Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:622/10.1BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:06/09/2022
Relator:HÉLIA GAMEIRO SILVA
Descritores:OPOSIÇÃO
FALTA DE NOTIFICAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO
INEXIGIBILIDADE DA DIVIDA EXEQUENDA
Sumário:I - A notificação, dos atos tributários ou, em matéria tributária que afete direitos e interesses legítimos dos contribuintes, constitui condição de eficácia dos atos notificados aos destinatários, conforme, claramente, resulta do artigo 36.º do CPPT, supra citado, da expressão: “só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados” – artigo 36.º do CPPT
II - A falta de notificação válida tem como cominação a ineficácia do ato notificado, o que impede que a dívida seja exigível, a jurisprudência tem sido unanime ao enquadrar esta situação na alínea i) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, sendo indiferente, para este efeito, que o ato de liquidação enferme de qualquer vício, situação que diverge da que se encontra prevista na alínea e) da mesma disposição legal, que se reporta às situações em que a notificação da liquidação do tributo, embora válida, chegou ao conhecimento do seu destinatário após o prazo de caducidade do direto à liquidação.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1.ª Sub-secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

1 – RELATÓRIO

J...., melhor identificado nos autos, veio deduzir OPOSIÇÃO JUDICIAL ao processo de execução fiscal n.º 1503….., contra si instaurado no Serviço de Finanças de Cascais 2, para cobrança de dívida de IRS do exercício de 2005.

O Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra, por decisão de 28 de fevereiro de 2019, julgou totalmente procedente a oposição e determinou a extinção da execução fiscal instaurada contra o oponente.

Inconformada, a Fazenda Pública, veio recorrer contra a referida decisão, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões:

« A. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença proferida nos autos identificados que julga procedente a oposição deduzida pelo Oponente J.... do processo de execução fiscal n.° 1503….. com termos no Serviço de Finanças de Cascais 2 para cobrança de dívida de IRS referente ao exercício de 2005.

B. Discorda a Fazenda Pública, com o devido respeito, do entendimento sufragado na douta sentença, e com o mesmo não se conforma, porquanto procede a uma errónea apreciação dos factos pertinentes para efeitos de decisão, com adicional défice instrutório em violação do disposto no artigo 13.° do CPPT.

C. Ora, conforme resulta dos factos constantes de alíneas A. e B. a demonstração de liquidação de IRS de 2005, no valor de € 6.816,00, subjacente aos presentes autos de oposição foi notificada ao Oponente por via postal registada por meio de registo simples dos CTT com o n.° RY48….. - doc. 4 da contestação.

D. E conforme resulta dos factos constantes nas alíneas C. e D. a demonstração de acerto de contas resultante da compensação datada de 20-10-2009, da qual resultou o montante a pagar de € 1.324,20, foi remetida ao oponente por meio de carta registada simples com o registo dos CTT n.° RY48…., conforme doc. 7 da contestação.

E. Mais resultando tais factos de fls. 27, 28, 29 e 30 do processo de execução fiscal, sendo que, de fls. 30 do processo de execução fiscal e docs. 5 e 8 da contestação consta o comprovativo de envio das referidas notificações de demonstração de liquidação e de demonstração da compensação com o valor de € 1.324,20.

F. No entanto, o facto assente da alínea F. do probatório da douta sentença não resulta comprovado nos autos, pois, para além de resultar, desde logo, da própria análise dos documentos 4 e 7 da contestação não corresponderem os mesmos a notificações devolvidas pelo serviço de correio (como não poderiam, por não serem os documentos enviados, mas meras cópias), pois que, dos mesmos não consta a aposição de qualquer menção de devolução por parte dos serviços de correio, vejamos que é facto alegado nos artigos 8.° e 10.° da contestação corresponderem os documentos a reimpressões efectuadas pela Direcção Geral de Informática e Apoio aos Serviços Tributários e Aduaneiros dos documentos originais que foram remetidos ao oponente e pelo mesmo recebidos.

G. E foram tais notificações recebidas pelo oponente em 26/10/2009 e em 27/10/2009, conforme informação constante da base de dados da AT - Sistema de Electrónico de Citações e Notificações - a fls. 32 do PEF, informação essa confirmada pela informação facultada pela entidade encarregue de proceder à entrega da correspondência, os CTT, a fls. 51 e 52 do PEF.

