Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06622/13
Secção:CT
Data do Acordão:12/15/2016
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:OMISSÃO DE PRONÚNCIA (VÍCIO DE “PETITIONEM BREVIS”).
ARTº.615, Nº.1, AL.D), DO C.P.CIVIL. ARTº.125, Nº.1, DO C.P.P.TRIBUTÁRIO.
NULIDADE DA SENTENÇA DEVIDO A FALTA DE ESPECIFICAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DE FACTO E DE DIREITO.
ARTº.615, Nº.1, AL.B), DO C.P.CIVIL. ARTº.125, Nº.1, DO C.P.P.TRIBUTÁRIO.
DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO.
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA.
ERRO DE JULGAMENTO DE FACTO.
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE 1ª. INSTÂNCIA RELATIVA À MATÉRIA DE FACTO. ÓNUS DO RECORRENTE.
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA. PROVA TESTEMUNHAL.
CAUSAS DE EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA.
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE (CFR.ARTº.277, AL.E), DO C.P.CIVIL). NOÇÃO.
CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO.
CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO ENQUANTO FUNDAMENTO DE PROCESSO DE IMPUGNAÇÃO.
DÍVIDA ADUANEIRA.
ACTO PASSÍVEL DE PROCEDIMENTO JUDICIAL REPRESSIVO (ARTº.221, Nº.4, DO C.A.COMUNITÁRIO).
PRESSUPOSTOS DA CONSTITUIÇÃO DA OBRIGAÇÃO FISCAL ADUANEIRA.
NOÇÃO DE DECLARAÇÃO ADUANEIRA.
INTRODUÇÃO DAS MERCADORIAS EM LIVRE PRÁTICA É O REGIME ADUANEIRO POR EXCELÊNCIA.
ARTº.78, DO C.A.COMUNITÁRIO. CONTROLO "A POSTERIORI" DAS DECLARAÇÕES ADUANEIRAS.
ARTº.220, Nº.2, AL.B), DO C.A.COMUNITÁRIO. NÃO POSSIBILIDADE DE REGISTO DE UMA LIQUIDAÇÃO "A POSTERIORI".
DISPENSA DO PAGAMENTO DE REMANESCENTE DE TAXA DE JUSTIÇA PREVISTA NO ARTº.6, Nº.7, DO R.C.P.
MOMENTO PROCESSUAL EM QUE PODE SER DECRETADA.
TAXA DE JUSTIÇA. NOÇÃO.
REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA A CONSIDERAR NA CONTA FINAL DO PROCESSO.
PRESSUPOSTOS DA DISPENSA DO SEU PAGAMENTO.
DECISÃO APROVEITA A TODOS OS SUJEITOS PROCESSUAIS.
Sumário:1. A omissão de pronúncia (vício de “petitionem brevis”) pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes (cfr.artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil).
2. No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, no penúltimo segmento da norma.
3. Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.b), do C.P.Civil, é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Para que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. Por outras palavras, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito. Já a mera insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, podendo afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, mas não produz nulidade. Igualmente não sendo a eventual falta de exame crítico da prova produzida (cfr.artº.607, nº.4, do C.P.Civil) que preenche a nulidade sob apreciação. No processo judicial tributário o vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário.
4. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
5. Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
6. O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida.
7. No que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário). Tal ónus rigoroso ainda se pode considerar mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6.
8. Se a decisão do julgador, no que diz respeito à prova testemunhal produzida, estiver devidamente fundamentada e for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
9. Entre as causas de extinção da instância do processo declarativo, as quais são aplicáveis à execução supletivamente, conforme dispõe o artº.551, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, vamos encontrar a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide (cfr.artº.277, al.e), do C.P.Civil).
10. Esta causa de extinção da instância contém dois requisitos que necessitam estar verificados para a sua aplicação. São eles, a inutilidade da lide, e que essa inutilidade decorra de facto posterior ao início da instância, para poder dizer-se que é superveniente, a qual dá lugar à mesma extinção da instância sem apreciação do mérito da causa.
11. Só se verifica a inutilidade superveniente da lide quando essa inutilidade for uma inutilidade jurídica. A utilidade da lide correlaciona-se, assim, com a possibilidade da obtenção de efeitos úteis da mesma pelo que a sua extinção só deve ser declarada quando se conclua que o seu prosseguimento não poderá trazer quaisquer consequências vantajosas para o autor/recorrente.
12. Pode definir-se a caducidade como o instituto através do qual os direitos que, por força da lei ou de convenção das partes, se devem exercer dentro de certo prazo, se extinguem pelo seu não exercício durante o mesmo período. O instituto da caducidade tem por fundamentos vectores como a certeza e a ordem pública, vistos no sentido de que é necessário que, ao fim de certo lapso de tempo, as situações jurídicas se tornem certas e inatacáveis. Esta prevalência de considerações de ordem pública constitui a razão explicativa para que o prazo de caducidade corra sem suspensões e interrupções e, em princípio, que só o exercício do direito durante o mesmo impeça que a caducidade opere.
13. No que diz respeito ao direito tributário, o regime da caducidade do direito à liquidação de impostos, matéria que não é de conhecimento oficioso, encontra actualmente consagração genérica no artº.45, da Lei Geral Tributária, aprovada pelo dec.lei 398/98, de 17/12, norma que vem consagrar um prazo de caducidade de quatro anos (cfr.anterior artº.33, nº.1, do C.P.Tributário, o qual consagrava o prazo de cinco anos). Face à redacção do aludido artº.45, da L. G. Tributária, é claro que, quer o exercício do direito à liquidação, quer a notificação do seu conteúdo ao contribuinte, e não apenas aquele primeiro acto, têm que ocorrer dentro do mencionado prazo de quatro anos contados do facto tributário, sob pena de operar a caducidade de tal direito. O prazo de caducidade em análise justifica-se por razões objectivas de segurança jurídica, tendo o propósito último de gerar a definição da situação do obrigado tributário num prazo razoável, cujo decurso conduz à preclusão do direito do Estado de promover a liquidação dos impostos que lhe sejam eventualmente devidos.
14. A possibilidade de exame da caducidade do direito à liquidação pode verificar-se no âmbito do processo de impugnação, desde que estejamos perante situação que se reconduz à estruturação de liquidação fora do prazo de caducidade e, necessariamente, também a respectiva notificação foi efectuada fora do prazo. Mais se dirá que a conjuntura de caducidade sob exame por contender com a legalidade, que não com a exigibilidade da dívida, deve visualizar-se como fundamento típico do processo de impugnação judicial e não do processo de oposição à execução fiscal.
15. A dívida aduaneira em causa nos presentes autos resulta de acto que era, no momento em que foi cometido, passível de procedimento judicial repressivo, pelo que o prazo de caducidade do direito à liquidação se enquadra no artº.221, nº.4, do C.A.Comunitário, aprovado pelo Regulamento (CEE) 2913/1992 do Conselho, de 12 de Outubro (aplicável à data dos factos).
16. A citada expressão "acto passível de procedimento judicial repressivo" tem por alcance os actos que, segundo a ordem jurídica dos Estados-Membros cujas autoridades competentes exigem uma cobrança "a posteriori", sejam qualificados como infracção na acepção do direito penal nacional, que não contra-ordenacional. Por força do citado artº.221, nº.4, do C.A.Comunitário, nas situações em que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo de caducidade do direito à liquidação será alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença proferida no mesmo processo criminal, acrescido de um ano (cfr.artº.45, nº.5, da L.G.T.).
17. A constituição da obrigação fiscal aduaneira pressupõe a verificação de um elemento objectivo (a passagem das mercadorias na fronteira) e um elemento subjectivo (a manifestação, pelo importador ou seu representante, da intenção de sujeitar as mercadorias ao regime aduaneiro, em regra o regime de introdução em livre prática, a qual é concretizada na apresentação da respectiva declaração aduaneira).
