Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:417/08.2BEBJA
Secção:CT
Data do Acordão:01/28/2021
Relator:MARIA CARDOSO
Descritores:IRC RETGS
CESSAÇÃO
CUSTOS
Sumário:I. O Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedade (RETGS), regulado nos artigos 63.º a 65.º do CIRC (à data dos factos) é aplicável por opção e constitui um regime de tributação que propicia vantagens fiscais, na medida em que permite a comunicabilidade dos prejuízos entre as sociedades do grupo.
II. É pressuposto para que se possa formular a opção pela aplicação do RETGS a existência de um grupo de sociedades e que esse regime seja escolhido pela sociedade dominante (artigo 63.º, actual 69.º).
III. Com a cessação do RETGS deixa de haver opção pela continuação do regime, o qual apenas pode ser aplicado se e quando for solicitada nova aplicação do regime.
IV. Consideram-se custos os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos, devendo estes encargos estar contabilizados e documentados, presumindo-se a veracidade da contabilidade devidamente organizada (artigos 23.º do CIRC e 75.º da LGT).
V. Reconhecendo-se que o acto tributário impugnado está inquinado de ilegalidade que só em parte os invalida, deve anular-se só nessa parte, deixando-os subsistentes nos segmentos em que nenhuma ilegalidade os fira.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

1. A FAZENDA PÚBLICA veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por S..., SA contra a liquidação adicional de IRC do exercício de 2003, no montante global de € 121 613,60, por a Administração Tributária não fundar a decisão de não dedução dos prejuízos fiscais, dos exercícios de 1999 a 2001 e na desconsideração de custos do ano de 2003, relativos à actividade de turismo de habitação

2. A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«I - Considerou a Douta Sentença que a Administração Fiscal não funda a decisão de não dedução dos prejuízos fiscais, pela Impugnante, dos exercícios de 1999 a 2001, na não verificação dos requisitos cumulativos do artigo 63/3 do CIRC, ou em a sociedade não poder fazer parte do grupo por se encontrar numa das situações previstas no artigo 63/4 CIRC, pelo que não se verificaram os motivos de exclusão daquele regime;

II - Com efeito, fundou a Autoridade Tributária a sua decisão no facto de, no exercício de 2002, a sociedade dominante, Q... SGPS, Ld.ª ter apresentado declaração de rendimentos do IRC mod. 22 indicando tributação pelo regime geral e, por esse facto, ter cessado a aplicação do RETGS;

III - Conforme estipulado no art.º 65.º do CIRC, terminada a aplicação do regime relativamente a uma sociedade do grupo, não são dedutíveis aos respetivos lucros tributáveis os prejuízos fiscais verificados durante os exercícios em que o regime se aplicou

IV - Por esta razão, não podia a Impugnante proceder à entrega da Declaração Mod. 22 de IRC, para o exercício de 2003, declarando estar enquadrada naquele regime, quando a empresa dominante dele tinha declarado sair no ano anterior; V - Considerou ainda, a Douta Sentença recorrida, que a Autoridade Tributária – ao desconsiderar custos declarados pela sociedade Impugnante, no ano de 2003, por considerar que a mesma não apresentou proveitos relacionados com a atividade de turismo de habitação, pelo facto de não a exercer - recorreu ao critério mais limitativo de custo, o da necessidade, que tende a só considerar dedutíveis os gastos sem os quais os proveitos não poderiam ser obtidos;

VI - Não afasta, a jurisprudência dos Tribunais superiores, a desconsideração de custos quando os mesmos não estão diretamente relacionados com a atividade desenvolvida pela empresa ou que não se relacionem diretamente com o processo produtivo (cfr. Acórdão STA de 30.11.2011, processo n.º 0107/11), ou que não tenham relação causal e justificada com a atividade produtiva da empresa (Acórdão TCA Sul, de 27.03.2012, processo n.º 05312/12), ou ainda considerando que o critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador para impedir a consideração fiscal de gastos que, ainda que contabilizados como custos, não se inscrevem no âmbito da actividade da empresa, pelo que a Administração pode excluir gastos incorridos para além do objeto social ou, ao menos, com nítido excesso, desviante face às necessidades e capacidades objectivas da empresa (Acórdão STA de 21.04.2010, processo n.º 0774/09);

VII - Considerar que a indispensabilidade deve ser aferida a partir de um juízo positivo da subsunção na actividade societária, o qual, por natureza, não deve ser sindicado pelo Direito Fiscal, subjuga este Direito aos enquadramentos realizados pela atividade societária, entendimento sem qualquer respaldo na lei e, muito menos, no art.º 23.º do CIRC;

VIII - Ao decidir, como decidiu, violou a Douta Sentença recorrida, o disposto no art.º 63.º, 64.º e 23.º do CIRC.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.ªs Ex.ªs se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta Sentença ora recorrida, revogada e substituída por douto Acórdão que julgue a Impugnação improcedente.»

3. A recorrida não apresentou contra-alegações.

4. O presente recurso foi interposto para o Supremo Tribunal Administrativo que, por decisão sumária de 30/10/2013, decidiu declarar o STA incompetente em razão da hierarquia, para conhecer do presente recurso (fls. 436 a 439 da numeração dos autos de suporte físico).

5. Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Sul, e dada vista ao Exmo. Procurador-Geral Adjunto, emitiu parecer, nos termos constantes de fls. 449 a 450 (da numeração dos autos de suporte físico), no sentido da procedência do recurso.

6. Colhidos os vistos legais, vem o processo à Conferência para julgamento.

II – QUESTÕES A DECIDIR:

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao concluir (i) que não se verificarem os requisitos de exclusão do RETGS (ii) e pela indispensabilidade dos custos relativos à actividade de turismo de habitação.


*

III - FUNDAMENTAÇÃO

1. DE FACTO

A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«A) A Impugnante dedica-se à exploração agrícola, florestal e pecuária, em terras próprias ou arrendadas para esse fim, e ao exercício da indústria de turismo, rural ou cinegético

B) A escrita da Impugnante do exercício de 2003, foi inspeccionada;

C) Do relatório elaborado em 2008.04.14 (cf. fls. 133 a 157 dos autos), que aqui se dá por reproduzido, extracta-se:

a. I – Descrição Sucinta das Conclusões da Acção de Inspecção:

i. Conforme descrito [infra] no ponto III.6. do presente relatório, concluiu-se que o sujeito passivo não exerce a actividade de turismo rural, pelo que, não são aceites, para efeitos fiscais, os custos contabilizados relacionados com essa actividade, nos termos do n.º 1 do art. 23º do CIRC, e retira-se o direito à dedução nos termos do art. 20º do CIVA, tendo, por esse facto, dado origem às seguintes correcções:

1. A – Imposto sobre o rendimento de pessoas colectivas

a. O sujeito passivo tinha deduzido ao lucro tributável prejuízos fiscais apurados no regime de tributação pelo lucro consolidado (RTLC) /regime especial de tributação de grupo de sociedades (RETGS), mas de acordo com o artigo. 65º do CIRC e pelo descrito no ponto III.3. deste relatório, terminada a aplicação do regime relativamente a uma sociedade do grupo, não são dedutíveis aos respectivos lucros tributáveis os prejuízos fiscais verificados durante os exercícios em que o regime se aplicou;

b. Assim, não foram aceites prejuízos fiscais no montante de € 246.803,38 e €33.451,28, em 2003 e 2006, respectivamente;

2. B – Imposto sobre o valor acrescentado

a. (...);

ii. II – Objectivos, Âmbito e Extensão da Acção de Inspecção

1. II. 1. (...);

2. II. 2. Motivo, Âmbito e Incidência Temporal

a. A presente acção inspectiva, com o PNAIT 221.34, tem âmbito parcial em IRC para o ano de 2003 e 2006.

b. A presente acção inspectiva foi desencadeada pelo facto do sujeito passivo estar enquadrado no regime geral de tributação de IRC e ter reportado prejuízos gerados no âmbito da tributação pelo regime consolidado e pelo RETGS.

3. II. 3. Outras Situações

a. (...);

b. II.3.1. Caracterização da Empresa i. (...);

c. II.3.1.1. Enquadramento Fiscal

i. A actividade da empresa enquadra-se, em sede de IRC, no regime geral, tendo sido tributada pelo RTLC/RETGS de 1999 a 2001, pela actividade de “Outras Culturas Temporárias, N.E.” a que corresponde o CAE 001192.

ii. (...);

iii. III – Descrição dos Factos e Fundamentos das Correcções Meramente Aritméticas à Matéria Tributável

1. III.1. Introdução

2. Conforme já foi referido a presente acção inspectiva foi despoletada pelo facto do sujeito passivo ter deduzido, aos respectivos lucros tributáveis, prejuízos fiscais verificados durante os exercícios em que se aplicou o Regime Especial de Tributação do Grupo de Sociedades.

