Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04505/11
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:06/14/2011
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:O INSTITUTO DA REVERSÃO É EXCLUSIVO DA EXECUÇÃO FISCAL.
REGIME NORMATIVO APLICÁVEL À DECISÃO DE REVERSÃO.
DESPACHO DE REVERSÃO. NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO.
REVERSÃO BASEADA NO ARTº.24, Nº.1, AL.B), DA L. G. TRIBUTÁRIA.
Sumário:1. O instituto da reversão é exclusivo da execução fiscal, sendo desconhecido na execução comum, e traduz-se numa modificação subjectiva da instância, pelo chamamento, a fim de ocupar a posição passiva na acção, de alguém que não é o devedor que figura no título.
2. De acordo com a jurisprudência do S.T.A. e a doutrina que subscreve-mos, é a oposição à execução o meio processual adequado para o executado, por reversão, discutir em juízo o despacho determinativo dessa reversão, nomeadamente, imputando-lhe vícios de forma por ausência de fundamentação e preterição de formalidades legais, mais devendo enquadrar-se este fundamento da oposição no artº.204, nº.1, al.i), do C. P. P. Tributário.
3. Para o efeito da definição de qual o regime normativo aplicável à decisão de reversão do processo de execução fiscal, no que respeita aos requisitos para a respectiva efectivação, importa o momento em que a citada reversão é decretada.
4. O despacho de reversão, embora proferido num processo de natureza judicial, tem a natureza de acto administrativo (cfr.artº.120, do C.P.A.), pelo que são de considerar em relação a ele as exigências legais próprias deste tipo de actos, designadamente, no que concerne à fundamentação (cfr.artºs.268, nº.3, da C.R.Portuguesa, e 23, nº.4, e 77, da L.G.T.).
5. No caso de reversão baseada no artº.24, nº.1, al.b), da L. G. Tributária (reversão assenta numa presunção de culpa), a fundamentação deverá consistir na indicação dos respectivos pressupostos de facto, bem como das normas legais em que se baseia, tal como na extensão da mesma reversão.
6. Não cabe ao Tribunal, sob pena de ilegal intromissão na actividade administrativa e de intolerável restrição dos direitos dos administrados, substituir-se à Administração Fiscal na fundamentação do despacho que determinou que a execução fiscal revertesse contra o aqui recorrente, procurando e elegendo agora, de entre as várias possibilidades que podem, em abstracto, justificar tal decisão, aquela que se lhe afigure mais ajustada à situação.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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A..., com os demais sinais dos autos que dou aqui por reproduzidos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmo. Juiz do T.A.F. de Loulé, exarada a fls.238 a 256 do presente processo, a qual julgou parcialmente procedente a oposição intentada pelo recorrente visando as execuções fiscais nº.1112-2004/100170.1, 1112-2004/102354.3 e 1112-2004/102512.0 e aps., que correm seus termos no Serviço de Finanças de Portimão, contra o opoente revertidas e tendo por objecto a cobrança de dívidas de I.R.C., relativas a 2001 e 2003, de I.R.S. referentes a 2002 e 2003, de I.V.A., atinentes a 2002 e 2003, e Coimas Fiscais, tudo no montante total de € 7.837.693,04.