H. De tais documentos consta, quanto à notificação da liquidação de IRS de 2005, remetida por meio de registo simples com o n.° RY48….. de 22/10/2009, ter sido a entrega ao oponente concretizada a 27/10/2009, e quanto à notificação da demonstração da compensação n.° 2009 17….., também remetida ao oponente por meio de registo simples com o n.° RY48….. de 23-10-2009, ter sido a entrega concretizada em 26/10/2009.

I. A apresentação/aceitação das cartas nos serviços de correio foi facto alegado, e devidamente demonstrado por meio dos documentos 1, 5 e 8 da contestação, bem como demonstrado a fls. 30 e 32 e fls. 51 e 52 do PEF, de onde resulta comprovado o envio para a morada constante do cadastro da AT a 22/10/2009 (RY48…..) e a 23/10/2009 (RY48…..), mais resultando comprovado, por meio dos registos informáticos de entidade terceira a quem incumbe o serviço de correio, a recepção da correspondência pelo oponente - notificação da liquidação de IRS e notificação da demonstração de compensação de que resulta o valor a pagar de € 1.324,20 - a 26/10/2009 e a 27/10/2009, factos estes que deveriam constar do probatório.

J. Deste modo, do confronto entre os documentos 4 e 7 da contestação (cópias das notificações enviadas ao oponente), os dados constantes do sistema electrónico de citações e notificações da AT e os registos constantes do site dos CTT, que nos indicam a data em que foram emitidas as notificações relativas à liquidação e demonstração de compensação, o número do registo postal dessas notificações, bem como a indicação de que foram recebidas e a respectiva data da recepção, resultam comprovadas as notificações, pelo que, conhecendo o prazo de caducidade da liquidação de IRS referente ao ano de 2005 o seu terminus em 31/12/2009, está comprovada a notificação da liquidação, e dentro do prazo de caducidade, inexistindo fundamento para o julgamento procedente da oposição.

K. Sem prescindir, e ainda que entendesse o Tribunal a quo não determinarem os factos acima descritos a inelutável demonstração de que a liquidação foi notificada ao oponente, e dentro do prazo de caducidade, sempre ao Tribunal se imporia, ao abrigo do inquisitório ínsito no artigo 13.° do CPPT, e em ordem a alcançar a verdade material que aos autos importa assegurar, a adopção de diligências tendentes a verificar da concretização, ou não, de notificação anterior do oponente para efeitos de direito de audição na sequência das correcções propostas em sede de IRS, e subsequentemente concretizadas, pela Administração Tributária no referente à matéria tributável do ano de 2005.

L. De facto, admite o Tribunal a quo a possibilidade de conhecimento oficioso no referente a eventuais notificações do oponente para efeitos do direito de audição, e demite-se de a tal conhecimento proceder com fundamento no facto de nada vir alegado ou demonstrado nos autos, e de não constar nos autos “qualquer indicação nesse sentido”, e assim, aventando a possível solução de ter sido o oponente notificado em sede de procedimento tendente à correcção da matéria tributável ocorrida e culminado na emissão da liquidação de IRS do ano de 2005, ao Tribunal a quo se impunha averiguar de tal facto, determinante, na sua perspectiva, para a decisão da causa, diligenciando junto do Serviço de Finanças no intuito de conhecer dos termos de tal procedimento prévio à liquidação de IRS e da eventual notificação do oponente em momento anterior à liquidação e com referência a tal liquidação.

M. Demitindo-se de tal ónus, incorreu, pois, o Tribunal a quo em erro de julgamento de facto por défice instrutório determinado pela omissão de diligências probatórias que entendia pertinentes, em violação do disposto no artigo 13.° do CPPT.

N. Nos termos expostos, a douta sentença ao julgar procedente a presente oposição fê-lo incorrendo em erro de julgamento de facto, por incluir na alínea F. dos factos assentes da douta sentença facto não comprovado, e por não dar como factos provados os factos supra referidos e concernentes ao envio das notificações em apreço nos autos e sua recepção pelo oponente; mais incorrendo em défice instrutório decorrente da violação do disposto no artigo 13.° do CPPT, por se abster de adoptar as diligências que se mostravam necessárias a apurar da notificação ou não do oponente em momento prévio à liquidação, nomeadamente em sede de direito de audição, conforme solução pelo Tribunal a quo adiantada.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., concedendo-se provimento ao recurso, deverá a douta sentença ser revogada, com o julgamento improcedente da oposição, com as legais consequências.