18. A sujeição de mercadorias a um regime aduaneiro efectua-se através de uma declaração aduaneira. Esta é definida no artº.4, nº.17, do C.A.C., como o acto pelo qual uma pessoa manifesta, na forma e segundo as modalidades prescritas, a vontade de atribuir a uma mercadoria determinado regime aduaneiro. As declarações apresentadas por escrito são efectuadas, normalmente, no formulário do Documento Administrativo Único (DAU).
19. A introdução das mercadorias em livre prática é o regime aduaneiro por excelência (cfr.artº.4, nº.16, al.a), do C.A.C.), encontrando-se regulado nos artºs.79 a 83, do C.A.C., e nos artºs.290 a 300, das Disposições de Aplicação do Código Aduaneiro Comunitário (D.A.), aprovadas pelo Regulamento (CEE) nº.2454/93, da Comissão, de 2 de Julho.
20. Nos termos do artº.78, do C.A.Comunitário, as autoridades aduaneiras podem, oficiosamente, proceder ao controlo "a posteriori" das declarações aduneiras, após a concessão de autorização de saída das mercadorias, assim se possibilitando a correcção das declarações aduaneiras mesmo depois daquele momento.
21. Consagra o artº.220, nº.2, al.b), do C.A.Comunitário, a não possibilidade de registo de uma liquidação "a posteriori" no caso do montante da liquidação dos direitos legalmente devidos, desde que se encontrem reunidos, em simultâneo, quatro condições, sendo a primeira delas que o registo da liquidação em montante inferior ao legalmente devido derive de um erro activo das próprias autoridades aduaneiras, assim estando excluídos os erros resultantes da simples aceitação de elementos ou documentos juntos à declaração aduaneira, os quais se revelem posteriormente incorrectos.
22. A decisão de dispensa do pagamento de remanescente de taxa de justiça prevista no artº.6, nº.7, do R.C.P., também pode ser efectuada na sequência da apresentação a pagamento da conta final do processo e dentro do prazo de impugnação desta.
23. O artº.6, nº.7, do Regulamento das Custas Processuais (R.C.P.), na redacção resultante do artº.2, da Lei 7/2012, de 13/2, (normativo que reproduz o artº.27, nº.3, do anterior C.C.Judiciais, a propósito da taxa de justiça inicial e subsequente), estatui que o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final do processo, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo, designadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o seu pagamento. O mencionado remanescente está conexionado com o que se prescreve no final da Tabela I, anexa ao R.C.P., ou seja, que para além de € 275.000,00, ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada € 25.000,00 ou fracção, três unidades de conta, no caso da coluna “A”, uma e meia unidade de conta, no caso da coluna “B”, e quatro e meia unidades de conta no caso da coluna “C”. É esse o remanescente, ou seja, o valor da taxa de justiça correspondente à diferença entre € 275.000,00 e o efectivo e superior valor da causa para efeitos de determinação daquela taxa, o qual deve ser considerado para efeitos de conta final do processo, se o juiz não dispensar o seu pagamento.
24. Nos termos do artº.529, nº.2, do C.P.Civil, a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixada em função do valor e complexidade da causa, nos termos do R.C.P. (cfr.v.g.artº.6 e Tabela I, anexa ao R.C.P.). Acresce que a taxa de justiça devida pelo impulso processual de cada interveniente não pode corresponder à complexidade da causa, visto que essa complexidade não é, em regra, aferível na altura desse impulso. O impulso processual é, grosso modo, a prática do acto de processo que origina núcleos relevantes de dinâmicas processuais nomeadamente, a acção, o incidente e o recurso.
25. A decisão judicial de dispensa, com características excepcionais, depende, segundo o legislador, da especificidade da concreta situação processual, designadamente, da complexidade da causa e da conduta processual das partes. A referência a tais vectores, em concreto, redunda na constatação de uma menor complexidade ou simplicidade da causa e na positiva cooperação das partes durante o processo, como pressupostos de tal decisão judicial. Por outro lado, refira-se que a lei não faz depender de requerimento das partes a intervenção do Tribunal a dispensar o pagamento do aludido remanescente da taxa de justiça, importando concluir que o juiz pode exarar tal decisão a título oficioso, embora sempre na decisão final do processo.
26. A maior, ou menor, complexidade da causa deverá ser analisada levando em consideração, nomeadamente, os factos índice que o legislador consagrou no artº.447-A, nº.7, do C.P.Civil (cfr.actual artº.530, nº.7, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6).
27. As questões de elevada especialização jurídica ou especificidade técnica são, grosso modo, as que envolvem intensa especificidade no âmbito da ciência jurídica e grande exigência de formação jurídica de quem tem que decidir. Já as questões jurídicas de âmbito muito diverso são as que suscitam a aplicação aos factos de normas jurídicas de institutos particularmente diferenciados.
28. No que se refere à conduta processual das partes a ter, igualmente, em consideração na decisão judicial de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça nos termos do examinado artº.6, nº.7, do R.C.P., deve levar-se em conta o dever de boa-fé processual estatuído no actual artº.8, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6 (cfr.anterior artº.266-A, do C.P.Civil).
29. A dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, quando concedido, aproveita a todos os sujeitos processuais.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
"E..., SL", com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.279 a 302 do presente processo, através da qual julgou improcedente a impugnação intentada pela sociedade recorrente tendo por objecto dois actos de liquidação aduaneira derivados de processo de cobrança "a posteriori" e no valor total de € 1.443.275,60.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.314 a 333 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-Há erro de julgamento sobre a matéria de facto e de direito ao considerar-se que a liquidação ocorreu em 26/06/2008 por força do despacho, desta data, da Directora da Alfândega, quando nos termos do art. 217.° do Código Aduaneiro Comunitário, esta se efectiva através do cálculo, efectuado pelas autoridades aduaneiras, do montante de direitos o qual deverá ser objecto de uma inscrição nos registos contabilísticos ou suporte equivalente (registo de liquidação) sendo a data deste registo o facto relevante para se considerar efectuada a liquidação;
2-Tal como resulta da notificação de pagamento da dívida de 1.115.461,80 euros (doc. n.° 2 da PI), este montante foi "objecto de registo de liquidação (RLB) n.° ... de 2008/09/23, conforme Impresso de Liquidação que se anexa" e o mapa de cálculo da dívida aduaneira constante do Anexo I da mesma notificação inicia-se com declarações aduaneiras em que a dívida se constituiu antes daquela data do registo de liquidação;
3-Assim, na declaração n.° ..., a dívida constituiu-se em 30/08/2005 (data de aceitação do DU), na declaração n.° ... a dívida constituiu-se em 18/08/2005 e na declaração n.° ... a dívida constituiu-se em 05/09/2005;
4-Tendo a liquidação sido efectuada, pelas autoridades aduaneiras, em 23/09/2008 (data do respectivo registo), nesta data já tinha ocorrido a caducidade do direito de liquidação, relativamente a estas três declarações, em virtude de ter sido ultrapassado o prazo de três anos previsto no n.° 3 do art. 221 ° do CAC;
5-Consequentemente, a liquidação efectuou-se para além dos três anos previstos na lei, o que afecta a sua validade intrínseca e constituindo, tal facto, um vício de violação de lei;