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O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.296 a 311 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-Na óptica do Tribunal “a quo”, conforme decorre da douta sentença ora recorrida, o ora recorrente não cumpriu o ónus de prova que lhe cabia no sentido de demonstrar que não lhe foi imputável a falta de pagamento da dívida exequenda, estando assim integralmente verificados os pressupostos da responsabilidade subsidiária e de reversão do processo de execução fiscal relativo a I.R.C., do ano de 2001;
2-Na óptica do ora recorrente, o despacho de reversão da dívida objecto do presente recurso padece de vício de falta de fundamentação, o que implica uma manifesta violação do disposto no artº.77, da L.G.T., uma vez que o mesmo é totalmente omisso quanto ao preenchimento dos pressupostos legais ou satisfação dos requisitos necessários para efectivação da responsabilidade subsidiária no caso em apreço;
3-Ou seja, os presentes autos de execução fiscal são totalmente omissos quanto à responsabilidade do ora recorrente pela alegada falta de bens penhoráveis na esfera da empresa “B...”, sendo inequívoco, à luz da análise conjugada dos artºs.23 e 24, da L.G.T., que tal apreciação deveria ter sido efectuada em sede dos respectivos autos, sob pena de manifesta falta de verificação legal dos pressupostos para operar a reversão e falta de fundamentação do despacho que opera a mesma;
4-Considerando que o despacho de reversão é omisso quanto aos requisitos legais de fundamentação da decisão de reversão do processo contra o ora recorrente e que a fundamentação constitui um requisito intrínseco do acto tributário, conclui-se pela anulabilidade do acto tributário em causa, por falta da fundamentação legalmente exigida e concomitante violação do disposto nos artºs.268, nº.3, da C.R.Portuguesa, 23, nº.4 e 77, da L.G.T., o que não deixará de ser sindicado por este Venerando Tribunal;
5-Acresce que, no entender do ora recorrente e conforme demonstrado nas presentes alegações, não se mostram preenchidos os requisitos substantivos previstos no artº.24, da L.G.T., para que seja efectivada a responsabilidade do ora recorrente pelas dívidas fiscais da “B...” do período de tributação em apreço;
6-No caso em análise, e ainda que a Administração Tributária não tenha cuidado, sequer, de fundamentar a reversão com base em qualquer destas alíneas, sempre terá de se entender que a sua eventual responsabilização ocorrerá por via do artº.24, nº.1, al.b), da L.G.T., uma vez que o ora recorrente exerceu as funções de gerente da “B...”, ininterruptamente, desde a sua constituição até à presente data;
7-Sucede que, ao contrário do entendimento defendido pelo Tribunal “a quo” na douta sentença ora recorrida, e como resulta da factualidade exposta e da prova documental junta aos autos, o recorrente não pode ser responsabilizado, a qualquer título, pela insuficiência do património da empresa “B...”, o que implicará a procedência da oposição e a anulação do despacho de reversão das dívidas em causa;
8-Com efeito, no caso em apreço, não existe culpa do ora recorrente na insuficiência do património da “B...”, uma vez que não existe, efectivamente, qualquer nexo de causalidade entre o facto - a insuficiência do património da executada para a satisfação das dívidas tributárias - e a vontade do autor, responsável subsidiariamente, nessa medida, por aquelas;
9-Concretamente, não existiu qualquer conduta culposa por parte do ora recorrente susceptível de preencher os requisitos previstos no artº.24, nº.1, al.b), da L.G.T., uma vez que a insuficiência patrimonial da “B...” para solver as suas dívidas fiscais não decorreu de qualquer comportamento ou acto de gestão que lhe seja imputável, mas apenas e tão-só de um decréscimo acentuado da actividade comercial da sociedade, por razões externas à sua própria actividade, da qual resultou uma diminuição significativa do respectivo volume de negócios;
10-Tal decréscimo de actividade esteve, inclusivamente, na base da decisão tomada, oficiosamente, por parte da Administração Tributária, no início do ano de 2004, no sentido da cessação da actividade da “B...”, ao abrigo do disposto no artº.33, nº.2, do C.I.V.A., pelo que, considerando que o prazo de pagamento voluntário da dívida objecto do presente recurso terminou no final do mês de Outubro de 2003, é evidente que já nesta data se verificava uma situação de falta de exercício de actividade efectiva, que impediu a obtenção de receitas fiscais e a manutenção de património na esfera da sociedade executada, que lhe permitisse cumprir as suas obrigações fiscais, o que se invoca para os devidos efeitos legais;
11-Concretizando, atento o significativo decréscimo de actividade da sociedade, bem como os montantes da dívida em causa, não só a “B...” jamais teria capacidade para a solver, como ficou, seriamente, comprometida a sua sobrevivência, sem que para tanto o ora recorrente pudesse evitar a falta de património e capacidade financeira da sociedade para solver a referida dívida tributária;
12-Tudo resumido, é evidente que o ora recorrente logrou elidir a presunção de culpa constante do artº.24, nº.1, al.b), da L.G.T., ficando demonstrado nos presentes autos os factos que originaram a insuficiência patrimonial da sociedade executada;
13-Requer-se, assim, a procedência do presente recurso, uma vez que o ora recorrente não é objectivamente culpado pela falta de património da “B...” para solver as suas dívidas tributárias, o que determinará a falta de verificação dos pressupostos legais para a sua responsabilização subsidiária nos termos do artº.24, nº.1, al.b), da L.G.T., o que se invoca para os devidos efeitos legais, mormente a anulação da decisão ora recorrida na parte que julgou o pedido do recorrente improcedente e ainda a anulação do despacho que ordenou a reversão no processo de execução fiscal objecto melhor identificados nos presentes autos, tudo com as demais consequências legais;
14-Nestes termos, e nos melhores de Direito que os mui Ilustres Juízes Desembargadores deste Venerando Tribunal assim o julgarem no seu mui douto juízo, deve o recurso interposto pelo ora recorrente ser julgado totalmente procedente, por provado, devendo a sentença na parte ora recorrida ser anulada, nos termos acima melhor expostos e assim fazendo, Vossas Excelências, a costumada Justiça!
