Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:41/11.2 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:03/02/2023
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:IVA
MÉTODOS INDIRETOS
ÓNUS DA PROVA
PRESSUPOSTOS DA TRIBUTAÇÃO
PRESUNÇÃO
EXCESSO DE QUANTIFICAÇÃO
Sumário:I-Decorre do artigo 104.º, nº2 da CRP, que deve evitar-se a existência de imposto sem rendimento efetivo, contudo a tributação pelo rendimento real constitui um princípio ou uma regra que permite, excecionalmente, desvios ou exceções.
II-Compete à AT demonstrar a verificação dos pressupostos legais que permitem a tributação por métodos indiretos e, feita essa prova, recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que houve erro ou manifesto excesso na quantificação;
III- A assunção de determinada verba enquanto custo ao invés de um proveito, carece da efetiva demonstração através do competente suporte documental, mormente, da natureza da verba e seu fluxo financeiro, logo não tendo o Impugnante demonstrado tal realidade como legalmente se encontrava adstrito, tal determina que não fez prova do erro e excesso na quantificação da matéria tributável.
IV-Não logrando o contribuinte provar a existência de tal excesso, é de manter o quantum tributável fixado pela AT, porquanto legal, ajustado e devidamente fundamentado.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I-RELATÓRIO



G. T. – A. D., Unipessoal, Lda (doravante Recorrente ou G. T.), veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação por si apresentada do indeferimento expresso da reclamação graciosa deduzida contra os atos de liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), e respetivos Juros Compensatórios (JC) dos anos de 2005 e 2006, no valor global de €52.989,98.

Nas suas alegações de recurso formula as seguintes conclusões:

“Face ao que antecede, é legítimo concluir:

a) Não se encontram reunidos os pressupostos legais para proceder à avaliação indirecta da matéria colectável de IRC e dos valores apurados de IVA, estando antes reunidas as condições para se ter procedido à avaliação directa;

b) Mesmo que ocorra a avaliação indirecta deverá, sempre que possível, observar-se as regras da avaliação directa e, no caso em apreço, não foram considerados elementos relevantes justificadamente atendíveis constantes da contabilidade da recorrente, não seguindo como estabelece a lei, as aludidas regras da avaliação directa, fazendo com que a quantificação dos valores apurados estejam muito para além dos considerados razoáveis para o tipo de actividade.

c) Com efeito, com recurso a um elemento falso foi considerada uma verba de cerca de vinte mil euros como proveito da impugnante e ora recorrente, quando tal verba foi paga à Federação Portuguesa de Ténis e foi antes um custo (desconsiderado) do exercício, o que leva a causar duplo prejuízo à recorrente:

d) Daí se estar em presença de um erro de julgamento quando se refere na sentença a quo não terem sido trazidas provas factuais, quando, na verdade, se junta à PI como DOC.6 uma declaração da Federação Portuguesa de Ténis a demonstrar claramente não ter havido patrocínios/subsídios à empresa.

e) A sentença do tribunal a quo ao olvidar aquele importante facto e pronunciando-se pela sua inexistência faz inquinar a sentença em manifesto erro de julgamento que deverá nesta sede ser reparado.

Nestes termos e nos demais de Direito requer a V. EXAS que ao presente Recurso seja concedida procedência, revogando a sentença do tribunal a quo e, em consequência, a anulação dos valores apurados em IVA por excessivos e terem no seu apuramento um manifesto erro de julgamento, para que se faça JUSTIÇA.”


***


O Digno Representante da Fazenda Pública (doravante Recorrida ou DRFP), devidamente notificado, optou por não apresentar contra-alegações.

***


O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

***

Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.

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II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida considerou provada a seguinte matéria de facto:

A) G. T. – A. D., Unipessoal, Lda (ou impugnante) foi objecto de uma acção de inspecção externa em cumprimento das OS nºs OI200801909 e OI200801909, de 16-04-2008, para efeitos de IRC e IVA, que incidiram sobre os exercícios de 2005 e 2006;

B) A impugnante foi notificada do projecto de relatório de inspecção para efeitos de exercício do direito de audição, onde refere, nomeadamente (fls 28 a 30, dos autos):

(…).

