Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:09191/15
Secção:CT
Data do Acordão:12/15/2016
Relator:ANA PINHOL
Descritores:IRS
AUDIÊNCIA PRÉVIA
DECLARAÇÃO DO CONTRIBUINTE
Sumário:I. A celebração de contrato promessa pelo contribuinte não tem o alcance de apresentação da declaração tributária para efeitos de dispensa da audição prévia antes da liquidação imposta pelo artigo 60º da LGT.
II. A «declaração do contribuinte» contemplada no artigo 60°, n°2 da LGT é a declaração fiscal entregue pelo contribuinte. E, não qualquer declaração constante de cláusula contratual do foro privado.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I.RELATÓRIO
A FAZENDA PÚBLICA, não se conformando com a sentença do TRIBUNAL TRIBUTÁRIO DE LISBOA, datada de 18 de Fevereiro de 2015, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por M... contra o acto de liquidação oficiosa de Imposto Municipal de Sisa e respectivos juros compensatórios, referente ao ano de 2003, no montante global de 16.318,83€, veio dela interpor o presente recurso.

A recorrente formula as Conclusões que, a seguir, se transcrevem:
«4.1 - Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a presente impugnação, devendo a Administração Tributária (doravante A.T.) anular a liquidação oficiosa impugnada - liquidação de Imposto Municipal de Sisa -, referente ao exercício de 2003.
4.2 - A fundamentação da sentença recorrida assenta, em síntese, no entendimento de que a declaração do contribuinte contemplada no citado artigo 60°, n°2 da LGT é a declaração fiscal entregue pelo contribuinte. E, não qualquer declaração constante de cláusula contratual do foro privado, pelo que, não resultando a liquidação de declaração do contribuinte, mostra-se violado o artigo 60°, n°1, alínea a) da LGT, por o Impugnante não ter sido notificado para o direito de audição antes da liquidação oficiosa.
4.3 - Destarte, salvo o devido respeito, somos de opinião em que a Douta sentença, procedeu à errónea interpretação dos preceitos legais aplicáveis, nomeadamente o preceito legal supra citado, bem como não analisou a matéria de facto carreada pela AT.
4.4 - Antes de mais, invoca-se o douto Parecer elaborado pelo Digno Magistrado do Ministério Publico, documento de cujo conteúdo se extrai o entendimento de que "Ao contrário do que alega, a liquidação impugnada foi feita com base na «declaração do contribuinte», pois que foi feita com base na declaração feita pelo ora impugnante, no contrato promessa de compra e venda junto aos autos. Por isso, e de acordo com o disposto pelo n° 2 a) do art.60° da LGT, é dispensada a audição"
4.5 - A questão a decidir nos presentes autos traduz - se em saber se era obrigatória a notificação ao contribuinte para o exercício do direito de audiência antes da liquidação oficiosa de SISA, ou se se podia dispensar ao abrigo do n°2 do art.60° da LGT.
4.6 - No caso dos autos, o ora recorrido celebrou um contrato de promessa de compra e venda, com determinado clausulado, que chegou ao conhecimento da Administração Tributária, e com base nessas declarações negociais celebradas, emitiu a liquidação respectiva.
4.7 - Todavia, e caso se entenda que a Administração Fiscal violou o disposto no n°1 do art.60° da LGT, o que só por mera cautela se admite, tal omissão nem sempre conduz à anulação do acto tributário.
4.8- A possibilidade de aplicação do princípio do aproveitamento do acto deve ser apreciado casuisticamente através da análise das circunstâncias particulares do caso concreto.
4.9 - Sempre foi entendimento da AT que o ora recorrido cedeu a sua posição contratual, e assim, "O contrato de compra e venda em que, na sequência de um contrato-promessa de compra e venda, interveio não o promitente-comprador mas terceira pessoa por ele indicada ao abrigo deste contrato, caso se verifique que tal intervenção não resulta de um contrato para pessoa a nomear ou de um mandato com ou sem representação, importa a transmissão prevista no § 2° do artigo 2° do Código da Sisa". In Acórdão do STA, de 06-01-1972.
4.10 - Ora, conforme se denota, o exercício do direito de audição em nada alteraria a posição da Administração Tributária, pelo que não se verifica qualquer ilegalidade cometida pela Autoridade Tributária.
4.11 - Decorre do exposto que a decisão recorrida, ao julgar procedente a presente impugnação faz uma inadequada interpretação do disposto no art.60 da LGT.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente, quanto à matéria aqui discutida.
PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA».

