Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:915/06.2BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:05/13/2021
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:RETENÇÃO NA FONTE
PAGAMENTO POR CONTA
DEFERIMENTO TÁCITO
RECLAMAÇÃO GRACIOSA
IRS
REVOGAÇÃO ILEGAL
Sumário:
I. A retenção na fonte pode assumir a natureza de pagamento por conta ou ser a título definitivo.

II. Quando seja apresentada reclamação graciosa por parte do substituído de atos de retenção na fonte com a natureza de pagamento por conta, é aplicável o regime previsto no art.º 133.º do CPPT, tendo o legislador expressamente afastado a aplicação do art.º 132.º do mesmo código, conforme resulta do seu n.º 4.

III. O entendimento referido em II. é o que se coaduna com o respeito pela tutela jurisdicional efetiva.

IV. Em regra, o silêncio da administração, em sede de reclamação graciosa, conduz à formação de um indeferimento tácito da pretensão do reclamante.

V. No entanto, no caso de reclamação graciosa de atos de retenção na fonte com a natureza de pagamento por conta, o silêncio da administração conduz à formação de deferimento tácito.

VI. Formando-se deferimento tácito, é possível à AT a prática de ato revogatório expresso.

VII. O ato mencionado em VI. tem de ser praticado dentro do prazo previsto no então art.º 141.º do CPA, sob pena de o ato revogatório ser ilegal e de se manter na ordem jurídica o deferimento tácito que se formou.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
I. RELATÓRIO

A….. (doravante Recorrente ou Impugnante) veio apresentar recurso da sentença proferida a 29.01.2020, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada parcialmente procedente a impugnação por si apresentada, que teve por objeto o indeferimento da reclamação graciosa que versou sobre a liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS), relativa ao ano de 2004.

Apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“a) Entendeu a AT, com o beneplácito da Douta Sentença, que a tributação se afiguraria devida por se enquadrar na previsão do artigo 2º, nº 3, alínea b), nº 3 do CIRS, isto por considerar não se estar perante um direito adquirido, pelo que a tributação se faria aquando do resgate.

b) Entende o Recorrente que a Sentença lavrou em erro de facto mas também erro de direito na interpretação que faz do artigo 2º do CIRS pois que tal normativo não pode ser lido de forma fragmentada ou meramente parcelar, antes se impõe a sua leitura total.

c) O Recorrente, e conforme consta documentado no PAT e de que a Douta Sentença se alheou, apenas efectuou o resgate da parte que lhe cabia no fundo após perfazer 65 anos de idade e tal não consta do probatório, sendo tal de suma relevância como infra se abordará, pelo que deve ser ao mesmo aditado.

d) Mesmo que o Recorrente tivesse efectuado o resgate ao atingir os 60 anos de idade era essa a idade em que efectivamente o podia fazer sem que houvesse uma antecipação de qualquer recebimento pois como certamente se pode ver do contrato a que a AT teve acesso e a sentença também o recebimento poderia ser feito nessa idade, apenas se devendo considerar antecipação caso o Recorrente tivesse feito o resgate anteriormente, o que não fez nem os autos o demonstram.

e) No fulcro da questão encontra-se um contrato de seguro com vista ao pagamento a efectuar aos pilotos da TAP quando atingem os 60 anos de idade, figurando como segurados todos os pilotos que cumpram determinados requisitos.

f) O artigo 2º, nº 9 do CIRS define direitos adquiridos como sendo “aqueles cujo exercício não depende da manutenção do vínculo laboral do beneficiário com a respectiva entidade patronal.” e tal quer significar que não é de aplicar na situação em apreço a norma estabelecida na primeira parte do nº 3, alínea b) do nº 3 do artigo 2º do CIRS uma vez que esta respeita a situação de direitos adquiridos.

g) Ora na presente situação o contrato de seguro foi outorgado tendo como segurados pessoas não individualizadas e, ainda, depende de uma condição de passagem à reforma – in casu cada um dos funcionários perfazer 60 anos de idade e assim sendo, como o é, o direito em causa de que o Recorrente se podia arrogar seria uma mera expectativa pois pressupõe a não existência de um direito adquirido na esfera do beneficiário, apenas se transformando em direito adquirido aquando da ocorrência de determinado evento.

h) Tais rendimentos não são, bem ao contrário do entendido no decidido, tributados na categoria A do IRS e só assim não seria se fosse aplicável “à data do recebimento efectivo pelo beneficiário” a segunda parte da subalínea 3) da alínea b) do nº 3º do artigo 2º do CIRS, ou seja, quando as referidas importâncias tenham sido objecto de resgate, adiantamento, remição ou qualquer forma de antecipação da correspondente disponibilidade.