Sendo que V. Exas. decidindo farão a Costumada Justiça.»


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A Recorrida, devidamente notificado para o efeito, não apresentou contra-alegações.

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O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal, nos termos do artigo 289.º n. º1 do CPPT, veio oferecer o seu parecer no sentido da procedência do recurso.

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Com dispensa de vistos legais, vem os autos submetido à conferência desta Subsecção do Contencioso Tributário para decisão.

2 - OBJETO DO RECURSO

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo Recorrente a partir das alegações que definem, o objeto dos recursos que vêm submetidos e consequentemente o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem, com ressalva para as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua apreciação (cfr. artºs 639.º, do CPC e 282.º, do CPPT).

Na situação sub júdice compete a este tribunal decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto por errónea apreciação dos factos, com adicional défice instrutório em violação do disposto no artigo 13.° do CPPT, ao decidir que o recorrente não foi notificado da liquidação de IRS referente ao ano de 2005, competindo, nessa medida, apreciar se face à prova produzida se pode retirar o contrário, aquilatando com as formalidades inerentes à notificação e suas consequências legais.


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3 – FUNDAMENTAÇÃO
A sentença recorrida considerou os seguintes factos provados:

«A. No dia 14/10/2009 os serviços da Administração Tributária procederam à liquidação oficiosa n.° 2009 5004….., com data de compensação de 20/10/2009, relativa a IRS de 2005 (cfr. Doc. 4 anexo à contestação, a fls. 33 dos autos - processo físico);

B. A demonstração de liquidação de IRS mencionada no ponto anterior foi remetida ao Oponente por carta registada com registo simples, com o registo CTT n.° RY48…. (cfr. Doc. 4 anexo à contestação, a fls. 33 dos autos - processo físico);

C. No dia 20/10/2009 foi efectuada a compensação n.° 200900……., da qual resultou um valor de €1.324,20 a pagar, conforme demonstração de acerto de contas n.° 2009 00….. (cfr. Doc. 7 anexo à contestação, a fls. 37 dos autos - processo físico);

D. A demonstração de acerto de contas referida no ponto anterior foi remetida ao Oponente por carta registada com registo simples, com o registo CTT n.° RY48…. (cfr. Doc. 7 anexo à contestação, a fls. 37 dos autos - processo físico);

E. A liquidação oficiosa de IRS do ano de 2005 resulta da correcção dos campos 503 (valor em dívida do empréstimo à data da alienação do bem) e 504 (valor de realização que pretende reinvestir sem recurso ao crédito) do quadro do anexo G da declaração Mod. 3 de IRS, relativo ao reinvestimento do valor de realização do imóvel destinado a habitação própria e permanente (cfr. Doc. 10 e 12, juntos aos autos a fls. 43 e 47, respectivamente)

F. Os invólucros postais correspondentes à notificação da demonstração de liquidação de IRS e à notificação da demonstração do acerto de contas, supra referidos nos pontos A. E C., respectivamente, foram juntos aos autos pela Fazenda Pública em sede contestação (cfr. Docs. 4 e 7 anexos à contestação, a fls. 33 e 37 dos autos - processo físico);

G. No dia 17/12/2009 foi instaurado no Serviço de Finanças de Cascais 1 o processo de execução fiscal n.° 1503….., para cobrança de dívidas provenientes de IRS do ano de 2005 (cfr. fls. 1 e 2 do PEF apenso aos autos);

H. No dia 05/02/2010 deu entrada no Serviço de Finanças de Cascais 1 requerimento apresentado pelo Oponente, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, e do qual se destaca o seguinte excerto:

"J...., tendo sido citado da instauração da execução fiscal à margem referenciada, vem, nos termos do art.° 165° do C.P.P. Tributário, arguir nulidade insanável nos termos e com os fundamentos que seguidamente se perfilam. (...)
2.
A citação efectuada não se fazia acompanhar do título executivo que originou os presentes autos, violando a alínea b) do n.° 1 do art.° 165° do CPPT (...)
Nestes termos, nos mais de direito e com o mui sempre douto suprimento de V. Exa., deve a presente arguição de nulidade ser aceite, e provada a matéria nela alegada, determinar-se:
- a anulação da citação realizada e consequente anulação de todos os actos subsequentes (...)" (cfr. Doc. a fls. 18 e 19 do PEF apenso aos autos);

I. O oponente foi citado pessoalmente no âmbito do PEF 1503…. no dia 10/02/2010, conforme certidão a fls. 21 do PEF apenso aos autos;

J. No dia 15/03/2010 deu entrada no Serviço de Finanças de Sintra 1 a petição inicial que deu origem aos presentes autos (cfr. carimbo aposto no documento a fls. 5 dos autos).


*

MOTIVAÇÃO: A convicção que permitiu dar como provados os factos acima descritos assentou na posição das partes vertida nos articulados e no teor dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, conforme discriminado em cada uma das alíneas do probatório.»

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Atento o disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, acorda-se em alterar a redação de parte da factualidade mencionada em A. e C., em virtude de resultarem dos autos elementos documentais que exigem tal alteração(1).

Termos em que se irá proceder à alteração da redação dos factos indicados, infra, por referência à sua enumeração por letras efetuada em 1.ª instância:

A. No dia 14/10/2009 os serviços da Administração Tributária procederam à liquidação oficiosa n.° 2009 5004…., com data de compensação de 20/10/2009, relativa a IRS de 2005, no montante de € 6.816.00, compensação n.º 2009 00…. (cfr. Doc. 4 anexo à contestação, a fls. 33 dos autos - processo físico);

C. No dia 20/10/2009 foi efetuada a compensação n.° 2009 00…., da qual resultou um valor de €1.324,20 a pagar, conforme demonstração de acerto de contas n.° 2009 00…., nos seguintes termos:


(cfr. Doc. 7 anexo à contestação, a fls. 37 dos autos - processo físico);

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De direito

Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou procedente a oposição e determinou a extinção da execução instaurada contra o, ali oponente, com fundamento na línea e) do n.º 1 do artigo 204.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), ou seja, por falta de notificação das liquidações dentro do prazo de caducidade.


Dissente a recorrente por considerar que a sentença recorrida faz uma “errónea apreciação dos factos pertinentes para efeitos de decisão, com adicional défice instrutório em violação do disposto no artigo 13.° do CPPT”. – concl. B. e N.

Para tanto alega que “conforme resulta dos factos constantes nas alíneas C. e D. a demonstração de acerto de contas resultante da compensação datada de 20-10-2009, da qual resultou o montante a pagar de € 1.324,20, foi remetida ao oponente por meio de carta registada simples com o registo dos CTT n.° RY489……, conforme doc. 7 da contestação” – concl. D.

Acrescenta que tais factos resultam ainda provados de fls. 27, 28, 29 e 30 do PEF, sendo que, de fls. 30 do respetivo processo de execução fiscal e docs. 5 e 8 da contestação “consta o comprovativo de envio das referidas notificações de demonstração de liquidação e de demonstração da compensação com o valor de € 1.324,20.” – concl. F.

Vejamos então.

A situação que nos ocupa reporta-se à notificação da liquidação oficiosa de IRS do exercício de 2005, cujo envio foi efetuado por correio registado e remetido ao seu destinatário em 2009 (pontos A. a D. do probatório)

Alega o oponente que não foi notificado da liquidação que se encontra na origem da instauração da execução fiscal aqui controvertida.
Por seu lado, a Fazenda Pública alega, e demonstra, que remeteu a demonstração da nota de liquidação por carta registada com registo simples, com o registo CTT n.° RY489…. e a notificação da demonstração do acerto de contas, por carta registada com registo simples, com o registo CTT n.° RY489…. – concl. B. e D.

Vejamos então, encetando a apreciação por convocar o quadro normativo das notificações em sede de IRS que se encontra consagrado no artigo 149.º do respetivo código (CIRS), na redação coeva(2) e que era o seguinte:

“ 1 - As notificações por via postal devem ser feitas no domicílio fiscal do notificando ou do seu representante.