6-Tendo a sentença recorrida considerado que a notificação se efectuou para além do prazo legal de três anos previsto no art. 221.° n.° 3 do CAC e constituindo, tal circunstância, fundamento de oposição fiscal enquadrável na alínea e) do art. 204.° do CPP, a Meritíssima Juíza deveria ter declarado a inutilidade superveniente da lide, já que na consequente execução é o mesmo tribunal (Tribunal Tributário) que decidirá numa questão já, por si, decidida na impugnação judicial;
7-A sentença recorrida incorreu em erro de julgamento na matéria de direito aplicando aos factos a teoria do Acórdão do STA, processo n.° 0638/08 de 07/01/2009, o qual se baseou no art. 45.° da LGT cuja redacção não coincide com a do art. 221.° do CAC, em violação clara dos princípios do primado e do efeito directo do Direito Comunitário;
8-A douta sentença não se mostra devidamente fundamentada quando se constata que apenas remete para a informação prestada pelas autoridades brasileiras de que a mercadoria respeitante às importações se tratava de peitos de frango congelado sem osso, sem mais qualquer espécie de fundamentação, limitando-se a aceitar como inequívoca essa mesma informação contida em suportes informáticos e arquivísticos não autenticados;
9-Também a informação das autoridades espanholas não se encontram fundamentadas porquanto, referindo embora tratar-se de peitos de frango congelado sem osso, jamais identificaram os certificados de origem cujos originais ou cópias autenticadas nunca foram juntos aos autos;
10-O testemunho do Sr. Verificador, C..., não foi inequívoco a afirmar que a carne de frango era sem osso, apenas admitindo que pelo facto de estar compacta e congelada, se mostrava difícil caracterizar, todavia não pôs em causa a veracidade do resultado da verificação física averbada por si e por dezasseis vezes, ao longo de dois anos, em outras tantas declarações aduaneiras, como carne de frango com osso;
11-Em sede de direito aduaneiro comunitário, impera, para efeitos de tributação, o art. 71.°, n.° 1 do CAC, nos termos do qual, os resultados da conferência da declaração servem de base à aplicação das disposições que regem o regime aduaneiro em causa a que as mercadorias se encontram sujeitas pelo que não se mostrando provado, inequivocamente, que as declarações aduaneiras e seus documentos juntos ostentavam elementos inexactos, a liquidação adicional do acto tributário é ilegal;
12-A douta sentença recorrida incorreu no erro de omissão de pronúncia, quando, tendo a impugnante, no artigo 56.° da petição inicial, invocado que a incerteza da liquidação dos actos tributários fica bem patente quando se verifica que a impugnante processou, nas mesmas circunstâncias e na base dos mesmos documentos, as declarações aduaneiras (docs. 5, 6 e 7) n.°s … de 15/11/2005, … de 23/11/2005 e … de 29/11/2005 as quais foram objecto de controlo físico através do canal 1 sem que as mesmas tivessem suscitado dúvidas e originado qualquer complemento de dívida e sendo este facto relevante para a decisão da causa, já que, nos termos do n.° 1 do artigo 100.° do CPPT, "sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado", a Meritíssima Juíza não se dignou pronunciar;
13-Há erro de julgamento em matéria de facto, relativamente ao vício de violação do art. 220.°, n.° 2, alínea b) do CAC ao considerar-se que as autoridades aduaneiras se limitaram a aceitar as declarações aduaneiras e respectivos documentos juntos em resultado de comportamento passivo;
14-Na verdade, as liquidações foram efectuadas, todas elas, na base das declarações com conferência efectiva e, em dezasseis, com o grau máximo de exigência, isto é, com conferência documental e verificação física da mercadoria averbadas no DU sendo que, com todos os elementos recolhidos e julgados necessários e suficientes, as autoridades aduaneiras procederam, motu próprio, à liquidação da dívida aduaneira no âmbito da competência que lhes é conferida pelo artigo 217.° n.° 1 do CAC;
15-Isto é, adoptaram, sem dúvida, um comportamento activo que resulta dos seus próprios poderes, não se tendo limitado a aceitar, passivamente, os dados das declarações, circunstância esta que fez incorrer a Meritíssima Juíza em erro de julgamento por deficiente fundamentação em matéria de facto;
16-E porque, a ter havido erro no cálculo do montante da dívida, este ficou a dever-se a um comportamento activo das autoridades aduaneiras, é aplicável o art. 220.°, n.° 2, alínea b) não havendo lugar a registo de liquidação "a posteriori";
17-Termos em que, concedendo-se provimento ao presente recurso, deve a decisão judicial constante da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa ser revogada e substituída por acórdão que declare anulado o acto de liquidação inicialmente impugnado, com as devidas consequências legais.
X
A entidade recorrida produziu contra-alegações (cfr.fls.338 a 348 dos autos), as quais remata com o sequente quadro Conclusivo:
1-Nos termos conjugados do disposto nos arts. 221.° n.° 4 do CAC, 48.° da LGT e 99 da Reforma Aduaneira (na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-lei n.° 472/99, de 8 de Novembro), o prazo de caducidade do direito à liquidação em caso de prática de acto fraudulento é de oito anos, a contar da data em que ocorreu o facto tributário. Pelo que, contrariamente ao alegado pela recorrente, à data da liquidação ainda não havia caducado o referido direito da administração;
2-Contrariamente ao alegado pela recorrente, entende a Fazenda Pública que tendo a autoridade aduaneira obtido à posteriori elementos probatórios que comprovam a incorrecta declaração/classificação pautal da mercadoria, pode proceder oficiosamente à revisão das declarações aduaneiras após a concessão da autorização de saída das mercadorias, a fim de corrigir os elementos inexactos que foram declarados e tomar as medidas necessárias para regularizar a situação tributária, tendo em conta os novos elementos de que dispõe (art. 78° do CAC);
3-Por outro lado, o valor probatório pleno do documento autêntico não respeita a tudo o que se diz ou contém o documento, mas somente aos factos que se referem praticados pela autoridade ou oficial público respectivo;
4-Os factos relatados no relatório da verificação física da mercadoria mais não traduzem do que actos de fiscalização para fins de comprovação da sua conformidade com o declarado e consequente autorização de saída que não se encontram sustentados em documentos que os tornem inquestionáveis;
5-O disposto no art. 100° do CPPT consubstancia a aplicação ao processo de impugnação judicial da regra geral sobre o ónus da prova no procedimento tributário, enunciada no art. 74° da LGT, em que se estabelece que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da AT ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque;
6-No caso dos autos consta do p.a. prova obtida junto das autoridades espanholas e brasileiras e ainda junto do Posto de Inspecção Fronteiriço de Lisboa da Direcção-Geral da Veterinária, que confirma que a mercadoria introduzida em livre prática em Portugal consistia em "cortes congelados de frango: peito sem osso sem pele", pelo que não subsistem dúvidas quanto aos factos tributários que originaram as liquidações ora impugnadas;
7-O erro da autoridade aduaneira a que se refere a alínea b), do n° 2 do art. 220° do CAC, é o erro activo, o que resulta de um comportamento activo da referida autoridade na interpretação e aplicação da regulamentação em vigor. Estão assim excluídos os erros resultantes da simples aceitação de elementos ou documentos juntos à declaração aduaneira que se revelem posteriormente incorrectos (cfr. ponto 42 do acórdão do TJCE de 14/11/2002, processo C-250/91);
8-Pelo que, contrariamente ao alegado pela recorrente, a situação dos autos enquadra-se no n° 1 do art. 220° do CAC e não na excepção prevista na alínea b), do n° 2 do art. 220° do CAC;
9-Nestes termos e nos demais de direito, doutamente supridos por V. Exas., deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida, com o que se fará justiça.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso (cfr.fls.360 dos autos).