i) Mas não foi isso que se passou na presente situação pois não ocorreu qualquer antecipação de disponibilidade mas sim a verificação da condição efectiva – a passagem do beneficiário à situação de reforma ao perfazer os 60 anos, ou seja, o Recorrente recebeu as verbas e m causa no período em que as poderia receber nos termos do contrato e não efectuou qualquer resgate das mesmas antes do período em que, nos termos desse mesmo contrato, o poderia fazer.

j) O Douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo que a Douta Sentença ora sob escrutínio se alberga não é uma situação igual à em causa nos autos pelo que a sua boa Doutrina não logra aplicação in casu.

k) No referido Aresto foi abordada a questão na perspectiva de que o resgate havia sido efectuado antes do aí Recorrente ter perfeito 65 anos pelo que constando das condições gerais a hipótese de resgate ser efectuada aos 60 ou 65 anos, conforme opção do beneficiário, mas limitando as condições particulares a hipótese de o resgate ser feito aos 65 anos então seria esta última a aplicável.

l) E o manifesto, evidente e palmar erro interpretativo da Douta Sentença recorrida é que se alberga naquele Douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, e para tal fazendo referências várias ao conceito de antecipação do recebimento mas sem curar de perceber que ali estava em causa uma antecipação de resgate em relação à idade dos 65 anos mas no presente caso tal situação não se coloca pois o referido resgate foi efectuado após o Recorrente ter chegado aos 65 anos.

m) Fez-se consignar na Douta Sentença que a reclamação graciosa foi apresentada em 01/03/2004, tendo a mesma sido alvo de decisão por parte da AT em 13/03/2006, isto é 2 anos e 12 dias depois da apresentação da reclamação graciosa.

n) O normativo, e subsequente enquadramento legal gizado pelo Recorrente na sua P.I., que a sentença diz não ser aplicável ao presente caso, foi alvo de uma decisão exactamente de sentido contrário por parte do Tribunal Central Administrativo Sul, decisão essa tomada em relação a um colega do aqui Recorrente na mesma e exacta situação.

o) Assim como de uma decisão de sentido exactamente contrário prolatada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra em relação a outro colega do Recorrente na mesma situação e ambas transitadas em julgado faz longo tempo.

p) O Recorrente, no exercício daquilo que julgava ser o exercício do seu dever de cooperação com o tribunal, fez referência a estas decisões nos seus articulados e a Douta Sentença tudo isto postergou sendo que comportamento diferente era também imposto pelo artigo 8º, nº 3 do Código Civil.

q) Acresce que aquele entendimento do TCAS veio a ser reafirmado em mais recentes acórdãos desse Alto Tribunal, também já transitados em julgado e citados supra no coprpo alegatório.

r) Bem ao contrário do decidido o regime do artigo 133º, nº 4 do CPPT era in casu aplicável e como já transpira da P.I do aqui Recorrente com tal aplicação ocorreu o direito deste se ver ressarcida das quantias que lhe foram retidas na fonte pois que decorridos que sejam 90 dias sem que a reclamação apresentada tenha sido indeferida considera-se a mesma tacitamente deferida por força do artigo 133º, nº 4 do CPPT.

s) Entre a entrada da reclamação e a decisão da mesma por parte da AT passaram 2 anos e 12 dias tornando, assim, manifesto, como Doutamente se refere no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 12/06/2014 atrás citado, que o acto tácito que se havia formado já não era revogável pois que o artigo 141º, nº 1 do CPA o impedia.

t) Como também sustentado pela demais Jurisprudência também citada supra no corpo alegatório.

u) Pelo que violou a Douta Sentença os artigos 133º, nºs 3 e 4 do CPPT, 140º e 141º do CPA, 2º, nº 3, alínea b), nº 3 e nº 9 do CIRS e 8º, nº 3 do CC, assim como fez errónea determinação da matéria de facto antes se devendo aditar ao probatório que o resgate foi efectuado após o Recorrente ter atingido os 65 anos de idade.

v) Devendo levar, em sequência, à revogação da Douta Sentença e substituída a mesma por uma decisão que dê integral provimento à pretensão do Recorrente.

Nestes termos e nos melhores de Direito deverá o presente recurso merecer provimento e, em consequência, ser revogada a Douta Sentença sob escrutínio e substituída a mesma por uma decisão que dê integral provimento à pretensão do Recorrente, consistente na anulação do acto de retenção na fonte de que foi alvo e inerente devolução aquele de tais valores, tudo o mais com as consequências legais”.