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido da total improcedência do presente recurso, sustentando, em síntese (cfr.fls.327 dos autos):
1-Sendo o recorrente o gerente de facto e de direito da devedora originária, não cumpriu o ónus da prova de afastamento da presunção legal da respectiva responsabilidade e culpa, consagrado no artº.24, da L.G.Tributária, e quanto às dívidas em causa;
2-Pelo que, não se demonstra qualquer vício na sentença recorrida a qual deve ser confirmada por esta instância judicial de recurso.
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Corridos os vistos legais (cfr.fls.330 do processo), vêm os autos à conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.244 a 248 dos autos):
1-Em 7/1/2004, foi instaurado o processo de execução fiscal nº.1112-2004/100170.1, contra a executada “B... - Equipamentos de Informática, Unipessoal, Lda.”, pessoa colectiva nº.505 161 699, por dívida de I.R.C., do ano de 2001, sendo a respectiva quantia exequenda inicial de € 111.642,05 (cfr.documentos juntos a fls.73 e 74 dos processo de execução apenso);
2-O prazo para pagamento voluntário da dívida a que se refere o nº.1 terminou em 29/10/2003 (cfr.documento junto a fls.74 do processo de execução apenso);
3-Do auto de diligência constante de fls.76 do processo de execução apenso, certificou o funcionário do Serviço de Finanças:
«…Certifico que não pude cumprir o mandado que antecede em virtude das diversas vezes que me desloquei à sede da empresa, encontrei-a sempre fechada, não me tendo sido possível, por esta razão, contactar o gerente.
Também verifiquei neste serviço de Finanças, que a correspondência enviada, nomeadamente relativa a execuções fiscais, tem vindo sistematicamente devolvida.
Pelas diligências a que procedi não me foi possível descobrir o paradeiro do sócio gerente A... de que são testemunhas presentes C...e D..., presumindo-se que se ausentou para parte incerta.
Pelas mesmas razões, não me foi possível averiguar o paradeiro dos veículos indicados.
O referido gerente A..., contribuinte nº.229 618 219, residente na Urbanização Oassis ..., em Portimão, é proprietário do prédio artigo nº.13 453-B, da freguesia de Portimão.