X
Corridos os vistos legais (cfr.fls.362 dos autos), vêm os autos à conferência para deliberação.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.281 a 287 dos autos - numeração nossa):
1-Foi instaurado à sociedade impugnante, "E..., S.L.", com sede em Espanha, o processo de cobrança nº.12/07, na sequência do qual foram emitidas as liquidações n.° ... e n.° ..., referentes a direitos aduaneiros e direitos agrícolas adicionais e no montante total de € 1.443.275,60, por despachos da Directora da Alfândega Marítima de Lisboa datados de 26/06/2008 e 17/09/2008, respectivamente, incidindo sobre declarações aduaneiras de 2005 e 2006 (cfr.documentos juntos a fls.27 a 29, 56 a 58 e 63 e seg. dos presentes autos; documentos juntos a fls.33 e 62 dos presentes autos);
2-As liquidações mencionadas no nº.1 foram notificadas à impugnante por ofícios datados de 8/07/2008 e 24/09/2008, o primeiro assinado pelo Director adjunto V..., e o segundo pela Directora M… (cfr.documentos juntos a fls.27 a 29 e 56 a 58 dos presentes autos);
3-O processo de cobrança nº.12/07 foi instaurado à sociedade impugnante, na sequência do apurado em sede de acções inspectivas realizadas pela Direcção de Serviços Antifraude-Divisão Operacional do Sul (DOS) à empresa E..., SL, pessoa colectiva n° …, com sede na …, que teve como objectivo o controlo à posteriori das declarações aduaneiras de introdução em livre prática (regime 4200), processadas em seu nome nos anos de 2005 e 2006, concluindo, após analisadas as declarações de exportação enviadas, respectivos manifestos de carga, certificados de origem e certificados de sanidade animal emitidos pelo país de origem da mercadoria, que a mercadoria importada se tratava de peitos e pedaços de frango congelado sem osso, quando tinham sido declarados como peitos e pedaços de frango congelado com osso, assim beneficiando de uma taxa de direitos inferior à efectivamente devida pela introdução em livre prática da mercadoria (cfr.cópia de relatórios de acções inspectivas juntos a fls.34 a 44 e 63 a 73 dos presentes autos);
4-As declarações aduaneiras referidas no número anterior foram processadas através do seu representante aduaneiro Despachante Oficial J..., com a cédula n° …, sito na Rua … (cfr.cópia de relatórios de acções inspectivas juntos a fls.34 a 44 e 63 a 73 dos presentes autos);
5-A mercadoria sujeita a introdução em livre prática em Portugal, tendo como destino Espanha, foi declarada como peitos e pedaços de frango, não desossados, congregados, classificada pela posição pautal 0207145000 a que correspondia a taxa de direitos aduaneiros de 60,2 €/100 Kg (cfr.documentos juntos a fls.5 a 191 e 278 a 375, todos do processo administrativo apenso);
6-As importações da referida mercadoria foram efectuadas de forma continuada (cfr. datas de aceitação das declarações aduaneiras constantes nos volumes II, III, III, IV, V e VI anexos ao processo administrativo apenso e juntos a fls.425 a 2301);
7-Em 2006, através de verificação física parcial efectuada a uma remessa de mercadoria idêntica à supra mencionada, constatou-se que a mesma era composta por peitos e pedaços de frango congelados, mas desossados, e não com osso, conforme até essa data vinha sendo declarado pela impugnante (cfr.cópia de relatórios de acções inspectivas juntos a fls.34 a 44 e 63 a 73 dos presentes autos);
8-Assim, foi constatado que a mercadoria deveria ter sido classificada pela posição pautal 0207141000 a que correspondia a taxa composta de 102,4 €/100 Kg a título de direitos aduaneiros acrescida de direitos agrícolas adicionais, de acordo com o estabelecido no Regulamento (CEE) n° 1484/95 alterado pelo Regulamento (CE) n°493/1999 (cfr.cópia de relatórios de acções inspectivas juntos a fls.34 a 44 e 63 a 73 dos presentes autos);
9-De modo a confirmar a qualidade da mercadoria que tinha vindo a ser introduzida em livre prática até à data através das declarações aduaneiras processadas anteriormente, a DOS efectuou dois Pedidos de Assistência Mútua (PAMA), um junto das autoridades espanholas a fim de averiguar qual a mercadoria que teria chegado a Espanha e outro junto das autoridades brasileiras, país de onde foram exportados tais produtos, solicitando o envio dos certificados de sanidade animal e de saúde pública relativamente a todas as declarações aduaneiras alvo de inspecção (cfr.cópia de relatórios de acções inspectivas juntos a fls.34 a 44 e 63 a 73 dos presentes autos);
10-As autoridades brasileiras comunicaram que, relativamente a sete declarações por elas escolhidas aleatoriamente, a mercadoria foi declarada para exportação como sendo carne congelada de frango sem osso e sem pele (cfr.cópia de relatórios de acções inspectivas juntos a fls.34 a 44 e 63 a 73 dos presentes autos; documentos juntos a fls.20 e seg. e 302 e seg., todos do processo administrativo apenso);
11-Em virtude de o universo das declarações aduaneiras objecto de PAMA ser muito grande, as autoridades brasileiras informaram que a resposta relativa às restantes declarações seria fornecida posteriormente o que implicou que o resultado da acção inspectiva fosse provisório (cfr.documentos juntos a fls.21 e seg. do processo administrativo apenso);
12-As autoridades espanholas desencadearam uma acção inspectiva à "E..., S.L.", tendo constatado a existência de alguns certificados de origem relativos à parte das importações em causa reveladoras de que a mercadoria a eles respeitante se tratava de peitos de frango, congelados sem osso (cfr.documento junto a fls.168 dos presentes autos; documentos juntos a fls.63 e seg. do processo administrativo apenso);
13-O apuramento da dívida foi efectuado, inicialmente, para a mercadoria identificada em 18 declarações aduaneiras, dado as autoridades brasileiras, relativamente àquelas declarações, terem confirmado tratar-se de pedaços de frango sem osso e congelados (cfr.documentos juntos a fls.17 a 191 do processo administrativo apenso);
14-Posteriormente foi recebida informação relativa à qualidade da mercadoria identificada em mais 63 declarações aduaneiras, enviadas pelas autoridades brasileiras e relativas a declarações de exportação da mercadoria para Portugal (cfr.documentos juntos a fls.273 a 375 do processo administrativo apenso);
15-Em 11/09/2007, foi enviado à impugnante o projecto de conclusões sobre o apuramento da dívida, através de PAMA, para exercício do direito de audição prévia, nos termos do artº.60 do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 413/98, de 31 de Dezembro (cfr.documentos juntos a fls. 169 a 179 dos presentes autos);
16-Em virtude de a impugnante não se encontrar no endereço indicado como sede nas declarações aduaneiras, foi efectuada nova insistência também através do PAMA às autoridades espanholas, tendo a impugnante recebido os documentos para o exercício do direito de audição prévia através da notificação pessoal efectuada na pessoa de M... (cfr.documentos juntos a fls.169 a 179 dos presentes autos);
17-O despachante oficial J..., portador da cédula n° …, na qualidade de representante indirecto da sociedade impugnante, também foi notificado para efeitos do exercício do direito de audição prévia (cfr.cópia de relatórios de acções inspectivas juntos a fls.34 a 44 e 63 a 73 dos presentes autos; documentos juntos a fls.169 a 179 dos presentes autos);
18-Foi levantado, à impugnante, o auto de notícia que serviu de base à instauração do processo de inquérito crime NUIPC ….7AFLSB, o qual corria seus termos na 3ª. Secção do Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa no pretérito dia 13/12/2010, pelos factos constatados pela DOS no decorrer da acção inspectiva, concluindo-se que a mercadoria foi erradamente declarada e classificada, o que indicia a prática de crime de contrabando previsto no artº.92, n° 1, al.d), do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei n° 15/2001, de 5 de Junho (cfr. documentos juntos a fls.239 a 242 dos presentes autos);
19-No decurso da instrução do processo de cobrança "a posteriori", foram solicitados pela Alfândega junto do Posto de Inspecção Fronteiriço (PIF) de Lisboa da Direcção Geral da Veterinária fotocópias dos Certificados de Sanidade Animal e de Saúde Pública para Carnes Frescas de Aves Domésticas destinadas ao Consumo Humano, emitidos pelo Serviço de Inspecção Federal do Estado do Rio Grande do Sul, Brasil, que lhes foram entregues pelo Despachante Oficial, aquando da introdução em livre prática da mercadoria (cfr.documentos juntos a fls.189 e seg. dos presentes autos);
20-Do conjunto das importações foram escolhidos aleatoriamente 10 processos, dos quais constavam os referidos Certificados de Sanidade Animal e de Saúde Pública para Carnes Frescas de Aves Domésticas destinadas ao consumo humano emitidos pelo Serviço de Inspecção Federal do Estado do Rio Grande do Sul, Brasil (cfr.documentos juntos a fls.189 e seg. dos presentes autos);
21-Neles se pode ler tratar-se a mercadoria de "cortes congelados de frango: peito sem osso sem pele" (cfr.documentos juntos a fls.189 e seg. dos presentes autos);
22-A sociedade impugnante foi notificada das liquidações através da assistência mútua em matéria de cobrança de créditos entre os Estados-membros da CE-Decreto-Lei n° 396/2003, de 21 de Novembro (cfr.documentos juntos a fls.222 e seg. e 397 e seg., todos do processo administrativo apenso);
23-A p.i. foi apresentada, junto do Tribunal Tributário de Lisboa, via SITAF, em 15/04/2010 (cfr.termo constante de fls.2 dos presentes autos).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados…”.
