Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:803/05.0BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:07/08/2021
Relator:MARIA CARDOSO
Descritores:IRS
RESIDÊNCIA
CONVENÇÃO PARA EVITAR DUPLA TRIBUTAÇÃO
Sumário:I. Para que um documento particular tenha força probatória legal o mínimo exigível é que seja atribuído à autoria da pessoa que nele intervém ou que de algum modo seja reconhecida ou não impugnada pela parte contra quem o documento é apresentado

II. No entanto, se tais documentos tivessem sido impugnados e o Impugnante não tivesse feito prova da sua veracidade, tais meios de prova continuavam a poder ser livremente apreciados pelo julgador.

III. Saber de alguém é ou não residente em Portugal não está dependente do domicilio fiscal, por este não constituir, no plano internacional, qualquer presunção de residência.

IV. O conceito de residência integra a hipótese de normas tributárias substantivas, determinantes da existência e da extensão da obrigação de imposto, enquanto o domicílio fiscal projecta-se em consequências processuais.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a 1.ª Subsecção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

1. A FAZENDA PÚBLICA veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por J...., contra o acto de liquidação de IRS n.° 2005 000….., do ano de 2000, que originou um reembolso no valor de € 2.396,92.

2. A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«A) Decorre do art. 15° do CIRS, na sua redação inicial que: 1 - Sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território.

B) O contribuinte J.... sempre teve o seu domicílio fiscal em território nacional, e, a sua entidade pagadora dos rendimentos, o Banco…….., sempre pôs à sua disposição os rendimentos em território nacional

C) De acordo com este instrumento e como bem refere o Tribunal a quo “residente de um Estado Contratante» é qualquer pessoa que, por virtude da legislação desse Estado, nele está sujeita a imposto devido ao seu domicílio, à sua residência, ao local de direcção ou outro critério de natureza similar (cfr. art. 4.°, n.° 1).

D) À luz da Convenção, a regra é a de que estes rendimentos são tributados no estado fonte. Ou seja, em Portugal.

E) O Tribunal a quo deu por provado que o Impugnante trabalhou em França, recebendo remunerações pelo cargo de administrador de um desconhecido Banco ………, que acreditou tratar-se de um banco de direito francês

F) Todavia, não se alcança a razão de ciência que suporta a certeza jurídica do tribunal a quo desse facto ao ponto de o dar por provado (Facto A) por mero documento particular.

G) Afigura-se-nos manifestamente insuficiente do ponto de vista da análise probatória - o tribunal logre ter a certeza de um facto que só poderia ter se tivesse sido apresentada uma certidão permanente de um registo público

H) E sem o juízo crítico da prova que se impunha, pois que não se questionou como é logrou ter a certeza jurídica da existência do facto provado A tendo como suporte, pasme-se, um documento particular timbrado do próprio Banco….

I) Não é concebível à luz da experiência comum que uma entidade terceira certifica que determinado administrador trabalhou noutra entidade bancária

J) A Fazenda Pública fez uma simples busca pelo motor de busca Google no sentido de apurar quem é o Banco ……. e não lhe apareceu uma única referência pelo menos com aquele SIRET que lá vem indicado sobre a existência desta entidade bancária... um relatório e contas, uma campanha, nada, isto é normal?

L) O registo SIRET, que vamos assumir teoricamente que significa o NIPC ou NIF da pessoa coletiva em França diz-nos que pertencerá não ao obscuro Banco ….. mas ao "c...” (doc 1 a 3)

M) A livre convicção ainda não se confunde com a convicção discricionária, sendo necessário que a prova permita dar ao tribunal o suporte que o próprio define como provado. E o impeça de dar por provado factos que os elementos não demonstram.

N) O douto tribunal a quo não podia dar provada a factualidade vertida em A do probatório a partir de um mero documento particular. Principalmente tratando-se de alguém que incumpriu com as suas obrigações acessórias, e, estando em causa a tributação internacional que no caso tem pouca expressão monetária, mas que para o futuro poderá ter efeitos perversos no âmbito de um ato tributário de milhares ou milhões de euros a pagar.

O) No caso em apreço foi o Impugnante quem logrou fazer gorar a presunção de boa declarativa foi o impugnante violando as suas obrigações acessórias (art. 75°, n° 1 2, por referência ao art. 31°, ambos da LGT) recaindo sobre ele a prova do facto que alega, e que não lhe seria difícil apresentar nos autos alegando como alega que residiu em França naquele período, com a família, de forma permanente

P) Em relação a todas esta documentação que apresenta não há uma única referência quer à entidade pagadora dos rendimentos... O tal "Banco …..”, como também não há referência à entidade bancária que retém na fonte o rendimento que afirma ter recebido em França

Q) Cai forçosamente o facto provado C. Por um lado porque se suporta precisamente no facto provado A, ou seja, não só o Banque …. não poderia declarar que o Impugnante foi "Membro do Diretório a tempo completo (...) tendo exercido a função na respetiva sede” de uma suposta entidade bancária terceira, como o próprio documento 7, contrariamente ao que se dá por provado, não certifica que o Impugnante tenha recebido € 622.147 francos franceses do Banco……. O que certifica é que o Impugnante declarou rendimentos no valor de 622.147 francos franceses, recebidos não do Banco ……. mas do Banco…., S.A, entidade consabidamente registada em território nacional.