3. Da análise à contabilidade da sociedade e demais documentos que dela fazem parte, verificamos existirem outras situações que precisavam de ser esclarecidas pelo sujeito passivo, nomeadamente, no que se refere ao projecto de investimento de Turismo Habitação, dos subsídios atribuídos pelo então INGA e IFADAP e da exploração cinegética, entre outros.

4. (...);

iv. (...);

v. III.3. Análise aos prejuízos fiscais

1. 1 - Exercício de 2003

a. Da análise à declaração de rendimentos mod. 22 do IRC do exercício de 2003, constatou-se que o sujeito passivo declarou prejuízos fiscais nos seguintes montantes:


(1)

b. A sociedade deduziu os prejuízos fiscais de 1999 e parte de 2000, no montante total de € 246.803,38, correspondente ao lucro tributável declarado em 2003.

c. A sociedade, de 1999 a 2003 (inclusive), foi tributada pelo lucro consolidado. No entanto, a partir do exercício de 2001, este regime foi alterado pela Lei n.º 30- G/2000, de 29/12, que prevê um regime transitório, em que os grupos cuja autorização ainda estivesse em curso à data de 31.12.2000 tinham de optar por uma das seguintes alternativas:

i. Renunciar ao regime de tributação pelo lucro consolidado com efeitos a partir do período de tributação que se inicie no ano de 2001;

ii. Optar pelo regime especial de tributação dos grupos de sociedades a partir do período de tributação que se inicie no ano de 2001;

d. A renúncia considera-se verificada quando não tenha sido exercida a opção pelo novo regime;

e. A sociedade apresentou a declaração a optar pelo regime especial de tributação dos grupos de sociedades, com efeitos a partir de 01-01-2001;

f. No entanto, a partir de 2002, a sociedade dominante, Q..., SGPS, Lda., NIPC 5..., passou a apresentar as declarações de rendimentos do IRC mod. 22 pelo regime geral, tendo o sujeito passivo, por esse facto, cessado a aplicação do RETGS;

g. Assim, conforme estipula o art. 65º do CIRC, terminada a aplicação do regime relativamente a uma sociedade do grupo, não são dedutíveis aos respectivos lucros tributáveis os prejuízos fiscais verificados durante os exercícios em que o regime se aplicou. Logo, a sociedade não pode deduzir no exercício de 2003 os prejuízos fiscais de 1999 a 2001, pelo que os mesmos serão corrigidos no ponto III.6. deste relatório.

2. Exercício de 2006

a. (...);

vi. III.4. Análise ao Projecto de Turismo Habitação Rural

1. Da análise efectuada à contabilidade da sociedade, bem como dos documentos que serviram de base à elaboração da mesma, constatou-se que foram efectuados investimentos relacionados com reparações no S..., que de acordo com a descrição efectuada no mapa do imobilizado, e nas declarações do sujeito passivo, referem-se ao projecto de Turismo de Habitação Rural;

2. No mapa de amortizações, encontram-se listados diversos elementos do activo imobilizado relacionados com o projecto de Turismo Habitação Rural (...), cujos valores ascendem aos seguintes montantes:

3. Tendo em conta o investimento efectuado pela sociedade e a especificidade desta actividade, notificou-se o sujeito passivo, no dia 2008.02.11, (...) para explicar qual o plano de investimento da sociedade, para o projecto de turismo de habitação, ano de conclusão do projecto, início de funcionamento e respectiva licença para o exercício desta actividade, bem como, referência aos exercícios em que foram obtidos proveitos provenientes desta actividade e respectivos documentos comprovativos.

4. Na resposta à nossa notificação (...), o sujeito passivo referiu o seguinte: “Turismo de habitação é essencialmente turismo integrado numa certa família/casa familiar e, como tal, o dito projecto consistiu em reconstruir a casa onde viviam os antepassados do Administrador da sociedade e onde habita actualmente com a família. A casa pertencia à S. Agrícola H..., S.A constituída apenas por seus familiares e que, por partilha, passou a pertencer à S. Agrícola E..., S.A, cujas acções são integralmente detidas pela Q..., SGPS., Lda., sendo esta detida apenas por si e pela sua esposa. Tentou igualmente proporcionar programas campestres do tipo turismo – ecológico, a partir de 2 casas de madeira que, no ano de 1999 foram incendiadas com gasolina. O turismo de habitação na casa familiar também se viu bastante reduzido e acabou por parar, pelo facto de que as obras infra-estruturais na aldeia de Palma, cortaram o condigno acesso à casa durante anos e continuam a fazê-lo, por pura e simplesmente terem ignorado a necessidade de ligação da estrada de acesso interior à estrada nacional.

5. Este facto tem vindo, infrutiferamente, a ser apontado por escrito e verbalmente à Câmara de Alcácer do Sal. Tudo isto não impede que, estando sanado o problema de acesso, não venhamos a estabelecer os contactos necessários no sentido de retomar a prática do turismo de habitação e do turismo ecológico. O investimento a estas mesmas actividades, não beneficiou de qualquer tipo de subvenção e está inscrito na contabilidade, assim como estão os respectivos proveitos;

6. [Em 1999.09.16] foi apresentado um pedido de inscrição em turismo de habitação na DGT;

7. [Em 1999.12.20], uma vez que a DGT não vistoriava a unidade, escrevemos a dizer que (conforme os próprios serviços da DGT nos indicaram fazer) iniciávamos a actividade após registo nas Finanças;

8. Recebemos carta datada de 2000.05.25 da DGT, confundindo o pedido de inscrição/vistoria com um pedido de aprovação de projecto;

9. A 2000.05.31, após falarmos com quem nos escrevera e por sugestão deste, de novo solicitámos vistoria à nossa unidade de turismo de habitação;

10. Na altura alertaram-nos para o facto de que as vistorias/licenciamentos estavam a ocorrer com anos de atraso mas que, por o incumprimento temporal ser dos serviços da DGT, era pratica comum as unidades (já que casas de famílias) funcionarem enquanto que aguardavam ser vistoriadas... desde que devidamente inscritas nas Finanças;

11. A 2001.05.31 insistimos de novo, pela última vez, e começamos a reduzir o número de hóspedes”.

12. O sujeito passivo apresentou cópia do pedido de inscrição de 1999.09.16 e cópias das cartas enviadas à Direcção Geral de Turismo.

13. Para que qualquer entidade possa exercer a actividade de Turismo no Espaço Rural, esta tem que proceder ao pedido de autorização para o exercício dessa actividade.

14. No ano de 1999, este pedido de autorização deveria ser dirigido à Direcção Geral do Turismo, conforme estipula o art. 11º do Decreto-lei n.º 169/97 de 04-07-1997. O Decreto Regulamentar n.º 37/97 de 25 de Setembro, veio estabelecer os procedimentos relativos ao pedido de autorização para as casas particulares serem utilizadas nas diferentes modalidades de turismo no espaço rural, com vista à obtenção da licença de utilização para turismo no espaço rural, bem como os requisitos mínimos das instalações e do funcionamento a que estas têm de obedecer.

15. Diz no seu art. 1º do Decreto Regulamentar n.º 37/97 que o requerimento para as casas particulares serem utilizadas para turismo no espaço rural deve ser apresentado na Direcção- Geral do Turismo ou nos órgãos regionais ou locais de turismo;

16. A licença de utilização para turismo no espaço rural é emitida pelo Director Geral do Turismo, após verificada a conformidade da obra com o projecto aprovado e o cumprimento das normas previstas no presente diploma e no Decreto-Lei n.º 169/97, de 4 de Julho.

17. Ambos os diplomas anteriormente referidos (Decreto-lei n.º 169/97 de 04-07-1997 e Decreto Regulamentar n.º 37/97 de 25 de Setembro) foram revogados com a publicação do Decreto-lei n.º 54/2002 de 11 de Março. No entanto, de acordo com o n.º 1 do art. 73º deste diploma, os processos pendentes na Direcção-Geral do Turismo à data da entrada em vigor do presente diploma respeitantes à autorização de abertura a que se refere o artigo 8.º do Decreto Regulamentar n.º 37/97, de 25 de Setembro, continuam a regular-se pelo disposto naquele diploma e no Decreto-Lei n.º 169/97, de 4 de Julho, sendo a respectiva classificação regulada nos termos dos referidos diplomas. O n.º 2 do art. 73º vem ressalvar que na situação prevista no n.º 1, o requerente e a Direcção-Geral do Turismo podem, de comum acordo, optar pela aplicação do regime previsto no presente diploma para a emissão do alvará de licença ou de autorização de utilização para turismo no espaço rural e para a classificação do empreendimento, devendo, nesse caso, aquela Direcção-Geral comunicar o acordo à Câmara Municipal respectiva e à Direcção Regional do Ministério da Economia territorialmente competente.