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na prova documental junta aos autos, no processo administrativo em apenso, e ainda nos esclarecimentos das testemunhas ouvidas…”.
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou improcedente a impugnação intentada pela sociedade recorrente, mais mantendo as liquidações objecto do processo (cfr.nº.1 do probatório).
X
Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O apelante discorda do decidido aduzindo, em primeiro lugar, que a sentença recorrida incorreu em omissão de pronúncia, visto que o recorrente, no artº.56 do articulado inicial invocou a incerteza dos actos tributários e a consequente relevância para a decisão da causa nos termos do artº.100, nº.1, do C.P.P.T., não se tendo o Tribunal "a quo" pronunciado sobre tal matéria (cfr.conclusão 12 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar uma nulidade da decisão recorrida devido a omissão de pronúncia.
Analisemos se a sentença recorrida sofre de tal pecha.
Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1º. segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artº.608, nº.2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente). Ora, como se infere do que já deixámos expresso, a omissão de pronúncia pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes. Por outras palavras, haverá omissão de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de “petitionem brevis”, a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido). No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra. Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por um lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das “questões”) integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 142 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.37).
No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C. P. P. Tributário, no penúltimo segmento da norma (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.911 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/2/2011, rec.50/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 1/3/2011, proc.2442/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.7029/13).
"In casu", a decisão recorrida analisou as diversas causa de pedir ("questões" identificadas supra) formuladas no articulado inicial do processo, nomeadamente, a fundada dúvida sobre a existência do facto tributário e consequente aplicação do artº.100, nº.1, do C.P.P.T. (questão em que se consubstancia a presente alegação do recorrente), tudo conforme consta do enquadramento jurídico da sentença do Tribunal "a quo" constante de fls.287 a 302 dos autos.
Em suma, não se vê que a decisão recorrida tenha omitido pronúncia e, nestes termos, improcedendo este fundamento do recurso.
Alega o recorrente, igualmente, que a decisão recorrida não se mostra devidamente fundamentada quando se constata que apenas remete para a informação prestada pelas autoridades brasileiras de que a mercadoria respeitante às importações se tratava de peitos de frango congelado sem osso, sem mais qualquer espécie de fundamentação, limitando-se a aceitar como inequívoca essa mesma informação contida em suportes informáticos e arquivísticos não autenticados (cfr.conclusão 8 do recurso), com base em tal alegação pretendendo consubstanciar, supomos, uma nulidade da decisão recorrida devido falta de especificação dos fundamentos de facto.
Deslindemos se a decisão recorrida comporta tal vício.
Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.b), do C.P.Civil, é nula a sentença, além do mais, quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Para que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. Por outras palavras, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito. Já a mera insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, podendo afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, mas não produz nulidade (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.139 a 141; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.687 a 689; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.36).
No processo judicial tributário o vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, norma onde estão consagrados todos os vícios (e não quaisquer outros) susceptíveis de ferir de nulidade a sentença proferida (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.357 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/2/2011, rec.871/10; ac.S.T.A-2ª.Secção, 13/10/2010, rec.218/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/5/2013, proc.6406/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6531/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/7/2015, proc.8473/15).
Voltando ao caso concreto, conforme se retira do exame da decisão recorrida constante de fls.279 a 302 do presente processo e das referências supra exaradas à fundamentação da decisão de facto constante da mesma, deve julgar-se improcedente a alegação do recorrente, visto que o vício que consubstancia esta nulidade, conforme mencionado acima, consiste na falta de fundamentação absoluta (de facto ou de direito), não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente.
Concluindo, improcede o presente esteio do recurso incidente sobre a alegada falta de especificação dos fundamentos de facto da decisão recorrida.
Mais aduz o apelante que há erro de julgamento em matéria de facto, relativamente ao vício de violação do artº.220, nº.2, al.b), do C.A.Comunitário, ao considerar-se que as autoridades se limitaram a aceitar as declarações aduaneiras e respectivos documentos juntos em resultado de comportamento passivo. Que o testemunho do Sr. Verificador, C..., não foi inequívoco a afirmar que a carne de frango era sem osso, apenas admitindo que, pelo facto de estar compacta e congelada, se mostrava difícil caracterizar a carne importada, todavia, não pôs em causa a veracidade do resultado da verificação física averbada por si e por dezasseis vezes, ao longo de dois anos, em outras tantas declarações aduaneiras, como carne de frango com osso (cfr.conclusões 10 e 13 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo consubstanciar, segundo percebemos, erro de julgamento de facto da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr.artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, IV, Coimbra Editora, 1987, pág.566 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.660 e seg.).
Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida. A decisão é errada ou por padecer de “error in procedendo”, quando se infringe qualquer norma processual disciplinadora dos diversos actos processuais que integram o procedimento aplicável, ou de “error in iudicando”, quando se viola uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e aplicação incorrectas da norma reguladora do caso ajuizado. A decisão é injusta quando resulta de uma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexacta dos factos ao direito e sempre que o julgador, no âmbito do mérito do julgamento, utiliza abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos, que lhe são confiados (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/6/2013, proc.5618/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/4/2014, proc.7396/14; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.130; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 9ª. edição, 2009, pág.72).
Ainda no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/12/2012, proc.4855/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6505/13; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181).
Tal ónus rigoroso ainda se pode considerar mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6 (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6531/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.5555/12; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 10/04/2014, proc.7396/14).
Por outro lado, no que concretamente diz respeito à produção de prova testemunhal, refira-se que se a decisão do julgador estiver devidamente fundamentada e for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.6280/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/5/2013, proc.6418/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6505/13).
No caso concreto, não pode deixar de estar votado ao insucesso o fundamento do recurso em análise devido a manifesta falta de cumprimento do ónus mencionado supra, desde logo, quanto aos concretos meios probatórios (relativos à prova documental e testemunhal produzida), constantes do processo e que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela sentença recorrida.
Concluindo, este Tribunal não tem obrigação de conhecer do presente esteio da apelação.
Apesar disso, sempre se dirá que, no que diz respeito à prova testemunhal produzida no processo (cfr.acta de inquirição de testemunhas junta a fls.256 a 258 dos autos), conforme se pode examinar da matéria de facto provada supra exposta e estruturada pelo Tribunal "a quo", nenhum relevo teve quanto à decisão da mesma.
Defende, igualmente, o recorrente que tendo a sentença recorrida considerado que a notificação se efectuou para além do prazo legal de três anos previsto no artº.221, nº.3, do C.A.Comunitário, e constituindo, tal circunstância, fundamento de oposição fiscal enquadrável na alínea e) do artº.204, nº.1, al.e), do C.P.P.T., o Tribunal "a quo" deveria ter declarado a inutilidade superveniente da lide, já que na consequente execução é o mesmo Tribunal (Tribunal Tributário) que decidirá numa questão já, por si, decidida na impugnação judicial (cfr.conclusão 6 do recurso), com base em tal alegação pretendendo consubstanciar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal pecha.
Entre as causas de extinção da instância do processo declarativo, as quais são aplicáveis ao processo judicial tributário supletivamente (cfr.artº.2, al.e), do C.P.P.T.), vamos encontrar a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide (cfr.artº.277, al.e), do C.P.Civil).
Esta causa de extinção da instância contém dois requisitos que necessitam estar verificados para a sua aplicação. São eles, a inutilidade da lide, e que essa inutilidade decorra de facto posterior ao início da instância, para poder dizer-se que é superveniente, a qual dá lugar à mesma extinção da instância sem apreciação do mérito da causa.
