendo que os consumidores continuariam a suportar o impacto negativo que esta contribuição causou, o Erário Público no final não arrecadaria qualquer receita (num primeiro momento arrecadou, mas num momento posterior estaria a devolver o valor cobrado) e a passaria a ser a beneficiária efetiva de uma receita que não faz qualquer sentido que constitua rendimento desta entidade (na medida em que quem suportou efetivamente o encargo com a CSR foram os consumidores finais). Pelo que, HHH. A AT fez a prova possível e adequada à demonstração da repercussão da CSR a montante nos preços praticados ao cliente e da falta de causa justificativa para o reembolso da CSR ao sujeito passivo, com fundamento no enriquecimento sem causa. III. A análise da repercussão da CSR feita pela Autoridade Tributária parte de factos conhecidos e demonstrados, a título exemplificativo, como o preço de aquisição, o custo das mercadorias, onde se incluem os impostos (ISP, CSR e taxa de carbono), o preço de venda do combustível e as margens de comercialização, para inferir/concluir, e não presumir, que a CSR é incluída no preço de venda dos combustíveis. JJJ. Por outro lado, a contrario, só o facto de se saber que a carga fiscal representa mais do que 50% do preço de venda do combustível, inviabiliza totalmente a argumentação no sentido de que a CSR não é incluída no preço do produto. KKK. Adicionalmente, atendendo a que o peso da CSR no preço de venda dos combustíveis é superior à margem bruta apurada pelo contribuinte, não pode invocar-se que a mesma não foi incluída no preço de venda dos combustíveis pois tal significaria admitir-se que se estaria a praticar preços de venda inferiores aos respetivos preços de custo, prática proibida pela legislação nacional. LLL. Ora, a decisão arbitral em crise não curou de analisar a prova apresentada pela requerida, ora impugnante, como tinha de fazer, tendo-se limitado a afastá-la sem deveras a apreciar. MMM. Com efeito, o acórdão do TJUE diz que a repercussão efetiva dos montantes liquidados a título de CSR sobre terceiros, é suscetível de ser provada pelo Estado, sendo que o tribunal “a quo” não se debruçou verdadeiramente sobre a prova apresentada pela AT. NNN. Na verdade, o tribunal “a quo”, limitou-se a afastar a prova levada aos autos pela AT, considerando que prova produzida pela Autoridade Tributária assenta em “meras presunções”. OOO. Ao que parece o “tribunal a quo” só aceitaria prova por documentos que bem se sabe não existirem, exigindo à AT a apresentação de prova impossível. PPP. Sendo certo que, como a AT demonstrou, a ora Impugnada repercutiu o valor da CSR no preço da venda ao cliente, tal repercussão é meramente económica (não estando legalmente consagrado um mecanismo de requisitos formais, como acontece, por exemplo, com o IVA), não existindo, portanto, faturas que atestem a referida repercussão. QQQ. Mas, os elementos probatórios juntos pela AT, liminarmente arredados pelo tribunal arbitral, demonstram que a Impugnada repercutiu o valor da CSR em crise no preço de venda ao cliente, tendo o respetivo custo económico sido assumido por terceiros e não pela ., pelo que um eventual reembolso da CSR à conduz a um enriquecimento sem causa. RRR. De acordo com o artigo 608.º, n.º 2, do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, (n.º 1 do artigo 125.º, do CPPT), o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, com exceção daquelas, cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. SSS. E, inexistindo o poder/dever enunciado no identificado artigo 608.º do CPC, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), é nula a sentença quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar. TTT. Destarte, considerando que a decisão arbitral impugnada não procedeu à apreciação da prova apresentada pela AT, relativa à repercussão da CSR, deve aquela decisão ser considerada nula, face ao invocado. UUU. Acresce que ao não apreciar a prova apresentada pela AT, contra a possibilidade que o acórdão do TJUE oferece dizendo que a repercussão efetiva dos montantes liquidados a título de CSR sobre terceiros é suscetível de prova, a decisão arbitral ora impugnada viola o princípio da tutela jurisdicional efetiva, com assento constitucional nos artigos 20.º e 268.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), o qual constitui parâmetro material das decisões dos órgãos jurisdicionais. VVV. Face ao supra exposto, o Acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral padece dos vícios de pronúncia indevida e da omissão de pronúncia, nos termos previstos na alínea c) e a) do nº 1 do artº 28.º do RJAT, por ter decidido para além do âmbito da jurisdição arbitral e dada a ausência ou grave deficiência de pronúncia quanto à prova produzida pela AT sobre a efetiva repercussão da CSR, questão essencial à solução do litígio. WWW. Tais vícios determinam a nulidade da decisão arbitral impugnada, nos termos previstos no artigo 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário e no artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, conjugado com os artigos 607.º, n.ºs 3 e 4 e 154.