2 - As notificações a que se refere o artigo 66º, quando por via postal, devem ser efetuadas por meio de carta registada com aviso de receção.

3 - As restantes notificações devem ser feitas por carta registada, considerando-se a notificação efetuada no 3º dia posterior ao do registo ou no 1º dia útil seguinte a esse, caso esse dia não seja dia útil.

4 - Não sendo conhecido o domicílio fiscal do notificando, as notificações podem ser feitas por edital afixado no serviço de finanças da área da sua última residência.

5 - Em tudo o mais, aplicam-se as regras estabelecidas no Código de Procedimento e de Processo Tributário.”

Por seu turno, o regime legal acolhido no CPPT em matéria de notificações vem conferir à notificação força capaz de integrar a causa de eficácia do ato notificado, sempre que está em presença de um ato lesivo, conforme decorre da redação do respetivo artigo 36.º(3).

Diz-se ali que:“[O]os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados.”.

Neste sentido, diz-nos o Jorge Lopes de Sousa(4) que; “[A]a notificação dos actos em matéria tributária (…) que afectem direitos e interesses legítimos é condição da sua eficácia em relação aos notificados, como se conclui do n.º 1 deste artigo.
Esta norma, em face da supremacia da LGT sobre o CPPT (art. 1.º deste) tem de ser interpretada em sintonia com o preceituado no n.º 6 do art.77.º da LGT, em que se determina que a eficácia da decisão do procedimento tributário depende da notificação, sem se estabelecer qualquer restrição às decisões que afectem direitos e interesses legítimos.
Esta exigência de notificação como condição de eficácia dos actos com eficácia externa aos serviços da administração tributária é também formulada pelo art.º 268.º,n.º 3, da CRP.”

E na verdade assim é, como sabemos, a questão da notificação dos atos tributários ou em matéria tributária usufrui de proteção constitucional o que tem merecido refletido cuidado por parte da jurisprudência dos nossos tribunais superiores exatamente pela relevância dos efeitos que detém face ao ato notificado.

Neste sentido citamos, a título de exemplo, o acórdão do STA proferido em 08/01/2020 no processo n.º 06391/17, que aqui, por comodidade, acolhemos e, em parte, transcrevemos:

Diz-se ali que «tal como aludido no Acórdão deste STA proferido a 29 de Maio de 2013 no âmbito do Processo n.º 0472/13, “a notificação tem por objectivo dar conhecimento pessoal aos interessados dos actos administrativos susceptíveis de afectar a sua esfera jurídica, como exigência da garantia constitucional consagrada no nº 3 do art. 268º da CRP, segundo a qual impende sobre a Administração o dever de dar conhecimento aos administrados dos actos que lhes respeitam.»

Impõe-se, por conseguinte, à administração o dever de dar conhecimento aos interessados, mediante uma comunicação oficial e formal, de todo o teor dos atos por si praticados, que sejam suscetíveis de afetar a sua esfera jurídica.

No entanto, é preciso dizê-lo, a notificação não é um elemento intrínseco do ato tributário e, portanto, não é um requisito da sua validade, mas simplesmente condição da sua eficácia, aliás, suprível por outras formas de conhecimento(5).

Quanto à validade das notificações, impõe o n.º 1 do artigo 38.º, também do CPPT que, “[A]as notificações são efectuadas obrigatoriamente por carta registada com aviso de recepção, sempre que tenham por objecto actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes ou a convocação para estes assistirem ou participarem em actos ou diligências.”

Ora, na situação que nos ocupa estamos perante uma liquidação oficiosa de IRS, titulada pela “Demonstração de Acerto de Contas” datada de 20/10/2009 ou seja, trata-se de atos praticados por iniciativa dos serviços que implicam alterações na situação tributária dos seus destinatários.

Quanto ao conceito de “atos (…) suscetíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes”, seguiremos a posição já assumida por este TCA, nomeadamente no acórdão proferido em 15/04/2021 no processo 558/11.9BELLE, que pela similitude com o caso em apreço por concordância e facilidade aqui transcrevemos e é o seguinte:
“(…)

[E]em termos doutrinais descreve Jorge Lopes de Sousa[…]:“[c]omo atos e decisões suscetíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes devem considerar-se não só aqueles que efetivamente determinam uma alteração desta, mas também aqueles em que está em discussão a possibilidade de se concretizar essa alteração.