Também neste sentido segue a doutrina e a jurisprudência, ao referirem que a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide se dá quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo ou, por outro lado, porque encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a causa deixa de interessar - além por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outros meios (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/1/2013, rec.1208/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/4/2014, proc.7433/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/12/2015, proc.8889/15; José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, Código de Processo Civil anotado, I vol., pág.512; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.307 e seg.).
Só se verifica a inutilidade superveniente da lide quando essa inutilidade for uma inutilidade jurídica. A utilidade da lide correlaciona-se, assim, com a possibilidade da obtenção de efeitos úteis da mesma pelo que a sua extinção só deve ser declarada quando se conclua que o seu prosseguimento não poderá trazer quaisquer consequências vantajosas para o autor/recorrente.
No caso "sub judice", conforme se retira do exame da decisão recorrida, o Tribunal "a quo" estudou e julgou improcedente o fundamento da impugnação que se consubstancia na caducidade do direito à liquidação. No que se refere ao facto da notificação se efectuar para além do prazo legal de três anos previsto no artº.221, nº.3, do C.A.Comunitário, disse o Tribunal "a quo" que tal factualidade poderia ser fundamento de processo de oposição, que não de impugnação, visto estar em causa, não a liquidação, mas antes o posterior acto de notificação da mesma, situação que gerava a eventual inexigibilidade da dívida exequenda. Ora, de tal parcela do enquadramento jurídico da decisão recorrida, não se pode retirar a consequente declaração de extinção da presente instância de impugnação, devido a inutilidade superveniente da lide, porquanto, não se encontram reunidos os pressupostos para tal, identificados supra. Concretizando, o recorrente mantém interesse na presente instância, mais não tendo ocorrido qualquer facto, fora do esquema da providência pretendida no presente processo de impugnação, que gere tal inutilidade.
Concluindo, não desapareceu o objecto do processo, mais não se verificando os pressupostos para decretar a inutilidade superveniente da lide.
O apelante defende, ainda e em sinopse, que a liquidação foi efectuada pelas autoridades aduaneiras em 23/09/2008 (data do respectivo registo). Que nesta data já tinha ocorrido a caducidade do direito de liquidação, relativamente a três declarações aduaneiras, em virtude de ter sido ultrapassado o prazo de três anos previsto no artº.221, nº.3, do C.A.Comunitário. Que a liquidação efectuou-se para além dos três anos previstos na lei, o que afecta a sua validade intrínseca, mais constituindo, tal facto, um vício de violação de lei (cfr.conclusões 1 a 5 e 7 do recurso), com base em tal alegação pretendendo consubstanciar um novo erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
Pode definir-se a caducidade como o instituto através do qual os direitos que, por força da lei ou de convenção das partes, se devem exercer dentro de certo prazo, se extinguem pelo seu não exercício durante o mesmo período. O instituto da caducidade tem por fundamentos vectores como a certeza e a ordem pública, vistos no sentido de que é necessário que, ao fim de certo lapso de tempo, as situações jurídicas se tornem certas e inatacáveis. Esta prevalência de considerações de ordem pública constitui a razão explicativa para que o prazo de caducidade corra sem suspensões e interrupções e, em princípio, que só o exercício do direito durante o mesmo impeça que a caducidade opere. A necessária brevidade da relação jurídica que comporta um direito caducável determina que o não exercício do mesmo no prazo legal ou convencionalmente definido acarreta a sua extinção. Refira-se, ainda, que a caducidade, determinando a extinção do direito e da correspondente vinculação sem mais, não gera o consequente aparecimento de uma obrigação natural, contrariamente ao que acontece com o instituto da prescrição. Por último, a caducidade deve consubstanciar-se como uma excepção peremptória passível de apreciação oficiosa pelo Tribunal (cfr.artºs.328, 331 e 333, todos do C.Civil; artº.496, do C.P.Civil; Luis A. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, II, A.A.F.D.L., 1983, pág. 567 e seg.; Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª.edição, Coimbra Editora, 1989, pág.372 e seg.; Aníbal de Castro, A Caducidade na doutrina, na lei e na jurisprudência, 3ª.edição, 1984, pág.29 e seg.).
No que diz respeito ao direito tributário, o regime da caducidade do direito à liquidação de impostos, matéria que não é de conhecimento oficioso, encontra actualmente consagração genérica no artº.45, da Lei Geral Tributária, aprovada pelo dec.lei 398/98, de 17/12, norma que vem consagrar um prazo de caducidade de quatro anos (cfr.anterior artº.33, nº.1, do C.P.Tributário, o qual consagrava o prazo de cinco anos). Face à redacção do aludido artº.45, da L. G. Tributária, é claro que, quer o exercício do direito à liquidação, quer a notificação do seu conteúdo ao contribuinte, e não apenas aquele primeiro acto, têm que ocorrer dentro do mencionado prazo de quatro anos contados do facto tributário, sob pena de operar a caducidade de tal direito. O prazo de caducidade em análise justifica-se por razões objectivas de segurança jurídica, tendo o propósito último de gerar a definição da situação do obrigado tributário num prazo razoável, cujo decurso conduz à preclusão do direito do Estado de promover a liquidação dos impostos que lhe sejam eventualmente devidos (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 23/10/2012, proc.5792/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/11/2013, proc.7031/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 1/10/2014, proc.7773/14; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e Anotada e comentada, Editora Encontro da Escrita, 4ª. Edição, 2012, pág.359 e seg.; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª.edição, Coimbra Editora, 2007, pág.259 e seg.; Joaquim Casimiro Gonçalves, A caducidade face ao direito tributário, in Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis, 1999, pág.225 e seg.).
A Constituição da República Portuguesa, após a revisão introduzida pela Lei Constitucional nº.1/82, de 30/9, prevê no seu artº.268, nº.3, que os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados na forma prevista na lei (lei ordinária), assim impondo à Administração um dever de dar conhecimento aos interessados, mediante uma comunicação oficial e formal, do teor dos actos praticados, comunicação essa que deve incluir também a própria fundamentação do acto que do mesmo faz parte integrante (cfr.J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4ª. Edição revista, II volume, Coimbra Editora, 2010, pág.824 e seg.).
A natureza receptícia do acto tributário, enquanto acto administrativo, deve hoje ter-se como perspectiva devidamente sedimentada pela doutrina e jurisprudência, configurando-se a notificação como requisito de perfeição do acto tributário de liquidação (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/1/2013, proc.6055/12; Alberto Pinheiro Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, Almedina, 1972, pág.239 a 242; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.94 e seg.; Soares Martínez, Direito Fiscal, Almedina, 1996, pág.309 a 311).
No entanto, a notificação não é um elemento intrínseco do acto tributário e, portanto, não é um requisito da sua validade, mas simples condição da sua eficácia, aliás, suprível por outras formas de conhecimento (cfr.artº.67, nº.1, do C.P.A., então em vigor; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/10/2012, proc.5673/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/1/2013, proc.6055/12).
Mais se dirá que a conjuntura de caducidade sob exame por contender com a legalidade, que não com a exigibilidade da dívida, deve visualizar-se como fundamento típico do processo de impugnação judicial e não do processo de oposição à execução fiscal (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 12/10/2005, rec.633/05; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2012, proc.5594/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/11/2013, proc.7031/13).
No caso "sub judice", conforme se retira da factualidade provada (cfr.nº.18 do probatório), os factos constatados pela Fazenda Pública no decorrer da acção inspectiva, serviram de base à instauração do processo de inquérito crime NUIPC 7/07.7AFLSB, o qual corre seus termos na 3ª. Secção do Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa, dado se ter concluído que a mercadoria foi erradamente declarada e classificada, o que indicia a prática de crime de contrabando previsto no artº.92, nº.1, al.d), do R.G.I.T.
Da factualidade acabada de mencionar deve concluir-se que a dívida aduaneira em causa nos presentes autos resulta de acto que era, no momento em que foi cometido, passível de procedimento judicial repressivo, pelo que o prazo de caducidade do direito à liquidação se enquadra no artº.221, nº.4, do C.A.Comunitário, aprovado pelo Regulamento (CEE) 2913/1992 do Conselho, de 12 de Outubro (aplicável à data dos factos).