º do mesmo Diploma, não podendo, por conseguinte, manter-se tal decisão na ordem jurídica. XXX. Finalmente, atento o elevado valor da causa e as razões invocadas atinentes à especificidade da situação, requer-se a V. Exa. a dispensa do remanescente da taxa de justiça superior a 16 UC, nos termos do disposto no nº 7, do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais. Pugna pela procedência da impugnação e pela declaração de nulidade da decisão arbitral. Requer também a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do artigo 6.º,nº 7, do Regulamento das Custas Processuais. X Admitida a Impugnação e notificada a Entidade Impugnada, foi por esta apresentada contra-alegações, nas quais formula as seguintes conclusões: “A. Tendo em conta que as presentes contra-alegações foram apresentadas no prazo de 30 dias previsto no artigo 144.º, n.º 3 do CPTA aplicável ex vi artigo 27.º, n.º 2 do RJAT, são as mesmas tempestivas, pelo que se requer a V. Exas. que declarem não ser devido o pagamento de multa pela prática de acto fora de prazo, devendo tal valor ser restituído à Impugnada porque não devido. B. A AT impugnou junto deste Tribunal Central Administrativo a decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 702/2022-T, que correu termos no CAAD, por entender que aquela decisão incorreu no vício de pronúncia indevida e de omissão de pronúncia, previstos no artigo 28.º, n.º 1, alínea c), do RJAT. C. Não se encontra, porém, verificado, nenhum daqueles fundamentos de impugnação. D. Os Tribunais, incluindo os arbitrais, não estão vinculados à interpretação e à qualificação jurídica que é feita pelas partes, tendo antes liberdade para extrair aquele que consideram ser o melhor sentido e alcance do direito a aplicar (artigo 664.º do CPC). E. No acórdão arbitral impugnado, o Tribunal especificou os fundamentos de facto e de direito pelos quais considerou que a AT se encontra vinculada à jurisdição arbitral quanto à apreciação da legalidade de actos de liquidação de tributos, onde se inclui a CSR que o Tribunal qualificou quanto à sua natureza jurídica como um imposto. F. Sem conceder, ainda que se considerasse que o acórdão arbitral impugnado incorreu em erro de julgamento, tal não configura uma pronúncia indevida, pelo que o Tribunal Central Administrativo Sul não tem competência para a sua reapreciação. G. Em sede de processo arbitral, a AT juntou aos autos os elementos de prova que entendeu pertinentes para fundamentar a sua posição. H. Os elementos de prova que a AT carreou ao processo foram objecto de análise concreta e ponderação devida, vertida na fundamentação do acórdão arbitral. I. Tendo o Tribunal Arbitral concluído que a AT não provou os factos que lhe competia provar nos termos da jurisprudência do TJUE na matéria e julgando o Tribunal por essa razão procedente o pedido formulado pela . J. A decisão arbitral foi impugnada porque a AT “não concorda, nem se conforma” com a mesma, designadamente no que respeita ao critério de distribuição do ónus da prova, à valoração dos elementos probatórios que foram juntos ao processo, e à validade do raciocínio seguido pelo Tribunal Arbitral para fundamentar a sua decisão. K. Da jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Sul resulta, porém, que uma falta de avaliação da prova produzida ou a sua errada valoração – que não sucedeu no acórdão impugnado – não consubstanciam omissão de pronúncia que permita a impugnação da decisão arbitral, mas antes casos de erro de julgamento da matéria de facto não sindicáveis pelo Tribunal Central Administrativo. L. Da jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Sul resulta, ainda, que a omissão de pronúncia apenas se verifica quando o acórdão impugnado deixa por decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, não se enquadrando nessa falta de pronúncia a desconsideração de argumentos ou razões, de facto ou de direito, em que a parte tenha eventualmente fundado a sua posição no litígio. M. No acórdão arbitral impugnado, porém, é claro que o Tribunal se pronunciou quanto a todas as questões suscitadas pelas partes, não correspondendo a apreciação da prova em sentido desfavorável à AT a uma omissão de pronúncia. N. O móbil da impugnação apresentada pela AT parece estar simplesmente em retardar o trânsito em julgado da decisão arbitral e em tentar obter uma reapreciação do mérito da causa por parte do Tribunal Central Administrativo. O. É manifesto, porém, não ter havido pronúncia indevida nem omissão de pronúncia por parte do Tribunal Arbitral, pelo que não se verificam os pressupostos de que depende a impugnação da decisão nos termos e para os efeitos dos artigos 27.º e 28.º, n.º 1, alínea c) do RJAT. P. Em face do exposto, acredita-se que deverá a impugnação deduzida pela AT nos presentes autos ser julgada improcedente e, consequentemente, ser mantida na ordem jurídica a decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 702/2022-T, que correu termos no CAAD, com as devidas consequências legais. Q. Tendo em conta o elevado valor da causa e a falta de complexidade das questões que cumpre conhecer, requer-se a V. Exas. a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça nos termos do artigo 6.º, n.º 7 do RCP. Pugna pela improcedência da impugnação e pela manutenção da decisão arbitral. Requere também que seja declarada a tempestividade das presentes contra-alegações, com a devolução da multa indevidamente paga pela prática de acto fora de prazo e, bem assim, dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 7 do RCP”. X A Digna Magistrada do M. P. junto deste Tribunal foi notificada nos termos do artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, aplicável ex vi artigo 27.