Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2658/14.4BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:04/29/2021
Relator:LURDES TOSCANO
Descritores:ERRO NA FORMA DO PROCESSO
CONVOLAÇÃO
DÉFICE INSTRUTÓRIO
Sumário:I - Alegando o recorrente que é parte ilegítima na execução, entendemos que seria de convolar, isto é, a de mandar seguir a forma de processo adequada (oposição à execução fiscal), sabido que em face do preceituado no nº 4 do art. 98º do CPPT e do nº 3 do art. 97º da LGT, a nulidade consubstanciada no erro na forma de processo deve ser, sempre que possível, oficiosamente sanada pela convolação para a forma de processo adequada.
II - Não constando da sentença recorrida, nem dos autos, elementos que permitam ao tribunal ad quem apreciar a possibilidade de convolação no que respeita à tempestividade da petição inicial, terá de concluir-se que os autos padecem de défice instrutório, determinante da anulação da sentença recorrida e da remessa dos autos ao tribunal a quo com vista à cabal averiguação dos factos indispensáveis à boa decisão da causa e posterior decisão em conformidade.
Votação:UNANIMIDADE - DECLARAÇÃO DE VOTO
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 1ª Subsecção da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I.          RELATÓRIO

A....., com os sinais nos autos, veio, em conformidade com os artigos 279.º, n.º 1, alínea a), 280.º, n.ºs 1 e 2, 281.º, 282.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, interpor recurso da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, de 6 de dezembro de 2019, a qual, no âmbito da Impugnação por aquele deduzida enquanto revertido para o processo de execução fiscal n.º ..... e apensos, no qual se encontram em cobrança dívidas de IVA e IRC dos exercícios de 2005, 2007 e 2009 no montante global de 28.812,64€,  julgou procedente a excepção de erro na forma do processo e, em consequência, determinou a anulação de todo o processado e absolveu a Fazenda Pública da presente instância. Mais, aquela sentença condenou o impugnante nas custas.

O Recorrente termina as alegações de recurso formulando as conclusões seguintes (com numeração nossa para melhor identificação das questões):

“1) O RECORRENTE FOI NOTIFICADO DA DOUTA SENTENÇA QUE JULGOU A IMPUGNAÇÃO JUDICIAL IMPROCEDENTE, BEM COMO QUE CONSIDEROU INEXISTIREM FUNDAMENTOS PARA A CONVOLAÇÃO EM OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL;

2) A DECISÃO JUDICIAL RECORRIDA DEVERIA TER DADO, COMO FACTO PROVADO, A DATA EM QUE O RECORRENTE FOI CITADO, NÃO BASTANDO A DATA EM QUE FOI CHAMADO AO PROCESSO DE REVERSÃO;

3) A DECISÃO RECORRIDA DEVERIA TER DADO COMO PROVADO QUE: “O RECORRENTE SOLICITOU, A 22 DE OUTUBRO DE 2014, APOIO JUDICIÁRIO NA MODALIDADE DE DISPENSA DE ENCARGOS E DE TAXA DE JUSTIÇA COM O PROCESSO”, CONFORME COMPROVATIVO DO PEDIDO DE APOIO JUDICIÁRIO JUNTO COM A PETIÇÃO INICIAL;

4) O TRIBUNAL A QUO DECIDIU QUE O PROCESSO DE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL NÃO É O MEIO PRÓPRIO PARA APRECIAR VÍCIOS QUE NÃO CONTENDEM COM A ILEGALIDADE DA DÍVIDA EXEQUENDA;

5) SE TAL ASSIM O É, DEVERIA TER SIDO CONVOLADA A IMPUGNAÇÃO JUDICIAL APRESENTADA EM PROCESSO DE OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL, ONDE É POSSÍVEL DISCUTIR-SE A EXIGIBILIDADE DA DÍVIDA, SENDO, POIS, O MEIO PROCESSUAL ADEQUADO PARA REAGIR CONTRA A LEGALIDADE DA EXECUÇÃO, VISTOS OS FUNDAMENTOS PREVISTOS NO ARTIGO 204.º, N.º 1, DO CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO;

