Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:53/07.0 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:11/10/2022
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:IRC.
MÉTODOS INDIRECTOS.
Sumário:O recurso à avaliação indirecta justifica-se no caso de ocorrerem erros e omissões da contabilidade causadores da impossibilidade comprovada da mesma servir de base à avaliação directa. A quantificação da matéria colectável com base num critério assente em erros e imprecisões, geradores de excesso no apuramento da mesma, acarreta a anulação do acto tributário
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acórdão
I- Relatório
C…….. – Materiais………….., Lda., deduziu impugnação judicial, na sequência da decisão que indeferiu a reclamação graciosa apresentada contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) com o n.º ……….519 e respetivos juros compensatórios, do exercício de 1999, no valor total de €40.662,87. O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença proferida a fls. 711 e ss. (numeração no processo em formato digital-sitaf), datada de 16 de Novembro de 2021, julgou procedente a presente impugnação e, em consequência, anulou a liquidação sindicada. A Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional contra a sentença. Nas alegações do recurso, de fls. 802 e ss. (numeração do processo em formato digital - sitaf), a recorrente alegou e formulou as seguintes conclusões: «(…)
B. No presente recurso, pretende-se que seja apreciada a douta sentença recorrida quanto ao erro de julgamento da matéria de facto, na apreciação dos factos provados constantes em C) e M), ao concluir que não se encontram reunidos os pressupostos para a aplicação de métodos indiretos, e, consequentemente, o erro de julgamento de direito por entender não serem aplicáveis o disposto nas normas constantes do n.º 3 do artigo 74.º, do n.º 1 do artigo 83.º, da alínea b) do n.º 1 do artigo 87.º e do artigo 88.º da LGT.
C. Da apreciação da prova produzida nos autos, concluiu o Tribunal a quo não se encontrarem reunidos os pressupostos para o recurso a métodos indiretos para a determinação da matéria tributável do exercício de 1999 da Recorrida, “O que torna ilegítimo o recurso a esse método de avaliação e inquina de ilegalidade as correcções e subsequentes liquidações, procedendo este fundamento da presente impugnação.” (sublinhado nosso), cf. fls. 70 da douta sentença recorrida, não podendo, assim, subsistir a liquidação de imposto mediatamente controvertida.
D. No caso sub judice, o recurso a métodos indiretos teve por fundamento o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 87.º e na alínea a) do artigo 88.º da LGT, “Nos termos do artigo 88.º alínea a) da LGT, conjugado com os artigos 52º do CIRC e 84º do CIVA, considera-se existir irregularidades na organização e execução da contabilidade, fundamento para a aplicação dos métodos indirectos nos termos do artigo 87.º alínea b) da LGT, face à impossibilidade de comprovação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de IRC e IVA.”, cf. facto provado constante em C) a fls. 18 da douta sentença recorrida.
E. A douta sentença recorrida inicia a sua apreciação da verificação dos pressupostos para a aplicação de métodos indiretos enunciando os respetivos fundamentos, explicando que “E justamente por ser o método de avaliação directa aquele a que o legislador entendeu dar preferência no apuramento da matéria tributável, se preveniu a utilização indevida da avaliação indirecta para além dos casos expressamente previstos na lei, através da exigência de fundamentação reforçada da decisão de recurso a este método, assim se possibilitando um controlo mais eficaz da sua legalidade pelos tribunais.”, cf. fls. 55 da douta sentença recorrida, invocando o n.º 4 do artigo 77.º da LGT quanto ao dever de fundamentação e o n.º 3 do artigo 74.º da LGT quanto à repartição do ónus da prova, cf. fls. 55 da douta sentença recorrida.
F. Entrando na apreciação do caso concreto, afirmou a douta sentença recorrida que “A AT relatou no RIT referido nas letras C a E do probatório um conjunto de factos indiciantes de que a contabilidade da Impugnante não reflectia a sua situação patrimonial real nem o resultado efectivamente obtido. Assim e seguindo de perto o Relatório pericial referido na letra M do probatório:
“Em concreto são apresentadas designadamente as razões seguintes:
1.1.1 – A margem média bruta apresentada pelo contribuinte, de 6,69% é significativamente inferior à média apresentada pelo sector, calculada em 22,63%.
1.1.2. – Irregularidades cometidas no apuramento dos inventários das existências de batatas de semente que suscitam dúvidas quanto aos valores declarados das compras, custos das vendas e vendas.