R) Acresce que a apreciação crítica do documento 7 junto com a p.i. do Impugnante leva-nos para duas dimensões fundamentais. Desde logo o facto daquela declaração resultar não de qualquer labor inquisitorial mas de documentos apresentados pelo Impugnante. Por outro lado, o próprio documento é de duvidosa aceitação, pois que se trata de uma certidão passada supostamente por uma inspetora tributária das Autoridades Tributárias Francesas que nem identificada está como funcionária da Autoridade Pública a que pertence

S) O mesmo se diga no que concerne ao facto provado E, que mais não constitui, conforme se pode verificar dos próprios documentos 9 e 10 e das respetivas traduções, do que meros avisos de liquidação, com datas limites de pagamento - sobre os quais não há a mínima evidência que o pagamento desse imposto tenha ocorrido.

T) Donde retira o tribunal a quo a evidência que o imposto no montante de € 41.508,98, foi pago se estamos perante não de recibos do pagamento - mas avisos de liquidação?

U) Ocorre-nos desde logo verificar que, para além daquelas que são as declarações do próprio Impugnante, que tratando-se de faltoso valem o que valem, e de um único aviso de pagamento de uma taxa de habitação referente ao mês de outubro cuja incidência se desconhece, não há um único elemento documental que suporte, prove ou demonstre de forma bastante ou suficiente, que o Impugnante era residente em França.

V) Relativamente ao cartão de residência o mesmo está em nome do cônjuge. Não do sujeito passivo. Esta evidência até nos conduz a uma interrogação pertinente, e que é esta. Estando em discussão saber qual a residência do sujeito passivo no ano de 2000, porque não juntou ele próprio aos autos a sua autorização de residência? Precisamente aquela que lhe permitia demonstrar que ali residia.

X) No que concerne ao documento 6 que acompanha o articulado inicial afigura-se-nos absolutamente inconcebível que no âmbito do juízo crítico da prova, o tribunal a quo valore um elemento rasurado em vários locais do seu conteúdo, nomeadamente no ano a que a própria declaração se reporta.

Z) Manuscrito com informação à medida, perante uma chapa - tipo datilografada de antemão, sem a identificação do próprio colégio nem do seu diretor ou responsável legal, e sem que se perceba se L…… é a filha ou a mãe pois que também esta última tem estes nomes. Mas sobretudo porque o facto de a filha dependente poder estar a frequentar o 9° ano de escolaridade em França não significa que o pai aqui resida.

AA) Não há um único documento original, tratando-se de meras cópias juntas ao processo. E sem que também aqui ao tribunal a quo não lhe tenham suscitado dúvidas do valor probatório dos elementos aqui trazidos.

AB) o imposto retido na fonte por parte do BCP Portugal refere-se ao pagamento por conta do imposto que viesse a ser devido no final do período de tributação, pelo que não é possível pedir o reembolso do imposto sem fazer a entrega da declaração de IRS, incluindo todos aqueles que foram obtidos ou que se considerem obtidos em Portugal nesse ano

AC) Entende-se, pois que não tendo a douta sentença recorrida feito correta apreciação e valoração da prova produzida violou o disposto nos arts. 74° e 75°, n° 1 e 2, da LGT; art. 15°, do CIRS e 17° da CDT celebrada entre Portugal e França, pois que deu por provado factos (A, B, C e E,) sem cabal suporte dessa factualidade - impondo-se determinar a sua revogação e substituição por acórdão que, reconhecendo como melhor pronúncia a apreciação sufragada pela AT - reformule o probatório, julgue procedente o presente recurso, e, consequentemente, ordene a baixa à primeira instância para continuação da apreciação dos vícios formais invocados, nos termos das alegações produzidas e das conclusões que seguem e que V. Exas melhor suprirão.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o presente recurso e revogada a douta sentença e ordenada a baixa dos autos à primeira instância para continuação da apreciação dos vícios invocados, como é de Direito e Justiça.»

3. O Recorrido não apresentou contra-alegações.

4. Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Sul, e dada vista ao Exmo. Procurador-Geral Adjunto, ofereceu parecer no sentido da procedência do recurso.