Assim, deverão ter essa qualificação os atos ou decisões que criam deveres ou encargos para os destinatários ou lhes restringem ou negam direitos que aqueles entendem ter. Serão assim de efetuar por carta registada com aviso de receção, entre outras, as notificações de atos de liquidação de tributo (…)”.

Neste âmbito, importa, outrossim, chamar à colação o Acórdão do STA, proferido no processo nº 01940/13, de 05 de fevereiro de 2015, extratando-se na parte que para os autos releva o seguinte:

“Como se sabe, o art. 38.º do CPPT preceitua, no seu nº 1, que «as notificações são efectuadas obrigatoriamente por carta registada com aviso de recepção, sempre que tenham por objecto actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes ou a convocação para estes assistirem ou participarem em actos ou diligências».

O que significa que, estando em causa actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes, a lei impõe a notificação por carta registada com aviso de recepção; e como os actos ou decisões susceptíveis de alterar a situação tributária são, não só, os actos de alteração, pela administração, dos rendimentos declarados e os actos de fixação, pela administração, dos rendimentos sujeitos a tributação, como, também, os actos de liquidação de impostos (…)

O referido Dec. Lei nº 198/2001 introduziu uma alteração na redacção do art. 149º do CIRS e, abrindo uma excepção àquela regra, passou a estipular que apenas as notificações a que se refere o art. 66º do CIRS devem ser efectuadas por meio de carta registada com aviso de recepção (nº 2), sendo que as restantes devem ser feitas por carta registada, considerando-se a notificação efectuada no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, caso esse dia não seja dia útil. (nº 3).

Isto é, apenas a notificação dos actos de alteração dos rendimentos declarados e dos actos de fixação pela administração dos rendimentos sujeitos a tributação, têm de ser efectuadas por meio de carta registada com aviso de recepção, ficando os actos de liquidação de IRS efectuados com base na declaração anual de rendimentos apresentada pelo contribuinte sujeitos a notificação por mera carta registada.

Por conseguinte, após a alteração introduzida na redacção do art. 149º do CIRS pelo Dec. Lei nº 198/2001, de 3 de Julho, apenas são efectuadas por carta registada com a.r. as notificações a que se refere o art. 66º do CIRS, ou seja, as notificações referentes a actos de fixação ou alteração da matéria tributável previstos no art. 65º desse Código. “ (destaques e sublinhados nossos).

Assim, face ao supra aludido, a liquidação de IRS respeitante ao ano de 2005, teria de ser realizada por carta registada com aviso de receção.” – fim de citação

Ora, como resulta dos autos, a liquidação aqui em conflito provem da correção oficiosa da declaração Mod. 3 de IRS de 2005 do oponente e consubstancia-se na correção de valores referentes ao reinvestimento do valor de realização do imóvel destinado a habitação própria e permanente, nomeadamente no que concerne ao valor em dívida do empréstimo à data da alienação do bem e ao valor de realização que pretende reinvestir sem recurso ao crédito.


O que, como é bom de ver, materializa um ato de fixação ou alteração da matéria tributável declarada pelo contribuinte, logo, por imposição legal incumbia, obrigatoriamente, à AT, que a respetiva notificação fosse efetuada por meio de carta registada com aviso de receção em conformidade com o disposto nos artigos 65.º nº 4, 66.º e 149º nº 2 do CIRS e 38.º n.º1 do CPPT.

Assim, e não tendo sido cumpridas as formalidades legais, por não havido lugar à expedição por carta registada com aviso de receção, carecem de qualquer relevância todas as considerações concatenadas com a referida remessa, sendo certo porém que ao arrepio do que pretende evidenciar a recorrente na conclusão G. do salvatério, dizendo que “tais notificações” foram recebidas pelo oponente em 26/10/2009 e em 27/10/2009, sustentado com elementos retirados da base de dados da AT - Sistema de Eletrónico de Citações e Notificações e com informação dos CTT, a verdade é que tal informação é insipiente, nomeadamente por falta de indicação concreta relativamente à identificação da pessoa e local da “entrega conseguida”, no caso da informação dos CTT e pela ausência de qualquer outro tipo de suporte para além da base de dados da AT.