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Não foram apresentadas contra-alegações.

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Foi dada vista ao MINISTÉRIO PÚBLICO e a Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer a fls. 107/108 dos autos, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Foram colhidos os vistos aos Exmos Juízes Adjuntos, pelo que vem o processo submetido à Secção do Contencioso Tributário para julgamento do recurso já que nada obsta.
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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
No caso trazido a exame, a única questão a dirimir, delimitada pelas conclusões do recurso, prende-se em saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento ao considerar que se verificava a preterição de formalidade legal por violação do direito de audição prévia.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
A. DOS FACTOS
Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:
«A) Pelo ofício n°006827 de 29/05/2003, o Impugnante foi notificado "nos termos do artigo 115° do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto Sobre as Sucessões e Doações para no prazo de 30 dias a contar da notificação efectuar o pagamento da quantia de 16 318,83€, sendo 13 930,43 € de Imposto Municipal de Sisa e 2 388,40 € de Juros Compensatórios" - cfr. fIs. 47 e 48 do processo administrativo apenso;
B) Na notificação consta que "a liquidação é devida nos termos do artigo 2°, § 2° do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, em virtude de ter cedido a posição contratual a A..., LDA, da fracção autónoma «R» - 5.° B, do prédio sito, em …, inscrito na matriz da freguesia da ... sob o artigo n°541 e a escritura de compra e venda ter sido celebrada com ..., em 2000-10-19, pelo preço de 146 157,76€ " - cfr. fls. 47 e 48 do processo administrativo apenso;
C) Em 05/08/1997, o Impugnante celebrou com «S..., Limitada», um contrato promessa de compra e venda referente à fracção autónoma que viesse a corresponder ao apartamento do tipo T2, situado no piso 5, provisoriamente identificada pela letra B, que inclui uma arrecadação com o número 3 e um lugar de estacionamento automóvel com o número 6, ambos sitos no piso menos um, a constituir no «Edifício …, descrito na 4.ª Conservatória do Registo Predial de … sob a ficha número 248 e inscrito na matriz predial urbana da mencionada freguesia sob o artigo 120 - cfr. contrato-promessa de compra e venda celebrado em nome de S… e o Impugnante, a fls. 24 a 29 e teor da cláusula 1ª do contrato a fls. 18;
D) Nos termos da cláusula 2ª do contrato promessa de compra e venda, o Impugnante reservou para si o direito de nomear um terceiro que adquirisse os direitos e assumisse as obrigações provenientes do contrato de promessa de compra e venda, tendo estabelecido que tal nomeação poderia ser efectuada até ao momento em que viesse a ser celebrada a escritura de compra e venda - cfr. teor da cláusula primeira do contrato celebrado entre o Impugnante e «A..., Limitada, a fls. 18 a 21;
E) Em 20/11/1998, o Impugnante e a sua mulher nomearam a sociedade «A..., Lda» de forma a que esta retroactivamente adquirisse todos os direitos e assumisse todas as obrigações emergentes da promessa de compra e venda - cfr. fls. 18 a 21;
F) A «A..., Lda» cedeu a sua posição a ... - cfr. artigo 7° da contestação a fls. 54 do processo administrativo apenso;
G) Em 19/10/2000, foi celebrada escritura pública de contrato de compra e venda da fracção referida em C com «... - cfr. fls. 47 e 48 do processo administrativo apenso;
H) O Impugnante não comunicou ao Serviço de Finanças a nomeação da sociedade A..., LIMITADA, em 20/11/1998, referida em E - cfr. teor do artigo 10° da contestação, a fls. 54 do processo administrativo apenso.».