6) MESMO TENDO OCORRIDO UM ERRO NA FORMA DE PROCESSO, A PETIÇÃO INICIAL NÃO DEVERIA TER SIDO INDEFERIDA LIMINARMENTE, SENDO POSSÍVEL OPERAR-SE A CONVOLAÇÃO PROCESSUAL, NOS TERMOS DO ARTIGO 97.º, N.º 3, DA LEI GERAL TRIBUTÁRIA, CONJUGADO COM O DISPOSTO NO ARTIGO 98.º, N.º 4, DO CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO;

7) A CONVOLAÇÃO PROCESSUAL ERA POSSÍVEL, ATENTA A TEMPORANEIDADE DO MEIO PROCESSUAL QUE SE REPUTAVA IDÓNEO, SENDO QUE A CAUSA DE PEDIR SUBSUME-SE AO ARTIGO 204.º, N.º 1, ALÍNEAS B), D) E I), DO CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO;

8) COM EFEITO, O RECORRENTE PRETENDEU SINDICAR A ILEGITIMIDADE DA REVERSÃO POR ENTENDER QUE A MESMA NÃO PODE OPERAR CONTRA SI, PORQUANTO O FACTO GERADOR DA EXISTÊNCIA DA DÍVIDA DECORREU DE UMA CONDUTA DA TÉCNICA OFICIAL DE CONTAS E NÃO DO SUJEITO PASSIVO;

9) ACRESCE QUE O RECORRENTE ENTENDE QUE, COMO NÃO FOI O PRÓPRIO A PREPARAR, ELABORAR E, BEM ASSIM, A SUBMETER AS DECLARAÇÕES PERIÓDICAS EM CRISE, É-LHE, SALVO O DEVIDO RESPEITO, INEXIGÍVEL AS DÍVIDAS EXEQUENDAS;

10) REFIRA-SE, ADEMAIS, QUE A APRESENTAÇÃO DO PEDIDO DE APOIO JUDICIÁRIO INTERROMPEU O PRAZO DE CITAÇÃO EM CURSO, NOS TERMOS DO ARTIGO 24.º, N.º 4, DA LEI N.º 34/2004, DE 29 DE JULHO;

NORMAS JURÍDICAS VIOLADAS: ARTIGOS 98.º, N.ºS 3 E 4, DO CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO, 97.º, N.º 3, DA LEI GERAL TRIBUTÁRIA, E ARTIGOS 193.º, N.º 1, E 590.º, N.º 1, TODOS DO CÓDIGO

NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO, OS QUAIS SERÃO DOUTAMENTE SUPRIDOS POR V. EXAS., DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO INTEGRALMENTE PROCEDENTE E, EM CONSEQUÊNCIA, SER DETERMINADA A CONVOLAÇÃO DA PETIÇÃO INICIAL EM OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO COM AS DEVIDAS

CONSEQUÊNCIAS LEGAIS. ASSIM DECIDINDO, FARÃO V. EX.AS A COSTUMADA JUSTIÇA.


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A AT, aqui Recorrida, notificada, não apresentou contra-alegações.


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Notificado, o Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.


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Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que a recorrente remate a sua alegação (art. 639º do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do referido tribunal.

De outro modo, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que no caso concreto, a questão fundamental a decidir é a de saber se existindo erro na forma do processo se deveria ter convolado o processo na espécie processual própria (oposição), e se não o tendo feito, a sentença recorrida errou no seu julgamento quando determinou a anulação de todo o processado e absolveu a Fazenda Pública da instância.


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II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1. De facto

A sentença recorrida deu por provados os seguintes factos:

1. Em 13/01/2010 foi instaurado sobre a sociedade “V....., Lda.” o processo de execução fiscal n.º .....– cfr. fls. 4 do processo administrativo junto aos presentes autos.