18. O sujeito passivo não apresentou a licença de utilização, de acordo com a legislação vigente à data do pedido, ou o alvará de licença ou de autorização de utilização para turismo no espaço rural, conforme refere a legislação actual, nem seria possível, uma vez que a Câmara Municipal de Alcácer do Sal informou que não foi concedido à S..., SA qualquer licenciamento destinado ao turismo em espaço rural (...);

19. O sujeito passivo apresentou cópia do pedido de inscrição em Turismo de Habitação do P..., efectuado em 1999, no entanto, passados mais de 8 anos, não possui licença de utilização para turismo no espaço rural;

20. O sujeito passivo não apresentou qualquer documento comprovativo de que tenha exercido esta actividade, embora tenha sido notificado para o efeito, conforme ponto 3 do anexo 1, declarando apenas que a partir de 2001 começou a reduzir o número de hóspedes.

21. Nos anos em análise, 2003 e 2006, constatou- se que o sujeito passivo não exerceu a actividade relacionada com o turismo rural, uma vez que não registou quaisquer proveitos com essa actividade.

22. Desde 1997 que o sujeito passivo tem efectuado investimentos no S..., repercutindo-os no imobilizado da sociedade e, consequentemente, nos custos da sociedade por via das amortizações efectuadas.

23. De acordo com o art. 23º do CIRC consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

24. Nos termos dos art. 20º do CIVA, o sujeito passivo só poderia deduzir o IVA que incidiu sobre estas aquisições, se a finalidade for a de realizar operações de transmissão de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas.

25. Pelo anteriormente exposto, constatamos que o sujeito passivo não exerce nem pode exercer a actividade de turismo rural dado que não possui a licença exigível nos termos da lei, e esses custos não são indispensáveis para a realização dos proveitos, não sendo também de aceitar a dedução do IVA, nos termos do art. 20º do CIVA, pelo que serão corrigidos no ponto III.6. deste relatório.

vii. III.5. Conclusão

1. Do anteriormente referido podemos concluir o seguinte:

a. 1º - Os prejuízos fiscais declarados pela sociedade no exercício de 2003 e 2006, referem-se a prejuízos fiscais, apurados nos exercícios em que era tributada pelo regime de grupo de sociedades, não sendo, após abandonar esse regime, dedutíveis ao lucro tributável da sociedade.

b. 2º - O sujeito passivo contabilizou anualmente os custos relacionados com a actividade de turismo rural, apesar de não ter licença de utilização para turismo no espaço rural e de não exercer a actividade de turismo rural. De acordo com o artigo 23º do CIRC estes custos não são aceites, para efeitos fiscais, dado que não são indispensáveis para a obtenção dos proveitos;

c. 3º - Não será também aceite a dedução do IVA referente às aquisições de bens e de serviços relacionados com a actividade de turismo rural, nos termos dos art. 20º do CIVA.

viii. III.6. Correcções à matéria tributável

1. Assim, e tendo em conta o anteriormente descrito, vão efectuar-se correcções aos valores declarados pela sociedade em sede de IRC e IVA.

2. III.6.1. Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas (IRC)

3. Estes valores foram alterados no âmbito dos elementos apresentados pelo sujeito passivo no direito de audição conforme descrito no ponto IX do relatório;

4. Pelo anteriormente exposto, e conforme o parágrafo 1º e 3º do ponto IX deste relatório, não se aceitam a dedução dos prejuízos fiscais nos montantes de € 246.803,38 e de € 33.451,28, em 2003 e 2006, respectivamente.

ix. III.6.2. Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA)

1. (...);

b. IX. DIREITO DE AUDIÇÃO – Fundamentação

i. No que concerne aos prejuízos fiscais deduzidos no exercício de 2003, o sujeito passivo apresentou os seguintes fundamentos, para que seja aceite a dedução desses prejuízos:

1. Em 1999, a sociedade Q..., SGPS, Lda., contribuinte n.º 5…, que em relação à S..., SA se encontra em relação de domínio, requereu que fossem tributadas pelo regime de tributação pelo lucro consolidado;

2. Por Despacho do Senhor Director de Serviços de IRC, de 2000.06.21, foi deferido o pedido, podendo consolidar as contas e ser tributado nesse regime de 1999 a 2003;

3. Com a entrada em vigor da Lei 30-G/2000, que revogou o regime de tributação pelo lucro consolidado e instituiu o Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), e de acordo com o regime transitório, nomeadamente o artigo 7º, n.º 2, o grupo optou pela aplicação do RETGS até ao fim da vigência do regime anterior;

4. A requerente apresentou a sua declaração de rendimentos mod. 22 relativa ao exercício de 2003, como estando enquadrada no regime geral de tributação, mas tal lapso não pode ter por efeito a saída da requerente do RETGS;

5. Assim, para todos os efeitos, no exercício de 2003, deveria a requerente ter sido enquadrada pela administração fiscal, no RETGS, apesar da declaração mod. 22 ter, por lapso, assinalado o regime geral de tributação, pelo que deve ser aceite a dedução dos prejuízos fiscais no montante de €246.803,38, efectuada no exercício de 2003.”

6. Esta situação já foi analisada e decidida por Despacho, de 2007.11.05, do Sr. Subdirector- Geral, tendo este facto sido comunicado à sociedade Q..., SGPS, Lda. na qualidade de sociedade dominante do grupo, conforme anexo 7 do presente relatório;

7. Assim, se o sujeito passivo, no exercício de 2003, não é tributado pelo RETGS, não pode deduzir os prejuízos obtidos no âmbito desse regime, como estipula o art. 65º do CIRC;

c) No que se refere à omissão de proveitos relacionados com subsídios à exploração, nos montantes de € 1.114,86 e € 896,96, em 2003 e 2006, respectivamente, o sujeito passivo vem argumentar o seguinte:

i. “A requerente tem contabilizado estes subsídios logo no ano a que os mesmos respeitam. O subsídio de € 1.114,86 recebido em 2003, foi contabilizado em 2002, como demonstram os extractos das contas 7411 e 2714;

ii. O subsídio de € 896,96 que foi pago em 2006, também se refere ao exercício de 2005 e por isso foi contabilizado nesse exercício, conforme contas 2714 e 7411;

iii. Assim, estes valores não devem acrescer aos respectivos lucros tributáveis.”

iv. Após análise aos argumentos apresentados pelo sujeito passivo, aos elementos contabilísticos apresentados e aos valores declarados em subsídios à exploração no anexo A da declaração anual de informação contabilística e fiscal dos exercícios de 2002 a 2006, verificamos que existe divergência entre a contabilização e o recebimento, porque o sujeito passivo contabilizou os subsídios nas datas em que foram atribuídos e o INGA enviou extracto resumo, constando apenas as datas dos pagamentos. Na globalidade, pode-se aferir que os valores contabilizados coincidem com os valores recebidos como se descreve:

d. No que concerne à dedução de prejuízos fiscais no exercício de 2006 (...);

e. Relativamente aos custos contabilizados como amortizações do investimento destinado à actividade de Turismo Rural não aceites para efeitos fiscais, o sujeito passivo apresentou os seguintes argumentos:

i. - “A requerente exerce a actividade de exploração florestal e a actividade secundária de turismo no espaço rural e bovinicultura, (...);

ii. Os diversos elementos do activo imobilizado que se encontram discriminados no anexo 5 do relatório de inspecção são essencialmente relacionados com a reconstrução do denominado “S...”, local onde a requerente projectou o funcionamento de um Turismo de Habitação Rural e que também utiliza para funcionamento do seu escritório, servindo de suporte à actividade de exploração florestal e bovinicultura, não sendo todos os bens constantes no anexo 5 destinados exclusivamente a Turismo de Habitação. As imobilizações em causa são comprovadamente indispensáveis para a realização das actividades desenvolvidas pela requerente;

iii. O sujeito passivo refere que os bens do activo imobilizado discriminados no anexo 5 do presente relatório não são todos destinados exclusivamente ao turismo habitação, no entanto, não identifica os bens que se encontram nessa situação, que permita a respectiva apreciação;

iv. O sujeito passivo no ponto 40 do direito de audição salienta o facto da Câmara Municipal de Alcácer do Sal não ser a entidade competente para a emissão da licença para o turismo em espaço rural, tendo para justificar esse facto apresentado o ofício n.º 1056, datado de 2002.09.05, da Câmara Municipal de Alcácer do Sal, referindo-se às placas de classificação dos estabelecimentos hoteleiros, dos meios complementares de alojamento turístico, dos parques de campismo públicos e privados, das casas e empreendimentos de turismo no espaço rural e dos estabelecimentos de restauração e bebidas;