A citada expressão "acto passível de procedimento judicial repressivo" tem por alcance os actos que, segundo a ordem jurídica dos Estados-Membros cujas autoridades competentes exigem uma cobrança "a posteriori", sejam qualificados como infracção na acepção do direito penal nacional, que não contra-ordenacional (cfr.ac.T.J.C.E. de 27/11/1991, proc.C-273/90, Meico-Fell; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/10/2002, rec.26416; Nuno Aleixo e Outros, Código Aduaneiro Comunitário anotado e comentado, Editora Rei dos Livros, 2007, pág.933 e seg.; João António Valente Torrão, Código Aduaneiro Comunitário anotado e comentado, Almedina, 2003, pág.447 e seg.).
Ora, por força do citado artº.221, nº.4, do C.A.Comunitário, nas situações em que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo de caducidade do direito à liquidação será alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença proferida no mesmo processo criminal, acrescido de um ano (cfr.artº.45, nº.5, da L.G.T.; Nuno Aleixo e Outros, Código Aduaneiro Comunitário anotado e comentado, Editora Rei dos Livros, 2007, pág.944).
Revertendo ao caso dos autos, no momento da estruturação das liquidações objecto do presente processo pelas autoridades aduaneiras, no ano de 2008 (cfr.nº.1 do probatório), encontrava-se a decorrer o processo de inquérito crime instaurado em virtude da factualidade apurada pela Fazenda Pública (cfr.nº.18 da matéria de facto provada), pelo que, de forma nenhuma tinha ocorrido o termo final do prazo de caducidade do direito à liquidação previsto no artº.45, nº.5, da L.G.T., "ex vi" do artº.221, nº.4, do C. A. Comunitário.
Sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente também este esteio do recurso, mais se confirmando a decisão recorrida, embora com a presente fundamentação.
Por último, alega, em síntese, o recorrente que em sede de direito aduaneiro comunitário, impera, para efeitos de tributação, o artº.71, nº.1, do C.A.Comunitário, nos termos do qual, os resultados da conferência da declaração servem de base à aplicação das disposições que regem o regime aduaneiro em causa a que as mercadorias se encontram sujeitas pelo que não se mostrando provado, inequivocamente, que as declarações aduaneiras e seus documentos juntos ostentavam elementos inexactos, a liquidação adicional do acto tributário é ilegal. Que a ter havido erro no cálculo do montante da dívida, este ficou a dever-se a um comportamento activo das autoridades aduaneiras, assim sendo aplicável o artº.220, nº.2, al.b), do C.A.Comunitário, não havendo lugar a registo de liquidação "a posteriori" (cfr.conclusões 11 e 14 a 16 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo, segundo cremos, assacar à decisão recorrida novo vício de erro de julgamento de direito.
Deslindemos se a sentença recorrida comporta tal vício.
Do exame do C.A.C. (cfr.artºs.67, 79 e 201, do C.A.C.), deve concluir-se que a constituição da obrigação fiscal aduaneira pressupõe a verificação de um elemento objectivo (a passagem das mercadorias na fronteira) e um elemento subjectivo (a manifestação, pelo importador ou seu representante, da intenção de sujeitar as mercadorias ao regime aduaneiro, em regra o regime de introdução em livre prática, a qual é concretizada na apresentação da respectiva declaração aduaneira).
A sujeição de mercadorias a um regime aduaneiro efectua-se através de uma declaração aduaneira. Esta é definida no artº.4, nº.17, do C.A.C., como o acto pelo qual uma pessoa manifesta, na forma e segundo as modalidades prescritas, a vontade de atribuir a uma mercadoria determinado regime aduaneiro. As declarações apresentadas por escrito são efectuadas, normalmente, no formulário do Documento Administrativo Único (DAU).
A introdução das mercadorias em livre prática é o regime aduaneiro por excelência (cfr.artº.4, nº.16, al.a), do C.A.C.), encontrando-se regulado nos artºs.79 a 83, do C.A.C., e nos artºs.290 a 300, das Disposições de Aplicação do Código Aduaneiro Comunitário (D.A.), aprovadas pelo Regulamento (CEE) nº.2454/93, da Comissão, de 2 de Julho (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/5/2012, proc.3180/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/11/2016, proc.9875/16).
Revertendo ao caso dos autos, retira-se da factualidade provada (cfr.nº.3 do probatório), que na sequência do apurado em sede de acções inspectivas de controlo à posteriori das declarações aduaneiras de introdução em livre prática (regime 4200), processadas em nome do recorrente nos anos de 2005 e 2006, se concluiu, após analisadas as declarações de exportação enviadas, respectivos manifestos de carga, certificados de origem e certificados de sanidade animal emitidos pelo país de origem da mercadoria, que a mercadoria importada se tratava de peitos e pedaços de frango congelado sem osso, quando tinham sido declarados como peitos e pedaços de frango congelado com osso, assim beneficiando de uma taxa de direitos inferior à efectivamente devida pela introdução em livre prática da mercadoria.
Defende, antes de mais, o recorrente que as liquidações objecto do processo são ilegais por violação do disposto no artº.71, nº.1, do C.A.Comunitário. Ora, tal preceito apenas consagra que a aplicação das disposições que regem o regime aduaneiro a que as mercadorias se encontram sujeitas se baseia nos resultados da conferência/verificação dos produtos em causa. Já o nº.2 do mesmo preceito consagra a regra a seguir nos casos em que não exista conferência/verificação da declaração aduaneira, sendo que, neste caso, a aplicação do regime aduaneiro se baseia nos elementos constantes da mesma declaração (cfr.Nuno Aleixo e Outros, Código Aduaneiro Comunitário anotado e comentado, Editora Rei dos Livros, 2007, pág.450 a 452).
Apesar do acabado de referir, nos termos do artº.78, do C.A.Comunitário, as autoridades aduaneiras podem, oficiosamente, proceder ao controlo "a posteriori" das declarações aduneiras, após a concessão de autorização de saída das mercadorias, assim se possibilitando a correcção das declarações aduaneiras mesmo depois da citada autorização de saída (cfr.Nuno Aleixo e Outros, Código Aduaneiro Comunitário anotado e comentado, Editora Rei dos Livros, 2007, pág.499 e seg.; João António Valente Torrão, Código Aduaneiro Comunitário anotado e comentado, Almedina, 2003, pág.229 e seg.).
"In casu", tendo a autoridade aduaneira obtido, "a posteriori", elementos probatórios, fornecidos pelas autoridades espanholas e brasileiras bem como os constantes dos Certificados de Sanidade Animal emitidos no Brasil, que no seu entender comprovam a incorrecta declaração/falsificação pautal da mercadoria, pode a referida autoridade proceder oficiosamente à revisão das declarações aduaneiras após a concessão da autorização de saída das mercadorias, a fim de corrigir os elementos inexactos que foram declarados e tomar as medidas necessárias para regularizar a situação tributária, tendo em conta os novos elementos de que dispõe, tudo ao abrigo do citado artº.78, do C.A.Comunitário, assim não sendo ilegais as liquidações impugnadas, face ao disposto no artº.71, nº.1, do C.A.Comunitário, contrariamente ao que defende o recorrente.
Passemos ao exame do artº.220, nº.2, al.b), do C.A.Comunitário.
Consagra tal normativo a não possibilidade de registo de uma liquidação "a posteriori" no caso do montante da liquidação dos direitos legalmente devidos, desde que se encontrem reunidos, em simultâneo, quatro condições, sendo a primeira delas que o registo da liquidação em montante inferior ao legalmente devido derive de um erro activo das próprias autoridades aduaneiras, assim estando excluídos os erros resultantes da simples aceitação de elementos ou documentos juntos à declaração aduaneira, os quais se revelem posteriormente incorrectos (cfr.ac.T.J.C.E. de 14/11/2002, proc.C-251/00, Ilumitrónica; Nuno Aleixo e Outros, Código Aduaneiro Comunitário anotado e comentado, Editora Rei dos Livros, 2007, pág.901 e seg.; João António Valente Torrão, Código Aduaneiro Comunitário anotado e comentado, Almedina, 2003, pág.420 e seg.).