5. Colhidos os vistos legais, vem o processo à Conferência para julgamento.

II – QUESTÕES A DECIDIR:

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir se a sentença recorrida padece de erro de julgamento por errada valoração da prova, e violação dos artigos 74.º e 75.º, n.º 1 e 2, da LGT, 15.º do CIRS e 17.º da CDT celebrada entre Portugal e França.


*

III - FUNDAMENTAÇÃO

1. DE FACTO

A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«A. No ano de 2000, o Impugnante, J...., prestou serviço, a tempo inteiro, como administrador do Banco ……, banco de direito francês, com sede em Paris (cfr. doc. 3 junto com a p.i., a fls. 70 dos autos, que se dá por reproduzido);

B. Nesse ano, o Impugnante fixou, com a sua mulher e filha, residência em França, na 97, rue de ……. Paris, onde permaneceram ao longo desse ano, tendo a sua filha efectuado os seus estudos na mesma cidade (cfr. docs. 4 a 6 juntos com a p.i., a fls. 71 a 76 dos autos, que se dão por reproduzidos);

C. Durante o ano de 2000 e pelo exercício das funções referidas na alínea A. supra, o Impugnante recebeu 622.147 francos franceses (cfr. doc. 7 junto com a p.i., a fls. 77 e 78 dos autos, que se dá por reproduzido);

D. Durante esse ano, o Impugnante recebeu ainda 15.402.550$00 (503.960 francos franceses) pagos pelo Banco …., que reteve na fonte, a título de IRS, a importância de 4.158.410$00 (cfr. docs. 7 e 8 junto com a p.i., a fls. 77 a 79 dos autos, que se dão por reproduzidos);

E. Nesse ano, o Impugnante declarou, perante as autoridades fiscais francesas, a totalidade dos rendimentos auferidos, quer em França, quer em Portugal, tendo pago, a título de imposto sobre o rendimento, um total de € 41.508,98 (cfr. docs. 9 e 10 junto com a p.i., a fls. 136 a 144 dos autos, que se dão por reproduzidos);

F. No ano de 2000, o Impugnante tinha o seu domicílio fiscal português na Rua ….. n.° 16, 2.° direito, em Algés (facto não controvertido);

G. Em 03.08.2001, o Impugnante requereu à Administração Fiscal portuguesa o reembolso das importâncias retidas na fonte pelo B…., no valor de 4.158.410$00 (cfr. doc. 11 junto com a p.i., a fls. 89 dos autos, que se dão por reproduzidos);

H. Através do ofício n.° 37…., de 30.11.2004, o Impugnante foi notificado pela Direcção de Serviços dos Benefícios Fiscais do despacho de 29.11.2001, do Director-Geral dos Impostos, que indeferiu o requerido reembolso, com os seguintes fundamentos:

“(…) 8. Quanto à determinação efectiva da residência, constatamos que:

a) Pelo menos parte das suas remunerações continuaram a ser pagas por uma entidade residente em Portugal.

b) Por outro lado, o sujeito passivo manteve a sua residência em Portugal, constando do Cadastro da DGCI como residente na Rua ….. o em Algés, local onde fixou a sua residência para efeitos fiscais em 1989 (...).

(...) 12. Assim sendo, atendendo ao disposto no n.° 1 do artigo 16° da CDT França, as remunerações do trabalho dependente auferidas pelo requerente durante o ano de 2000, estão sujeitas a tributação em Portugal, enquanto Estado de residência do mesmo, podendo, também ser tributados em França, enquanto Estado da fonte dos rendimentos (...), cabendo a Portugal eliminar a dupla tributação através da atribuição de um crédito de imposto igual ao montante do imposto pago na França. (...).” (cfr. doc. 11 junto com a p.i., a fls. dos autos, que se dá por reproduzido);

I. Através do ofício n.° 3…., de 19.10.2004, o Impugnante foi notificado pela Direcção de Serviços dos Benefícios Fiscais para fazer entrega da declaração de IRS do ano de 2000 (cfr. doc. 13 junto com a p.i., a fls. 92 dos autos, que se dá por reproduzido);

J. Na sequência do ofício referido na alínea antecedente, o Impugnante veio expor à Administração Fiscal que, tenda a qualidade de não residente em Portugal no ano de 2000, deveria estar legalmente dispensado da apresentação da respectiva declaração de rendimentos (cfr. doc. 14 junto com a p.i., a fls. 93 a 102 dos autos, que se dá por reproduzido);