2. Ao processo de execução fiscal referido em 1. foram apensos os processos de execução fiscal n.º ..... e ..... – cfr. fls. 7 a 12 do processo administrativo junto aos presentes autos.

3. Da apensação dos processos referidos em 2. Ao processo referido em 1. Resultou um montante global em cobrança de 28.812,64€ - cfr. fls. 15 e 16 do processo administrativo junto aos presentes autos.

4. Por despacho de 29/04/2014 foi o Impugnante revertido para o processo de execução fiscal referido em 1. – cfr. fls. 15 e 16 do processo administrativo junto aos presentes autos.

5. A presente acção foi intentada em 07/11/2014 – cfr. fls 3 e 4 dos presentes autos.”


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No que respeita a factos não provados, refere a sentença o seguinte:

“Com relevância para a pronúncia neste ponta a emitir, inexistem factos que importe dar como não provados.”


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A convicção do Tribunal assentou “A decisão da matéria de facto, consonante com o que acima ficou exposto, efectuou-se com base nos documentos e informações constantes dos autos e no processo de administrativo apenso, referidos em cada uma das alíneas do elenco dos factos provados, os quais não foram impugnados, merecendo a credibilidade do tribunal, em conjugação com o princípio da livre apreciação da prova..”


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II.2. De Direito

Em sede de aplicação de direito, a sentença recorrida julgou procedente a excepção de erro na forma do processo e em consequência determinou a anulação de todo o processado e absolvição da Fazenda Pública da presente instância, com as consequências legais. Para tanto, apresentou a seguinte fundamentação:

«E tendo em consideração que o pedido formulado pelo Impugnante na presente acção é de anulação do despacho de reversão que o chamou ao processo de execução fiscal referido em 4. dos factos provados, tendo em consideração tudo quanto supra foi por nós afiançado, que meio processual adequado para o conhecimento de tal pedido é a oposição à execução fiscal e não a impugnação judicial. Pelo que, consequentemente, in casu se verifica uma situação de erro na forma do processo.

Erro na forma de processo que, quando for insusceptível de sanação por convolação para a forma processual adequada, constitui nulidade que configura excepção dilatória determinante de absolvição da Fazenda Pública da instância – cfr. artigos 193º, 576º, nº 2 e 577º, al. b), todos do CPC, aplicáveis ex vi artigo 2º, alínea e) do CPPT.

Pelo que ainda se impõe, nos termos dos artigos 97º, n.º 3 da LGT e 98º, n.º 4 do CPPT, aferir se o presente processo é susceptível de convolação para a forma de processo adequada – neste caso oposição à execução fiscal.

Com efeito, concluindo o Tribunal que o meio que nos é dirigido não é o adequado à pretensão da parte/impugnante, sendo a oposição o meio processual adequado e não a impugnação, impõe-se aferir se estão verificados ou não os pressupostos para operar a convolação do meio impróprio (impugnação) nos meios próprios, tendo em conta o princípio da economia processual e o princípio da tutela jurisdicional efectiva – cfr. artigo 98º nº 5 CPPT e artigo 97º da LGT.

Para ocorrer a convolação, a petição tem de ter sido tempestivamente apresentada para efeitos da nova forma processual e o pedido formulado e a causa de pedir tem de ser compagináveis com aquele meio processual de impugnação.

Contudo, na situação trazida, mesmo antes de convocar a questão da tempestividade e bem assim os factos provados, constatamos que o Impugnante na petição que apresenta não invoca um único fundamento demonstrativo de que o processo de execução fiscal referido em 1. dos factos provados não deveria ser sobre si revertido. Limitando-se a afirmar que deveria a Técnica Oficial de Contas da sociedade devedora originária a ser revertida para tal processo executivo.

Do que se conclui com segurança que o Impugnante se afirma parte ilegítima para o processo de execução fiscal que serve de cenário aos presentes autos.

