Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1141/11.4BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:10/31/2024
Relator:MARIA HELENA FILIPE
Descritores:INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P.
ERRÓNEA FORMULAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO E REPERCUSSÃO À APLICAÇÃO DO DIREITO
CESSAÇÃO DE CONTRATO DE TRABALHO
REPOSIÇÃO DA TOTALIDADE DO PERÍODO DE CONCESSÃO DAS PRESTAÇÕES DE SUBSÍDIO DE DESEMPREGO DE EX-TRABALHADORA
CONTAGEM DO TRIÉNIO – ALÍNEA B) DO Nº 4 E Nº 5, AMBOS DO ARTº 10º DO DECRETO-LEI Nº 220/2006, DE 3 DE NOVEMBRO
Sumário:I - Inexiste erro de julgamento da matéria de facto por não ter sido considerado na factualidade dada como provada na sentença recorrida, os acordos de cessação dos contratos de trabalho e as declarações de desemprego.
II - Com efeito, do documento da Recorrente para identificar quais os trabalhadores que haviam cessado contrato de trabalho por acordo, não se retira que tal tenha ocorrido e não figura numa outra listagem documental qualquer extracto referente à ex-trabalhadora.
III - Não se conhecendo que as 83 cessações de contrato de trabalho ocorreram em resultado de acordos celebrados entre a Recorrida e esses trabalhadores, não é possível adiantar que existindo 83 acordos de cessação, os mesmos tenham tido por causa os motivos consignados no nº 4 do artº 10º do Decreto-Lei nº 220/2006, de 3 de Novembro.
IV - Assim sendo, não poderia ter sido consignado nos factos provados, factualidade robustecida por documentos que não traduzam o real conteúdo do que espelham, sendo que a falta de outros dependiam da sua apresentação pela Administração, ademais atento o que dita o nº 1 do artº 43º daquele diploma, encontram-se plasmados na declaração de situação de desemprego a emitir pelo empregador, diferentes motivos de cessação dos contratos de trabalho, sendo imprescindível que fique assinalado o motivo correspondente.
V - Em conclusão, a sentença recorrida não promoveu uma errónea formulação da matéria de facto que na mesma deu como provada e não provada.
VI - Neste enquadramento, a aplicação do direito à factualidade contida no Probatório da decisão recorrida mostra-se acertada.
VII - O nº 5 do deste artº 10º do diploma em análise, vem densificar em abono, precisamente, com a alínea b) do seu nº 4, que “Nas empresas que empreguem mais de 250 trabalhadores, são consideradas as cessações de contrato de trabalho até 62 trabalhadores inclusive, ou até 20% do quadro de pessoal, com um limite máximo de 80 trabalhadores em cada triénio”, é balizado por referência aos três últimos anos, cuja contagem se inicia na data da cessação do contrato, inclusive, e pelo número de trabalhadores da empresa no mês anterior ao da data do início do triénio, com observância do critério mais favorável.
VIII - O artº 63º , sempre do mesmo diploma, dispõe que “Nas situações em que a cessação do contrato de trabalho por acordo teve subjacente a convicção do trabalhador, criada pelo empregador, do preenchimento das condições previstas no n.º 4 do artigo 10.º, e tal não se venha a verificar, o trabalhador mantém o direito às prestações de desemprego, ficando o empregador obrigado perante a segurança social ao pagamento do montante correspondente à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego”.
Realizamos que o triénio para apurar o número de cessações de contrato de trabalho por acordo, em obediência ao preceituado na alínea b) do nº 4 e ao nº 5, ambos do artº 10º, é o compreendido entre 1 de Janeiro de 2008 e 31 de Dezembro de 2010, com a justificação que o contrato de trabalho celebrado entre a Recorrida e a trabalhadora beneficiária cessou em 31 de Dezembro de 2010; tal significa que esta última data, é o fim do triénio que importa para o cômputo temporal a tomar em consideração para o apuramento do último triénio para o efeito – cfr nº 5 do artº 10º - ou seja, faz-se uma contagem de três anos para trás daquela supra indicada, e não como defendia a Recorrente que o triénio deve ser contado em anos completos, para tal apelando para o estipulado na alínea b) in fine do nº 4 do artº 10º.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção SOCIAL
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. Relatório
INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P., notificado da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, datada de 3 de Dezembro de 2018, que julgando procedente a acção intentada por S... – LIMPEZAS TÉCNICAS MECANIZADAS, S.A., determinou que a Recorrida procedesse à reposição da totalidade do período de concessão das prestações de subsídio de desemprego da sua ex-trabalhadora, E..., vem daquela interpor o presente recurso sendo que nas respectivas alegações, o Recorrente formulou as seguintes conclusões:





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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Notificado nos termos e para efeitos do disposto no artº 146º do CPTA, o D. º Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal, não emitiu parecer.