K. Em 06.12.2004, o Director de Finanças de Lisboa fixou a matéria tributável do Impugnante, ao abrigo da alínea b) do n.° 2 do art. 65.° do CIRS, no valor de €168.923,77, que engloba a totalidade dos rendimentos em França e Portugal, no valor de € 171.673,30 (cfr. doc. 15 junto com a p.i., a fls. 103 a 105 dos autos, que se dá por reproduzido);

L. Em 08.12.2004, foi emitida em nome do Impugnante a liquidação de IRS, de 2000, n.° 2004 40……, com o valor a pagar de € 7.331,58 (cfr. doc. 16 junto com a p.i., a fls. 106 dos autos, que se dá por reproduzido);

M. Em 16.03.2005, foi emitida em nome do Impugnante a demonstração de compensação n.° 2005 000….., com o valor a reembolsar de € 2.396,92 (cfr. docs. 1 e 2 juntos com a p.i., a fls. 66 a 69 dos autos, que se dão por reproduzidos).


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FACTOS NÃO PROVADOS

Não existem factos que importe registar como não provados.

MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO

A decisão da matéria de facto provada baseou-se nos documentos juntos aos autos e ao PAT apenso, não impugnados, conforme remissão feita em cada alínea do probatório.


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2. DE DIREITO

A liquidação de IRS que aqui está em causa teve na sua origem o entendimento da Administração Tributária de que o Impugnante considera-se residente em Portugal, embora a fonte de rendimentos se possa localizar em França, estando sujeitas a tributação em Portugal as remunerações de trabalho dependente auferidas pelo Impugnante durante o ano de 2000, cabendo a Portugal eliminar a dupla tributação através da atribuição de um crédito de imposto igual ao montante do imposto pago na França.

O ora Recorrido deduziu impugnação judicial, sustentando, no essencial, que teve a sua residência permanente com o seu agregado familiar em Paris, tendo sido tributado nesse País. Invocou erro nos pressupostos, de facto e de direito, e violação do direito de audição prévia.

O Tribunal Adminsitrativo e Fiscal de Sintra julgou procedente a impugnaçao judicial, por ter considerado que tendo o Impugnante sido tributado pelo seu rendimento universal em França, onde tem a sua residência habitual, à luz do disposto no artigo 17.º e 24.º da Convenção entre Portugal e a França para evitar a Dupla Tributação, é ilegal a sua qualificação como residente (fiscal) em Portugal, por violação dos artigos artigo 4.º, n.º 1 e 17.º da referida CDT, e, consequentemente, determinou a anulação da liquidação impugnada, julgando prejudicado o conhecimento do invocad vício de forma.

A Recorrente insurge-se contra o assim decidido, sustentando, em sintese, que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento na apreciação e valoração da prova produzida, violando o disposto nos artigos 74.º e 75.º, n.ºs 1 e 2, da LGT, 15.º do CIRS e 17.º da CDT.

Alega a Recorrente em defesa da sua posição, em suma, que não alcança a razão de ciência que suportar a certeza juridica do tribunal a quo para dar como provado o facto constante da alínea A. (cfr. alíneas F) a P) das conclusões da alegação). Refere a Recorrente que o facto provado em C. caí porque se suporta no facto provado em A. e por ter sido apresentado pelo Impugnante (cfr. alíneas Q) e R) das conclusões da alegação). Quanto ao facto provado em E. afirma que os documentos 9 e 10 tratam-se de meros avisos de liquidação, com datas limites de pagamento, sobre os quais não há a minima evidência que o pagamento desse imposto tenha ocorrido (cfr. alíneas S) e T das conclusões). Por fim, embora sem referir a alínea B. do probatório, a Recorrente afirma que não existe nos autos documentos que provem ou demonstrem que o Impugnante era residente em França, mais referindo que os documentos juntos tratam-se de meras cópias (cfr. alínea U) a AA) das conclusões).

Vejamos, então.

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (cfr. artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr. artº. 607.º, n.º 5, do CPC).

Nos sistemas da livre apreciação da prova, como é o nosso, detendo o julgador a liberdade de formar a sua convicção, não se pode associar o arbítrio no julgamento da matéria de facto efectuado pelo tribunal a quo, pois o Tribunal não está isento de indicar os fundamentos onde aquela assentou, de modo a que, com recurso às regras da ciência, da lógica e da experiência, possa ser controlada a razoabilidade do processo de formação da convicção do tribunal sobre a prova e não prova dos factos apurados dos autos, deste modo se sindicando o processo racional da decisão (artigo 607.º, n.º 4 do CPC).

A exigência legal de enunciação ou explicitação da convicção sobre a prova constitui uma garantia da transparência, da imparcialidade e da inerente assunção da responsabilidade por parte do julgador.

Se, à luz desta caracterização a decisão, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, então ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.

A este Tribunal de recurso assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo Tribunal a quo, desde que ocorram os pressupostos previstos nos artigos 662.º do CPC, incumbindo-lhe reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.