A Fazenda Pública (doravante Recorrida ou FP) não apresentou contra-alegações.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT) vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:
a) Há erro na decisão proferida sobre a matéria de facto?
b) Verifica-se erro de julgamento, na medida em que não se reúnem os pressupostos de tributação previstos no art.º 2.º, n.º 3, b), 3), do Código do IRS (CIRS)?
c) Verifica-se erro de julgamento, uma vez que se formou deferimento tácito da reclamação graciosa e o mesmo não foi oportunamente revogado?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“A) Em 1990-12-31, o SPAC celebrou com a G….., S.A. (doravante G…..) um contrato de seguro de vida (grupo), denominada “R….." (= Reforma Coletiva…..), referente aos pilotos da TAP para, entre outros, com vista à cobertura do risco de perda da licença de voo e para atribuição de um benefício de reforma, seguro esse que ficou titulado-pela apólice n.º ….., (conforme resulta de fls. 35 e segs. do PAT em apenso);

B) A TAP, entidade patronal do Impugnante, assumiu, a partir de 1994, o pagamento dos prémios tendo em vista proporcionar aos pilotos um determinado pecúlio à data em que atingissem 60 anos, momento em que, por força das normas em vigor cessaria a sua licença de pilotagem (conforme resulta de fls. 43 e segs. do PAT em apenso);

B) Até perfazer 60 anos de idade, o Impugnante foi piloto-aviador da TAP Air Portugal - Transportadora Aérea Portuguesa, S.A. (doravante TAP) e sócio do Sindicato dos Pilotos de Aviação Civil (doravante SPAC) (fato não contravertido);

D) Na sequência da perda da licença de voo por limite de idade, foi conferida ao Impugnante a possibilidade de requerer, ao abrigo do DL 392/90 de 10/12, a atribuição de pensão de reforma por velhice nos termos e condições do regime geral de Segurança Social, o que o Impugnante veio, de facto, a fazer (conforme resulta de fls. 98 do PAT em apenso);

E) Tendo o mesmo ainda optado, no que ao contrato de seguro de vida (grupo) R….. diz respeito, pelo recebimento da liquidação da importância a que tinha direito, in totum, sob a forma de capital, ao invés de rendas (conforme resulta de fls. 98 do PAT em apenso);

F) Assim, o Impugnante recebeu, em 2004-01-15, a quantia de € 110.380,07, tendo-lhe sido retido na fonte o montante total de € 23.973,20 (conforme resulta de fls.12 e 13 do PAT em apenso) sendo:

a) € 21.900,59, a título de rendimentos da categoria “A” do IRS; e

b) € 2.072,61, a título de rendimentos da categoria “E” do IRS;

G) Não concordando com tal retenção, o Impugnante apresentou, em 2004-03-01, uma Reclamação Graciosa sobre a retenção que lhe foi feita pela G….. (conforme resulta de fls. S e segs. do PAT em apenso);

H) Reclamação essa que foi objeto de indeferimento por parte da Administração Tributária por despacho proferido a 2006-03-13 (conforme resulta de fls. 61 e segs. do PAT em apenso);

I) Com interesse para a decisão, resulta da reclamação graciosa a que se refere a alínea anterior:

«(…) II - ANÁLISE DO PEDIDO

1 - Nos termos do art° 132° n° 4 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a reclamação pelo substituído no caso de retenções na fonte efetuadas só é admitida nos casos em que não tenham a mera natureza de pagamento por conta de imposto devido a final.

Conforme referido no ponto anterior, as retenções objeto de reclamação foram efetuadas sobre rendimentos de trabalho e sobre os rendimentos de capitais referidos no art° 5.º n.º 3 do Código do IRS.

2 - Retenções nos valores de € 2.296.65 e 19.603.94 /categoria A):

Dado que o reclamante é residente no território nacional (fl. 29), a retenção na fonte sobre rendimentos do trabalho tem a natureza de pagamento por conta do imposto devido a final, por não se enquadrar em nenhum dos casos previstos para aqueles rendimentos no art° 71° do CIRS como retenções a título definitivo.

Assim, nos termos do art° 132° n° 4 do CPPT, acima referido, não é admitida a reclamação graciosa das retenções na fonte com os valores de € 2.296,65 e € 19.603,94 mencionadas nos recibos "Quitação de Resgate" (fls. 12 e 13).

Quanto ao enquadramento dos montantes em questão no Código do IRS, é de referir que não se tratou de montantes atribuídos quando da cessação de um contrato de trabalho (art° 2o n° 4 do Cl RS), mas, conforme se conclui dos referidos recibos, de valores que foram sendo atribuídos quando o reclamante se encontrava ao serviço, embora não constituindo direitos adquiridos individualizados, e resgatados por este quando da passagem à reforma (art° 2o n° 3 al. b) 3) do Cl RS).

3 - Verifica-se, por outro lado, que, conforme prints do Sistema Informático a fls. 41 e 42, o reclamante já apresentou em 3-4-2005 a Declaração de IRS mod. 3 relativa ao ano de 2004, tendo inscrito no campo Rendimento Bruto da categoria A o valor de € 80.657,45 e no campo das retenções na fonte desses rendimentos o valor de € 21.900,59, sendo este a soma dos valores das retenções mencionadas em epígrafe.