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Sem os vistos legais, mas com envio prévio do projecto de acórdão aos Juizes Desembargadores Adjuntos vem o processo ser submetido à conferência desta Subsecção da Administrativa Social da Secção do Contencioso Administrativo para decisão.
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II. Objecto do recurso (nº 2 do artº 144º e nº 1 do artº 146º do CPTA, nº 4 do artº 635º e nºs 1, 2 e 3 do artº 639º do CPC, aplicável ex vi do artº 140º do CPTA):
A questão objecto do presente recurso é a de saber se existe erro de julgamento da matéria de facto por não ter sido considerado na factualidade dada como provada na sentença recorrida, os acordos de cessação dos contratos de trabalho e as declarações de desemprego.
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III. Factos (dados como provados na sentença recorrida):
“Com interesse para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
1. O contrato de trabalho celebrado entre a Autora e E...cessou por acordo em 31/12/2010 com base em motivos que permitiam o recurso a processo de extinção de posto de trabalho - cf. acordo (artigos 5º, 6º e 9º da petição inicial, 15º da contestação e 3º do requerimento a págs. 198 e 199 do SITAF) e documento a fls. 3 do processo administrativo apenso;
2. Entre 01/01/2008 e 31/12/2010 foram deferidas prestações de emprego a 83 trabalhadores da Autora, incluindo a beneficiária E...- cf. listagem a págs. 92 e 93 do SITAF e documentos a fls. 2 e 3 do processo administrativo apenso;
3. Pelo ofício com a referência 031125 de 08/02/2011, referente a «Prestações de Desemprego (…) Nome do Beneficiário – E...– N.º Identificação da Segurança Social – 11054057173», a Entidade Demandada comunicou à Autora o seguinte: «Por ter havido cessação do contrato de trabalho por acordo e ter sido criada no trabalhador (…) a convicção de que se encontrava dentro do limite de quotas estabelecido para acesso às prestações de desemprego, conforme consta na declaração da situação de desemprego entregue ao trabalhador, foi-lhe deferido o pagamento das prestações de desemprego no montante diário de €5,20 (…) e será concedido por um período de 1140 dias. Dado que o referido trabalhador não se encontra dentro dos limites estabelecidos n.º 4 do art. 10º do Decreto-Lei n.º 220/2006 (…), notifica-se de que lhe vai ser exigido o pagamento de €5.928,00 (…), correspondente à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego, nos termos do art.º 63º (…) se, no prazo de 10 dias úteis (…) não der entrada nestes serviços resposta por escrito da qual constem elementos que possam obsta a tal decisão, juntando meios de prova se for caso disso. Mais se informa que, na falta de resposta, esta decisão se torna efectiva (…)» - cf. ofício, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a fls. 19 dos autos.
4. Pelo ofício com a referência 048866 de 07/03/2011, a Entidade Demandada comunicou à Autora o seguinte: «Relativamente ao ofício recebido (…) cumpre informar o seguinte: A cessação do contrato de trabalho por acordo, com direito ao subsídio de desemprego, depende do preenchimento das condições previstas no n.º 4 do art.º 10º do Decreto-Lei n.º 220/2006 (…). Para efeitos da aplicação do disposto nos nºs 4 e 5 do art. 10º do decreto mencionado, o número de trabalhadores da empresa é aferido no mês anterior ao do limite do período retrospectivo de três anos, o qual corresponde ao mês temporalmente mais distante. No caso em apreço, em que a cessação do contrato de trabalho ocorreu em 31/12/2010, verifica-se que o triénio considerado para apuramento do limite de quotas é de 01/01/2008 a 31/12/2010, o que pressupõe um limite de quotas de 80, encontrando-se o mesmo ultrapassado. (…) nas situações em que a cessação do contrato de trabalho por acordo teve subjacente a convicção do trabalhador criada pelo empregador do preenchimento das condições previstas no n.º 4 do art. 10º e tal não se venha a verificar, o trabalhador mantém o direito às prestações de desemprego, ficando o empregador obrigado perante a segurança social ao pagamento do montante correspondente à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego, conforme previsto no art. 63º do mesmo diploma» - cf. ofício, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a fls. 20 dos autos.