Não obstante a amplitude conferida a um segundo grau de jurisdição, na caracterização da amplitude dos poderes de cognição do Tribunal ad quem sobre a matéria de facto, não se está perante um segundo ou novo julgamento de facto, porquanto, tal possibilidade de conhecimento está confinada aos pontos de facto que o Recorrente considere incorrectamente julgados e desde que cumpra os pressupostos fixados no artigo 640.º, n.ºs. 1 e 2 do CPC.

Sobre o erro na apreciação das provas, escreveu-se no acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 05/05/11, proferido no processo 334/07.3 TBASL.E1: O erro na apreciação das provas consiste em o tribunal ter dado como provado ou não provado determinado facto quando a conclusão deveria ter sido manifestamente contrária, seja por força de uma incongruência lógica, seja por ofender princípios e leis científicas, nomeadamente, das ciências da natureza e das ciências físicas ou contrariar princípios gerais da experiência comum (sendo em todos os casos o erro mesmo notório e evidente), seja também quando a valoração das provas produzidas apontarem num sentido diverso do acolhido pela decisão judicial mas, note-se, excluindo este. (disponível em www.dgsi.pt/).

Analisada a decisão recorrida constatamos que o Tribunal a quo, sustentado no princípio da livre apreciação da prova produzida nos autos, fixou os factos que resultaram da prova documental existente no processo e que considerou necessários para a solução dada ao caso (artigo 607.º, n.º 5 do CPC).

E a motivação da decisão sobre a matéria de facto tem o seguinte teor: A decisão da matéria de facto provad baseou-se nos documentos juntos aos autos e ao PAT apenso, não impugnados, conforme remissão feita em cada alínea do probatório.

Assim, deu como provado, designadamente, os factos vertidos nas alíneas A., B. C. e E. (que a Recorrente reputa de mal julgados), com base em documentos juntos com a petição inicial.

Analisemos de forma sucinta o regime da prova documental.

Sobre a noção de prova documental, o artigo 363.º do Código Civil (CC) preceitua:

Prova documental é a que resulta do documento; diz-se documento qualquer objecto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto.

Os documentos escritos podem ser autênticos ou particulares (cfr. artigo 363.º do CC).

A força probatória do documento consiste no valor ou na fé que, como meio de prova a lei lhe confere. Esse valor pode referir-se ao documento em si mesmo ou ao seu contéudo. No primeiro caso, tem-se em vista a força probatório formal do documento, a sua autenticidade ou genuinidade, no segundo, a sua força probatória material.

A força probatória formal do documento autêntico diz respeito à proveniência dele, à pessoa de que emana, estabelecendo o artigo 370.º, n.º 1, do CC, uma presunção de autenticidade, desde que o documento se mostre subscrito pelo autor, com assinatura reconhecida por notário ou com o selo do respectivo serviço. Esta autenticidade pode ser afastada por prova em contrário (artigo 370.º, n.º 2 do CC).

No tocante à força material do documento autêntico, regula o artigo 371.º, n.º 1 do CC. O documento autêntico só faz prova plena dos factos referidos como praticados ou percepcionados pela entidade documentadora, e quanto aos demais factos tomados como puro juízo pessoal, constituem prova de livre apreciação.

A força probatório do documento autêntico só pode ser ilidada com base na sua falsidade (artigos 372.º do CC e 546.º a 548.º do CPC em vigor à data da notificação da petição inicial à Fazenda Pública (actual 446.º)).

No que respeita aos documentos particulares, ou seja, todos os que não são autênticos, para a sua validade devem conter os requisitos necessários previstos no artigo 373.º do CC.

Para que um documento particular tenha força probatória legal o mínimo exigível é que seja atribuído à autoria da pessoa que nele intervém ou que de algum modo seja reconhecida ou não impugnada pela parte contra quem o documento é apresentado.

O documento particular cuja autoria seja reconhecida faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documentos, nos termos do artigo 376.º do CC.

Na situação dos autos a Fazenda Pública não impugnou os documentos particulares juntos com a p.i., pelo que, os documentos n.ºs 3, 4 a 6, 7, 9 e 10 da p.i. fazem prova plena quanto ao contéudo das declarações do autor nele constantes.

No entanto, se tais documentos tivessem sido impugnados e o Impugnante não tivesse feito prova da sua veracidade, tais meios de prova continuavam a poder ser livremente apreciados pelo julgador (vide neste sentido Ac. do STJ de 14/02/2017, proc. n.º 2294/12.0TVLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt/).

Acresce referir que, nos termos do artigo 368.º do CC, as fotocópias fazem prova plena dos factos se a parte contra quem os documentos são apresentados não impugnar a sua exactidão.