Original nos autos

(…)

(…)


C) Em 10 de Março de 2010 foi elaborado o Relatório de Inspecção Tributária, junto a fls 37 a 53, dos autos, cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, referindo, nomeadamente:

(…).Original nos autos

Original nos autos

Original nos autos

Original nos autosoriginal nos autos

D) Pelo ofício nº 020576 de 10-03-2010 a impugnante foi notificada do Relatório de Inspecção Tributária e da fixação da matéria tributável (fls 36 e ss, dos autos);

E) A impugnante apresentou pedido de revisão, nos termos de fls 162 a 172, dos autos, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais;

F) Não tendo os peritos chegado a acordo foram elaborados os laudos, mantendo-se os valores, inicialmente propostos (fls 173 a 181, dos autos);

G) Pelo ofício nº 041100, de 19-05-2010 a impugnante foi notificada da Acta e da Decisão do pedido de revisão apresentado, nos termos do artº 91º da LGT (fls 192 a 211, dos autos);

H) A Administração Tributária emitiu as seguintes liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios:


I) Em 16-09-2010 a impugnante apresentou reclamação graciosa das liquidações;

J) Por despacho de 13-12-2010 o Chefe de Divisão, por subdelegação indeferiu a reclamação graciosa, nos termos da informação e parecer juntos a fls 215 a 219, do pa apenso, que se dão por inteiramente reproduzida, para todos os efeitos legais;

K) A presente impugnação deu entrada a 06-01-2011.


***


A decisão recorrida consignou ainda enquanto factualidade não provada o seguinte:

“Com interesse para a decisão a proferir, nada mais foi provado.”


***


Em termos de motivação da matéria de facto ficou consignado que: “A decisão da matéria de facto efetuou-se com base na análise crítica dos documentos constantes dos autos, do PAT e do PRG, bem como na posição das partes, conforme discriminado em cada um dos pontos do probatório.”

***

Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:

L) Integram o anexo V do Relatório de Inspeção Tributária evidenciado na alínea C), designadamente, documentos intitulados de “quadro resumo dos montantes que constam dos 3 mapas de receitas do 1º trimestre de 2005”, e “janeiro de 2005”, cujo teor se extrata infra:

Original nos autos

(cfr. Anexo V ao RIT, a fls. 99 e 100 dos autos);

M) A 29 de abril de 2010, a Federação Portuguesa de Ténis emitiu declaração com o teor que se reproduz: “Para os devidos efeitos se declara que nos registos contabilísticos da Federação Portuguesa de Ténis não consta a concessão de qualquer verba à G. T.. Mais se declara não existir conta corrente entre as duas entidades.” (cfr. documento 6, junto a fls. 215 dos autos);


***


III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tributário de Lisboa, que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial apresentada contra o indeferimento expresso da reclamação graciosa deduzida contra os atos de liquidações adicionais de IVA, e respetivos JC, dos anos de 2005 e 2006, no valor global de €52.989,98.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito, na medida em que, ajuizou, por um lado, que se encontram reunidos os pressupostos para a determinação da matéria coletável e apuramento do IVA em falta através do recurso aos métodos indiretos, e por outro lado, entendeu que não havia sido demonstrado o erro de quantificação por parte da AT.

Vejamos, então.

De relevar, ab initio, que a Recorrente não impugna a matéria de facto, nada requerendo em termos de aditamento por complementação ou supressão ao probatório, ao abrigo do artigo 640.º do CPC, razão pela qual a matéria de facto se encontra, devidamente, estabilizada, ressalvado, naturalmente, o aditamento realizado por este Tribunal ao abrigo dos seus poderes de cognição.

No atinente ao aduzido erro de julgamento, por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito, defende, desde logo, a Recorrente que não se encontram reunidos os pressupostos legais para proceder à avaliação indireta da matéria coletável de IRC e respetivo apuramento de IVA, porquanto se encontravam reunidas as condições para o apuramento direto da mesma.

Sem embargo do exposto, advoga que não foram considerados elementos relevantes justificadamente atendíveis constantes da contabilidade da Recorrente, o que acarreta um desfasamento irrazoável dos valores apurados para o tipo de atividade.