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Não se provou, com interesse para a decisão da causa, que:
1. No período compreendido entre Novembro de 2009 e Novembro de 2012, a Autora celebrou 34 acordos de cessação de contratos de trabalho;
2. No período compreendido entre 01/01/2008 e 31/12/2010, a Autora celebrou 83 acordos de cessação de contratos de trabalho”.
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IV. Direito
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas respectivas alegações, importa conhecer da pretensão recursiva formulada e que se prende com saber se existe erro de julgamento da matéria de facto que se repercute na aplicação do direito,
ao não terem sido considerados como factos provados na sentença recorrida, os acordos de cessação dos contratos de trabalho e as declarações de desemprego.
Vejamos.
No que concerne ao erro de julgamento da matéria de facto, salientamos que a Recorrida, enquanto Autora, veio pedir a anulação da decisão tomada pela aqui Recorrente, que lhe exigia o pagamento da quantia de 5.928,00€, correspondentes à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego da beneficiária E..., assente em que esta ex-trabalhadora não se encontrava dentro dos limites estabelecidos no nº 4 do artº 10º do Decreto-Lei nº 220/2006, de 3 de Novembro.
A sentença recorrida, menciona que “Dos factos provados em 3. e 4. constata-se que a decisão de restituição da quantia de €5.928,00 se refere à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego referente à beneficiária E...e que a Entidade Demandada considerou que a cessação do contrato de trabalho celebrado entre a Autora e aquela beneficiária não se encontrava dentro dos limites estabelecidos no artigo 10º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro e que, no caso concreto, tendo a cessação ocorrida em 31/12/2010, o triénio a considerar para o apuramento do limite de quotas é de 01/01/2008 a 31/12/2010, tendo sido ultrapassado o limite de 80 quotas.
Dos documentos referidos nos pontos 3. e 4. dos factos provados constam, com clareza, as razões concretas, de facto e de direito, que motivaram a decisão impugnada nos presentes autos”.
Nas conclusões do recurso, o Recorrente refere que 4. No triénio de 01/01/2008 a 31/12/2010, a situação de extinção da relação laboral, por acordo, celebrado entre a recorrida e E..., (…)correspondia à 83a situação de cessação de contrato de trabalho par acordo, com direito ao subsídio de desemprego, por motivo subsumível na regra do nº 4 do artº 10º expressamente por si indicado no modelo RP 5044-DGSS entregue à trabalhadora.
5. Não obstante, o Tribunal a quo decidiu anular a decisão do recorrente estribado no facto de que este não havia carreado para os autos prova dos acordos nem dos seus motivos, com desrespeito pelo disposto no artº 266º, nº 2 da CRP, os artºs 3º, nº 1, 87º, nº 1 e 88º, nº 1, todos do CPA e ainda o artº 342º, nº 1 do CC.
6. Porém, o recorrente juntou aos autos extractos informáticos sobre o Sistema da Segurança Social dos 83 (oitenta e três) trabalhadores com quem a recorrida havia firmado acordos de cessação de contrato de trabalho com direito a desemprego e um print informático com a listagem dos mesmos ordenados desde o 1º ao 83º, extraídos do mesmo sistema informático de apoio, criados a partir dos dados fornecidos ao IEFP pelos mesmos trabalhadores
7. O Tribunal a quo não levou conta tal documentação (extractos informáticos) prestados nos autos pelo recorrente, e também não deu qualquer relevância aos factos alegados pela recorrida, mormente, nos artigos 5º a 30º, da p.i., que não tinham sido impugnados pelo R. haveriam que ser admitidos por acordo (art° 574º, nº 1, do CPC)”.
O Decreto-Lei nº 220/2006, de 3 de Novembro, veio estabelecer o regime jurídico de protecção social da eventualidade de desemprego dos trabalhadores por conta de outrem, tendo revogado os Decretos-Leis nºs 119/99, de 14 de Abril, e 84/2003, de 24 de Abril.