v. No entanto, de acordo com informação da Direcção Geral do Turismo (actual Turismo de Portugal, I.P.), com a publicação do Decreto Lei n.º 54/2002, de 11 de Março, e Decreto Regulamentar n.º 13/2002, de 12 de Março, as competências anteriormente atribuídas, no que respeita aos empreendimentos de Turismo no Espaço Rural, foram transferidas para as Câmaras Municipais e para as Direcções Regionais de Economia (...);

vi. No ponto 41 vem afirmar que não foi a falta de licenciamento que impediu a requerente de exercer a actividade, tendo apresentado para justificar esta afirmação um documento emitido pela Direcção Geral do Turismo, que apresenta as condições necessárias para exercer a actividade mesmo sem a emissão da licença;

vii. Nunca se pôs em questão que o sujeito passivo não pudesse exercer a actividade de turismo rural sem a referida licença, o que é um facto é que não possui a licença e nunca apresentou qualquer documento que comprove que tenha exercido efectivamente essa actividade, nomeadamente no que diz respeito a proveitos realizados;

viii. Para provar que exerceu a actividade, o sujeito passivo apresentou uma comunicação escrita na língua inglesa enviada por email ao Sr. L..., e refere-se ainda a um sitio na Internet que conforme afirma no ponto 44 do direito de audição “encontra-se actualmente suspenso”;

ix. De acordo com o doc. 9 apresentado pelo sujeito passivo, a sociedade “P... Serviços Internet e Multimédia, Lda.” registou, no ano de 1999, em nome do E..., um sitio na Internet com a designação de “P...”, cujo acesso público foi suspenso em 2002 a pedido da S..., SA.;

x. O facto é que nenhum destes documentos prova que a actividade foi efectivamente exercida pelo sujeito passivo;

xi. Este não apresentou até à presente data qualquer documento que comprove que exerceu essa actividade, nomeadamente no que se refere a comprovativos dos proveitos obtidos;

xii. Não o fez aquando da resposta à notificação efectuada para o efeito (...), nem no direito de audição (...);

xiii. Em conclusão, o sujeito passivo nunca apresentou a licença para exercer a actividade de turismo habitação, independentemente da entidade que competente para esse efeito e nunca a exerceu de facto, pois apesar de se ter solicitado (...) que apresentassem os documentos comprovativos de que exerceu a actividade, nomeadamente comprovativos dos proveitos obtidos, até à data nada foi apresentado;

xiv. Pelo exposto, apenas relativamente aos subsídios à exploração, assiste razão ao sujeito passivo, pelo que não se acresce aos lucros tributáveis os montantes de €1.114,96 e €896,96, em 2003 e 2006, respectivamente;

xv. Assim, a matéria colectável de IRC será de € 322.852,25 e € 187.885,03 para os exercícios de 2003 e 2006, respectivamente, conforme descrito no ponto III do relatório. Para efeitos de IVA mantêm-se as correcções propostas no projecto de conclusões.

D) Em 2008.04.18, sobre este relatório, o Chefe de Divisão, por delegação do Director de Finanças (em substituição), exarou despacho: Concordo com os fundamentos de facto e de direito expressos no relatório e parecer elaborado para o efeito. Notifique-se nos termos do artigo 77º LGT e artigo 62º do RCIPT. Proceda-se em conformidade (cf. fls. 133 dos autos);

E) Este relatório foi notificado por carta registada com aviso de recepção acompanhado de ofício normalizado datado de 2008.04.18 (cf. fls. 34 dos autos);

F) Em 2004.05.21, a impugnante entregou via internet declaração nº 6… de rendimentos modelo 22, relativa ao exercício de 2003 (cf. 59 dos autos);

G) Em 2004.05.31, a impugnante entregou via internet nova declaração modelo 22, à qual foi atribuído o nº 7…, relativo aos rendimentos do exercício de 2003 (cf. 60 dos autos);

a. Esta declaração não foi validada centralmente (cf. fls. 61 e 62 dos autos);

H) Em 1999.09.16, a Impugnante preencheu e entregou na Direcção Geral do Turismo (DGT), requerimento a solicitar a inscrição de habitação (cf. fls. 66 a 67 dos autos);

I) Em 2000.05.31, a Impugnante solicitou junto da DGT a vistoria à unidade de turismo de habitação de nome P... (cf. fls. 68 dos autos);

J) Em 2009.04.29, o Director de Serviços da Direcção Regional de Economia do Alentejo, deu conhecimento à Impugnante do Ofício nº 1656/2009 de 2009.04.29, remetido à Direcção de Finanças de Setúbal que rectifica o Ofício nº 3186 de 2008.04.10 (cf. fls. 216 a 217 dos autos), confirmando que a Impugnante requereu a vistoria através de carta de 2000.05.31;

K) A sociedade P... – Serviços, Internet e Multimédia, Lda., inscreveu a favor da Impugnante o nome de domínio internet TLD com a designação “P...” e desenvolveu um sítio/página internet para divulgação de turismo de habitação no P... e programas campestres (cf. fls. 213 a 214 dos autos);

L) Este serviço foi suspenso em 2002 (id.);

M) Nos anos de 2000 e 2001 a Impugnante prestou serviços de dormidas e refeições (cf. fls. 71 a 108 dos autos);

N) No ano de 2002 foram iniciadas obras de urbanização e operação de loteamento na Aldeia de Palma acompanhadas de obras na restante Aldeia de Palma (cf. certidão emitida pela Divisão de Planeamento e Gestão Urbanística do Município de Alcácer do Sal a fls. 227 a 228 dos autos), incluindo:

a. Abertura de valas em toda a Aldeia para instalação de um novo sistema de esgotos, novo funcionamento de água e enterramento de cabos eléctricos aéreos;

b. Integral pavimentação de passeios e estacionamento com asfalto de todas as ruas da Aldeia, até aí em terra;

c. Instalação de passeios e estacionamento ao longo das mesmas ruas;

d. Ajardinamento de zonas de lazer e a instalação de infra- estruturas desportivas

e. Pavimentação do acesso Norte da Aldeia mas a não pavimentação do acesso sul, onde se verifica um acentuado desnível (...);

f. (...);

O) No ano de 2008, a Impugnante prestou serviços relativos a jornadas de caça aos pombos e alojamento a P..., Lda. (cf. fls. 273 a 278 dos autos);

P) No ano de 2009, a Impugnante forneceu pombos bravos e serviços de alojamento a P..., Lda. (cf. fls. 279 dos autos);

Q) Em 2008.05.12, foi emitida a liquidação nº 2..., relativa a IRC de 2003, no montante de € 121 613,60;

R) Em 2008.08.22, a contribuinte reclamou (cf. fls. 34 ss do PA);

S) O projecto de despacho de indeferimento da reclamação foi enviado à Impugnante por carta registada com aviso de recepção assinado em 2008.10.21 (cf. fls. 158 a 159 do PA);

T) Em 2008.10.27, a Impugnante exerceu o direito de audição prévia por escrito (cf. fls. 160 ss do PA junto);

U) O indeferimento da reclamação graciosa foi comunicado por carta registada com aviso de recepção assinado em 2008.11.19 (cf. fls. 172 a 175 do PA junto);

V) Em 2008.11.27, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, deu entrada a presente impugnação (cf. carimbo aposto a fls. 2 dos autos).

b) Factos não provados

Dos demais factos constantes da impugnação, nenhuns mais têm interesse para a boa decisão da causa.

IV – Motivação da decisão de facto

A decisão da matéria de facto, consonante ao que acima ficou exposto, efectuou-se com base nos documentos e informações constantes do processo e no depoimento das testemunhas.

1ª Testemunha: B...: contabilista da impugnante: desde 1997 que a empresa é fiscalizada, pediu a tributação pelo regime do lucro consolidado; no ano de 2003, entregue no ano de 2004, a primeira entregue por via electrónica, indevidamente foi marcado o quadrado relativo à tributação pelo regime geral em vez de assinalar tributação pelo lucro consolidado; entregou declaração de substituição, mas relativamente a esta última o sistema assinalava erros centrais; todos os gabinetes de contabilidade que conhece sentiram dificuldades com esta alteração; telefonou várias vezes para os Serviços Centrais de IRC e falou com diversas pessoas das quais não guardou a identificação; nas últimas vezes quem o atendeu informou que não era necessária a declaração de substituição pois a opção mantinha-se válida; tem o documento de envio da declaração de substituição mas esta nunca foi aceite pelo sistema; em 1997, entregaram nas Finanças alteração da actividade para o exercício de turismo; e até 2002 registaram na contabilidade serviços de turismo rural; a partir de 2002, a actividade cessou por causa das obras; é de Alcácer e passa pela Aldeia de Palma e viu as obras; o acesso ao S... e feito através da Aldeia de Palma e as obras impediam o acesso ao S...; a estrada estava intransitável, só com um tractor se conseguia passar; facturaram serviços de hotelaria durante 3 anos, suspenderam essa facturação; mas a partir de 2008 começaram novamente a registar na contabilidade serviços de hotelaria, inclusive em 2010; foram feitos investimentos de grande relevância e nunca ouviu falar que iriam acabar com aquela actividade; o edifício estava muito degradado antes das obras e foram feitos grandes investimentos não só em obras mas também em mobiliário e outros equipamentos; embora a sede social funcione no mesmo edifício, esta encontra-se fisicamente separada; a instâncias da Fazenda esclareceu que foi entregue a declaração de opção pelo regime REGTS, mas que a declaração de IRC é que foi submetida informaticamente não continha essa menção, reiterando que foi entregue declaração de substituição.