Ilegitimidade essa que encontra guarida na alínea b) do n.º 1 do artigo 2014º do CPPT enquanto fundamento de oposição à execução fiscal.

(…)

No entanto, conferindo o conteúdo da petição inicial apresentada pelo Impugnante temos que o mesmo não alega fundamento algum que se enquadre nas hipóteses constantes da alínea b) do n.º 1 do artigo 204º do CPPT, porquanto o mesmo se limita a sustentar que o mesmo deverá ser revertido para o processo executiva pois quem o deveria ser seria a Técnica Oficial de Contas da sociedade devedora originária.

Devendo-se ainda salientar que o regime da ilegitimidade da alínea b) do n.º 1 do artigo 204º do CPPT opera por referência ao sujeito em causa. Isto é, a quem invoque o regime da alínea b) do n.º 1 do artigo 204º do CPPT para sustentar a ilegitimidade para o processo de execução fiscal incumbe demonstrar a sua própria ilegitimidade para o processo executivo em causa, não lhe incumbindo, nem operando o regime em modo de demonstração de que é parte ilegítima para esse processo porque seria outrem a possuir a legitimidade para o processo executivo em causa. Sendo que esta conclusão encontra sustentação, desde logo, na circunstância de o mesmo processo de execução fiscal poder possuir tantos responsáveis subsidiários quantos aqueles relativamente aos quais se verifiquem os pressupostos da reversão de dívidas tributárias. O que, só por si, inviabiliza uma defesa que meramente se sustente na imputação a outrem da reversão do processo de execução fiscal.

E conferindo-se o conteúdo da petição apresentada pelo Impugnante constata-se que, para além de o mesmo não imputar qualquer vício à decisão de reversão sobre si do processo de execução fiscal referido em 1. dos factos provados e de não aduzir facto algum onde sustente a sua própria ilegitimidade, o mesmo se limita a afirmara que quem deveria ser revertida para tal processo executivo seria a Técnica Oficial de Contas da sociedade devedora originária.

É, de facto, manifesto que a factualidade alegada com vista a demonstrar a ilegitimidade do Impugnante na execução é de improceder, por não integrar a argumentação expendida o fundamento legítimo de Oposição previsto no artigo 204º do CPPT.

Aqui chegados, bom de ver está que, não obstante ser pedida a procedência da acção com a anulação da reversão sobre o Impugnante (com a consequente absolvição do Impugnante dessa instância executiva), não vêm alegados nenhum dos fundamentos de facto susceptíveis de se subsumirem no conteúdo normativo da alínea b) do n.º 1 do artigo 204º do CPPT, o que nos permite com segurança concluir que, a desenvolver-se a demanda, seria a mesma manifestamente improcedente a final.

Por assim ser, temos para nós que não deve operar-se a convolação do presente processo em oposição à execução fiscal, sob pena da prática de actos inúteis, proibida por lei (cfr. artigo 130º do CPC aplicável ex vi artigo 2º al. e) do CPPT), a convolação.»

Inconformado, o impugnante veio interpor recurso da referida decisão alegando [conclusão de recurso 2)] que a decisão judicial recorrida deveria ter dado, como facto provado, a data em que o recorrente foi citado, não bastando a data em que foi chamado ao processo de reversão.

Entendemos que assiste razão ao recorrente quanto a esta alegação.

Na realidade, o Tribunal a quo não levou ao probatório a data em que o impugnante foi citado em reversão. E não levou, porque tal como consta da sentença recorrida nunca convocou a questão da tempestividade para efeitos de convolação.

E diga-se, também, que o próprio impugnante também não indica a data em que foi citado, nem junta nenhum documento aos autos referente à citação.

Aliás, a única referência que existe nos autos à data da citação do impugnante é a constante do art. 10º da contestação que remete para fls. 19 e 20 do PAT, que depois de consultadas mais não são que um “Print” da Tramitação do Processo da AT e uma consulta a um registo dos CTT que não identifica o registo a que respeita.