No cerne da quaestio do recurso, adiantamos que para além da apreciação sobre a alegada errónea matéria de facto consignada na sentença recorrida, por inerente e consequente desta, perfila-se a interpretação a dar aos nºs 4 e 5 do artº 10º do Decreto-Lei nº 220/2006, de 3 de Novembro, desde logo, tendente a apurar se, na verdade, a Recorrida apenas detinha a possibilidade de promover cessações de contratos de trabalho por acordo com direito ao subsídio de desemprego, até ao número máximo de 80 trabalhadores, e se a trabalhadora E..., cujo contrato cessou em 31 de Dezembro de 2010, se enquadrou na 83a situação de cessação de contrato de trabalho por acordo, entre 1 de Janeiro de 2008 e 31 de Dezembro de 2010.
Concretamente sobre o erro da matéria de facto, expressou-se na sentença recorrida o seguinte: “Decorre do ponto 1. dos factos provados que o contrato de trabalho celebrado entre a Autora e E...cessou por acordo em 31/12/2010.
Resulta, ainda, dos pontos 3. e 4. dos factos provados que a Entidade Demandada aplicou o limite máximo de 80 trabalhadores por cada triénio, previsto na alínea b), n.º 4 do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 220/2006, não tendo a Autora impugnado, nos presentes autos, que, ao caso concreto, não era aplicável aquele limite de 80 trabalhadores em cada triénio”.
Compulsados os autos, no que toca ao documento que deu entrada no Tribunal a quo, em 14 de Novembro de 2016, a fls 108 do SITAF, então enviado pela ora Recorrente para identificar quais os trabalhadores que haviam cessado contrato de trabalho, desde logo, emergem duas constatações:
i) em primeiro lugar, do indicado documento não se retira que tal tenha ocorrido, o que converge para não se demonstrar provado como a sentença recorrida considerou: “2. No período compreendido entre 01/01/2008 e 31/12/2010, a Autora celebrou 83 acordos de cessação de contratos de trabalho”, pelo que nada há a apontar a esse procedimento; e,
ii) em segundo lugar, não figura nessa listagem documental qualquer extracto referente a E....
No que respeita à alegação que não foi levada à matéria provada na sentença recorrida, a prova obtida por acordo firmada com base no articulado da petição inicial que não foi impugnado pela contraparte, ela é contrariada ao se verificar que, precisamente, por acordo “(artigos 5º, 6º e 9º da petição inicial, 15º da contestação e 3º do requerimento a págs. 198 e 199 do SITAF) e documento a fls. 3 do processo administrativo apenso”, no ponto 1. se deu como provado que “O contrato de trabalho celebrado entre a Autora e E...cessou por acordo em 31/12/2010 com base em motivos que permitiam o recurso a processo de extinção de posto de trabalho”.
Por outro lado, da sentença recorrida resulta claramente que a pretensão recursiva não pode ser acolhida, visto que “Da lista («print informático») junta pela Entidade Demandada como documento n.º 1 apenas resulta que, entre 01/01/2008 e 31/12/2010, a Entidade Demandada atribuiu prestações de desemprego a beneficiários da Segurança Social que foram trabalhadores da Autora (cf. ponto 2. dos factos provados).
Daquele documento apenas se pode retirar que os contratos de trabalho celebrados entre a Autora e 83 trabalhadores cessaram e que essas cessações foram comunicadas à Entidade Demandada, não contendo qualquer referência, ainda que mínima, a que todas essas cessações decorreram de acordo.
Aliás, do processo administrativo consta a fls. 3 um documento que menciona o motivo de desemprego referente à beneficiária E...como sendo o de acordo de revogação nos termos do n.º 4 do artigo 10º, o que não se verifica quanto aos restantes 82 trabalhadores referidos na lista junta como documento n.º 1 pela Entidade Demandada.
Não se pode retirar daquele documento que, as restantes, 82 cessações de contrato de trabalho ocorreram em resultado de acordos celebrados entre a Autora e esses trabalhadores, nem se pode inferir, por maioria de razão, que, tendo existido 83 acordos de cessação, os mesmos tenham tido por causa os motivos referidos no n.º 4 do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 220/2006.