Por ser verdade e para constar lavrei o presente auto que vai assinado pelo oficial de diligências D... e por mim, E..., que o escrevi…»
4-No âmbito deste processo, foram efectuados dois pagamentos por conta da dívida exequenda, nos montantes de € 16.500,00 e € 20.000,00, em 21/6/2004 e 29/3/2004, respectivamente (cfr.documentos juntos a fls.77 e 78 do processo de execução apenso);
5-Em 3/2/2005, foi proferido despacho nos termos do qual se ordenou a preparação do processo para efeitos do exercício do direito de audição prévia, tendo em vista a reversão da dívida contra o responsável subsidiário (cfr.documentos juntos a fls.83 a 86 do processo de execução apenso);
6-Em 2/3/2005, foi proferido despacho de reversão da dívida exequenda contra o responsável subsidiário (cfr.documentos juntos a fls.87 a 91 do processo de execução apenso);
7-O ora oponente foi citado em 19/5/2005 (cfr.documento junto a fls.92 do processo de execução apenso);
8-Em 13/8/2004, foi instaurado o processo de execução fiscal nº.1112-2004/0102354.3 contra a executada “B... - Equipamentos de Informática, Unipessoal, Lda.”, para cobrança coerciva de dívidas de I.V.A., dos anos de 2002 e 2003, sendo a respectiva quantia exequenda inicial de € 7.738.857,42 (cfr.documentos juntos a fls.93 a 102 do processo de execução apenso);
9-O prazo para pagamento voluntário da dívida a que se refere o número anterior terminou em 30/6/2004 (cfr.documentos juntos a fls.94 a 102 do processo de execução apenso);
10-A executada foi citada em 27/8/2004 (cfr.documentos juntos a fls.93 a 103 do processo de execução apenso);
11- Pelo auto de diligência de fls.105 do apenso certificou o funcionário do Serviço de Finanças:«(…)
Certifico que tendo-me deslocado hoje à Rua José António Marques, n°.3-C e 2- B, em Portimão, na companhia do oficial de diligências D..., para dar cumprimento ao mandado que antecede, verificámos não o poder cumprir em virtude de não termos encontrado quaisquer bens penhoráveis pertencentes á firma executada B... - Equipamentos de Informática Unipessoal, Lda., nem constar que os possua em qualquer outro lugar.
É gerente A..., contribuinte no. 229 618 219, residente na Urbanização .......
Por ser verdade e para constar lavrei o presente auto que vai assinado pelo oficial de diligências D... e por mim, E..., que o escrevi.»
12-Em 2/3/2005, a execução reverteu contra o oponente para cobrança coerciva das seguintes dívidas (cfr.fls.110 e 111 do apenso):

13-O ora oponente foi citado, pessoalmente, do despacho de reversão, em 19/5/2005 (cfr.documento junto a fls.116 do processo de execução apenso);
14-Em 10/10/2004, foi instaurado o processo de execução fiscal nº.1112-200410102512.0 e apensos, contra a executada “B... - Equipamentos de Informática, Unipessoal, Lda.”, pessoa colectiva nº.505 161 699, por dívida de I.R.S., dos anos de 2002 e 2003, e I.R.C., do ano de 2003, sendo a respectiva quantia exequenda inicial de € 8.777,15 (cfr.documentos juntos a fls.118 a 121 do processo de execução apenso);
15-O prazo para pagamento voluntário da dívida a que se refere o número anterior terminou em 26/5/2004 (cfr.documentos juntos a fls.119 a 121 do processo apenso);
16-A este processo encontra-se apensado o processo nº.1112-2005/0100139.6, no valor de € 4.144,50, respeitante a coima fiscal (cfr.documentos juntos a fls.133 a 135 do processo de execução apenso);
17-A decisão que aplicou a coima a que se refere o número anterior transitou em 21/10/2004 (cfr.documento junto a fls.134 do processo de execução apenso);
18- Pelo auto de diligência de fls.123 do apenso, certificou o funcionário do Serviço de Finanças em 17/5/2005:
«(…)
Certifico que não pude cumprir o mandado que antecede, em virtude da firma B..., Equipamento Informática Unipessoal Lda., já não ter na morada indicada qualquer representação, conforme verifiquei no local.
Pelas averiguações a que procedi, contactei a proprietária do imóvel da sede da executada, Dr. F..., que informou que a empresa já ali não tem a sede e que foi revogado o contrato de arrendamento, conforme cópia do acordo de revogação que me facultou e que junto à presente certidão.
Igualmente averiguei ser desconhecido o paradeiro do gerente da executada, A..., cont.229 618 219.
Por ser verdade e para constar lavrei a presente certidão que vai ser assinada pelo oficial de diligências D..., pela proprietária do imóvel por mim, E..., que o subscrevi.»