Assim, sendo aqueles rendimentos sujeitos a IRS pela categoria A, foi correta a sua inclusão nos rendimentos declarados daquela categoria, bem como a dedução das correspondentes retenções na fonte.

4 - Retenções nos valores de € 1.060.13 e 1.012.48 (categoria E):

Em relação às retenções na fonte sobre os rendimentos de capitais a que se refere o art° 5.º n° 3 do CIRS, trata-se de retenções a título definitivo, por estarem previstas no art° 71° n° 3 al. c) do CIRS (não foi exercida, na Declaração mod. 3 referida no ponto anterior, a opção pelo englobamento prevista no art° 71° n° 6 do CIRS).

Assim, nos termos do art° 132° n° 4 do CPPT, a reclamação é legal relativamente às retenções na fonte nos valores de € 1.060,13 e € 1.012,48, conforme constam dos recibos "Quitação de Resgate" da G….., S.A.

Verifica-se também que o reclamante tem legitimidade no procedimento e que a reclamação foi apresentada em tempo, dentro do prazo de dois anos a que se refere o art° 132° n° 3 do CPPT (a retenção foi efetuada no ano de 2004 e a reclamação foi apresentada em 1-3-2004).

5 - O n° 6 do art° 25° da Lei 39-B/94 de 27/12 dispõe o seguinte:

"Aos contratos de seguro celebrados até 31 de dezembro de 1994 continuará a aplicar-se o disposto no n° 2 do artigo 6º do Código do IRS na redação anterior à dada pela presente lei relativamente aos prémios pagos até essa data e às entregas periódicas inicialmente contratadas pagas em data posterior, não podendo o prazo inicialmente estabelecido ser prorrogado."

(o art° 6º do CIRS foi posteriormente renumerado para art° 5º pelo DL 198/2001 de 3/79; o respetivo n° 2 foi alterado para n° 3 pela Lei 30-G/2000 de 29/12)

Dado que, conforme consta dos recibos "Quitação de Resgate" acima referidos, as retenções na fonte sobre rendimentos da categoria E são relativas apenas a prémios posteriores àquela data, não são aplicáveis redações anteriores à introduzida pela Lei 39-B/94 de 27/12. As redações aplicáveis são, em relação ao recibo da fl. 12 (prémios 25 acima referido, e, em relação ao recibo da fl. 13 (prémios posteriores a 1-1-2001), a introduzida pela Lei 30-G/2000 de 29/12, conforme o respetivo art° 3º n° 3.

6 - Dado o exposto acima nos pontos 2 e 5, propõe-se o indeferimento do pedido, por não haver suporte legal, quer, em relação às retenções referentes a rendimentos da categoria A, no art° 132° do CPPT, quer, em relação às referentes a rendimentos da categoria E, no n° 3 do art° 5º do CIRS, conforme as normas que introduziram alterações à respetiva redação.

III - AUDIÇÃO PRÉVIA

1 - O reclamante foi notificado do projeto de decisão de indeferimento por carta registada no dia 14-10-2005, conforme consta a fls. 48 e 49 do processo, para exercer o direito de audição prévia previsto no art° 60° da Lei Geral Tributária.

2 - Em audição prévia, vem o reclamante apresentar uma exposição (fls. 51 e 52) na qual levanta algumas questões que se passam a tratar:

2.1 - Quanto ao conceito de retenções na fonte com “natureza de pagamento por conta do imposto devido a final” constante do art° 132° do CPPT e mencionado nos pontos 2 a 4 da exposição, não pode o mesmo ser confundido com o de pagamentos por conta referido no art° 102° do CIRS, pelo que não é de aplicar o art° 133° do CPPT (a distinção, em sede de IRS, entre pagamentos por conta - a efetuar pelo sujeito passivo – e retenções na fonte - a efetuar pelo substituto - é feita no capítulo V do Código do IRS).

2.2 - Por outro lado, o reclamante pretende que o resgate do seguro seja considerado como uma indemnização por despedimento para efeitos da aplicação do art° 2º n° 4 do CIRS. No entanto, tal não se verifica, dado que, conforme se conclui da petição inicial, o reclamante passou à situação de reformado após os 60 anos, o que não se confunde com despedimento.

2.3 - Quanto à questão de ser retractiva a tributação dos rendimentos por o contrato de seguro ser anterior a 2004, não tem a mesma justificação por se tratar de rendimentos tributados em relação ao ano em que foram auferidos, conforme consta dos recibos, sendo aplicada a lei vigente.

Com efeito, de acordo com o art° 2º n° 3 al. b) 3) do CIRS a tributação faz-se pelas importâncias despendidas com as contribuições da entidade patronal nos casos em que se esteja na presença de direitos adquiridos e individualizados dos respetivos beneficiários e faz-se pelo resgate ou recebimento em capital nos casos de contribuições que não constituam direitos adquiridos e individualizados.