Concretiza, para o efeito, que foi ponderada uma verba de cerca de vinte mil euros como proveito da Recorrente, quando a mesma não pode ser entendida e valorada enquanto tal, porquanto foi paga à Federação Portuguesa de Ténis, sendo antes um custo do exercício, conforme resulta da declaração junta aos autos, o que acarreta um duplo prejuízo.

O Tribunal a quo, por seu turno, entendeu que estavam legitimadas as correções realizadas em sede de IVA, porquanto a AT tinha demonstrado a existência e legalidade dos factos tributários, concretamente do recurso aos métodos indiretos, sem que a Recorrente tenha produzido prova que permita legitimar a, alegada, ilegalidade dos mesmos.

Com efeito, ajuíza que “[a] contabilidade da impugnante padece de diversas anomalias que afectam a sua credibilidade, por forma, a que tornou inviável a quantificação directa dos proveitos.”.

Mais propugnando que “[d]ecorre do RIT que a AT, na determinação da matéria tributável utilizou um critério objectivo e fundamentado”, sendo que no domínio do erro de quantificação nada provou, na medida em que apenas alega que “nenhum clube de ténis, por muito bem gerido que fosse e por muito e boa clientela que tivesse, jamais poderia apresentar rácios de rentabilidade como os que resultam do apuramento alcançado por extrapolação das verbas inscritas nos três falsos documentos”.

Sumariada a posição da Recorrente e a fundamentação que esteou a improcedência da impugnação, importa, então, aferir se a decisão recorrida incorreu no aduzido erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito.

Para o efeito, há, desde logo, que atentar no respetivo regime normativo, e aquilatar em que situações é legítimo lançar mão dos métodos indiretos de fixação da matéria tributável, e estabelecer depois a competente transposição para o caso sub judice.

Atentemos, então, no quadro normativo, tecendo os considerandos de direito que se reputam de relevo para o caso vertente.

O recurso aos métodos indiretos só deve ser utilizado quando configure a única solução para se chegar à identificação do valor da matéria tributável efetiva. Assume, portanto, a natureza subsidiária e residual (cfr. artigo 85.º, n.º 1, da LGT). Uma “ultima ratio fisci”, para que a AT possa cumprir o poder/dever que lhe está cometido de diligenciar no sentido de que todos os contribuintes paguem os impostos devidos.

“É, de facto, doutrinária e jurisprudencialmente líquido que a AT apenas estará legitimada a recorrer a presunções, na tarefa de encontrar a matéria tributável do contribuinte, -ainda que, por natureza e norma, meramente aproximativa da efectiva, quando este tenha rompido com o seu dever de colaboração para com aquela na medida em que, por um lado, a declarada, nos termos do princípio vigente neste domínio, não mereça credibilidade, por se indiciar fundadamente, que não tem aderência à realidade e, por outro, porque não haja metodologia alternativa que permita a sua fixação directa e exacta (correcções técnicas), sendo, ao caso e atento o imposto liquidado, relevante o preceituado nos art.ºs 82.º, 83.º e 84.º do CIVA e no art.º 81.º, do CIRS". (1)

Neste particular, importa, desde logo, ter presente o consignado no artigo 81.º da LGT, o qual preceitua que:

“1 - A matéria tributável é avaliada ou calculada diretamente segundo os critérios próprios de cada tributo, só podendo a administração tributária proceder a avaliação indireta nos casos e condições expressamente previstos na lei”.

Preceituando, por seu turno, o normativo 83.º da LGT, sobre os fins da avaliação direta e bem assim indireta, no sentido que:

“1 - A avaliação direta visa a determinação do valor real dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação.

2 - A avaliação indireta visa a determinação do valor dos rendimentos ou bens tributáveis a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a administração tributária disponha”.

Daí que, a determinação da avaliação direta, tenha como ponto de partida as declarações dos contribuintes e/ou os dados apurados na sua contabilidade, os quais se presumem verdadeiros.

Preceituando, neste âmbito, o artigo 75.º, nº1, da LGT, de que se presumem verdadeiras as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos da lei. O princípio da verdade declarativa coloca, assim, na esfera de atuação dos contribuintes a iniciativa no procedimento de apuramento, fixação e pagamento dos impostos, logo a AT está vinculada a liquidar os tributos com base na declaração do contribuinte, sem prejuízo do direito que lhe é concedido de proceder, a posteriori, ao controlo dos factos declarados.