19-Em 26/4/2005, foi proferido despacho de reversão da dívida exequenda contra o responsável subsidiário (cfr.documento junto a fls.131 do processo de execução apenso);
20-O ora oponente foi citado pessoalmente do despacho de reversão em 19/5/2005 (cfr.documento junto a fls.132 do processo de execução apenso);
21-A petição inicial foi apresentada em 21/6/2005, conforme carimbo aposto a fls.5 dos presentes autos;
22-A devedora originária obrigava-se com a assinatura de um gerente (cfr.documento junto a fls.81 do processo de execução apenso);
23-O Oponente foi designado gerente da devedora originária no contrato de sociedade (cfr.documento junto a fls.81 do processo de execução apenso);
24-O oponente exerceu as funções de gerente da executada “B... - Equipamentos de Informática, Unipessoal, Lda.”, ininterruptamente, desde a sua constituição até à presente data (cfr.factualidade admitida pelo oponente na douta p.i. e não contrariada pelo Representante da Fazenda Pública);
25-A Administração Fiscal procedeu a inspecção à actividade do oponente e elaborou o relatório de fls.33 e seg. dos presentes autos, de 23/2/2004, que aqui se dá por integralmente reproduzido e donde resulta com interesse para a decisão:
«(…)
L2 — Descrição sucinta das conclusões da acção de inspecção
IRS - Falta de pagamento de retenções na fonte, nos termos do n.° 3 do artigo 98.° do CIRS (Cap.III.1)
2002 : € 2.817,87
2003 : € 1.356,42
IRC- Falta de pagamento de retenções na fonte, nos termos do n.º 6 do art.º 88 do CIRC
(Cap. III.1)
2003: € 4.200,00
IVA— Correcções meramente aritméticas (Cap. III.2)
Falta de liquidação nos termos dos artigos 8° e 28° do RITI
2002: € 5.729.878,87
2003: € 1.517.759,18
(…)»
26-Pelo ofício nº.8895, de 24/3/2004, a Administração Fiscal notificou à devedora originária o relatório de inspecção a que se refere o número anterior (cfr.documento junto a fls.32 dos presentes autos);
27-Em 2/9/2004, o Serviço de Finanças de Portimão certificou que “ao compulsar os elementos existentes neste serviço, verificou que relativamente à empresa “B... - Equipamentos de Informática, Unipessoal, Lda.”, NPC 505161699, foi efectuada uma cessação oficiosa da actividade, ao abrigo do nº.2, do artº.33, do C.I.V.A., com efeitos a partir de 23/2/2004” (cfr.documento junto a fls.42 dos presentes autos);
28-Em 29/9/2004, a “B... - Equipamentos de Informática, Unipessoal, Lda.”, reclamou graciosamente contra as liquidações adicionais de I.V.A. dos anos de 2002 e 2003 e juros compensatórios (cfr.documentos juntos a fls.47 e seg. dos presentes autos que aqui se dão por integralmente reproduzidos);
29-Por despacho de 24/6/2008, foram anuladas as liquidações adicionais de IVA nºs. 94080255 e 04080259, de 2002 e 2003, respectivamente, bem como as liquidações dos juros compensatórios correspondentes (cfr.documentos juntos a fls.220 e seg. dos presentes autos);
30-A fracção F do prédio urbano inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 13453, da freguesia de Portimão, foi vendida a G...em 8/11/1999 (cfr.documento junto a fls.110 dos presentes autos);
31-A fracção B do prédio urbano inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 13453, da freguesia de Portimão, foi vendida a H...em 14/9/2004 (cfr.documento junto a fls.109 dos presentes autos).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte “…para a decisão da causa, sem prejuízo das conclusões ou alegações de matéria de direito produzidas, de relevante, não se provou que a devedora originária na altura do despacho de reversão fosse titular de quaisquer bens móveis ou imóveis…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte “…todos os factos têm por base probatória, os documentos referidos em cada ponto…”.