Impunha-se, pois, que a Fazenda Pública tomasse posição definida sobre tais factos, o que não ocorreu.

À luz do disposto no artigo 74.º, n.º 1, da LGT é sobre contribuinte que recai o ónus da prova do direito que arroga, ou seja, é a este que cabe demonstrar os factos invocados na petição inicial.

E tal prova pode ser efectuada por qualquer meio de prova admitido em direito, uma vez que inexiste qualquer norma legal a impor determinado tipo de prova. Não estamos, portanto, perante uma prova tarifada.

O Impugnante não só juntou documentos para prova dos factos alegados na petição inicial, como já antes tinha apresentado vários documentos, com o requerimento a que se refere a alínea J. do probatório, bem como pediu prorrogação de prazo para juntar mais elementos.

Resulta dos autos que a AT não só não concedeu qualquer prazo para a junção dos demais documentos, como se apressou a fixar a matéria colectável do impugnante e a emitir a liquidação de IRS, no limite do prazo de caducidade.

No entanto, de relevar é que a Recorrente não impugnou a assinatura dos documentos n.ºs 3, 4 a 6, 7, 9 e 10, pelo que devem considerar-se como certas e inatacáveis as suas autenticidades. A autenticidade do contexto ou do corpo do documento resulta, por sua vez, do estabelecimento da autenticidade da sua assinatura (artigo 374.º do CC).

Contudo, olhando cada um desses documentos, importa que se diga que a Recorrente não tem razão no que afirma para colocar em causa os factos dados como provados na sentença recorrida.

A Recorrente refere que os documentos n.ºs 9 e 10 não provam que o pagamento tenha sido feito. Porém, decorre do teor do documento n.º 10, com o título “declaração de situação fiscal” emitido em 14/10/2002, que o valor a pagar é de 0,00.

No que se refere ao documento n.º 4, ao contrário do que afirma, a taxa de habitação não respeita ao mês de Outubro, mas ao ano de 2000. Confunde a Recorrente o período de incidência com o período de pagamento voluntário daquela taxa.

No caso sub judice não subsistem dúvidas que o Recorrido fixou residência, com o seu agregado familiar, durante o ano de 2000, em França, bem como quanto aos rendimentos aí auferidos, e quanto à liquidação e imposto pago, o que é atestado por documento oficial emitido pelas autoridades fiscais francesas.

Resulta do probatório que o Recorrido apresentou prova de que foi considerado residente fiscal em França.

Perante o teor desses documentos oficiais, cuja veracidade e autenticidade não foram postas em causa, se a Administração Tributária tinha dúvidas sobre o imposto liquidado e pago em França, deveria ter accionado o mecanismo de troca de informações com as autoridades fiscais francesas, conforme previsto no artigo 27.º da Convenção da Convenção celebrada entre Portugal e a França para evitar a dupla tributação, aprovada por ratificação pelo Decreto-Lei n.º 105/71, de 25 de Março, publicado no DR, Séria I, n.º 72, de 26/03/1971.

Nesta conformidade, a Administração Tributária podia ter pedido informação ao Ministério das Finanças francês acerca dos rendimentos auferidos pelo impugnante em França e do valor do imposto aí pago, para confirmar os montantes liquidados e pagos em França.

As informações prestadas pelas administrações tributárias estrangeiras ao abrigo de convenções internacionais de assistência mútua a que o Estado Português esteja vinculado fazem fé quando fundamentadas e se basearem em critérios objectivos, nos termos da lei (artigo 76.º, n.º 1 n.º 4 da LGT).

Alega a Recorrente, mais uma vez sem razão, atento o julgamento da matéria de facto, que a sentença recorrida violou o disposto nos artigos 74.º e 75.º da LGT.

Para além do já se deixou expresso supra, compulsados os autos, designadamente a motivação do acto de tributação, não se detecta um único facto recolhido pela Administração Tributária, nem a invocação de quaisquer factos que permitam suportar a conclusão que os rendimentos declarados em França não correspondem à realidade (cfr. alíneas G. H., I., J. e K. do probatório).

Assim sendo, quanto a este aspecto, não podia, pois, a Administração Tributária sem mais diligências desconsiderar o montante do imposto que o impugnante declarou e pagou em França, sem que previamente tenha demonstrado a falta de veracidade da situação declarada pelo contribuinte (artigo 58.º da LGT).

Concluindo, a prova documental na qual a Recorrente funda a sua discordância com a decisão da 1.ª instância no julgamento dos factos discutidos, não inculca que, na decisão deles, a Mma. Juiz a quo tenha incorrido, por violação de qualquer regra de experiência, da lógica ou da ciência, no erro de julgamento alegado.