Concluímos, assim, que não se encontram nos autos, nem a cópia da “Citação” nem qualquer aviso de recepção devidamente assinado.

Como já referimos supra, a sentença recorrida nunca convocou a questão da tempestividade para efeitos de convolação, porque decidiu que a presente impugnação não podia ser convolada em oposição por manifesta improcedência.

Pelo que importa apreciar essa decisão.

Alega o recorrente [conclusões de recurso 6) a 9)] que mesmo tendo ocorrido um erro na forma de processo, a petição inicial não deveria ter sido indeferida liminarmente, sendo possível operar-se a convolação processual, nos termos do artigo 97.º, n.º 3, da Lei Geral Tributária, conjugado com o disposto no artigo 98.º, n.º 4, do Código de Procedimento e de Processo Tributário; A convolação processual era possível, atenta a temporaneidade do meio processual que se reputava idóneo, sendo que a causa de pedir subsume-se ao artigo 204.º, n.º 1, alíneas b), d) e i), do Código de Procedimento e de Processo Tributário; Com efeito, o recorrente pretendeu sindicar a ilegitimidade da reversão por entender que a mesma não pode operar contra si, porquanto o facto gerador da existência da dívida decorreu de uma conduta da técnica oficial de contas e não do sujeito passivo; Acresce que o recorrente entende que, como não foi o próprio a preparar, elaborar e, bem assim, a submeter as declarações periódicas em crise, é-lhe, salvo o devido respeito, inexigível as dívidas exequendas.

Vejamos.

No presente recurso não é controvertido que estamos perante erro na forma do processo.

Escreveu-se na sentença recorrida, o seguinte:

«Conferindo o conteúdo do pedido formulado e da causa de pedir mobilizada pelo Impugnante conclui-se que o mesmo pretende que o despacho que determinou a reversão do processo de execução fiscal referido em 1. dos factos provados seja anulado por o Impugnante não poder ser responsabilizado pelas dívidas exequendas em tal processo.

Do que emerge que o Impugnante se afirma nos presentes autos como parte ilegítima para a execução fiscal consubstanciada no processo referido em 1. dos factos provados. Ou seja, pretende o Autor de uma forma geral e abstracta ver reconhecida a sua ilegitimidade no processo de execução fiscal referido em 1. dos factos provados.

No entanto, o Impugnante limita-se a referir que não deve ser ele responsabilizado pelo pagamento das dívidas exequendas e que deveria ser a Técnica Oficial de Contas da sociedade devedora originária responsabilizada por tal pagamento, imputando-lhe o incumprimento de diversos deveres e obrigações emergentes do contrato de prestação de serviços que esta celebrara com a sociedade devedora originária.

Da petição apresentada pelo Impugnante, assim como do conteúdo de 4. dos factos provados conclui-se que o Impugnante foi chamado ao processo de execução fiscal referido em 1. dos factos provados enquanto responsável subsidiário pelo pagamento das dívidas tributárias aí exequendas.

Como sabemos, o meio adequado para ver apreciada a ilegitimidade dos responsáveis subsidiários pelo pagamento de dívidas tributárias das sociedades executadas/devedoras originárias, com vista à sua ilegitimidade na instância executiva e consequente extinção da(s) execuções(s) contra si revertidas, é a oposição à execução fiscal, conforme decorre dos artigos 203º e 204º nº 1 al. b) do CPPT e não a impugnação judicial.

Por outro lado, encontra-se pacificado na Jurisprudência dos Tribunais Superiores da jurisdição tributária que a verificação de uma situação de erro na forma de processo se afere pelo pedido. Isto é, é o pedido (o efeito jurídico pretendido) formulado pela parte o elemento fundamental para se aferir da conformidade da pretensão deduzida com o meio/forma processual mobilizada pela parte – cfr. a título de exemplo e sem pretensão alguma de exaustividade os Acórdãos STA n.ºs 01153/11, de 23-02-2012, 01086/13, de 28-05-2014 e 034/14, de 11-05-2016, todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.