Com efeito, só passa a competir ao contribuinte a prova de que declarou todos as situações a que estava legalmente vinculado quando, efetivamente, a AT tenha carreado elementos de facto que sejam suscetíveis de abalar a dita presunção da escrita. Nessa medida, se por qualquer das razões previstas na lei, a presunção consagrada no citado normativo 75.º, n.º 1 da LGT deixar de funcionar, a AT fica legitimada a efetuar a determinação da matéria tributável, preferencialmente com recurso aos métodos diretos ou, quando tal não seja, de todo, possível, a métodos indiretos.

Note-se que, como decorre do citado normativo, concretamente, do seu nº2, a presunção de veracidade da contabilidade cessa quando revelar “[o]missões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo”.

Daí que, tenha existido a preocupação legal de se objetivarem as situações em que a matéria coletável pode ser fixada através de métodos indiretos, consagração legislativa taxativa, na medida em que não é qualquer omissão, erro ou inexatidão das declarações ou da contabilidade do sujeito passivo que permite o recurso a métodos indiretos de avaliação da matéria coletável, sendo exigido que tais irregularidades sejam de tal forma relevantes que tornem inviável a quantificação direta.

O mesmo é dizer que, se não obstante a existência de irregularidades contabilísticas, for, ainda assim, possível quantificar diretamente a matéria coletável, deve-se lançar mão dos métodos diretos, desde que os mesmos permitam, com segurança, concluir no sentido da ocorrência do facto tributário e da sua quantificação concreta.

No tocante à concreta enumeração, como visto, taxativa, há que chamar à colação o plasmado nos normativos 87.º e 88.º da LGT.

Preceituando, para o efeito, o citado artigo 87.º, n.º 1, da LGT:

“1 - A avaliação indireta só pode efetuar-se em caso de:

a) Regime simplificado de tributação, nos casos e condições previstos na lei;

b) Impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável de qualquer imposto;

c) A matéria tributável do sujeito passivo se afastar, sem razão justificada, mais de 30% para menos ou, durante três anos seguidos, mais de 15% para menos, da que resultaria da aplicação dos indicadores objetivos da atividade de base técnico-científica referidos na presente lei.

d) Os rendimentos declarados em sede de IRS se afastarem significativamente para menos, sem razão justificada, dos padrões de rendimento que razoavelmente possam permitir as manifestações de fortuna evidenciadas pelo sujeito passivo nos termos do artigo 89.º-A;

e) Os sujeitos passivos apresentarem, sem razão justificada, resultados tributáveis nulos ou prejuízos fiscais durante três anos consecutivos, salvo nos casos de início de actividade, em que a contagem deste prazo se faz do termo do terceiro ano, ou em três anos durante um período de cinco.

f) Existência de uma divergência não justificada de, pelo menos, um terço entre os rendimentos declarados e o acréscimo de património ou o consumo evidenciados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação.”

Esclarecendo, por seu turno, o artigo 88.º da LGT, no atinente à impossibilidade de determinação direta e exata da matéria tributável que:

“A impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável para efeitos de aplicação de métodos indiretos, referida na alínea b) do artigo anterior, pode resultar das seguintes anomalias e incorreções quando inviabilizem o apuramento da matéria tributável:

a) Inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, mesmo quando a ausência desses elementos se deva a razões acidentais;

b) Recusa de exibição da contabilidade e demais documentos legalmente exigidos, bem como a sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação;

c) Existência de diversas contabilidades ou grupos de livros com o propósito de simulação da realidade perante a administração tributária e erros e inexatidões na contabilidade das operações não supridos no prazo legal.

d) Existência de manifesta discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado de bens ou serviços, bem como de factos concretamente identificados através dos quais seja patenteada uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada”.

Importando, ainda, ter presente que no domínio da errónea quantificação compete ao sujeito passivo provar -após demonstração por parte da AT que se mostram adequadamente fundamentados os pressupostos e critérios adotados para o recurso à avaliação indireta- que a utilização de tais critérios conduziu, sem margem para dúvidas, a um resultado final sem qualquer aderência à realidade.