2ª Testemunha: G..., trabalhador agrícola indiferenciado (encarregado agrícola da herdade); quando começou a trabalhar havia movimento de pessoas que pouco tempo depois cessou; lembra-se das obras na Aldeia, que começaram por volta do ano 2003; os acessos à propriedade foram cortados; apenas tractores e jipes podiam lá entrar; podia-se circular a pé mas a casa ainda fica longe; as obras ainda não terminaram; ainda hoje há um degrau ou declive vindo da estrada nacional; desde que a rua de acesso foi alcatroada voltaram as pessoas, nacionais e estrangeiros.

3ª Testemunha: I..., cozinheira. Trabalha no S... há mais de 12 anos; em 2000, 2001 e 2002 viu lá muitos hóspedes; durante as obras foram feitos novos quartos; no S... há 5 quartos para hóspedes, têm muito espaço e casa de banho privativa; fazia os pequenos-almoços para os hóspedes; durante as obras havia muito pó e buracos, mas os quartos continuaram a ser limpos; mora na Aldeia de Palma e lembra-se bem das obras, confirmando que não se podia usar a estrada de acesso à casa; as obras terminaram em 2008, mas continuam a ser feitas obras na parte Sul que dá acesso ao Palácio; a partir de 2008, começaram a aparecer caçadores e turistas; há uns meses começaram a aparecer estrangeiros; mora na aldeia e desloca-se a pé para o S...; em 2001 e 2002 havia muitos hóspedes; agora aparecem menos mas já aparecem; faz de tudo um pouco, cozinha e limpezas.


*

2. DE DIREITO

Está aqui em causa a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de IRC do exercício de 2003, que adveio da anulação da dedução dos prejuízos fiscais (reportáveis) de 1999 e 2001 (no valor de € 246.803,38), por ter considerado que a tributação da sociedade pelo regime especial de tributação dos grupos de sociedade (RETGS) estava autorizada e não estar demonstrada a exclusão de tal regime, e quanto aos custos (amortizações) relativos à actividade de turismo de habitação rural (no valor de € 76.048,87), por ter considerado que da prova produzida resulta que são indispensáveis para a obtenção dos proveitos/manutenção da fonte produtora.

2.1. A primeira questão a apreciar consiste, assim, em saber se no exercício de 2003 a Recorrida deve continuar a ser tributada pelo RETGS ou pelo regime geral de tributação.

Debruçando-se sobre a primeira questão o Tribunal a quo ponderou o seguinte:
(…) tal como é referido no relatório da fiscalização, a tributação por este regime estava autorizada para o período compreendido entre 1999 e 2003:

O relatório da fiscalização não contém uma verdadeira fundamentação quanto à não aceitação da dedução ao lucro tributável dos prejuízos fiscais apurados nos exercícios de 1999 e 2000, pois se por um lado afirma que a sociedade, com entrada em vigor do regime transitório optou pelo regime especial de tributação, por outro diz apenas que a sociedade mãe apresentou a declaração mod. 22, pelo regime geral, referindo, depois, que a sociedade entregou declaração de substituição que não foi validada centralmente.

É completamente omissa quanto a saber-se se a opção estava informaticamente disponível ao tempo e nem refere se depois de expressamente autorizada era possível a renúncia, ou se teria que permanecer naquele regime pelo período em causa.

Temos assim que dar razão à impugnante: é que a tributação pelo regime especial estava autorizada para o período em causa e não se verificaram as causas de exclusão legalmente previstas: logo, a tributação da sociedade tem de ser efectuada pelo regime especial, pela duração do mesmo e enquanto não se verificarem os motivos de exclusão legalmente previstos, não podendo ser desconsiderados os prejuízos fiscais dos exercícios de 1999 e 2000.

A Recorrente, insurge-se contra o decidido, defendendo que a sentença violou o disposto nos artigos 63.º e 64.º do CIRC, por a Administração Tributária ter fundado a sua decisão no facto de, no exercício de 2002, a sociedade dominante, Q..., SGPS, Lda. ter apresentado declaração de rendimentos do IRC, mod. 22, indicando tributação pelo regime geral e, por esse facto, ter cessado a aplicação do RETGS, não sendo dedutíveis aos respectivos lucros tributáveis os prejuízos fiscais verificados durante os exercíveis em que o regime se aplicou, nos termos do artigo 65.º do CIRC. Mais alegou que a impugnante não podia proceder à entrega da Declaração, Mod. 22, de IRC, para o exercício de 2003, declarando estar enquadrada no RETGS, quando a empresa dominante dele tinha declarado sair no ano anterior.

Vejamos.

O artigo 63.º do CIRC (à data dos factos), e na parte mais relevante, preceituava:

«1 - Existindo um grupo de sociedades, a sociedade dominante pode optar pela aplicação do regime especial de determinação da matéria colectável em relação a todas as sociedades do grupo.

2 - Existe um grupo de sociedades quando uma sociedade, dita dominante, detém, directa ou indirectamente, pelo menos 90% do capital de outra ou outras sociedades ditas dominadas, desde que tal participação lhe confira mais de 50% dos direitos de voto.

(…)

7 - A opção mencionada no n.º 1 é comunicada à Direcção-Geral dos Impostos pela sociedade dominante e pelas sociedades dominadas através do envio de uma declaração de modelo oficial até ao fim do terceiro mês do período de tributação em que se pretende iniciar a aplicação do regime e é válida por um período de cinco exercícios, findo o qual pode ser renovada nos mesmos termos.

8 - O regime especial de tributação dos grupos de sociedades cessa a sua aplicação quando:

a) Deixe de se verificar algum dos requisitos referidos nos n.ºs 2 e 3, sem prejuízo do disposto nas alíneas d) e e);

b) Se verifique alguma das situações previstas no n.º 4 e a respectiva sociedade não seja excluída do grupo ao qual o regime está a ser ou pretende ser aplicado;

c) O lucro tributável de qualquer das sociedades do grupo seja determinado com recurso à aplicação de métodos indirectos;

d) Ocorram alterações na composição do grupo, designadamente com a entrada de novas sociedades que satisfaçam os requisitos legalmente exigidos sem que seja feita a sua inclusão no âmbito do regime e efectuada a respectiva comunicação à Direcção-Geral dos Impostos nos termos e prazo previstos no n.º 7;

e) Ocorra a saída de sociedades do grupo por alienação da participação ou por incumprimento das demais condições, ou outras alterações na composição do grupo motivadas nomeadamente por fusões ou cisões, sempre que a sociedade dominante não opte pela continuidade do regime em relação às demais sociedades do grupo, mediante o envio da respectiva comunicação nos termos e prazo previstos no n.º 7.

9 - Quando não seja renovada a opção pelo regime especial de tributação dos grupos de sociedades, bem como quando a cessação do regime resulte de algum dos factos previstos nas alíneas d) e e) do número anterior, os efeitos da cessação reportam-se, respectivamente, ao final do exercício anterior àquele em que deveria ser comunicada a renovação, ao final do exercício anterior àquele em que deveria ser efectuada a inclusão de novas sociedades nos termos da alínea d) do número anterior, ou ao final do exercício em que se verificam os factos previstos na alínea e) do número anterior.

10 - Quando a cessação do regime resulte de algum dos factos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 8, os seus efeitos produzem-se no final do exercício anterior ao da verificação daqueles factos.

11 - Sempre que for dada continuidade à aplicação do regime após alterações verificadas na composição do grupo, nomeadamente por entradas ou saídas de sociedades, a contagem do período de validade da opção inicial não é interrompida.

(…)»

O Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedade (RETGS), regulado nos artigos 63.º a 65.º do CIRC (à data dos factos) é aplicável por opção e constitui um regime de tributação que propicia vantagens fiscais, na medida em que permite a comunicabilidade dos prejuízos entre as sociedades do grupo.