E tendo em consideração que o pedido formulado pelo Impugnante na presente acção é de anulação do despacho de reversão que o chamou ao processo de execução fiscal referido em 4. dos factos provados, tendo em consideração tudo quanto supra foi por nós afiançado, que meio processual adequado para o conhecimento de tal pedido é a oposição à execução fiscal e não a impugnação judicial. Pelo que, consequentemente, in casu se verifica uma situação de erro na forma do processo.»

Aqui chegados, importa aferir se era manifesto que a factualidade alegada com vista a demonstrar a ilegitimidade do Impugnante na execução é de improceder, por não integrar a argumentação expendida o fundamento legítimo de Oposição previsto no artigo 204º do CPPT, e não obstante, ser pedida a procedência da acção com a anulação da reversão sobre o Impugnante (com a consequente absolvição do Impugnante dessa instância executiva), não virem alegados nenhum dos fundamentos de facto susceptíveis de se subsumirem no conteúdo normativo da alínea b) do n.º 1 do artigo 204º do CPPT, o que nos permite com segurança concluir que, a desenvolver-se a demanda, seria a mesma manifestamente improcedente a final, pelo que não deve operar-se a convolação do presente processo em oposição à execução fiscal, sob pena da prática de actos inúteis, proibida por lei (cfr. artigo 130º do CPC aplicável ex vi artigo 2º al. e) do CPPT).

Adiantamos, desde já, que não concordamos com o decidido pelo Tribunal a quo.

Alegando o recorrente que é parte ilegítima na execução, entendemos que seria de convolar, isto é, a de mandar seguir a forma de processo adequada (oposição à execução fiscal), sabido que em face do preceituado no nº 4 do art. 98º do CPPT e do nº 3 do art. 97º da LGT, a nulidade consubstanciada no erro na forma de processo deve ser, sempre que possível, oficiosamente sanada pela convolação para a forma de processo adequada.

«Com efeito, o art. 97º nº 3 da LGT prevê que se ordene “a correcção do processo quando o meio usado não for o adequado segundo a lei” e que o art. 98º nº 4 do CPPT dispõe que “em caso de erro na forma do processo, este será convolado na forma do processo adequada, nos termos da lei”.

É isso, aliás, que a jurisprudência tem vindo, de forma constante e reiterada, a apregoar: a convolação deve ser sempre admitida e oficiosamente ordenada, a menos que seja manifesta a intempestividade da petição ou que esta se mostre desadequada para o efeito.»[1]


Ora, no caso vertente, o pedido que é deduzido na petição – seja determinada a anulação da reversão da execução fiscal, com as devidas e legais consequências – coaduna-se a oposição à execução fiscal.

E ainda, que se considere que a petição inicial não se apresente com a correcção de argumentos ou fundamentação devida, sempre se deverá considerar a possibilidade de interpretação da petição inicial, designadamente se na mesma se detecta um pedido implícito compatível com a forma de processo adequada.

«Em face dos termos imperativos utilizados neste nº 4, («em caso de erro na forma do processo, este será convolado...») e no n.s 3 do art. 97.4 da LGT («ordenar-se-á a correcção do processo quando o meio usado não for o adequado segundo a lei»), é de concluir, por um lado, que, em regra, é obrigatória a convolação do processo para a forma adequada (excepto se não for possível utilizar a petição para essa forma de processo adequada) e, por outro, que no processo judicial tributário, a nulidade consubstanciada no erro na forma de processo é de conhecimento oficioso.

Trata-se de uma nulidade susceptível de sanação, quando tal for possível.