Sendo certo que, não se pode perder de vista que a avaliação indireta representa, em bom rigor, uma aproximação da realidade tributária, donde a provável falibilidade, e inverosimilhança da quantificação é resultado da inevitabilidade em acionar o método indireto ou presuntivo, derradeira possibilidade de repor a legalidade e apurar uma determinante e insubstituível matéria tributável que, apenas por motivos, deficiências, imputáveis ao sujeito passivo, não pode estabelecer-se com recurso à via direta e normal, ou seja, mediante os seus elementos de contabilidade.(2)



Como doutrinado, no Acórdão do STA, proferido no processo nº 0537/11, datado de 21 de setembro de 2011:

“I - Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à AF o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação (artigo 74.°, n.° 3 da LGT).

II - Não logrando o contribuinte provar a existência de tal excesso, nem se afigurando evidente para o Tribunal que o alegado excesso na quantificação resulte das regras da experiência comum ou que seja manifesto, notório ou ostensivo, é de manter o “quantum” tributável fixado pela AF, desde que devidamente fundamentado.”

Aqui chegados, e uma vez que, como já densificado anteriormente, compete à AT demonstrar a verificação dos pressupostos legais que permitem a tributação por métodos indiretos e, feita essa prova, recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que houve erro ou manifesto excesso na quantificação, importa, então, atentar no preenchimento do respetivo ónus probatório, aquilatando, para o efeito, se bem decidiu a sentença quando julgou que a AT estava legitimada a proceder à determinação da matéria coletável por via presuntiva.

Vejamos, então.

No caso vertente, conforme resulta expressamente do Relatório de Inspeção Tributária, a fundamentação legal para o recurso à avaliação indireta assenta no disposto nos artigos 84.º do CIVA, 87.º, nº1, alínea b), e 88º, alínea a) da LGT.

Entendeu, pois, a AT que estava perante a impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável do imposto, resultante da “Inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, mesmo quando a ausência desses elementos se deva a razões acidentais”.

Evidenciou, para o efeito, no aludido Relatório Inspetivo, como circunstâncias fáticas impeditivas de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis ao correto apuramento e quantum direto e exato, as que infra se descrevem:

- Existência comprovada de montantes recebidos e não contabilizados;

- Detetados três documentos com a forma de tabelas de registo da entrada diária de valores, referentes aos meses de janeiro a março de 2005, cujos documentos não estavam discriminados ao nível dos balancetes analíticos;

- Inexistência de informação sobre os preços praticados nas várias atividades do clube;

- Recibos emitidos em nome de pessoa que efetua o pagamento não fazendo menção à identificação do atleta;

- Desconformidades entre os fluxos financeiros e os registos contabilísticos, constatada mediante análise efetuada aos extratos bancários. Segundo explicação do TOC essas desconformidades tinham o intuito de resolver o problema dos saldos credores da conta “Caixa”, e no ano de 2005, o acerto efetuado correspondeu a 79% do total dos proveitos;

- No final de cada exercício, existem lançamentos sem apoio documental de montantes avultados;

- A generalidade dos talões é emitida sem identificação do cliente ou número de membro;

- Inexistência de suporte documental (recibos e talões) para a totalidade dos proveitos contabilizados;

- Não foram contabilizadas receitas provenientes de prestação de serviços relacionados com o futebol em 2006, sendo que inexiste informação de que a atividade da escola de futebol tenha sido suspensa nesse ano;

- Falta de contabilização de totalidade dos montantes referentes a patrocínios recebidos em 2006.

Concluindo, assim, que a contabilidade da Recorrente padece de diversas anomalias que afetam a sua credibilidade, inviabilizando, assim, a quantificação direta dos proveitos.

Ora, tendo presente as asserções fáticas que determinaram o recurso à avaliação indireta, supra expendidas, entende-se que nenhuma censura pode ser apontada à decisão recorrida quando ajuizou que estavam reunidos os pressupostos para a tributação presuntiva, na medida em que as mesmas são, efetivamente, impeditivas de comprovar e quantificar, de forma direta e exata, a matéria tributável do imposto.

Com efeito, os aludidos indícios fundados de que a contabilidade não reflete a real matéria tributável, fazem cessar a presunção da sua veracidade, inviabilizando, assim, o seu apuramento pela via direta.