Sendo certo que, conforme tem sido reiteradamente assumido pela jurisprudência dos nossos tribunais, os prints constantes da base de dados da AT não são oponíveis ao administrado, neste caso ao oponente.

Ora, do que se deixou dito e invocando o executado na petição inicial que as liquidações não lhe foram notificadas, é para nós óbvio que, in casu, a AT não logrou fazer prova de que a liquidação e nota demonstração de acerto de contas de IRS de 2005, em conflito, foram validamente notificadas ao sujeito passivo, o que resulta desde logo, da circunstância, repete-se, de por um lado das notificações não respeitaram a forma legal e por outro de não ter ficado demonstrado que as mesmas chegaram ao conhecimento do opoente antes de ter sido instaurada a execução o que conduz ao indeferimento das conclusões recursivas que vimos de apreciar.

Alega ainda a recorrente défice instrutório decorrente da violação do disposto no artigo 13.° do CPPT nomeadamente, do principio do contraditório por considerar que tendo admitido o tribunal que eventual notificação anterior do oponente para efeitos de direito de audição na sequência das correções em sede de IRS poderia ditar à notificação, forma menos exigente, impunha-se-lhe averiguar de tal facto diligenciando junto do Serviço de Finanças no intuito de conhecer dos termos de tal procedimento – concl K. a final

Mas não tem razão uma vez que, como já temos dito, em sede de direito à liquidação e à sua exigibilidade, recai sobre a AT, o ónus da prova dos pressupostos de que depende o seu direito, conforme decorre do n.º 1 do artigo 342.º, do Código Civil (CC) e do n.º 1 do artigo 74.º da lei Geral Tributária (LGT), o que, in casu, se consubstancia na prova por parte da AT, que procedeu à notificação, que esta foi validamente efetuada e/ou foi atingido o resultado visado que era o de dar a conhecer ao destinatário o teor da liquidação.

De nada lhe valendo a arguição de quesempre ao Tribunal se imporia, ao abrigo do inquisitório ínsito no artigo 13.° do CPPT, e em ordem a alcançar a verdade material que aos autos importa assegurar, a adoção de diligências tendentes a verificar da concretização, ou não, de notificação anterior do oponente para efeitos de direito de audição na sequência das correções propostas em sede de IRS, e subsequentemente concretizadas, pela Administração Tributária no referente à matéria tributável do ano de 2005.”

Assim, face à falta de prova, a dúvida tem que ser valorada a favor do destinatário da notificação.

Como dissemos, a falta de notificação válida tem como cominação a ineficácia do ato notificado, neste caso da liquidação, o que impede que a dívida seja exigível. A este respeito, a jurisprudência tem sido unanime ao enquadrar esta situação na alínea i) do CPPT(6), sendo indiferente, para este efeito, que o ato de liquidação enferme de qualquer vício, situação que diverge da prevista na alínea e) da mesma disposição legal, que se reporta às situações em que a notificação da liquidação do tributo, embora válida, chegou ao conhecimento do seu destinatário para além do prazo de caducidade do direito à liquidação.

Neste sentido acolhemos, por facilidade e porque aglutina o pensamento jurisprudencialmente consolidado, o acórdão deste tribunal proferido em 28/03/2019 no processo n.º 256/06.0BELRS, já citado, e que é o seguinte:

“(…)

De acordo com a jurisprudência dos Tribunais Superiores, há muito se fixou o entendimento de que a falta de notificação da liquidação, enquanto elemento integrante da eficácia externa da mesma, é fundamento de oposição a enquadrar no artº.286, nº.1, al.h), do C. P. Tributário (cfr.artº.204, nº.1, al.i), do C.P.P.Tributário), dado não colidir com a apreciação da legalidade da própria liquidação, não representar interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título, poder ser provado por documento e constituir facto modificativo posterior à liquidação e anterior à emissão da certidão executiva. Face a esta interpretação jurisprudencial do quadro normativo existente, à qual se adere, fica aberta, na fase executiva, pelos meios legais de oposição, a discussão da falta ou de eventuais vícios da notificação, designadamente por inexigibilidade da dívida, ao abrigo do disposto no mencionado artº.286, nº.1, al.h), do C. P. Tributário (cfr.artº.204, nº.1, al.i), do C.P.P.Tributário).