A Entidade Demandada não requereu, nem juntou a produção de qualquer meio de prova que permitisse demonstrar a veracidade dos factos em que assentou a decisão impugnada, pelo que, atento o ónus de prova que recaía sobre a Entidade Demandada, sempre terá de proceder a presente acção, por falta de prova dos pressupostos de facto da decisão impugnada”.
Assim sendo, não poderia ter sido consignado nos factos provados, factualidade robustecida por documentos que não traduzam o real conteúdo do que espelham, sendo que a falta de outros dependiam da sua apresentação pela Administração, atentando que o acto impugnado se sedimentou no facto de Recorrida ter celebrado 83 acordos de cessação de contrato de trabalho, tendo a Recorrente, tão-só, alegado que as causas de cessação dos contratos de trabalho por acordo foram as previstas no artº 10º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro.
Ora, em obediência ao preceituado no nº 1 do artº 43º daquele diploma, encontram-se plasmados na declaração de situação de desemprego a emitir pelo empregador, diferentes motivos de cessação dos contratos de trabalho, sendo necessário que fique assinalado o motivo correspondente.
Reafirmamos que os documentos que instruem o processo administrativo e os documentos juntos pela Recorrente, como expressado supra – vide ponto 2. dos factos não provados – não permitem provar que as 83 cessações de contratos de trabalho que deram origem ao pagamento de prestações de desemprego decorreram de acordos celebrados entre a Recorrida e igual número de trabalhadores.
Identicamente, reiteramos que o print informático mostra que os contratos de trabalho celebrados entre a Recorrida e 83 trabalhadores cessaram e que essas cessações foram comunicadas à Recorrente; contudo, não se sabe se tal se deu em todos os casos, por acordo.
Donde, não é possível afirmar que tendo existido 83 acordos de cessação, estes tenham por base os motivos instituídos no nº 4 do artº 10º do Decreto-Lei nº 220/2006, de 3 de Novembro.
Em conclusão, a sentença recorrida não promoveu uma errónea formulação da matéria de facto que na mesma deu como provada e não provada.
Neste enquadramento, a aplicação do direito à factualidade contida no Probatório da decisão recorrida mostra-se acertada.
Com efeito, assente está que “2. Entre 01/01/2008 e 31/12/2010 foram deferidas prestações de emprego a 83 trabalhadores da Autora, incluindo a beneficiária E...- cf. listagem a págs. 92 e 93 do SITAF e documentos a fls. 2 e 3 do processo administrativo apenso”.
O nº 1 do artº 2º do Decreto-Lei nº 220/2006, de 3 de Novembro, denomina que “é considerado desemprego toda a situação decorrente da inexistência total e involuntária de emprego do beneficiário com capacidade e disponibilidade para o trabalho, inscrito para emprego no centro de emprego”, constituindo uma medida passiva a atribuição do subsídio de desemprego – vide artº 3º.
O artº 10º deste diploma, sob a epígrafe ‘Cessação por acordo’, prevê o seguinte:
“1 - Consideram-se desemprego involuntário, para efeitos da alínea d) do n.º 1 do artigo anterior, as situações de cessação do contrato de trabalho por acordo, que se integrem num processo de redução de efectivos, quer por motivo de reestruturação, viabilização ou recuperação da empresa, quer ainda por a empresa se encontrar em situação económica difícil, independentemente da sua dimensão.
2 - Para efeitos de aplicação do número anterior considera-se:
a) Empresa em situação de recuperação ou viabilização, aquela que se encontre em processo especial de recuperação, previsto no Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e Falência, bem como no Código da Insolvência e Recuperação de Empresa, ou no procedimento extra-judicial de conciliação;
b) Empresa em situação económica difícil, aquela que assim seja declarada nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 353-H/77, de 29 de Agosto;
c) Empresa em reestruturação, a pertencente a sector assim declarado por diploma próprio nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 251/86, de 25 de Agosto, e no n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 206/87, de 16 de Maio;
d) Considera-se, ainda, empresa em reestruturação aquela que assim for declarada para os efeitos previstos no presente decreto-lei através de despacho favorável do membro do Governo responsável pela área do emprego, consultado o Ministério da Economia, após apresentação de projecto que demonstre inequivocamente que a dimensão da reestruturação da empresa, necessária à sua viabilidade económica e financeira, determina a necessidade de ultrapassar os limites quantitativos fixados no n.º 4 do presente artigo.