No caso "sub judice", desde logo se encontra provado que o facto dos registos de liquidação dos direitos terem sido efectuados por valor inferior ao devido não ficou a dever-se a erro das autoridades aduaneiras, dado que as mesmas se limitaram a aceitar as declarações aduaneiras processadas, bem como os respectivos documentos apresentados, mas porque foram prestadas declarações inexactas pelo representante do recorrente, assim não sendo aplicável, ao caso dos autos, o disposto no examinado artº.220, nº.2, al.b), do C.A.Comunitário.
Em conclusão, julga-se improcedente este último esteio do recurso, mais sendo legais as liquidações aduaneiras objecto do presente processo (cfr.nº.1 do probatório).
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, nega-se provimento ao presente recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, embora com a presente fundamentação, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
X
Resta apreciar o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, estruturado no requerimento junto a fls.365 dos autos pela Fazenda Pública.
As duas vertentes essenciais da conta ou liquidação de custas são a taxa de justiça e os encargos (as custas de parte têm um tratamento próprio e autónomo - cfr.artºs.25 e 26, do R.C.P.), conforme resulta do artº.529, do C.P.Civil, tal como do artº.3, nº.1, do R.C.P. Em relação a qualquer destas vertentes das custas se deve aplicar, necessariamente, a prévia decisão judicial que implicou a condenação em custas, da qual deriva o próprio acto de contagem (cfr.artº.30, nº.1, do R.C.P.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/3/2014, proc.7373/14; Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais anotado e comentado, Almedina, 4ª. edição, 2012, pág.424).
O artº.6, do Regulamento das Custas Processuais (R.C.P.), na redacção resultante do artº.2, da Lei 7/2012, de 13/2, contém a seguinte versão:
Artigo 6.º
Regras gerais
1 - A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela I-A, que faz parte integrante do presente Regulamento.
2 - Nos recursos, a taxa de justiça é sempre fixada nos termos da tabela I-B, que faz parte integrante do presente Regulamento.
3 - Nos processos em que o recurso aos meios electrónicos não seja obrigatório, a taxa de justiça é reduzida a 90 % do seu valor quando a parte entregue todas as peças processuais através dos meios electrónicos disponíveis.
4 - Para efeitos do número anterior, a parte paga inicialmente 90 % da taxa de justiça, perdendo o direito à redução e ficando obrigada a pagar o valor desta no momento em que entregar uma peça processual em papel, sob pena de sujeição à sanção prevista na lei de processo para a omissão de pagamento da taxa de justiça.
5 - O juiz pode determinar, a final, a aplicação dos valores de taxa de justiça constantes da tabela I-C, que faz parte integrante do presente Regulamento, às acções e recursos que revelem especial complexidade.
6 - Nos processos cuja taxa seja variável, a taxa de justiça é liquidada no seu valor mínimo, devendo a parte pagar o excedente, se o houver, a final.
7 - Nas causas de valor superior a € 275.000,00, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.
O nº.7, do preceito sob exegese (normativo que reproduz o artº.27, nº.3, do anterior C.C.Judiciais, a propósito da taxa de justiça inicial e subsequente), estatui que o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final do processo, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo, designadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o seu pagamento.
Recorde-se que nos termos do artº.529, nº.2, do C.P.Civil, a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixada em função do valor e complexidade da causa, nos termos do R.C.P. (cfr.v.g.artº.6 e Tabela I, anexa ao R.C.P.). Acresce que a taxa de justiça devida pelo impulso processual de cada interveniente não pode corresponder à complexidade da causa, visto que essa complexidade não é, em regra, aferível na altura desse impulso. O impulso processual é, grosso modo, a prática do acto de processo que origina núcleos relevantes de dinâmicas processuais nomeadamente, a acção, o incidente e o recurso (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/1/2014, proc.7140/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/3/2014, proc.7373/14; Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais anotado e comentado, Almedina, 4ª. edição, 2012, pág.72).
O mencionado remanescente está conexionado com o que se prescreve no final da Tabela I, anexa ao R.C.P., ou seja, que para além de € 275.000,00, ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada € 25.000,00 ou fracção, três unidades de conta, no caso da coluna “A”, uma e meia unidade de conta, no caso da coluna “B”, e quatro e meia unidades de conta no caso da coluna “C”.
É esse o remanescente, ou seja, o valor da taxa de justiça correspondente à diferença entre € 275.000,00 e o efectivo e superior valor da causa para efeitos de determinação daquela taxa, o qual deve ser considerado para efeitos de conta final do processo, se o juiz não dispensar o seu pagamento.
A decisão judicial de dispensa, com características excepcionais, depende, segundo o legislador, da especificidade da concreta situação processual, designadamente, da complexidade da causa e da conduta processual das partes. A referência a tais vectores, em concreto, redunda na constatação de uma menor complexidade ou simplicidade da causa e na positiva cooperação das partes durante o processo, como pressupostos de tal decisão judicial.
Releve-se que a dita decisão de dispensa do pagamento de remanescente de taxa de justiça prevista no artº.6, nº.7, do R.C.P., também pode ser efectuada na sequência da apresentação a pagamento da conta final do processo e dentro do prazo de impugnação desta (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 21/5/2014, rec.129/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/5/2014, proc.7270/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/6/2016, proc.9420/16).
Mais se dirá que a maior, ou menor, complexidade da causa deverá ser analisada levando em consideração, nomeadamente, os factos índice que o legislador consagrou no artº.447-A, nº.7, do C.P.Civil (cfr.actual artº.530, nº.7, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6).
Diz-nos este normativo, o actual artº.530, nº.7, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, o seguinte:
Artigo 530º.
Taxa de justiça
(…)
7. Para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as ações e os procedimentos cautelares que:
a) Contenham articulados ou alegações prolixas;
b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou
c) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.

No que se refere às questões de elevada especialização jurídica ou especificidade técnica são, grosso modo, as que envolvem intensa especificidade no âmbito da ciência jurídica e grande exigência de formação jurídica de quem tem que decidir. Já as questões jurídicas de âmbito muito diverso são as que suscitam a aplicação aos factos de normas jurídicas de institutos particularmente diferenciados (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/3/2014, proc.7373/14; Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais anotado e comentado, Almedina, 5ª. edição, 2013, pág.71 e seg.).
Já no que diz respeito à conduta processual das partes a ter, igualmente, em consideração na decisão judicial de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça nos termos do examinado artº.6, nº.7, do R.C.P., deve levar-se em conta o dever de boa-fé processual estatuído no actual artº.8, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6 (cfr.anterior artº.266-A, do C.P.Civil). Nos termos deste preceito, devem as partes actuar no processo pautando a sua conduta pelo princípio da cooperação, o qual onera igualmente o juiz, tal como de acordo com a boa-fé, tendo esta por contra-face a litigância de má-fé e a eventual condenação em multa (cfr.artº.542, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6).
Por último, recorde-se que a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, quando concedida, aproveita a todos os sujeitos processuais (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 14/5/2014, rec.456/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/4/2016, proc.9437/16).
Regressando ao caso dos autos, do exame da actividade processual desenvolvida no processo, da conduta processual das partes e da pouca complexidade das questões colocadas pelos sujeitos processuais, deve concluir-se que se justifica a aludida intervenção moderadora, assim devendo dar-se provimento ao pedido da Autoridade Tributária e Aduaneira, ao que se provirá na parte dispositiva do presente acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
X
Condena-se o recorrente em custas, mais ordenando que se proceda à estruturação da conta de custas do presente processo, tendo em conta o máximo de € 275.000,00 fixado na Tabela I, anexa ao R.C.P., e desconsiderando-se o remanescente.
X
Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 15 de Dezembro de 2016


(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)


(Bárbara Tavares Teles - 2º. Adjunto)