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Dado que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou em prova documental constante dos presentes autos e apenso, este Tribunal, adita a seguinte factualidade que se reputa relevante para a decisão, nos termos do artº.712, nºs.1, al.a), e 2, do C. P. Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário):
32-O projecto de decisão de reversão no processo de execução fiscal nº.1112-2004/100170.1 a que se faz referência no nº.5 supra, baseou-se na ausência de bens penhoráveis existentes em nome da sociedade executada originária,B... - Equipamentos de Informática, Unipessoal, Lda.” (cfr.documento junto a fls.83 do processo de execução apenso; informação exarada a fls.75 a 78 dos presentes autos);
33-Do despacho de reversão a que se refere o nº.6 supra consta, além do mais, o seguinte: “…prossiga-se com a reversão da execução fiscal contra A...…, na qualidade de responsável subsidiário…, sendo os fundamentos da reversão a inexistência de bens penhoráveis ao originário devedorB... - Equipamentos de Informática, Unipessoal, Lda.”…” (cfr.documento junto a fls.87 do processo de execução apenso);
34-O opoente/recorrente, A..., com o n.i.f. 229 618 219, assumiu a gerência da empresa executada originária,B... - Equipamentos de Informática, Unipessoal, Lda.” na data de constituição da mesma, em 20/10/2000, sendo o único gerente da sociedade (cfr.cópia da certidão do registo comercial junta a fls.79 a 82 do processo de execução apenso).
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Alicerçou-se a convicção do Tribunal, no que diz respeito à matéria de facto aditada, no teor dos documentos e informações oficiais referidos em cada número do probatório.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou parcialmente improcedente a oposição que originou o presente processo, quanto às dívidas cujo prazo legal de pagamento ocorreu antes de 23/2/2004 (data da cessação oficiosa da actividade da sociedade executada originária), ou seja, as dívidas de I.R.C., do ano de 2001, visto que o oponente nenhuma prova apresentou de que não lhe foi imputável a falta de pagamento, nos termos da alínea b), do nº.1, do artº.24, da L.G.T.
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Levando em consideração o trânsito em julgado da sentença da 1ª. Instância nesta parte e também o princípio da proibição da “reformatio in peius” (cfr.artº.684, nº.4, do C.P.Civil) não deve este Tribunal apreciar a sentença recorrida no trecho que julgou procedente a oposição que originou o presente processo, portanto quanto às dívidas revertidas de I.R.C., relativas a 2003, de I.R.S., referentes a 2002 e 2003, de I.V.A., atinentes a 2002 e 2003, e de Coimas Fiscais.
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Desde logo, se refere que são as conclusões das alegações do recurso que, como é sabido, definem o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artºs.684 e 690, do C.P.Civil, então em vigor; António Santos Abrantes Geraldes, Recurso em Processo Civil, Novo Regime, 2ª. Edição Revista e Actualizada, 2008, Almedina, pág.89 e seg.; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.41).
O recorrente dissente do julgado, na parte em que a oposição por si apresentada foi considerada improcedente pelo Tribunal “a quo” (dívida revertida de I.R.C., do ano de 2001 e no montante total de € 111.642,05-cfr.nº.1 da matéria de facto provada), alegando, antes de mais, como supra se alude, que o despacho de reversão da dívida objecto do presente recurso padece do vício de falta de fundamentação, sendo que a fundamentação constitui um requisito intrínseco do acto tributário, pelo que se conclui pela anulabilidade do acto tributário em causa, por falta da fundamentação legalmente exigida e concomitante violação do disposto nos artºs.268, nº.3, da C.R.Portuguesa, 23, nº.4 e 77, da L.G.T. (cfr.conclusões 1 a 4 do recurso).
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
O instituto da reversão é exclusivo da execução fiscal, sendo desconhecido na execução comum, e traduz-se numa modificação subjectiva da instância, pelo chamamento, a fim de ocupar a posição passiva na acção, de alguém que não é o devedor que figura no título. O legislador só consagrou o instituto da reversão na execução fiscal, como alteração subjectiva da instância executiva, para possibilitar que, por essa via, se cobrem, no mesmo processo executivo, as dívidas de impostos, mesmo de quem não ocupa, inicialmente, a posição passiva na execução, por não figurar no título executivo. O que se justifica em atenção à natureza da dívida e aos interesses colectivos em jogo (o legislador concebeu a execução fiscal como um meio mais expedito e célere do que a execução comum, visando a cobrança coerciva das dívidas fiscais), e à certeza e liquidez destas dívidas, atributos que não adornam, necessariamente, as dívidas não tributárias (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 6/2/2002, rec.25037; Carlos Paiva, O Processo de Execução Fiscal, Almedina, 2008, pág.179 e 180).