1.1.3. – Detecção de insuficiências contabilísticas com impacto material sobre o lucro tributável relacionadas com:
- movimentos contabilísticos de vendas sem a existência de stocks para o efeito,
- desconformidade entre os comprovantes de transporte de compra de batata e as facturas de compra.
- diferenças em quantidades entre as vendas constantes dos comprovantes contabilísticos das vendas (facturas) e custo das vendas obtido pela fórmula: “Ei + Compras – Ef”, cf. fls. 55 e fls. 56 da douta sentença.
G. Sobre as insuficiências, omissões e inexatidões reportadas no relatório do procedimento inspetivo, continuou a douta sentença recorrida “Numa análise mais detalhada dos referidos indícios/deficiências, a que procedeu de seguida o Perito designado nos autos, acolheram-se como válidos os fundamentos invocados pela AT no RIT (e na decisão do pedido de revisão, referida na letra H do probatório). Tal como se aduz do Relatório pericial referido na letra M do probatório. // (…) Em face do que, o tribunal propenderia prima facie a concluir que, do lado da AT, se recolheram indícios fundados, consistentes, que descredibilizam a contabilidade da Impugnante e comprometem a avaliação directa da matéria tributável.
Porém, o Perito designado nos autos assinalou, também, no Relatório pericial referido na letra M do probatório um conjunto de discrepâncias entre a realidade demonstrada e a que foi dada como provada em sede inspectiva, em que a AT fez assentar o método (critério e cálculos) que utilizou para quantificar a matéria tributável.” (sublinhado nosso), cf. fls. 60 e 61 da douta sentença recorrida.
H. Perante esta exposição, a douta sentença recorrida afirmou a fls. 65 que “Esta conclusão é decisiva, no sentido de que foi aplicado, pela AT, um método que se veio a comprovar nos presentes autos como errado nos pressupostos factuais de que arranca. (sublinhado nosso).
I. Muito respeitosamente, é aqui que começa o erro de julgamento de facto do Tribunal a quo.
J. O Tribunal a quo entende que os SIT partiram de pressupostos factuais errados para concluir pela aplicação de métodos indiretos. Para chegar a esta conclusão, o Tribunal a quo alicerça-se no entendimento do Senhor Perito exposto de fls. 61 a fls. 63 e fls. 66 e 67 da douta sentença.
K. Ora, ao longo da Parte IV do Relatório do Procedimento Inspetivo (“Motivos e Exposição dos Factos que Implicam o Recurso a Métodos Indirectos”), são abordadas as insuficiências e erros contabilísticos que os SIT entenderam relevantes para efeitos de aplicação de métodos indiretos, a saber,
i. A diferença entre a margem bruta de comercialização de 6,69% (seis vírgula sessenta e nove por cento) da Recorrida e a margem média do setor de 22,63% (vinte e dois vírgula sessenta e três por cento), melhor desenvolvido no relatório do procedimento inspetivo, transcrito no facto provado constante em C) a fls. 8 e 9 da douta sentença recorrida,
ii. Controlo das existências, compras e vendas de batata, apurando-se que, transcrito no facto provado constante em C) a fls. 9 a 18 da douta sentença recorrida.