2.4 - Quanto à questão de que os rendimentos de capitais referidos acima nos pontos II-4 e 5 não estariam sujeitos a tributação, questão já referida na petição inicial, sendo alegado que tal tributação só teria lugar nos casos de contratos que se tivessem formado após 1-1-1991 (Lei 2/92 de 9/3, art° 28° n° 4), já se pronunciou a Direção de Serviços de IRS, em Informação n° …..de 14-4-2004, Proc. n° ….., E.G. n° ….. (fls. 53 a 60), no seu ponto 17, em relação com o facto de a TAP ter passado a figurar como tomador do seguro após 1-1-1994, no sentido de que “a parte correspondente à diferença positiva entre os prémios suportados pela TAP e o montante pago a título de resgate encontra-se sujeita a tributação por enquadramento na categoria E, uma vez que o pagamento dos prémios pela TAP teve lugar após 94.01.01, e, por isso, não será aplicável a ressalva do art° 28°, n° 4 da Lei n° 2/92, de 9 de março, em virtude de a sua aplicação se restringir aos contratos celebrados antes de 91.01.01”, concluindo a referida Informação que “a diferença entre os prémios pagos pela TAP e as importâncias pagas a título de resgate configura rendimentos da categoria E, nos termos do art° 6º n° 2 do CIRS (atual art° 5º, n° 3)”.

3 - Dado o exposto, propõe-se que o pedido seja decidido no sentido do indeferimento.»

J) O Impugnante foi notificado em 2006-03-22 (conforme resulta de fls. 66 e 67 do PAT em apenso);

K) A petição inicial da presente impugnação foi apresentada em 05/04/2006, (conforme resulta de fls. 25)”.

II.B. Relativamente aos factos não provados, refere-se na sentença recorrida:

“Com interesse para a decisão inexistem factos invocados que devam considerar-se como não provados”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A decisão da matéria de facto resultou do exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório”.

II.D. Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto

Entende o Recorrente que a decisão proferida sobre a matéria de facto padece de erro, porquanto, em seu entender, deve ser aditado facto no sentido de que apenas efetuou o resgate da parte que lhe cabia no fundo após perfazer 65 anos de idade.

Considerando o disposto no art.º 640.º do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão[1].

Assim, o regime vigente atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. a), do CPC];
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC], sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo art.º 640.º do CPC;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. c), do CPC].

Especificamente quanto à prova testemunhal, dispõe o n.º 2 do art.º 640.º do CPC:

“2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.

Como tal, não basta ao Recorrente manifestar de forma não concretizada a sua discordância com a decisão da matéria de facto efetuada pelo Tribunal a quo, impondo­‑se-lhe os ónus já mencionados[2].

Transpondo estes conceitos para o caso dos autos, verifica-se que tais ónus não foram cumpridos, limitando-se o Recorrente a indicar qual o facto que, em seu entender, deveria ser aditado, mas nunca indicando quais os concretos meios probatórios em que funda a sua pretensão.

Como tal, rejeita-se o recurso nesta parte.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Não obstante o Recorrente ter alegado, em primeiro lugar, o erro sobre os pressupostos da tributação, começamos por apreciar a questão atinente à formação de deferimento tácito da reclamação graciosa, dada a precedência lógica desta questão sobre aqueloutra.

III.A. Do erro de julgamento quanto à formação de deferimento tácito e sua revogação ilegal

Considera o Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, na medida em que, in casu, é aplicável o disposto no n.º 4 do art.º 133.º do CPPT, tendo sido o ato expresso proferido pela administração tributária (AT) depois de decorrido o prazo de que dispunha para a revogação.

In casu, estamos perante retenções na fonte atinentes a IRS do ano de 2004, relativamente às quais o Recorrente apresentou ainda em 2004 reclamação graciosa, tendo esta vindo a ser indeferida a 13.03.2006.

Vejamos então.

Nos termos do art.º 34.º da Lei Geral Tributária (LGT):

“As entregas pecuniárias efetuadas por dedução nos rendimentos pagos ou postos à disposição do titular pelo substituto tributário constituem retenção na fonte”.

Por seu turno, o pagamento por conta encontra-se definido no art.º 33.º do mesmo diploma, nos seguintes termos: “[a]s entregas pecuniárias antecipadas que sejam efetuadas pelos sujeitos passivos no período de formação do facto tributário constituem pagamento por conta do imposto devido a final”.

Esta distinção, porém, não é estanque, existindo situações, como veremos, em que as retenções na fonte assumem a natureza de pagamento por conta.

A este respeito, chama-se à colação o referido por José Maria Fernandes Pires (Coord), Maria João Menezes, José Ramos Vidal e Gonçalo Bulcão (Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, Almedina, Coimbra, 2015, p. 295):

“5. A retenção na fonte pode assumir duas naturezas distintas: a de pagamento por conta ou a título definitivo.