Desta maneira, em face dos factos materiais que devem ter-se por definitivamente apurados, a improcedência das conclusões de recurso é meramente consequencial.

Por último, importa que nos debrucemos sobre o conceito de residência fiscal, uma vez que a Recorrente invoca violação do artigo 15.º do CIRS, embora por decorrência do invocado erro de julgamento da matéria de facto, que como se viu improcede, sendo que, adianta-se desde já, a Recorrente confunde o conceito de domicilio fiscal com o de residência habitual, embora no que respeita aos residentes o local do domicilio fiscal coincida com a sua residência habitual (artigo 19.º, n.º 1, alínea a) da LGT).

Nas palavras de Rui Duarte Morais, A residência é, hoje, geralmente aceite como constituindo o elemento de conexão que expressa a mais íntima ligação económica entre uma pessoa e um Estado. Tal legitima a tributação dos rendimentos dos residentes numa base mundial, i. é., de todos os rendimentos independentemente do local onde os mesmos sejam obtidos (world-wide income principal). (…)

A definição de residente é feita, uniteralmente, pela lei de cada Estado. As convenções internacionais sobre a dupla tributação aceitam tal competência, limitando-se a estabelecer regras de “desempate” que permitem qualificar um contribuinte como residente em (apenas) um dos Estados contratantes quando ambos (por força das divergências entre as respectivas leis) o considerem como tal. (in Sobre o IRS, 2014, 2.ª edição, Almedina, págs. 17 e 18).

O conceito de residência para efeitos de incidência pessoal do IRS era-nos dado, como o é ainda hoje, pelo artigo 16.º do CIRS, que, na redação em vigor à data, dispunha:

«1 – São residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos:

a) Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados;

b) Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, em 31 de Dezembro desse ano, de habitação em condições que façam supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual;

c) Em 31 de Dezembro, sejam tripulantes de navios ou aeronaves sejam tripulantes de navios ou aeronaves, desde que aqueles estejam ao serviço de entidades com residência, sede ou direcção efectiva nesse território;

d) Desempenhem no estrangeiro funções ou comissões de carácter público, ao serviço do Estado Português.

2 – São sempre havidas como residentes em território português as pessoas que constituem o agregado familiar, desde que naquele resida qualquer das pessoas a quem incumbe a direcção do mesmo.».

Assim, considerar-se-á como residente em território nacional, para efeitos de tributação, quem se encontre em qualquer das situações enunciadas nos n.ºs 1 e 2 do artigo 16.º do CIRS.

O conceito de “não residente” apura-se a contrario, devendo considerar-se como tal quem não se encontre em qualquer das situações previstas no n.º 1 e 2 do artigo 16.º do CIRS.

Saber de alguém é ou não residente em Portugal não está dependente do domicilio fiscal, por este não constituir, no plano internacional, qualquer presunção de residência.

Sobre o conceito de domicilio fiscal pronunciou-se o TCAS em acórdão de 07/04/2011, proferido no proc. 04550/11, cujo sumário com a devida vênia transcrevemos:

«I) -O conceito de domicílio fiscal estatuído no disposto no artigo 19° da LGT, nomeadamente no seu n°1 é um domicílio especial que se refere a um lugar determinado para o exercício de direitos e o cumprimento dos deveres previstos nas normas tributárias o qual, sendo especial, é independente do estipulado no artigo 82° do C. C.. embora, ideologicamente e na sua essência o disposto naquele primeiro inciso legal se conecte com a necessidade de o sujeito passivo e a A.F. estarem em contacto sempre que o for necessário para o exercício dos respectivos direitos e deveres, em homenagem ao princípio da colaboração ínsito no artº 59º da LGT. (…)». (disponível em www.dgsi.pt/).

Assim, o conceito de residência integra a hipótese de normas tributárias substantivas, determinantes da existência e da extensão da obrigação de imposto, enquanto o domicílio fiscal projecta-se em consequências processuais.

In casu, conforme resulta do probatório, o Recorrido provou que no ano de 2000 residia com o seu agregado familiar em França, dito por outras palavras, era não residente em território nacional.

Não obstante, nos termos do CIRS (cfr. artigo 15.º) a regra ser a de que os rendimentos obtidos em território nacional, quer por residentes quer por não residentes, são aqui tributados, o Estado português pode abster-se de tributar rendimentos obtidos no seu território quando, em face de uma Convenção para Evitar Dupla Tributação, o beneficiário dos rendimentos deva ser considerado residente no outro Estado e aí seja tributado.

Releva, então, para aferir da pretensão da Administração Tributária, saber se a mesma é legitima face ao texto da Convenção celebrada entre Portugal e França para evitar a dupla tributação, uma vez que as regras convencionais se sobrepõem às leis nacionais (artigo 8.º, n.º 1 e 2 da CRP).