De relevar, neste âmbito, que a Recorrente se limita, de forma absolutamente conclusiva e sem substanciar qualquer factualidade atinente ao efeito, a alegar que “não se encontram reunidos os pressupostos legais para proceder à avaliação indirecta da matéria colectável de IRC e dos valores apurados de IVA, estando antes reunidas as condições para se ter procedido à avaliação directa”.

E por assim ser, face aos pressupostos evidenciados supra que legitimam, per se, o recurso à avaliação indireta e não tendo a Recorrente procedido à concreta sindicância atinente ao efeito, nenhuma censura pode ser aduzida, neste concreto particular, à decisão recorrida.

Atentemos, ora, no erro de quantum.

Neste âmbito, advoga a Recorrente que a quantificação dos valores apurados se encontra muito além dos considerados razoáveis para o tipo de atividade, na medida em que a AT recorreu a um elemento que reputa de falso na qual foi atendida a uma verba de cerca de 20.000,00€ como proveito oriundo da Federação Portuguesa de Ténis, quando em rigor, tal corporizou um custo do exercício, acarretando, assim, um duplo prejuízo.

Convoca, como prova inequívoca de tal errónea interpretação do pressuposto de facto, a declaração emitida pela própria Federação Portuguesa de Ténis.

Vejamos, então.

Neste concreto particular, comecemos por atentar como foi determinada a quantificação e a concreta metodologia adotada.

Relativamente ao ano de 2005, tendo os Serviços da AT tido acesso às receitas do primeiro trimestre, para efeitos de apuramento dos valores anuais, procederam à multiplicação das receitas do primeiro trimestre por quatro, ressalvadas as receitas do bar, tendo, outrossim, sido valorada uma variação sazonal das receitas.

No atinente ao apuramento dos proveitos resultantes das anuidades e uma vez que as mesmas são, normalmente, pagas no início de cada ano, foi feita a diferença do montante com o recibo encontrado no 1º trimestre para o contabilizado anualmente, aplicando, por conseguinte, a mesma proporção para os sem recibo, relativamente aos três trimestres. Relativamente, às receitas provenientes dos torneios ACE-Team, foram apurados os valores com base nos elementos fornecidos pela Federação Portuguesa de Ténis.

No concernente ao ano de 2006, para apuramento dos proveitos não contabilizados, foram ponderados os dados fornecidos pela Federação Portuguesa de Ténis, relativamente aos atletas federados, sendo que no atinente às receitas da escola e aluguer do campo de futebol sem recibo, foi presumido valor igual ao de 2005. Tendo, in fine, sido materializada a correção do valor dos patrocínios recebidos, face ao cruzamento de informação com as entidades patrocinadoras.

Nessa conformidade, resultou a realização das correções aos proveitos, concretamente, €127.280,74 e €95.872,72, para os exercícios de 2005 e 2006, e o consequente apuramento de IVA em falta de €25.603,69 e de €20.133,28, para os anos de 2005 e 2006, respetivamente.

Ora, face ao supra expendido, e tendo presente as alegações da Recorrente, como visto, única e exclusivamente concatenadas com a verba no valor de €20.230,00, ter-se-á de concluir que não resultou demonstrado o aludido erro de quantificação.

De relevar, desde já, que não se aquilata e vislumbra o alcance da alegação atinente a uma “falsidade”, não só porque a Recorrente nada substancia, nesse e para esse efeito, mas também porque os mesmos respeitam a registos contabilísticos da própria referentes ao primeiro trimestre de 2005.

Com efeito, e conforme resulta do Relatório Inspetivo, no item respeitante ao Direito de Audição, é expressamente evidenciado, nesse concreto particular, que “[t]odos os documentos fotocopiados e que fazem parte dos vários anexos deste relatório, foram recolhidos nas pastas com a documentação da G. T., no local que a empresa designou para a consulta e verificação desses mesmos documentos, e que tal como muitos outros documentos (recibos emitidos, lançamentos contabilísticos, etc.), não se encontram assinados por qualquer responsável da empresa, não suscitando o restante da documentação dúvidas em como se tratam de documentos de suporte da empresa”.