A título de factualidade não provada, exarou-se na Sentença recorrida que: «Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa.»

E, em sede de fundamentação da matéria de facto, diz-se na Sentença recorrida que: «Considero provados os factos A a E atendendo ao teor dos documentos juntos aos autos e identificados nas diversas alíneas do probatório. Considero provados os restantes factos, por acordo.».
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B.DE DIREITO
Vem o presente recurso jurisdicional interposto da douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que, julgou procedente a impugnação judicial da liquidação de SISA relativa ao ano de 2003 e juros compensatórios, no montante de €16.318,83, por violação do artigo 60º da LGT.

Ao assim decidido em primeira instância, contrapõe a Fazenda Pública sustentando, que não há necessidade de promover a audição prévia do impugnante, uma vez que a liquidação sindicada foi elaborada com base nos valores declarados no contrato de promessa de compra e venda celebrado entre o impugnante, ora recorrente, na qualidade de promitente comprador, e a sociedade “S..., Lda.”.

Vejamos então.

Em concretização da injunção constitucional contida no artigo 267º, nº 5 da Constituição da República Portuguesa (CRP), a Lei Geral Tributária (LGT) que entrou em vigor a 1 de Janeiro de 1999 (cfr. artigo 6º do Decreto – Lei n.º 398/98, de 17de Dezembro), veio consagrar o princípio da participação, no seu artigo 60º cuja dimensão é a de garantia do direito do contribuinte participar na formação das decisões que lhe digam respeito.

Na parte que aqui releva, o artigo 60º, nº.2, da LGT, na redacção inicial (a redacção deste normativo foi alterada pela Lei 53-A/2006, de 29/12), versão aplicável ao caso “sub judice” (cfr. artigo 12º, do C.Civil), dispunha que era dispensada a audição no caso, além do mais, de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte.

Sobre a expressão liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte já nos pronunciámos, no acórdão que relatámos em 04.06.2015, processo n.º 02994/09 (disponível em texto integral em www.dgsi.pt.).

Ali escrevemos: «convém, antes de mais, relembrar que a expressão «com base na declaração do contribuinte» constante do citado n.º 2 do artigo 60º da LGT, e segundo a doutrina que perfilhamos, deve ser interpretada com o alcance de apenas dispensar a audição quando a liquidação for efectuada em sintonia com a posição que decorre da declaração do contribuinte nos aspectos factual e jurídico. (Nesse sentido, Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário- anotado e comentado, Vol. I, 6.º Ed., Áreas Editora, 2011, p. 429).

Pelo contrário, nos casos em que a liquidação seja elaborada com base nos elementos factuais constantes da declaração do contribuinte, mas com diferente enquadramento jurídico, sobre o qual o interessado não tenha tido oportunidade de se pronunciar, por imperativo constitucional não poderá dispensar-se a audição do contribuinte antes de efectuar a liquidação (entre muitos outros, Acórdão deste TCA de 30.01.2014, proferido no processo n.º 07094/13, disponível no endereço www.dgsi.pt).

Semelhante entendimento mostra-se espelhado no acórdão deste TCA de 26.06.2014, proferido no processo n.º 01918/07, de que foi relator o 2.º Adjunto) nos seguintes termos:«(…) quando a liquidação for efectuada exclusivamente com base na declaração do contribuinte e por aplicação das normas que decorrem necessariamente dessa declaração, poderá haver lugar à dispensa da audição do contribuinte, mas assim já não será se naquela liquidação forem tomados em consideração quaisquer outros elementos para além dos que constam do declarado ou for dado diferente enquadramento jurídico do que decorreria daquela declaração.(disponível no endereço www.dgsi.pt)».