Como claramente se extraí da transcrita norma, o legislador fez depender a aplicação do RETGS de requisitos substancias, previstos nos n.ºs 2 a 4 do artigo 63.º, mas também de requisitos formais relativos ao cumprimento de prazos, quer no que se refere ao exercício da opção, quer à comunicação de alterações na composição do grupo sem o que, nos termos do regime, cessará a respectiva aplicação.

Assim, é pressuposto para que se possa formular a opção pela aplicação do RETGS a existência de um grupo de sociedades e que esse regime seja escolhido pela sociedade dominante (artigo 63.º, actual 69.º).

No caso em apreço, resulta do probatório que o grupo de sociedades era constituído pela Recorrida e pela sociedade dominante Q..., SGPS, Lda. (cfr. alínea c) do probatório e RIT).

Mais resultou provado que a sociedade dominante optou pelo RETGS com efeitos a partir de 01/01/2001 e que a partir de 2002 passou a apresentar as declarações de rendimentos de IRC, mod. 22, indicando o regime geral de tributação (cfr. alínea c) do probatório).

Acontece que, nos autos não foi demonstrado que a opção da sociedade dominante pelo regime geral de tributação tenha resultado de erro ou lapso, nem, tão, pouco que tenha apresentado declaração de substituição ou que tenha impugnado administrativa ou contenciosamente o acto tributário de liquidação emergente da declaração apresentada.

Assim, tal como entendeu a Administração Tributária, a opção pelo «regime geral de tributação» tem que se entender como uma manifestação expressa de renúncia ao RETGS.

Com efeito, deixou de haver grupo de sociedade para poder ser tributado pelo RETGS.

Assim se vê que não foi a Administração Tributária que fez cessar o RETGS unilateralmente, mas a sociedade dominante que manifestou a renúncia àquele regime, o que lhe era permitido pelo disposto no n.º 8, do artigo 63.º do CIRC.

Mais decorre do probatório a Recorrida terá entregue via internet declaração de substituição relativa ao exercício de 2003, onde optou pelo RETGS (alíneas F) e G) do probatório), porém, tal opção pela sociedade dominada é totalmente irrelevante para o efeito que a Impugnante pretendia, uma vez que o pedido de opção pelo RETGS requer a intervenção da sociedade dominante.

Significa que cessado o regime deixa de haver opção pela continuação do regime.

Importa reiterar que o RETGS é aplicável por opção, isto é apenas pode ser aplicado quando for expressamente apresentada nova declaração de opção de aplicação do regime, nos termos da alínea a), do n.º 7, do artigo 63.º do CIRC. Não tendo a sociedade dominante exercido essa opção, a aplicação do RETGS cessou.

Dito por outras palavras, com a cessação do RETGS deixa de haver opção pela continuação do regime, o qual apenas pode ser aplicado se e quando for solicitada nova aplicação do regime.

E, portanto, terminada a aplicação do RETGS relativamente a uma sociedade do grupo, não são dedutíveis aos respectivos lucros tributáveis os prejuízos fiscais verificados durante os exercícios em que o regime se aplicou.

Concluindo, a decisão recorrida quanto a esta questão enferma do erro de julgamento que a Recorrente lhe assaca.

Face ao exposto, procede neste segmento as conclusões da alegação de recurso.

2.2. Quanto à segunda questão que se encontra a ser discutida nestes autos, respeita à desconsideração de custos relativos à actividade secundária ou acessória de turismo de habitação rural.

A Recorrente, imputa à sentença recorrida erro de julgamento, na interpretação do preceituado no artigo 23.º do CIRC.

Em suma, alega que em sede inspectiva a Adminsitração Tributária pela analise à contabilidade da sociedade constatou que foram efectuados investimentos relacionados com reparações no P..., referentes a projecto de turismo de habitação rural e que no mapa de amortizações encontram-se listados diversos elementos do activo imobilizado relacionado com este projecto, mas nos anos de 2003 e 2006, constatou-se que o sujeito passivo não exerceu a actividade relacionada com o turismo rural, uma vez que não registou proveitos com essa actividade.

Entende, assim a Recorrente, que não exercendo a Impugnante a actividade de turismo de habitação, para a qual não possuia habilitação legal, ainda que tal conste do objecto societário, não podem os custos ser considerados comprovadamente indispensáveis para a realização dos proveitos, como exigido peo artigo 23.º do CIRC (na redacção em vigor à data dos factos).

Para concluir pela indispensabilidade dos custos a sentença sob recurso depois de ter feito o devido enquadramento legal, doutrinal e jurisprudencial da noção de custos, apreciou a questão da seguinte forma:

A noção legal de indispensabilidade tem assim de colocar-se numa perspectiva económico-empresarial, por preenchimento directo ou indirecto, da motivação última de contribuição para a obtenção do lucro.

A regra é que as despesas correctamente contabilizadas sejam custos fiscais; o critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador, não para permitir à Administração intrometer-se na gestão da empresa, ditando como deve ela aplicar os seus meios, mas para impedir a consideração fiscal de gastos que, ainda que contabilizados como custos, não se inscrevem no âmbito da actividade da empresa, foram incorridos não para a sua prossecução mas para outros interesses alheios.

Assim, o juízo sobre a oportunidade e conveniência dos gastos é exclusivo do empresário, e todo o gasto que contabilize como custo mas que se mostre estranho ao fim da empresa já não é custo fiscal, porque não é indispensável.

Entendemos, pois, que são custos fiscalmente dedutíveis todas as despesas que se relacionem directamente com o processo produtivo, designadamente, com a aquisição de factores de produção, como é, por exemplo, o caso do trabalho.

Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os actos abstractamente subsumíveis num perfil lucrativo. Este desiderato aproxima, de forma propositada, as categorias económicas e fiscais, através de uma interpretação primordialmente lógica e económica da causalidade legal. O gasto imprescindível equivale a todo o custo realizado em ordem à obtenção de ingressos e que represente um decaimento económico para a empresa. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a actividade da empresa. E fora do conceito de indispensabilidade ficarão apenas os actos desconformes com o escopo social, aqueles que não se inserem no interesse da sociedade, sobretudo porque não visam o lucro.

Neste sentido: a solução acolhida entre nós (pelo menos na doutrina), na esteira dos entendimentos propugnados pela doutrina italiana, tem sido a de interpretar a indispensabilidade em função do objecto societário», que esta exigência da indispensabilidade dos custos para a realização dos proveitos ou manutenção da fonte produtora se encontrava «inicialmente associada a uma condição de “razoabilidade” (artigo 26° do CCI) e que se é certo que a “razoabilidade” está presente em algumas disposições do CIRC, de forma expressa (23º), … deixou de ser tolerável a sua utilização como fundamento para limitar quantitativamente os encargos incorridos pelos sujeitos passivos. O problema é que o Fisco tem vindo a utilizar a indispensabilidade para precludir que determinados gastos, por si valorados como excessivos ou inapropriados, possam ser acolhidos pelo balanço fiscal. Talvez por isso se note na doutrina uma propensão para uma interpretação ampla do termo, recusando qualquer leitura do mesmo que pressuponha ou contemporize com juízos subjectivos do controlador público sobre a bondade da gestão empreendida (…).

A indispensabilidade deve assim ser aferida a partir de um juízo positivo da subsunção na actividade societária, o qual, por natureza, não deve ser sindicado pelo Direito Fiscal.

Foi o que não sucedeu no caso vertente, por parte da Administração Fiscal, segundo os critérios que utilizou na correcção à liquidação impugnada.

Vejamos.

Antes de entrar na análise desta questão, importa referir que se considera a factualidade dada por assente na sentença recorrida, uma vez que não foi impugnada, e não ocorre as situações previstas no artigo 662.º do CPC, pelo que não pode ser modificada oficiosamente.

Importa, então, saber em face dos factos dados como provados na decisão da primeira instância, se é possível concluir, como se concluiu, que a Administração Tributária não podia efectuar as correcções ao apuramento do lucro tributável, por desconsideração de custos.

Ao imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC) importa o rendimento obtido, tomando-se por base o lucro tributável, o qual consiste na soma algébrica do resultado líquido do exercício (diferença entre proveitos ou ganhos e custos ou perdas) e das variações patrimoniais positivas e negativas realizadas no período da tributação e que não tenham sido reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidas nos termos do CIRC (cfr. artigo 17º).

O n.º 1, do artigo 23.º do CIRC, considera custos os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

Assim, consideram-se custos os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos, devendo estes encargos estar contabilizados e documentados, presumindo-se a veracidade da contabilidade devidamente organizada (artigos 23.º do CIRC e 75.º da LGT).

Para aferir da indispensabilidade dos custos há que ter em conta o intuito objectivo que levou a Recorrida a proceder como procedeu, sendo que tal intuito é determinado a posteriori, tendo como referência todas as circunstâncias conhecidas no momento da decisão.