a) foi levado a CMVMC 56 075kg (cinquenta e seis mil e setenta e cinco quilogramas) de batata de semente Agria, Arnova, Kondor, Kuroda, Bartina, Raja, Arran Consul e Romano a mais do que foi declarado nas vendas, e foi considerado menos 45 575kgs (quarenta e cinco mil, quinhentos e setenta e cinco quilogramas) de CMVMC nas demais categorias de batatas a menos do que foi declarado nas vendas;
b) foram contabilizadas vendas de 56 525kgs (cinquenta e seis mil, quinhentos e vinte e cinco quilogramas) de batata sem stock para o efeito, concretizando, o relatório do procedimento inspetivo, as diferenças encontradas em dez espécies de batata de semente (Spunta, Arinda, Agata, Desiree, Asterix, Picasso, Kondor, Kuroda, Arran Consul, Romano);
c) sobreavaliação das existências finais de 1998 da batata de semente Arinda, Agata Arnova e sobreavaliação das existências finais de 1999 da batata de semente Spunta, Monalisa, Agria, Desiree, Asterix, Bartina;
d) foi levado a CMVMC de batata de consumo 6 778 530kgs (seis milhões, setecentos e setenta e oito mil, quinhentos e trinta quilogramas) e declaradas vendas de batata de consumo de 6 811 864kgs (seis milhões, oitocentos e onze mil, oitocentos e sessenta e quatro quilogramas) ;
e) os preços de compra da batata de consumo contabilizados oscilaram entre os 40$00/kg (quarenta escudos por quilograma) e os 75$00/kg (setenta e cinco escudos por quilograma) no primeiro semestre e os 9$00/kg (nove escudos por quilograma) e os 23$00/kg (vinte e três escudos por quilograma) no segundo semestre do ano, sem razão aparente;
f) os preços de venda da batata de consumo contabilizados oscilaram entre os 50$00 (cinquenta escudos por quilograma) e os 80$00/kg (oitenta escudos por quilograma) no primeiro semestre e os 15$00/kg (quinze escudos por quilograma) e os 38$00/kg (trinta e oito escudos por quilograma) no segundo semestre do ano, sem razão aparente;
g) existem compras efetuadas a países da União Europeia sem documentos de transporte e existem documentos de transporte sem a identificação da compra associada.
L. Ora, o Tribunal a quo não se pronuncia nem analisa os motivos que levaram os SIT a constatar a impossibilidade de determinação direta e exata da matéria tributável através da contabilidade da Recorrida.
M. O Tribunal a quo não fez um esforço de análise sobre as questões de facto identificadas pelos SIT que motivaram o recurso a métodos indiretos, e não fez qualquer exercício para rebater ou contrariar as mesmas.
N. Não tendo sido afastadas as razões de facto que motivaram a aplicação de métodos indiretos, afigura-se à RFP que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de facto ao concluir que não se encontravam reunidos os pressupostos para a aplicação de métodos indiretos –
O. Quando, de facto, se encontram preenchidas as normas previstas nas alíneas b) do n.º 1 do artigo 87.º e da alínea a) do artigo 88.º da LGT, pela inexistência de documentos de suporte aos registos contabilísticos e pela irregularidade na organização e execução da contabilidade da Recorrida quanto aos documentos existentes, ambos ao nível das compras, das vendas e dos documentos de transporte.
P. Na realidade, para afastar a aplicação de métodos indiretos, o Tribunal a quo socorre-se do relatório do Senhor Perito, enunciando as correções que o Senhor Perito propõe ao trabalho dos SIT, mas, respeitosamente, sem razão.
Q. É que, relevando a prova pericial para a convicção do Tribunal, então, não se pode ignorar que o Senhor Perito entende que se encontram reunidos os pressupostos para a aplicação de métodos indiretos.
R. Lendo o facto provado constante em M) da douta sentença recorrida, constata-se que o Senhor Perito afirmou “VI – Conclusões:
Face ao exposto ao longo do relatório, designadamente na parte V, entendemos ser de concluir o seguinte:
1-As insuficiências contabilísticas apontadas no relatório do SIT, designadamente os erros de inventários e as divergências entre as vendas e as dificuldades de reconciliação entre os documentos de compra, são matérias que não tendo sido esclarecidas, reúnem globalmente condições para a aplicação dos métodos indirectos de tributação.”, cf. fls. 48 da douta sentença recorrida, bem como no parágrafo 3.2. (Apreciação dos fundamentos na aplicação de métodos indiretos) na Parte V (Apreciação dos Fundamentos e dos Cálculos Apresentados pela Administração Tributária e pelo Contribuinte) do relatório pericial, “3.2.1. Os fundamentos utilizados no relatório dos SIT de que as irregularidades observadas na organização e execução da contabilidade impossibilitam a comprovação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria colectável nos termos do art.º 87.º b) da LGT, referidos no n.º 1.1, suscitam os seguintes comentários:
a. Relativamente à batata de semente, as irregularidades apuradas, designadamente os erros na inventariação das existências e as vendas sem existências de stocks que as suportassem, traduzem deficiências contabilísticas que, no caso de não serem esclarecidas e desde que sejam materialmente relevantes, impossibilitam a determinação da matéria colectável directamente da contabilidade.