Nos casos em que tem a natureza de pagamento por conta, a retenção na fonte é feita num momento em que ainda não é certo o montante do imposto a pagar, na medida em que a liquidação ainda não foi efectuada, por não se saber ao certo o montante do rendimento a tributar. Assim, a consolidação do pagamento está sempre dependente do aparecimento e quantitativo da dívida de imposto, pelo que apenas depois da determinação desses elementos é que os efeitos do pagamento se tornam finais.

Resulta, assim, claro que, quer as retenções na fonte, quer os pagamentos por conta pertencerão à classe dos pagamentos antecipados, os quais são feitos por conta do imposto devido a final, correspondendo a actos provisórios.

Neste contexto, tais pagamentos não têm a natureza de pagamento definitivo, porquanto tal apenas sucederá no momento em que a dívida se torna líquida e exigível e se não for ultrapassado o montante devido em resultado da liquidação validamente efectuada. Caso contrário, estaremos perante um pagamento indevido.

Assim, em resultado da liquidação, poderá resultar a existência de um remanescente em dívida ou constatar-se dever haver lugar a um reembolso de parte do montante já pago, em virtude, nomeadamente, de os pagamentos por conta e/ou retenções na fonte terem sido excessivos face ao imposto devido a final.

Tratando-se de retenção na fonte a título definitivo, o substituto assume todas as obrigações do substituído, ficando este liberado do cumprimento das mesmas perante a administração tributária. A lei põe a cargo do "substituto" o cumprimento da generalidade dos deveres tributários - de liquidação, declarativos, de entrega do imposto retido -, interessando-se pelo "substituído", o verdadeiro titular da capacidade contributiva onerada pelo imposto, somente no caso de não ter sido efectuada a retenção legalmente devida e apenas a título subsidiário, como resulta do artigo 28°- da lei geral tributária”.

Esta dicotomia encontra, naturalmente, reflexo no CIRS.

Assim, para o caso de a retenção na fonte ser feita a título definitivo, há que atentar ao disposto no então art.º 71.º do CIRS, onde são elencadas as situações de tributação de rendimentos a taxas liberatórias. Sublinhe-se que, neste âmbito, os n.ºs 6 e 7 deste art.º 71.º permitem, em determinadas situações, que os sujeitos passivos optem pelo englobamento do rendimento em causa; nestes casos, “a retenção que tiver sido efetuada tem a natureza de pagamento por conta do imposto devido a final” (n.º 7).

A retenção na fonte pode, também e como já referido, ser feita a título de pagamento por conta do imposto devido a final.

Assim, nos termos do então art.º 98.º do CIRS:

“1 - Nos casos previstos nos artigos 99.º a 101.º e noutros estabelecidos na lei, a entidade devedora dos rendimentos sujeitos a retenção na fonte, as entidades registadoras ou depositárias, consoante o caso, são obrigadas, no ato do pagamento, do vencimento, ainda que presumido, da sua colocação à disposição, da sua liquidação ou do apuramento do respetivo quantitativo, consoante os casos, a deduzir-lhes as importâncias correspondentes à aplicação das taxas neles previstas por conta do imposto respeitante ao ano em que esses atos ocorrem” (sublinhado nosso).

Concretamente quanto aos rendimentos da categoria A, previa o então art.º 99.º do mesmo código:

“1 - As entidades devedoras de rendimentos de trabalho dependente, com exceção dos previstos nos n.ºs 4), 5), 7), 9) e 10) da alínea b) e na alínea g) do n.º 3 do artigo 2.º, e de pensões, com exceção das de alimentos, são obrigadas a reter o imposto no momento do seu pagamento ou colocação à disposição dos respetivos titulares”.

Esta distinção encontra-se ainda refletida ao nível do procedimento e processo tributário.

Assim, o art.º 132.º do CPPT, atinente à impugnação em caso de retenções na fonte, previa, na redação à época:

“1 - A retenção na fonte é suscetível de impugnação por parte do substituto em caso de erro na entrega de imposto superior ao retido.

2 - O imposto entregue a mais será descontado nas entregas seguintes da mesma natureza a efetuar no ano do pagamento indevido.

3 - Caso não seja possível a correção referida no número anterior, o substituto que quiser impugnar reclamará graciosamente para o órgão periférico regional da administração tributária competente no prazo de 2 anos a contar do termo do prazo nele referido.

4 - O disposto no número anterior aplica-se à impugnação pelo substituído da retenção que lhe tiver sido efetuada, salvo quando a retenção tiver a mera natureza de pagamento por conta do imposto devido a final.

5 - Caso a reclamação graciosa seja expressa ou tacitamente indeferida, o contribuinte poderá impugnar, no prazo de 30 dias, a entrega indevida nos mesmos termos que do ato da liquidação.

6 - À impugnação em caso de retenção na fonte aplica-se o disposto no n.º 3 do artigo anterior” (sublinhado nosso).