A sentença recorrida, sobre esta matéria, ponderou o seguinte:

De acordo com a Convenção, entende-se como «residente de um Estado Contratante» qualquer pessoa que, por virtude da legislação desse Estado, nele está sujeita a imposto devido ao seu domicílio, à sua residência, ao local de direcção ou outro critério de natureza similar (cfr. art. 4.°, n.° 1).

Quando à luz dos critérios referidos, uma pessoa singular for residente de ambos os Estados Contratantes, a situação será resolvida, em primeiro lugar, de acordo com o critério do centro de interesses vitais, sendo “considerada residente do Estado Contratante com o qual sejam mais estreitas as suas relações pessoais e económicas”.

Dispõe ainda a Convenção, quanto a rendimentos provenientes de remunerações, fixas ou variáveis, obtidas por administradores que as mesmas: “continuam sujeitas ao disposto na lei interna de cada Estado.” Devendo, no caso de se verificar dupla tributação, a mesma ser evitada segundo o estabelecido no art. 24.° (cfr. art. 17.°).

Como tal, de acordo com a Convenção, a regra é a de que estes rendimentos são tributados no estado fonte.

No caso que nos ocupa, ficou provado que, durante todo o ano de 2000, o Impugnante trabalhou em França, recebendo remunerações pelo cargo de administrador do Banco….., um banco de direito francês (cfr. alínea A. dos factos provados).

Ficou igualmente demonstrado que o Impugnante, nesse ano, passou a residir em Paris, juntamente com a sua mulher e filha, estando esta matriculada num colégio daquela cidade (cfr. alínea B. supra).

Por outro lado, ficou igualmente demonstrado que, pelo exercício daquelas funções, o Impugnante recebeu 622.147 francos franceses, tendo ainda recebido o valor equivalente a 503.960 francos franceses pagos pelo Banco…., e que, nesse ano, o Impugnante declarou, perante as autoridades fiscais francesas, a totalidade dos rendimentos auferidos, quer em França, quer em Portugal, tendo pago, a título de imposto sobre o rendimento, um total de € 41.508,98 (cfr. alíneas C. a E. dos factos assentes).

Assim, sendo o Impugnante tributado em França pelos seus rendimentos do trabalho, à luz do disposto no art. 17.° da Convenção (que estabelecesse a competência do Estado da fonte) e porque nele tem residência habitual (competência do Estado da residência), tendo sido, nesse país, tributado pelo seu rendimento universal (world-wide income), é ilegal, por violação do referido artigo, bem como da regra constante do art. 4.°, n.° 1 da referida CDT, a sua qualificação como residente (fiscal) em Portugal (cfr., neste sentido, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo n.° 068/09, de 25.03.2009, disponível em www.dgsi.pt).

Acompanhamos o discurso fundamentador da sentença recorrida.

Assim, ao decidir que, a qualificação como residente fiscal em Portugal do Impugnante pela administração tributária, enferma do vício de violação dos artigos da CDT celebrada entre Portugal e a França, implicante da anulação da liquidação de IRS do ano de 2000 impugnada, a sentença recorrida não merece qualquer censura.

Fica, assim, prejudicado o pedido da Recorrente, quanto à baixa dos autos, já que nenhuma questão há mais a conhecer.

Improcedem, por isso, totalmente as conclusões da alegação do recurso, sendo de confirmar a sentença recorrida.


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Conclusões/Sumário:

I. Para que um documento particular tenha força probatória legal o mínimo exigível é que seja atribuído à autoria da pessoa que nele intervém ou que de algum modo seja reconhecida ou não impugnada pela parte contra quem o documento é apresentado

II. No entanto, se tais documentos tivessem sido impugnados e o Impugnante não tivesse feito prova da sua veracidade, tais meios de prova continuavam a poder ser livremente apreciados pelo julgador.

III. Saber de alguém é ou não residente em Portugal não está dependente do domicilio fiscal, por este não constituir, no plano internacional, qualquer presunção de residência.

IV. O conceito de residência integra a hipótese de normas tributárias substantivas, determinantes da existência e da extensão da obrigação de imposto, enquanto o domicílio fiscal projecta-se em consequências processuais.


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IV – DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso jurisdicional.

Custas pela Recorrente.

Notifique.

Lisboa, 8 de Julho de 2021.


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A Relatora,
Maria Cardoso
(assinatura digital)

(A Relatora consigna e atesta, nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, o voto de conformidade com o presente Acórdão das restantes Juízas Desembargadoras integrantes da formação de julgamento, as Senhoras Juízas Desembargadoras Catarina Almeida e Sousa e Hélia Gameiro Silva).