Como já deixamos expresso supra, no caso em apreço, a liquidação adicional de IRC impugnada foi efectuada pela Administração Tributária na sequência de várias correcções aritméticas a nível de proveitos e custos dos exercícios de 2003 e 2006, em face da acção inspectiva levada a cabo pelos Serviços de Inspecção Tributária, correcções essas, que se traduziram na não aceitação de custos contabilizados como amortizações do investimento destinado à actividade de turismo rural, no montante de € 76.048,87 e de € 71.265,98, respectivamente, por o sujeito passivo não ter exercido a actividade nos anos de 2003 e 2006 (cfr. alínea C) do probatório).

Relembramos que nos presentes autos apenas está em causa a liquidação do ano de 2003.

Diga-se, desde já, antecipando o sentido da decisão que da factualidade apurada nos presentes autos resulta que a Recorrida exerceu a actividade de turismo de habitação e que os custos se mostram indispensáveis à obtenção dos proveitos/manutenção da fonte produtora (cfr. alíneas H) a N) do probatório).

Prosseguindo na apreciação da questão.

A Administração alicerçou no relatório de inspecção tributária as correcções aos referidos custos nos exercícios dos anos de 2003 e 2006 nos mesmos factos e enquadramento jurídico (cfr. alínea C) do probatório).

Por sua vez, a Recorrida também impugnou judicialmente a liquidação adicional de IRC do ano de 2006, no que respeita à correcção dos custos com amortizações do investimento destinado à actividade de turismo rural, que correu termos com o n.º 418/08.0BEBJA, tendo sido interposto recurso da sentença, este Tribunal Central Administrativo Sul por acórdão de 03/12/2020, pronunciou-se sobre a questão colocada nesse recurso (disponível em www.dgsi.pt/).

Assim, a questão que se encontra a ser discutida nestes autos já foi decidida no identificado acórdão deste TCA Sul, embora relativamente ao ano de 2006, estando em causa as mesmas partes, o mesmo relatório de inspecção tributária, a mesma decisão que sancionou as correcções, sendo que as sentenças recorridas também são idênticas, bem como as alegações de recurso.

Deste modo, em função da identidade em relação ao caso em apreço e por economia de meios, visando a interpretação e aplicação uniforme do direito (artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil), acolhemos o discurso fundamentador constante do identificado acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul que se subscreve na íntegra, e por a questão aqui em análise não deferir, pois, tratam-se das mesmas situações de facto e de direito, pelo que permitindo-nos transcrever as passagens relevantes, cujo entendimento perfilhamos:

«Avançando, importa saber se, no caso, o Tribunal errou na interpretação e aplicação que fez do disposto no artigo 23º do CIRC, quanto à indispensabilidade dos custos em causa.

Tenhamos presente o teor do relatório de inspecção, em concreto no que se reporta aos custos incorridos com reparações no S..., reportados ao projecto de Turismo de Habitação Rural, conforme pontos 4.III.4.

Se atentarmos na fundamentação subjacente à correcção em análise, e à convocação do artigo 23º do CIRC, podemos aí verificar que os SIT seguem a seguinte linha de motivação:

- nos anos em análise, 2003 e 2006, constatou-se que o sujeito passivo não exerceu a actividade relacionada com o turismo rural, uma vez que não registou quaisquer proveitos com essa actividade;

- o sujeito passivo não apresentou qualquer documento comprovativo de que tenha exercido esta actividade;

- o sujeito passivo não exerce nem pode exercer a actividade de turismo rural dado que não possui a licença exigível nos termos da lei, e esses custos não são indispensáveis para a realização dos proveitos (…), pelo que são corrigidos;

- de acordo com o artigo 23º do CIRC estes custos não são aceites, para efeitos fiscais, dado que não são indispensáveis para a obtenção dos proveitos. Em suma, não são indispensáveis e, como tal, fiscalmente dedutíveis, os custos relativos às amortizações respeitantes “a investimentos no S..., repercutidos no imobilizado da sociedade”.

Tenhamos presente, desde já, o disposto no artigo 23º, nº 1 do CIRC (na redacção vigente à época), segundo o qual consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os que vêm exemplificados nas diversas alíneas desse número - como por exemplo, os encargos relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, à distribuição e venda, os de natureza financeira, os de natureza administrativa, os relativos a análises, racionalização, investigação e consulta, os fiscais e parafiscais, as reintegrações e amortizações, as provisões, as menos-valias realizadas, as indemnizações resultantes de eventos cujo risco não seja segurável.

Na consideração e preenchimento deste conceito indeterminado – indispensabilidade – impõe-se, no entendimento do Tribunal, que a análise de um concreto custo seja feita em função da actividade societária, ou seja, em função do seu objectivo no âmbito da actividade da empresa; os custos indispensáveis equivalerão aos gastos contraídos no interesse da empresa.

Como se refere no acórdão do TCA Sul, de 2/2/10 (recurso nº 3669/09), para que um custo seja fiscalmente relevante “tem de ser afecto à exploração, no sentido de que deve existir uma relação causal entre tal custo e os proveitos da empresa. Mas isso não quer dizer, (…), que essa relação é uma relação de causalidade necessária, uma genuína conditio sine qua non ou de resultados concretos obtidos com o acto, mas antes tendo em conta as normais circunstâncias do mercado, considerando o risco normal da actividade económica, em termos de adequação económica do acto à finalidade da obtenção maximizada de resultados”.

Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, seja, em todos os actos abstractamente subsumíveis num perfil lucrativo. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a actividade da empresa. Quer isto dizer, pois, que fora do conceito de indispensabilidade ficarão os actos desconformes com o escopo social, aqueles que não se inserem no interesse da sociedade, sobretudo porque não visam o lucro.

Como se afirmou neste TCA Sul, em 22/01/15 (recurso nº 5327/12), “Os custos ou perdas da empresa constituem, portanto, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico”.

Quanto ao requisito da indispensabilidade de um custo, deve dizer-se que tem sido jurisprudencialmente interpretado como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspectiva económica-empresarial, na percepção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um encargo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objecto societário do ente comercial em causa, sendo vedadas à AT actuações que coloquem em crise o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo.

“Não obstante”, como avança o acórdão citado em último lugar, “se a A. Fiscal duvidar fundadamente da inserção no interesse societário de determinada despesa, impende sobre o contribuinte o ónus de prova de que tal operação se insere no respectivo escopo societário (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 29/3/2006, rec.1236/05; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 17/7/2007, proc.1107/06; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc. 5721/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13)”.

Vejamos, então, não perdendo de vista dois aspectos: por um lado, a fundamentação que está subjacente à correcção em causa (transcrita e evidenciada sinteticamente) e, por outro lado, que a matéria de facto fixada em 1ª instância não foi impugnada, pelo que se mostra estabilizada.

Tendo estes aspectos em mente, avancemos para a solução do caso concreto.

Em primeiro lugar, tenha-se presente que a Recorrida se dedica, além do mais, à indústria do turismo, rural ou cinegético, tal como consta da alínea A) dos factos provados. Por conseguinte, custos relacionados com investimentos no S..., inserido num projecto de Turismo de Habitação apresentam-se, aparentemente, coerentes.

Mas continuemos, uma vez que esse dado, em singelo, é pouco.

Referem os SIT que não se comprova que a Recorrida alguma vez tenha exercido a actividade de turismo de habitação no P... (por vezes, surge designado S...), que a exerça ou até que a possa exercer. Para tanto, invocam-se razões que se prendem, além do mais, com a não exibição da licença exigível e não observância de diplomas relacionados com o exercício de tal actividade económica.

Em primeiro lugar, entendemos que, para os efeitos aqui visados, não se mostram decisivas (ou, até, necessárias) as considerações feitas quanto à não observância da extensa legislação invocada relativa ao turismo e à actividade económica relativa ao Turismo de Habitação, da competência de outras autoridades públicas que não a Administração Fiscal.

Por outro lado, não é correcto dizer-se que a Recorrida nunca exerceu a dita actividade económica. Ao menos, resulta dos factos provados (não impugnados, repita-se), que, nos anos de 2000 e 2001, a Recorrida prestou serviços de refeições e alojamento e que, em 2008 e 2009, forneceu serviços relativos a jornadas de caça aos pombos e serviços de alojamento.

Mais se demonstra, conforme H), I), J) e K) dos factos provados que, em Maio de 2000, a Impugnante solicitou junto da DGT a vistoria à unidade de turismo de habitação de nome P..., que foi inscrito, a favor da Recorrida, o nome de domínio internet TLD com a designação “P...” e desenvolvido um sítio/página internet para divulgação de turismo de habitação no P... e programas campestres e, ainda, que tal serviço foi suspenso em 2002.