Portanto, como decorre deste n.º 4 do art.º 132.º, também aqui é sublinhada a distinção entre a retenção na fonte que assuma a natureza de pagamento por conta, daquela em que é feita a título definitivo, designadamente implicando que, em caso de reação do substituído a retenção com natureza de pagamento por conta, não seja aplicável o n.º 3 do art.º 132.º (sendo, pois, aplicável o art.º 133.º, caso contrário estaríamos perante uma violação da tutela jurisdicional efetiva).

A este respeito, refere Jorge Lopes de Sousa (Código de Procedimento e de Processo Tributário – Anotado e Comentado, Vol. II, 6.ª Ed., Áreas Editora, Lisboa, 2011, pp. 421 e 422):

“Não se prevê [no art.º 132.º do CPPT] a possibilidade de o substituído impugnar a retenção na fonte, nos casos em que ela é efectuada por conta do imposto devido a final.

Porém, não poderá deixar de admitir-se a possibilidade de o substituído impugnar estes actos de retenção, uma vez que eles têm reflexos imediatos na sua esfera jurídica e, por isso, devem considerar-se como lesivos para efeitos no preceituado no n.° 4 do art. 268.° da CRP e no n.º 2 do art. 9.º da LGT.

Na verdade, como é evidente, embora os pagamentos a mais efectuados através de retenção na fonte venham a ser tidos em conta na liquidação final, a não disponibilidade das quantias indevidamente retidas a mais constitui um prejuízo autónomo para o devedor do tributo.

Aliás, esse carácter potencialmente lesivo dos actos de pagamento por conta é mesmo expressamente reconhecido na alínea a) do n.º 2 do art. 95.º da LGT.

Por isso, estas situações deverão considerar-se abrangidas no art. 133.º do CPPT, que se refere à impugnação nos casos de pagamento por conta, sendo essa previsão especial que justifica a ressalva efectuada na parte final do n.º 4 deste art. 132.º”.

Esta distinção de natureza da retenção na fonte a que nos vindo a referir é relevante, porquanto o CPPT prevê diferentes cominações ao silêncio da administração em sede de reclamação graciosa, consonante o ato objeto de reclamação seja uma retenção na fonte ou um pagamento por conta.

Com efeito, a regra prevista no n.º 5 do art.º 57.º da LGT é no sentido de ao silêncio da administração corresponder um ato de indeferimento (cfr. ainda, quanto à reclamação graciosa, o disposto no art.º 106.º do CPPT).

Não obstante, é possível que o legislador afaste este efeito regra, presumindo que o silêncio da administração seja cominado com o deferimento tácito da pretensão.

Assim, e retornando ao caso sob apreciação, enquanto o então 132.º, n.º 5, do CPPT se refere expressamente ao indeferimento expresso e tácito da reclamação graciosa, o n.º 4 do art.º 133.º do mesmo diploma prevê que, “[d]ecorridos 90 dias após a sua apresentação sem que tenha sido indeferida, considera-se a reclamação tacitamente deferida”.

Ora, in casu, estamos perante uma retenção na fonte, de rendimento da categoria A, com a natureza de pagamento por conta [cfr. factos F) e I), sendo que neste último a AT refere expressamente que “a retenção na fonte sobre rendimentos do trabalho tem a natureza de pagamento por conta do imposto devido a final”].

Estando nós perante uma retenção na fonte com a natureza de pagamento por conta, há que dar aplicação ao disposto no n.º 4 do art.º 133.º do CPPT.

Nesse sentido, v. o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 28.02.2012 (Processo: 02786/08), onde se refere:

“Na realidade, quanto ao IRS, tributo em causa nos autos, impõe-se, por virtude do disposto no art. 98.º n.º 1 CIRS (5), afirmar a, como regra geral, natureza de pagamentos por conta, que deve ser conferida à retenção na fonte, resultante de o apontado normativo mencionar que as importâncias deduzidas, pelas entidades obrigadas, o são “por conta do imposto (grifamos) respeitante ao ano em que esses actos ocorrem”. Acresce, ser seguro e incontestado, que a retenção na fonte, de importâncias referentes a IRS, só não encerra pagamento por conta do imposto, quanto aos rendimentos submetidos às taxas liberatórias especiais, previstas no art. 71.º CIRS, na condição de o contribuinte não optar pelo seu englobamento no rendimento global do ano, situação em que readquire o cariz de pagamento por conta. Assim sendo, ao invés do sustentado pelo Rdo, não se trata de uma “mera afinidade terminológica”, mas da afirmação explícita e inequívoca, pelo legislador, da natureza de pagamentos por conta, para a generalidade dos casos de retenção na fonte, em cédula de IRS.