Ressalvando-se, adicionalmente, “em reforço desta ideia, as receitas do bar (o único montante que é possível isolar visto que a liquidação de IVA é feita à taxa intermédia de 12% e não há referência a importâncias recebidas sem recibo) que constam dos 3 documentos de Janeiro, Fevereiro e Março de 2005 são exactamente iguais à base tributável e ao IVA liquidado a 12% que constam da Declaração Periódica do 1º trimestre de 2005. Com este dado, parece evidente que os documentos em questão pertencem de facto à empresa”.

Acresce, outrossim, que atentando nos cálculos e concretas ponderações dessa verba, verifica-se que a mesma se coaduna com um patrocínio não considerado, inexistindo, desde logo, a alvitrada conexão à Federação Portuguesa de Ténis que é aduzida pela Recorrente.

Aliás, de uma leitura do Relatório Inspetivo, com os inerentes anexos, mormente, o Anexo V, melhor identificado em L) supra, retira-se que o montante de €20.230,00, reporta-se a publicidade, circunscrita temporalmente ao período de janeiro de 2005. É certo que, no quadro reportado a janeiro é feita alusão à FPT, no entanto, nesse mesmo quadro e quanto a essa visada verba, existe uma, expressa, referência -numa linha avulsa e adicional no canto inferior direito- com uma legenda complementar e com a menção “este valor corresponde a publicidade”. Logo, a premissa aduzida pela Recorrente não encontra respaldo na realidade material dos autos.

Ademais, a Recorrente nada demonstra, nesse e para esse efeito, seja atestando, de forma expressa, a proveniência desse montante como custo e não como proveito, como propugna, seja mediante alocação do mesmo à visada entidade.

De relevar, in fine, que a declaração emitida pela Federação Portuguesa de Ténis, e, ora, refletida no probatório em nada permite granjear o efeito útil pretendido pela Recorrente, na medida em que a mesma é absolutamente genérica e não se encontra substanciada temporalmente.

Com efeito, a declaração sub judice encontra-se datada de abril de 2010, e limita-se a declarar que “nos registos contabilísticos da Federação Portuguesa de Ténis não consta a concessão de qualquer verba à G. T. Mais se declara não existir conta corrente entre as duas entidades.”

Note-se que, a assunção de tal verba enquanto custo como reclama a Recorrente carecia do devido suporte documental, mormente, da natureza da verba e seu fluxo financeiro, o que, como visto, não resulta, de todo, patenteado nos autos e como legalmente se encontrava adstrita.

E por assim ser, não logrou a Recorrente demonstrar, como era seu ónus, que a aludida quantia se reportava a um custo ao invés de um proveito, e nessa medida, que a quantificação padeça de erro e que se encontre, por esse facto, totalmente desfasada da realidade.

Destarte, circunscrevendo-se o advogado erro de quantum a essa premissa, nada mais sendo aduzido, rebatido ou convocado em sede de erro de julgamento da decisão recorrida, ter-se-á de concluir que a AT logrou demonstrar os pressupostos a que se encontrava vinculada, não tendo, por seu turno, a Recorrente colocado em causa a quantificação da matéria tributável por via do recurso a métodos indiretos.

Ademais, importa relevar, in fine, que não basta ao sujeito passivo suscitar dúvidas quanto ao resultado obtido, antes se lhe impondo que demonstre a errada aplicação dos critérios de quantificação utilizados, e que os mesmos se afastam significativamente dessa realidade, conduzindo a resultados injustos, em conformidade com o plasmado no artigo 74.º, n.º 3, da LGT, o que, face a todo o expendido anteriormente, não sucedeu no caso vertente.

Daí que, tendo a sentença recorrida decidido nesse sentido, julgou com acerto e de acordo com a lei aplicável, devendo, por isso, manter-se na ordem jurídica.


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IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO e confirmar a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente.

Registe. Notifique.



Lisboa, 02 de março de 2023

(Patrícia Manuel Pires)

(Jorge Cortês)

(Luísa Soares)










1) Vide Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no recurso nº 2016/07, de 14 de novembro de 2007, disponível para consulta em www.dgsi.pt
2)Vide, designadamente, Acórdão do TCAN, proferido no processo n.º 00235/04.7BEPNF de 25.01.2007