Acresce que as existências de 1999 (iniciais e finais) apresentam erros e os seus valores são desconformes com as condições de actividade da impugnante, insuficiências que, por si só, justificam a aplicação de métodos indirectos.
b. Relativamente à falta de adequada correspondência entre os documentos de transporte e os de compra, verifica-se, efectivamente, conforme referido no n.º 3.1.2 anterior, que a informação contida nesses documentos não possibilita um adequado cruzamento dos mesmos. Face às dúvidas que subsistem após a verificação desses documentos, afigura-se que a dificuldade de os reconciliar pode ser também condição para a aplicação dos métodos indirectos, mas insuficiente para exclusivamente a partir deles retirarem-se conclusões objetivas.
c. Relativamente às diferenças entre as vendas e custo das vendas em quantidades, considera-se que estarão em grande parte relacionadas com os erros de inventário e, nessa medida, admite-se que possam também ter originado omissão de vendas, salientando-se também que parte dessas diferenças poderão resultar de movimentos de existências não relacionados com vendas da natureza dos referidos no n3.1.4 anterior.
3.2.2. Face ao exposto em 3.2.1 e embora considerando que a fundamentação dos SIT apresenta insuficiências, os factos evidenciados nos autos, especialmente quanto aos erros de inventário, integram as condições previstas nos art.ºs 87 e 88 da LGT para aplicação dos métodos indirectos de tributação.” (sublinhado nosso, destacado no original), cf. facto provado constante em M) e fls. 24 e 25 do relatório pericial junto a fls. 261 e ss. do SITAF, bem como fls. 60 e 61 da douta sentença recorrida.
S. Perante os factos explanados no relatório do procedimento inspetivo e perante a análise e conclusões do Senhor Perito vertidas no relatório pericial, resulta dos autos estarem reunidos os pressupostos para a aplicação de métodos indiretos na determinação da matéria tributável, em sede de IRC, do exercício de 1999 da Recorrida.
T. Ao entender de forma diferente, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento na matéria de facto, na apreciação dos factos provados constantes em C) e M) da douta sentença recorrida, e em erro julgamento de direito ao desaplicar as normas constantes da alínea b) do n.º 1 do artigo 87.º e da alínea a) do artigo 88.º da LGT ao caso concreto.
U. Muito respeitosamente, afigura-se à RFP que o Tribunal a quo incorreu em lapso quando concluiu que “A desconsideração desses factos (a existência de erros de cálculo desfavoráveis à Impugnante) exige a formulação de um novo método de quantificação do volume de negócios, que implique o recurso a informação extra-contabilística, a comparações dos custos unitários de transporte com os preços de mercado, de acordo com a distribuição das compras declaradas por países e tenha em consideração as características da actividade da Impugnante e as elevadas quantidades transacionadas, como se assinala no Relatório pericial.
Era à AT e não à Impugnante, que cabia o ónus de provar a verificação dos pressupostos da utilização de métodos indirectos e que, em face da justificação apresentada por esta, no sentido de que e entre o mais, a diferença se deveu a erros de troca no processamento das diversas variedades de batata, lhe cabia avançar na investigação por forma a confirmar ou desacreditar essa justificação e, assim, cumprir o ónus de demonstrar (no RIT e na decisão do pedido de revisão e não a posteriori) a necessidade de recorrer a métodos indirectos para determinação da matéria tributável de 1999.” (sublinhado nosso), cf. fls. 68 da douta sentença recorrida.
V. Em primeiro lugar, porque, de facto a AT cumpriu com o ónus que lhe incumbia por via do n.º 3 do artigo 74.º da LGT. Neste sentido, cf. acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, no processo n.º 1220/16, em 2017-04-05, acórdão proferido por este Venerando Tribunal Superior no processo n.º 793/19.1BELLE, em 2021-09-30, e, ainda, os acórdãos proferidos pelo Tribunal Central Administrativo do Norte nos processos n.º 239/04.0BEMDL, em 2016-10-11, n.º 181/04.4BEVIS, em 2017-10-26, e n.º 135/11.4BEPRT, em 2015-05-25, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
W. Em segundo lugar, porque a necessidade de “recurso a informação extra- contabilística” resulta dos erros e omissões constantes da contabilidade da Recorrida, que impossibilitam a determinação dos curtos de transporte e a conciliação entre os documentos de transporte existentes na contabilidade e as compras registadas.
X. Não se vê como as omissões e erros na execução da contabilidade da Recorrida podem ser julgados contra a AT e a favor da Recorrida, como faz o Tribunal a quo.