3 - A consulta ao Ministério da Economia prevista na alínea d) do número anterior pode ser efectuada, designadamente, através do Gabinete de Intervenção Integrada de Reestruturação Empresarial (AGIIRE), criado pelo Decreto Regulamentar n.º 5/2005, de 12 de Julho, salvaguardando-se em qualquer dos casos a audição dos parceiros sociais sobre a situação económica e do emprego no sector em causa.
4 - Para além das situações previstas no n.º 2 são, ainda, consideradas as cessações do contrato de trabalho por acordo fundamentadas em motivos que permitam o recurso ao despedimento colectivo ou por extinção do posto de trabalho, tendo em conta a dimensão da empresa e o número de trabalhadores abrangidos, nos termos seguintes:
a) Nas empresas que empreguem até 250 trabalhadores, são consideradas as cessações de contrato de trabalho até três trabalhadores inclusive ou até 25% do quadro de pessoal, em cada triénio;
b) Nas empresas que empreguem mais de 250 trabalhadores, são consideradas as cessações de contrato de trabalho até 62 trabalhadores inclusive, ou até 20% do quadro de pessoal, com um limite máximo de 80 trabalhadores em cada triénio.
5 - Os limites estabelecidos no número anterior são aferidos por referência aos três últimos anos, cuja contagem se inicia na data da cessação do contrato, inclusive, e pelo número de trabalhadores da empresa no mês anterior ao da data do início do triénio, com observância do critério mais favorável.
6 - Para efeitos dos nºs 4 e 5 são consideradas as pessoas singulares e colectivas, independentemente da sua natureza e das finalidades que prossigam, que beneficiem da actividade profissional de terceiros prestada em regime de trabalho subordinado ou situações legalmente equiparadas para efeitos de segurança social”.
Volvendo aos termos do ponto 1. dos factos provados da sentença recorrida, o contrato de trabalho celebrado entre a Recorrida e E...cessou por acordo, em 31 de Dezembro de 2010, reconduzindo-nos os respectivos pontos 3. e 4. que à luz do disposto na alínea b) do nº 4 do artº 10º supra transcrito, a empregadora aplicou o limite máximo de 80 trabalhadores por cada triénio.
Contudo, o nº 5 do deste artº 10º do diploma em análise, vem densificar em abono, precisamente, com aquela alínea b) do nº 4, “Nas empresas que empreguem mais de 250 trabalhadores, são consideradas as cessações de contrato de trabalho até 62 trabalhadores inclusive, ou até 20% do quadro de pessoal, com um limite máximo de 80 trabalhadores em cada triénio”, é balizado por referência aos três últimos anos, cuja contagem se inicia na data da cessação do contrato, inclusive, e pelo número de trabalhadores da empresa no mês anterior ao da data do início do triénio, com observância do critério mais favorável.
Mais trazemos à colação que o artº 63º , sempre do mesmo diploma, ditava que “Nas situações em que a cessação do contrato de trabalho por acordo teve subjacente a convicção do trabalhador, criada pelo empregador, do preenchimento das condições previstas no n.º 4 do artigo 10.º, e tal não se venha a verificar, o trabalhador mantém o direito às prestações de desemprego, ficando o empregador obrigado perante a segurança social ao pagamento do montante correspondente à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego”.
Realizamos que o triénio para apurar o número de cessações de contrato de trabalho por acordo em obediência ao preceituado na alínea b) do nº 4 e ao nº 5, ambos do artº 10º, é o compreendido entre 1 de Janeiro de 2008 e 31 de Dezembro de 2010, com a justificação que o contrato de trabalho celebrado entre a Recorrida e a trabalhadora beneficiária cessou em 31 de Dezembro de 2010.
Donde, significa, pois, esta última data, o fim do triénio que importa para o cômputo temporal a tomar em consideração para o apuramento do último triénio para o efeito – cfr nº 5 do artº 10º.
É que a data de início do triénio relevante corresponde à que resulta da contagem de três anos para trás daquela supra indicada, e não como defendia a Recorrente que o triénio deve ser contado em anos completos, para tal apelando para o estipulado na alínea b) in fine do nº 4 do artº 10º.