Em resumo, o regime processual da defesa do contribuinte, nestas situações será o seguinte:

1-Se é instaurada uma execução fiscal e não foi efectuada notificação válida do acto de liquidação, o sujeito passivo pode sempre opor-se à execução ao abrigo da alínea i), do nº.1, do artº.204, do C.P.P.T., invocando a ineficácia do acto, que impede que a dívida seja exigível, sendo indiferente, para este efeito, que o acto de liquidação enferme de qualquer vício, inclusivamente o de extemporaneidade da liquidação;

2-Já se foi instaurada uma execução e efectuada notificação válida do acto de liquidação, mas a notificação foi realizada fora do prazo de caducidade previsto no artº. 45, nº.1, da L.G.T. (ou outro prazo especial que for aplicável), o contribuinte pode opor-se à execução ao abrigo da alínea e), do nº.1, deste artº.204, do C.P.P.T. (trata-se de situação que, no seu teor literal, poderia caber na mencionada alínea i), pois não se engloba nela a apreciação da legalidade da própria liquidação nem é matéria da exclusiva competência da entidade que emite o título, mas que era dela afastada à face do entendimento jurisprudencial referido formado na vigência do C.P.T., reconduzindo-se a utilidade da alínea e) ao afastamento da aplicabilidade deste entendimento; a possibilidade de oposição ao abrigo da alínea e) existirá independentemente de a própria liquidação ser extemporânea, isto é, de ela própria ser ilegal, pois não está em causa no processo de oposição à execução fiscal a apreciação da legalidade da liquidação, mas a sua oponibilidade ao seu destinatário);

3-Por último, se foi efectuada uma liquidação fora do prazo de caducidade e, necessariamente, também a respectiva notificação foi efectuada fora do prazo, mas não foi ainda instaurada execução, o contribuinte pode impugnar judicialmente a liquidação, invocando a ilegalidade da sua extemporaneidade, porém, se o não fizer e não pagar a quantia liquidada, não ficará impedido de se opor à execução, ao abrigo da alínea e) referida, visto que, além da ilegalidade da liquidação, ocorrer também a sua inexigibilidade por falta de tempestiva notificação (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 28/9/2011, rec.473/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 25/10/2011, proc.2727/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/10/2012, proc. 5673/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6346/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.489 e seg.).” – fim de citação

Assim sendo, ter-se-á que concluir, diferentemente do que o faz a sentença recorrida que a dívida exequenda é inexigível, o que constitui fundamento de oposição à execução previsto na alínea i) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, sendo a oposição, por isso, procedente e determinante da extinção da instância executiva.

4 - DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência, os juízes da 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário deste Tribunal Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso jurisdicional e manter a decisão recorrida com a presente fundamentação.

Custas pela recorrente

Lisboa, 09 de junho de 2022



­Hélia Gameiro Silva - Relatora
Ana Cristina Carvalho – 1.ª Adjunta
Lurdes Toscano – 2.ª Adjunta

(Com assinatura digital)



(1)Vide António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 286 e seguintes.
(2)Entretanto revogado pela alínea a) do artigo 16.º da Lei n.º 82.º E/2014 de 31/12.
(3)Este e as normas que, em seguida citaremos relativamente às notificações das liquidações do exercício de 2009, são as em vigor à data dos factos, ou seja à data em que as mesmas foram efetuadas -pontos B. e D. do probatório.

(4)In CPPT – Anotado e Comentado 6.ª Edição 2011 Vol. I – Áreas Editora – em anotação ao artigo 36.º, pag.340 e 341.

(5)Vide neste sentido entre outros os acórdãos deste TCAS proferidos nos processos n.ºs 259/06.0BELRS em 28/03/2019; n.º 5673/12 em 2/10/2012 e n.º 6055/12 em 22/1/2013.

(6)Que nos diz o seguinte:
Quaisquer fundamentos não referidos nas alíneas anteriores, a provar apenas por documento, desde que não envolvam apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda, nem representem interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título.”