Mais se dirá que, de acordo com a jurisprudência do S.T.A. e a doutrina que subscreve-mos, é a oposição à execução o meio processual adequado para o executado, por reversão, discutir em juízo o despacho determinativo dessa reversão, nomeadamente, imputando-lhe vícios de forma por ausência de fundamentação e preterição de formalidades legais, mais devendo enquadrar-se este fundamento da oposição no artº.204, nº.1, al.i), do C. P. P. Tributário (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 8/3/2006, rec.1249/05; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 11/4/2007, rec.172/07; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2007, pág.650 e seg.; António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária anotada, Rei dos Livros, 2000, pág.134).
Para o efeito da definição de qual o regime normativo aplicável à decisão de reversão do processo de execução fiscal, no que respeita aos requisitos para a respectiva efectivação, importa o momento em que a citada reversão é decretada (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 13/04/2005, rec.100/05; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 27/04/2005, rec.101/05).
No caso “sub judice”, a reversão da execução fiscal nº.1112-2004/100170.1, a qual tem por objecto a dívida de I.R.C., do ano de 2001, sendo a respectiva quantia exequenda inicial de € 111.642,05, foi ordenada em 2/3/2005 (cfr.nº.6 da matéria de facto provada), pelo que, o regime normativo aplicável é o constante dos artºs.23, da L. G. Tributária, e 153, do C. P. P. Tributário.
Releve-se que a efectivação da responsabilidade subsidiária ocorre, atento o estatuído no artº.23, da L. G. Tributária, com a reversão do processo de execução fiscal, desde que verificada a fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal.
A jurisprudência dominante propugnava, no período de vigência do C. P. Tributário, e do anterior C. P. C. Impostos, no sentido de que a reversão do processo de execução fiscal contra os responsáveis subsidiários não podia ocorrer sem a prévia excussão do património do devedor originário. Porém, a alteração legislativa promovida pela L. G. Tributária, designadamente no seu artº.23, concretizada pelas normas ínsitas no artº.153, do C. P. P. Tributário, importou numa evolução jurisprudencial no sentido da presente admissibilidade da reversão do processo de execução fiscal, perante a fundada insuficiência do património do originário devedor, sem a necessária e prévia excussão deste. Não obstante, o artº.23, nº.3, da L. G. Tributária, prevê a protecção do revertido mediante a suspensão do processo de execução desde o termo do prazo de oposição até à completa excussão do património do executado originário ou dos eventuais responsáveis solidários (cfr.Diogo Leite de Campos e outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis, 2003, pág.135; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2007, pág.48 e seg.; Carlos Paiva, O Processo de Execução Fiscal, Almedina, 2008, pág.179 e seg.).
O despacho de reversão, embora proferido num processo de natureza judicial, tem a natureza de acto administrativo (cfr.artº.120, do C.P.A.), pelo que são de considerar em relação a ele as exigências legais próprias deste tipo de actos, designadamente, no que concerne à fundamentação (cfr.artºs.268, nº.3, da C.R.Portuguesa, e 77, da L.G.T.). Isto é, o revertido deve, através da fundamentação do acto de reversão, ficar em condições de se aperceber das razões de facto e de direito que levaram o órgão de execução fiscal a decidir como decidiu e de poder impugnar a decisão por erro nos pressupostos ou qualquer outro vício. Assim, para além de indicação dos pressupostos de facto em que assenta a decisão de reversão, nos casos em que esta não assenta numa presunção de culpa (cfr.o que sucede nos casos previstos no artº.24, nº.1, al.b), da L.G.T.), deverá constar do despacho de reversão, directamente ou através de remissão (cfr.artº.125, nº.1, do C.P.A.), a indicação das razões que levaram o órgão da execução fiscal a formular o juízo sobre a culpa do revertido na génese da insuficiência do património da executada originária para solver as dívidas fiscais (cfr.artº.24, nº.1, al.a), da L.G.T.) ou a indicação da violação de deveres que justifica a reversão (cfr.artº.24, nºs.2 e 3, da L.G.T.) ou, ainda, a relação entre a falência ou insolvência do estabelecimento individual de responsabilidade limitada e a actividade do seu titular (cfr.artº.25, da L.G.T.). Já no caso de reversão baseada no citado artº.24, nº.1, al.b), da L. G. Tributária, a fundamentação deverá consistir na indicação dos respectivos pressupostos de facto, bem como das normas legais em que se baseia, tal como na extensão da mesma reversão (cfr.artº.23, nº.4, da L.G.T.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2007, pág.51; Diogo Leite de Campos e outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis, 2003, pág.135; António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária anotada, Rei dos Livros, 2000, pág.133 e 134).