Entendemos que a sentença recorrida não incorreu em erro de julgamento da matéria de facto nem decorrentemente, na sua conjugação pelo direito, dado que para conhecer e decidir sobre o pedido da então Autora, aqui Recorrida, de anulação da decisão de restituição do montante de 5.928,00€, correspondente à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego da ex-trabalhadora E..., não se considera um triénio fixo em que o período temporal se conta da data da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 220/2006, de 3 de Novembro.
Reza, a propósito, o Acórdão do TCA Sul, Processo nº 186/16.2BECTB, de 27 de Abril de 2023, in www.dgsi.pt que “Não se trata de condicionar qualquer período de atividade da empresa,

trata-se, apenas, de aplicar um limite temporal às circunstâncias de facto que se verifiquem nesse período de tempo de três anos, contados de forma regressiva, para o efeito de se aferirem as situações e os moldes em que a cessação por acordo dos contratos de trabalho, são consideradas desemprego involuntário, para os efeitos da atribuição de prestações de desemprego, nos termos gerais”.
Sumaria-se no Acórdão do TCA Sul, Processo nº 931/10.0BELSB, de 17 de Junho de 2021, in www.dgsi.pt, designadamente, que “2. De acordo com o disposto no artigo 88º do Decreto-Lei nº 220/2006, de 3 de Novembro, o mesmo entrou em vigor no 1º dia do 2º mês seguinte ao da sua publicação, excepto o regime previsto na alínea d) do artigo 9º e no artigo 10º que entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, ou seja, no dia 4.11.2006, sendo que as cessações do contrato de trabalho por acordo verificadas anteriormente à data prevista no número anterior não relevam para efeitos de preenchimento dos limites do número de trabalhadores referido no nº 4 do artigo 10º [v. os nºs 1, 2 e 3].
3. Nada constando sobre a eficácia retroactiva do nº 2 deste artigo 88º, o mesmo dispõe apenas para futuro, e na fixação do sentido e alcance da lei, mormente das normas contidas nos nºs 4 e 5 do artigo 10º, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados [v. o nº 1 do artigo 12º e artigo 9º, do CC]”.
Secundamos, assim, a sentença recorrida neste conspecto “Na interpretação do artigo 10º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 220/2006, haverá que recorrer às regras impostas pelo artigo 9º do Código Civil.
O artigo 9º, n.º 1, do Código Civil consagra que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, devendo ter-se em conta a ratio legis e a unidade do sistema jurídico, estabelecendo, no n.º 2, que não pode, porém, ser considerado pelo intérprete pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
De acordo com o disposto no artigo 10º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 220/2006, os limites das quotas são aferidos por referência aos três últimos anos, cuja contagem se inicia na data da cessão do contrato, inclusive, e pelo número de trabalhadores da empresa no mês anterior ao da data do início do triénio.
(…)
Acresce que, consideramos que, nem a ratio legis da norma, nem a unidade do sistema jurídico, permitem sustentar a posição defendida pela Autora e que a interpretação literal não é contraditória com a razão de ser e finalidade da norma em questão, não existindo, no complexo normativo em causa, outras normas que permitam formular outra interpretação.
Sucede que, a interpretação aqui acolhida não revela qualquer imprevisibilidade, pois sabendo a data de cessação dos contratos de trabalho, pode a Autora saber com segurança se os limites estarão ou não preenchidos para efeitos do direito às prestações de desemprego dos trabalhadores.
Decorrendo do ponto 1. dos factos provados que o contrato de trabalho celebrado entre a Autora e E...cessou por acordo em 31/12/2010, e aplicando o disposto no artigo 10º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 220/2006 ao caso concreto, conclui-se que o triénio para efeitos de apuramento do disposto no n.º 4 do mesmo artigo 10º, tem início em 01/01/2008 e termo em 31/12/2010”.
Não errou, assim, o Tribunal a quo, na formulação da matéria de facto nem na subsequente aplicação do direito aos factos, ao ter decidido como decidiu.
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V. Decisão
Nestes termos, acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção Administrativa Social da Secção de Contencioso Administrativo do TCA Sul, em negar provimento ao presente recurso, confirmando a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.
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Lisboa, 31 de Outubro de 2024
(Maria Helena Filipe – Relatora)
(Maria Julieta França – 1ª Adjunta)
(Rui Belfo Pereira – 2ª Adjunto)