Portanto, o que resta da motivação da correcção e surge, aliás, imediatamente perceptível, é que esta actividade de Turismo de Habitação foi interrompida/suspensa durante uns anos e que, em 2006 (ano que aqui nos ocupa), não foi efectivamente exercida, pois, daquilo que se demostra, apenas em 2008 foi retomada.

Vejamos, então, se pelo facto de em 2006 a Recorrida não ter exercido a actividade de Turismo de Habitação Rural e de os seus proveitos decorrem em exclusivo da sua actividade agrícola, florestal, pecuária e outras, por aquela actividade primeiramente indicada se encontrar suspensa, vejamos se - dizíamos - não obstante isso, os custos incorridos em 2006 com a actividade de turismo de habitação/ rural podiam ser deduzidos aos proveitos deste exercício (exclusivamente obtidos no exercício de outras actividades económicas).

Relembremos que os custos em análise se referem a investimentos relacionados com reparações no S... e respeitam ao projecto de Turismo de Habitação Rural, cuja ocorrência em si, a sua materialidade, a AT não põe em causa. Como consta do RIT, no mapa de amortizações encontram-se listados diversos elementos do activo imobilizado relacionados com tal actividade.

De acordo com os SIT, o que está em causa é a indispensabilidade dos custos, pelas razões que já apontámos.

Ora, estabelecer uma relação causal/directa entre custos e proveitos de um determinado exercício não é um caminho fundamentador eficaz para os fins em apreciação, pelas razões que já atrás deixámos evidenciadas e que nos abstemos de repetir à exaustão. Certo é que um custo incorrido pode, e muitas vezes isso acontece, não dar origem a um proveito e nem por isso deixa de ser aceite como custo fiscalmente dedutível. Pensemos, desde logo, que há actividades que necessitam de muitos investimentos até gerarem proveitos.

No caso, porém, a Impugnante avançou para a explicação sobre a razão da suspensão da actividade de turismo, em concreto as más condições em que se encontrava a estrada de acesso directo ao imóvel, quase intransitável, em resultado de prolongadas obras estruturais na aldeia de Palma que cortaram o acesso directo à casa, impedindo que o serviço de Turismo Rural de Habitação fosse proporcionado em condições adequadas aos hóspedes que procuram este tipo de alojamento.

Não obstante, diz a Recorrida, tal como consta da p.i, que, mesmo com actividade suspensa, teve de realizar investimentos para manter em boas condições (nomeadamente com vista à retoma da actividade que, aliás, se demostra que prosseguiu) as instalações do S.... São esses os investimentos que agora estão questionados, pela via da não aceitação dos custos correspondentes às amortizações.

Mais uma vez, importa que tomemos em conta a matéria de facto – insiste-se – que não foi objecto de impugnação pela Fazenda Pública.

Ora, resulta dos factos provados que, efectivamente, no ano de 2002 foram iniciadas obras de urbanização e operação de loteamento na Aldeia de Palma, acompanhadas de obras na restante Aldeia, incluindo: a. Abertura de valas em toda a Aldeia para instalação de um novo sistema de esgotos, novo funcionamento de água e enterramento de cabos eléctricos aéreos; b. Integral pavimentação de passeios e estacionamento com asfalto de todas as ruas da Aldeia, até aí em terra; c. Instalação de passeios e estacionamento ao longo das mesmas ruas; d. Ajardinamento de zonas de lazer e a instalação de infra-estruturas desportivas e. Pavimentação do acesso Norte da Aldeia mas a não pavimentação do acesso sul, onde se verifica um acentuado desnível (...).

Por seu turno, as testemunhas ouvidas corroboraram a extensão das obras na aldeia, referindo-se às dificuldades de acesso ao S..., à estrada intransitável, ao pó, ao desnível existente na zona, entre outros aspectos que corroboram a tese da Impugnante e permitem perceber a opção de gestão de interromper/ suspender a prestação de serviços de Turismo Rural de Habitação. De resto, não há duvidas que é de um hiato temporal sem exercer a actividade que se trata, pois que, tal como era pretensão afirmada pela Recorrida na p.i, em 2008, tal actividade foi retomada.

No nosso entendimento, a explicação avançada pelo sujeito passivo quanto à indispensabilidade dos custos incorridos (e, nessa medida, avançando uma explicação sobre a congruência económica da operação económica) é perfeitamente coerente, aceitável e mostra-se suficientemente demonstrada.

Com efeito, num sector como o que está em causa, de turismo rural de habitação, levado a cabo num S... inserido numa herdade, as exigências de qualidade e conformo proporcionadas aos hóspedes são essenciais, não se compadecendo com acessos intransitáveis ou muito difíceis, grandes obras em redor, pó e barulho, numa pequena aldeia. Note-se que, neste sector de alojamento, o que os hóspedes procuram não é apenas dormida; é, sobretudo, uma experiência de descanso e lazer, inserida na natureza, longe do bulício da cidade.

Não percamos de vista, como já acima mencionámos, que não é aceitável que a AT faça juízos de valor sobre a bondade da gestão empresarial prosseguida. Mas, como também dissemos, perante uma dúvida motivada sobre a indispensabilidade do custo, sobre a relação justificada de uma determinada despesa com uma atividade, cabe ao sujeito passivo uma explicação, demostrada, sobre a congruência económica da operação.

Ora, foi o que aqui aconteceu, tal como ficou por nós dito ao longo dos parágrafos que antecedem.

E, assim sendo, como se entende ser, há que negar razão à Recorrente, Fazenda Pública, e manter a sentença que reconheceu a dedutibilidade dos custos em causa, por estar demonstrada a indispensabilidade dos mesmos, nos termos exigidos pelo artigo 23º do CIRC.»

Note-se que, conforme resulta da acta de inquirição de testemunhas de fls. 332 a 338 (da numeração dos autos de suporte físico), as testemunhas arroladas e inquiridas foram as mesmas nos dois processos, e prestaram o seu depoimento na mesma diligência relativamente à matéria de facto alegada nas respectivas petições iniciais.

Reconhecendo-se que o acto tributário impugnado está inquinado de ilegalidade que só em parte os invalida, deve anular-se só nessa parte, deixando-os subsistentes nos segmentos em que nenhuma ilegalidade os fira.

Assim se decidiu no acórdão do Supremo Tribunal Adminsitrativo de 07/03/2018, proferido no processo n.º 01460/15: O acto tributário de liquidação é por natureza um acto divisível e, consequentemnte, é susceptível de anulação parcial, no respectivo processo de impugnação. (disponível em www.dgsi.pt/).

Pelo que fica exposto, e sem necessidade de mais considerações, neste segmento não pode obter provimento o recurso.

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Conclusões/Sumário:

I. O Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedade (RETGS), regulado nos artigos 63.º a 65.º do CIRC (à data dos factos) é aplicável por opção e constitui um regime de tributação que propicia vantagens fiscais, na medida em que permite a comunicabilidade dos prejuízos entre as sociedades do grupo.

II. É pressuposto para que se possa formular a opção pela aplicação do RETGS a existência de um grupo de sociedades e que esse regime seja escolhido pela sociedade dominante (artigo 63.º, actual 69.º).

III. Com a cessação do RETGS deixa de haver opção pela continuação do regime, o qual apenas pode ser aplicado se e quando for solicitada nova aplicação do regime.

IV. Consideram-se custos os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos, devendo estes encargos estar contabilizados e documentados, presumindo-se a veracidade da contabilidade devidamente organizada (artigos 23.º do CIRC e 75.º da LGT).

V. Reconhecendo-se que o acto tributário impugnado está inquinado de ilegalidade que só em parte os invalida, deve anular-se só nessa parte, deixando-os subsistentes nos segmentos em que nenhuma ilegalidade os fira.


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IV – DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder parcial provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida no segmento em que anulou a correcção à matéria colectável, por desconsideração dos prejuízos dos exercícios de 1999 a 2001, julgar parcialmente procedente a impugnação, e no mais negar provimento ao recurso e confirmar a sentença.

Custas em ambas as instâncias pela Fazenda Pública e Impugnante, na proporção do respectivo decaimento, salvo quanto à taxa de justiça, por a Recorrida não ter contra-alegado, o qual se fixa em 24% para a Recorrente e em 76% para a Recorrida.

Notifique.

Lisboa, 28 de Janeiro de 2021.



Maria Cardoso - Relatora
Catarina Almeida e Sousa – 1.ª Adjunta
Hélia Gameiro Silva – 2.ª Adjunta

(assinaturas digitais)

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(1) No que concerne ao exercício de 2002, a declaração do sujeito passivo foi corrigida pela inspecção tributária tendo o valor apurado para esse exercício passado de prejuízo fiscal de €251.190,20 para o lucro tributável de € 543.960,80