“In casu”, da análise da matéria de facto provada conclui-se que o projecto de reversão do processo de execução fiscal nº.1112-2004/100170.1 contra o opoente, o qual foi ordenado em 3/2/2005 (cfr.nº.5 da matéria de facto provada), se baseou na ausência de bens penhoráveis existentes em nome da sociedade executada originária,B... - Equipamentos de Informática, Unipessoal, Lda.” (cfr.nº.32 da matéria de facto provada). Por sua vez, o despacho de reversão teve a seguinte fundamentação: “…prossiga-se com a reversão da execução fiscal contra A...…, na qualidade de responsável subsidiário…, sendo os fundamentos da reversão a inexistência de bens penhoráveis ao originário devedorB... - Equipamentos de Informática, Unipessoal, Lda.”…” (cfr.nº.33 da matéria de facto provada).
É em face desta declaração que cumpre aferir da suficiência da fundamentação do despacho de reversão.
Ora, face à factualidade provada a questão da falta de fundamentação deve colocar-se. Assim é, porquanto e além do mais, no despacho de reversão não existe referência alguma à disposição legal em que a A. Fiscal se alicerçou para considerar que o oponente/recorrente é responsável subsidiário pelas dívidas exequendas. Na verdade, o despacho de reversão é totalmente omisso quanto à disposição legal em que a Fazenda Pública fundamenta a responsabilidade subsidiária do recorrente. Como é sabido, os casos de responsabilidade subsidiária são vários e estão elencados nos artºs.24 a 28, da L. G. Tributária, sendo que, na decisão de reversão sob exame não encontramos referência a qualquer desses preceitos, nem directamente, nem por remissão para qualquer outro elemento do processo. E recorde-se que não cabe ao Tribunal, sob pena de ilegal intromissão na actividade administrativa e de intolerável restrição dos direitos dos administrados, substituir-se à Administração Fiscal na fundamentação do despacho que determinou que a execução fiscal revertesse contra o aqui recorrente, procurando e elegendo agora, de entre as várias possibilidades que podem, em abstracto, justificar tal decisão, aquela que se lhe afigure mais ajustada à situação (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 2/4/2009, rec.1130/08; ac.T.C.A.Norte-2ª.Secção, 18/2/2010, proc.381/06.2BECBR).
Pelo que, ainda que se considere haver mera insuficiência de fundamentação, esta é equiparada à falta de fundamentação, tendo como consequência a anulação do despacho de reversão sob exame (cfr.artº.125, nº.2, do C.P.A.).
Por tudo o que deixámos dito, o recurso merece provimento, não podendo manter-se a decisão de improcedência parcial da oposição à execução fiscal, que será revogada e substituída por outra, que, julgando a oposição procedente, anule o despacho de reversão com base em falta de fundamentação, prejudicado ficando o exame do outro esteio do recurso (cfr.artº.660, nº.2, do C.P.Civil).
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO, revogar a sentença recorrida na parte objecto da presente apelação, julgar procedente a oposição e anular o despacho de reversão exarado no âmbito da execução fiscal nº.1112-2004/100170.1, a qual corre seus termos no Serviço de Finanças de Portimão.
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Condena-se a Fazenda Pública em custas, apenas na 1ª. Instância.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 14 de Junho de 2011


(Joaquim Condesso - Relator)
(Eugénio Sequeira - 1º. Adjunto)

(Aníbal Ferraz - 2º. Adjunto)