A convolação do processo, que consubstancia a sanação, importa unicamente a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei (art. 199º, n.º 1, do CPC), o que está consonância com o princípio da economia processual que está subjacente à convolação e é princípio geral do processo civil (art. 137.º do CPC)  e com o princípio da proporcionalidade . Porém, em consonância com o nº 2 daquele art. 199º, não podem aproveitar-se os actos já praticados, se do facto resultar uma diminuição de garantias do réu (como prazo menor para contestar ou alegar, ou diminuição das possibilidades probatórias).

(…)

Noutros casos, a inviabilidade da convolação resultará de o pedido formulado não se compaginar com a forma de processo adequado.

Por exemplo, sendo formulado um pedido de extinção de uma execução, numa petição de oposição à execução fiscal, não poderia, em princípio, efectuar-se a convolação para processo de impugnação judicial, pois o objecto deste é a anulação ou declaração de nulidade ou inexistência de um acto (art . 124.º deste Código).

Porém, mesmo em situações deste tipo, deverá ter-se em conta a possibilidade de interpretação da petição, designadamente se nela é detectável um pedido implícito compatível com a forma de processo adequada. Na verdade, pelo que se refere na anotação 4 a este artigo, para aproveitamento da petição não interessará que o pedido esteja devidamente formulado, sendo relevante o efeito jurídico que se temem vista. Por isso, se, interpretando a petição, se conclui que o oponente pretende a eliminação jurídica de um acto que identifica, não haverá obstáculo à convolação.[2]

Aqui chegados, e tendo-se concluído que não existe manifesta improcedência, importava aferir do outro requisito, o da tempestividade, para decidirmos da possibilidade da convolação.

Todavia, e como supra referimos, o Tribunal a quo não levou ao probatório a data em que o impugnante foi citado em reversão, nem esses documentos constam dos autos.

Assim, os presentes autos padecem de manifesto défice instrutório.

Ora, não constando da sentença recorrida, nem dos autos, elementos que permitam ao tribunal ad quem apreciar a possibilidade de convolação no que respeita à tempestividade da petição inicial, terá de concluir-se que os autos padecem de défice instrutório, determinante da anulação da sentença recorrida e da remessa dos autos ao tribunal a quo com vista à cabal averiguação dos factos indispensáveis à boa decisão da causa e posterior decisão em conformidade.


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III – DECISÃO

Termos em que, acordam os Juízes da 1ª Subsecção da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, anular a sentença recorrida, baixando os autos ao tribunal a quo para ampliação da matéria de facto, após as diligências instrutórias tidas por necessárias, e posterior decisão em conformidade.

Sem Custas.

Registe e notifique.

                                                             Lisboa, 29 de Abril de 2021

[O Relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão as restantes Desembargadoras integrantes da formação de julgamento, as Desembargadoras Maria Cardoso e Catarina Almeida e Sousa]


Declaração

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Acompanho o presente acórdão, quanto à decisão de “conceder provimento ao recurso, anular a sentença recorrida” e ordenar a baixa dos “autos ao tribunal a quo para ampliação da matéria de facto”.

Contudo, não me revejo integralmente na fundamentação adoptada no acórdão, desde logo na seguinte referência: “e tendo-se concluído que não existe manifesta improcedência, importava aferir do outro requisito, o da tempestividade, para decidirmos da possibilidade da convolação”.

Em minha opinião, assente que está a verificação do erro na forma de processo e, bem assim, que os autos não dispõem dos elementos suficientes para aferir da possibilidade de convolação (em concreto, da tempestividade da oposição), não cabe ao Tribunal apreciar e concluir sobre a manifesta improcedência do meio processual adequado (in casu, a oposição), apreciação essa que deve ter lugar se a convolação vier a ter lugar.


Catarina Almeida e Sousa

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[1] Acórdão do TCAN de 11/01/2007, Proc. 00010/06.4BEPNF, disponível em www.dgsi.pt
[2] Anotações ao art. 98º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, II vol., Jorge Lopes de Sousa, 6ª Edição,  2011.