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, não tendo emitido pronúncia sobre o objecto do recurso.X Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.X II- Fundamentação1. De Facto. 1.1. A decisão arbitral impugnada fixou a matéria de facto provada nos seguintes termos: “a) A Requerente, ……………………, Unipessoal, Lda, é uma sociedade cujo objecto social integra, entre outras actividades, a exploração de postos de abastecimento e comércio por grosso de produtos petrolíferos. b) No contexto dessa actividade, e com base nas declarações de introdução no consumo por ela realizadas, a AT procedeu aos actos de liquidação conjunta de ISP, CSR e outros tributos, relativos aos meses entre Julho e Setembro de 2022, que se indicam: « Quadro no original c) A Requerente procedeu ao pagamento integral das liquidações supra identificadas.” X Consta ainda da decisão impugnada que:”B) Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.”.X E, sob a epígrafe “Fundamentação da matéria de facto” consignou-se que:” A matéria de facto dada como provada assenta no exame crítico da prova documental apresentada e não contestada, que aqui se dá por reproduzida.”X 2.1. De Direito.2.2.1. A presente intenção impugnatória centra-se sobre os alegados vícios da decisão arbitral seguintes: i) Pronúncia indevida, porquanto o tribunal arbitral é incompetente em razão da matéria para dirimir litígios relativos a tributos qualificados pela lei como contribuição financeira, como sucede com a contribuição sobre o serviço rodoviário [CSR], a qual corresponde, de facto, a uma contribuição financeira devida pelos utilizadores das vias rodoviárias nacionais com vista a financiar a exploração e conservação das mesmas por parte da I………………. de Portugal, SA. [conclusões A) a BB)]. ii) Omissão de pronúncia quanto a questão de que cumpre conhecer, porquanto a decisão contestada não analisou (como devia) a prova apresentada pela impugnante tendente à demonstração da repercussão da CSR a montante dos preços praticados ao cliente da impugnada e da falta de causa justificativa para o reembolso da CSR ao sujeito passivo, como fundamento no enriquecimento sem causa [demais conclusões da impugnação] A decisão arbitral julgou procedente o pedido arbitral formulado, declarando a ilegalidade dos actos de liquidação de Contribuição do Serviço Rodoviário referentes ao período entre Julho e Setembro de 2022 e condenou a ora impugnante na restituição dos montantes indevidamente pagos, acrescido de juros indemnizatórios. Para assim proceder, a decisão arbitral jugou improcedentes as excepções da incompetência material do tribunal arbitral para conhecer do objecto do litígio, bem como da ilegitimidade processual activa da requerente da pronúncia arbitral. Quanto ao mérito do pedido de pronúncia arbitral, o tribunal arbitral julgou procedente o vício de violação de lei, tendo ponderado, em síntese, o seguinte: - “O artigo 1º, nº 2, da Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo e que revoga a Directiva 92/12/CEE, deve ser interpretado no sentido de que não prossegue «motivos específicos», na acepção desta disposição, um imposto cujas receitas ficam genericamente afectadas a uma empresa pública concessionária da rede rodoviária nacional e cuja estrutura não atesta a intenção de desmotivar o consumo dos principais combustíveis rodoviários”.// Aderindo a tal entendimento, do mesmo modo que o decidido no processo arbitral 304/2022-T, se conclui que “a CSR não tem um «motivo específico», antes se destina ao financiamento de despesas de carácter geral que incumbem obrigatoriamente ao Estado e são susceptíveis de ser financiadas por quaisquer receitas fiscais, violando a lei que cria o tributo, com essa ausência de «motivo específico» o artigo 1º, n.º 2, da Diretiva 2008/118. Ao ser a lei que cria o tributo ilegal por violar a Diretiva 2008/118, as liquidações impugnadas padecem do vício de ilegalidade abstracta”. 2.2.2. Antes de entramos na apreciação do mérito da impugnação, cumpre aferir da tempestividade das contra-alegações de impugnação. Dispositivo Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul no seguinte:i) Julgar improcedente a presente impugnação de decisão arbitral. ii) Dispensar ambas as partes do pagamento do remanescente da taxa de justiça. Custas pela impugnante. Registe. Notifique. (Jorge Cortês - Relator) (1.º Adjunta – Patrícia Manuel Pires) (2.ªAdjunta– Ângela Cerdeira) (1) Acórdão do TCAS, de 26-06-2014, P.07084/13. No mesmo sentido, Acórdão do TCAS, de 21-05-2020, P. 114/19.3BCLSB. (2) Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, in Guia da Arbitragem Tributária, Coordenação Nuno Villa-Lobos e Mónica Brito Vieira, Almedina, 2013, p. 235. (3) Carla Castelo Trindade, Regime Jurídico da Arbitragem Tributaria, anotado, Almedina, 2016, p. 545. (4) Acórdão do TCAS, de 28/04/2016, P.09286/16. (5) Acórdão do TCAS, de 17-01-2019, P. 62/18.4BCLSB. (6) Acórdão do Tribunal Arbitral de 30/07/2024, proferido no P. n.º 375/2024-T. (7) Jorge Lopes Sousa, CPPT Anotado, 6.º Ed., vol. II, p. 363. (8) Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais, anotado, 4.ª ed., p. 236. |