Estabelecida esta premissa, dirigindo atenções para as vias de reação que se devem ter por facultadas ao substituído, em ordem a poder atacar, graciosa e contenciosamente, ilegalidades registadas nos casos de retenção na fonte, a que seja sujeito, apresenta-se-nos lógico e ajustado, um arsenal compatível com a detectada existência de retenções a título definitivo e, outras, na condição de pagamentos por conta do imposto devido a final (6). Deste modo, com facilidade, para o primeiro tipo de casos, por previsão explícita do art. 132.º n.º 4 CPPT, tem de assumir-se que o substituído pode lançar mão do mesmo regime de atuação facultado, pelo art. 132.º CPPT, ao substituto, enquanto que, no segundo tipo de situações (quando a retenção equivale a pagamento por conta), na esteira do que, fundada e autorizadamente, propõe o Exmo. Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (7), ao substituído assiste a faculdade de se socorrer do regime, integral, positivado no art. 133.º CPPT.

Resumindo, nas situações, como a julganda, em que o substituído, objeto de retenção na fonte, referente a rendimentos sujeitos a IRS, pretenda impugnar judicialmente esse pagamento por conta, alegando erro sobre os pressupostos da sua existência ou do seu quantitativo, tem, obrigatoriamente, de, antes, apresentar reclamação graciosa, junto do serviço competente da administração tributária/at, a qual, se não for indeferida nos 90 dias seguintes ao da apresentação, se considera deferida de forma tácita (8); tudo em resultado do disposto no art. 133.º n.º 1, 2 e 4 CPPT” [no mesmo sentido, v. ainda, v.g.. os acórdãos deste TCAS, de 12.06.2014 (Processo: 06858/13) e de 13.12.2019 (Processo: 357/10.5BESNT)].

Portanto, no caso dos autos, não estando nós perante uma retenção na fonte a título definitivo, mas sim perante uma retenção na fonte com a natureza de pagamento por conta, há que aferir se se formou deferimento tácito da reclamação graciosa nos termos alegados.

Atentando na matéria de facto assente, resulta que o Recorrente apresentou a reclamação graciosa a 01.03.2004 [cfr. facto G)], pelo que a presunção de deferimento tácito ocorreu 90 dias depois, ou seja, a 30.05.2004, uma vez que não foi proferida qualquer decisão expressa nesse intervalo de tempo (a decisão expressa foi proferida apenas a 13.03.2006).

A formação de deferimento tácito não impede, no entanto, que seja praticado ato expresso de indeferimento, revogatório daquele.

Cumpre, então, aferir se o despacho mencionado em H) se pode considerar como ato revogatório do deferimento tácito.

A possibilidade de revogação de atos decorre, desde logo, do n.º 1 do art.º 79.º da LGT, sendo aplicáveis as regras constantes do Código de Procedimento Administrativo (CPA), por força da remissão constante da al. c) do art.º 2.º da LGT.

Assim, nos termos do então art.º 141.º do CPA, relativo à revogabilidade dos atos inválidos:

“1 - Os atos administrativos que sejam inválidos só podem ser revogados com fundamento na sua invalidade e dentro do prazo do respetivo recurso contencioso ou até à resposta da entidade recorrida.

2 - Se houver prazos diferentes para o recurso contencioso, atender-se-á ao que terminar em último lugar”.

Ora, neste caso, tendo sido o ato expresso de indeferimento praticado quase dois anos depois da formação do deferimento tácito, o mesmo já não era revogável, porque ultrapassado o prazo a que se refere o n.º 1 do art.º 141.º do CPA.

Assim sendo, o indeferimento expresso da reclamação graciosa é ilegal, sendo de atentar ao seu deferimento tácito, com as consequências daí advenientes em termos de obrigação de restituição do imposto retido, cuja devolução foi requerida na mencionada reclamação graciosa.

Como tal, assiste razão ao Recorrente, ficando prejudicada a apreciação do demais alegado, porquanto tal apreciação só se justificaria se se concluísse pela validade do indeferimento expresso da reclamação graciosa.

Vencida a Recorrida é a mesma responsável pelas custas em ambas as instâncias (art.º 527.º do CPC), sem prejuízo de não haver lugar ao pagamento de taxa de justiça na presente instância, por não ter contra-alegado (art.º 7.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais).

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:
a) Conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, julgando-se procedente a impugnação e, em consequência, anulando-se o ato de indeferimento expresso da reclamação graciosa, por força da formação do ato tácito de deferimento da mesma, com as necessárias consequências em termos de restituição dos valores peticionados em sede de reclamação graciosa;
b) Custas pela Recorrida em ambas as instâncias;
c) Registe e notifique.


Lisboa, 13 de maio de 2021


[A relatora consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Senhores Desembargadores António Patkoczy e Mário Rebelo]

Tânia Meireles da Cunha


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[1] Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 169.
[2] V., a título exemplificativo, o Acórdão deste TCAS, de 27.04.2017 (Processo: 638/09.0BESNT) e ampla doutrina e jurisprudência no mesmo mencionada.