Desta forma, se pode referir que nos casos em que o acto de liquidação seja elaborado com base nos elementos factuais constantes da declaração do contribuinte, mas com diferente enquadramento jurídico, não poderá dispensar-se a audição do contribuinte antes de efectuar a liquidação.

O que acontece no caso de que nos ocupamos é que a Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou o acto de liquidação oficiosa de Sisa, com base num contrato escrito assinado pelo recorrido, mas sem que este tenha apresentado qualquer declaração à Fazenda Pública, visando a mesma liquidação de Sisa.

E, assim sendo, não se pode defender que existe uma declaração do recorrido, na qual se baseou a liquidação objecto do presente processo, porquanto, a «declaração do contribuinte» contemplada no citado artigo 60°, n°2 da LGT é a declaração fiscal entregue pelo contribuinte. E, não qualquer declaração constante de cláusula contratual do foro privado.

Por outro lado, convém dizer que o recorrido, em momento nenhum comunicou ao Serviço de Finanças a nomeação da sociedade «A..., LIMITADA», em 20.11.1998, não tendo dado aplicação ao preceituado no artigo 115° do CIMSISSD.

Nos termos expostos, bem decidiu a Meritíssima Juíza, ao dar por verificada a violação do direito de audiência prévia previsto no artigo 60.º, n.º 1 alínea a) da LGT.

Contudo, como bem sabemos, a omissão dessa audição constitui a preterição de uma formalidade legal conducente à anulabilidade dessa decisão, a menos que seja manifesto que a decisão viciada só podia, em abstracto, ter o conteúdo que teve em concreto.

Efectivamente, à preterição indevida da audição dos interessados aplica-se, o princípio do aproveitamento dos actos administrativos, o que significa que «A formalidade essencial do direito de audição degrada-se, pois, em formalidade não essencial caso se conclua que a participação dos interessados, de forma evidente e objectiva, não poderia ter produzido qualquer influência na decisão final tomada». (António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária Anotada, Editora Reis dos Livros, anotação 14 ao artigo 60º, pág 279). Neste sentido segue também a jurisprudência, entre muitos outros, vide o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11.01.2006, proferido no processo n.º 584/2005.

Ora temos para nós que a argumentação inscrita nas conclusões 4.7 a 4.10, no sentido de que «[o] direito de audição em nada alteraria a posição da Administração Tributária» para dai concluir « (…) que não se verifica qualquer ilegalidade cometida pela Autoridade Tributária.» não procede.

De facto, desde logo porque a presunção estabelecida no § 2 do artigo 2º do CIMSISSD é uma presunção juris tantum, na medida em que consagrada nas normas de incidência tributária, admitindo no entanto, prova em contrário (cfr. artigo 73º da LGT) (entre muitos outros - Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 06.06.2012, proferido no processo n.º 0903/11, disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

Desde modo, aplicando estas considerações ao caso vertente, estamos em crer, que o cumprimento da formalidade procedimental omitida poderia ter permitido ao recorrido afastar a presunção contida no citado preceito legal, que devidamente ponderada, justificaria, eventualmente, decisão diversa daquela que foi tomada e que culminou com a liquidação sindicada.

E, por isso, forçoso é concluir que improcedem as alegações de recurso.

IV.CONCLUSÕES

I. A celebração de contrato promessa pelo contribuinte não tem o alcance de apresentação da declaração tributária para efeitos de dispensa da audição prévia antes da liquidação imposta pelo artigo 60º da LGT.

II. A «declaração do contribuinte» contemplada no artigo 60°, n°2 da LGT é a declaração fiscal entregue pelo contribuinte. E, não qualquer declaração constante de cláusula contratual do foro privado.

V.DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso, e confirmar a sentença recorrida, pese embora com a presente fundamentação.

Sem custas, por Fazenda Pública delas se encontrar isenta nos processos tributários instaurados até 1 de Janeiro de 2004.

Registe e notifique.

Lisboa, 15 de Dezembro de 2016.


[Ana Pinhol]

[Jorge Cortês]

[Cristina Flora]