Y. Na opinião da RFP, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de direito ao entender que a AT não cumpriu com o ónus probatório que lhe incumbia nos termos do n.º 3 do artigo 74.º da LGT.
Z. Por último, não sendo o escopo do presente recurso, mas estando subjacente na decisão recorrida, a RFP é da opinião que a Recorrida não logrou mostrar o excesso na quantificação da matéria tributável.
AA. O método de cálculo utilizado pelos SIT na determinação das vendas omitidas, das compras omitidas e dos custos de transporte associados a essas compras não é arbitrário, nem é inadequado, não conduzindo a resultados excessivos cf. facto provado constante em C) de fls. 18 a 30 da douta sentença recorrida, cf. acórdão deste Venerando Tribunal Superior proferido no processo n.º1544/06.6BELSB, em 2021-09-30 …
BB. Nestes termos, incorrendo a em (i) erro de julgamento da matéria de facto, na apreciação dos factos provados constantes em C) e M), ao concluir que não se encontram reunidos os pressupostos para a aplicação de métodos indiretos, e (ii) em erro de julgamento de direito (a) ao desaplicar as normas constantes do n.º 1 do artigo 83.º, da alínea b) do n.º 1 do artigo 87.º e do artigo 88.º da LGT, e (b) ao entender que a AT não cumpriu com o ónus probatório que lhe incumbia nos termos do n.º 3 do artigo 74.º da LGT, a douta sentença recorrida não merece a sua confirmação, devendo ser substituída, na opinião da RFP, por outra que julgue os presentes autos improcedentes.
X
Não há registo de contra-alegações.
X
A Digna Magistrada do M. P. junto deste Tribunal notificada para o efeito, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao presente recurso.
X
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
X
II- Fundamentação
1. De Facto.
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:
A. A Impugnante exercia, à data dos factos, a actividade de comércio por grosso de batata, enquadrada na CAE 051312, encontrando-se no exercício de 1999, em termos de IRC, enquadrada no regime geral com período de tributação coincidente com o ano civil (cf. Relatório de Inspecção Tributária (RIT) a fls. 92 e segs. do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
B. Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º 8204, com despacho de 24 de Janeiro de 2003, a Impugnante foi alvo de uma acção inspectiva de âmbito parcial (IRC e IVA) que incidiu sobre o exercício de 2009 e teve início em 29 de Janeiro de 2003 - data da assinatura da referida Ordem de Serviço (Idem);
C. Em 9 de Janeiro de 2003, foi elaborado o respectivo RIT, do qual se fez constar, designadamente, o seguinte (Idem):
«Texto no original»

D. Dá-se por integralmente reproduzido o teor do parecer e do despacho do Chefe de equipa e do Chefe de divisão, apostos sobre o RIT, a fl. 91 do PAT apenso;
E. E, bem assim, dos Anexos 1 a 17 ao RIT, assim descritos a fl. 121 do PAT apenso:
« Texto no original»
F. Em 3 de Julho de 2003, foi assinado o aviso de recepção do Ofício n.º 9061, datado de 26 de Junho de 2003, destinado a notificar a Impugnante do RIT (cf. fls. 155 e segs. do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
G. Foi apresentado pedido de revisão da matéria colectável, nos termos dos artigos 91.º e segs. da LGT, tendo, em 31 de Outubro de 2012, sido lavrada a Acta n.º66/03, da reunião entre os Peritos da Impugnante e da Administração Tributária (AT), da qual consta, entre o mais, que não houve acordo entre os referidos Peritos relativamente ao montante da matéria tributável a fixar, pelo que, cada um deles elaborou o respectivo laudo, podendo, entre o mais, ler-se no laudo do Perito da Fazenda Pública (cf. doc. 2, junto com a p. i. a fls. 30 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido):
(…)
« Texto no original»

H) Por decisão do Director de Finanças de 21 de Novembro de 2003, procedeu-se à fixação da matéria tributável, nos seguintes termos essenciais (Idem):
(…)
«Texto no original»
I. Em 4 de Dezembro de 2003, foi emitida a liquidação adicional de IRC n.º ………………519, referente ao exercício de 1999, no valor total de € 40.662,87, sendo € 32.646,29 de imposto e € 8.016,58 de juros compensatórios (cf. doc. 1, junto com a reclamação graciosa, a fls. 2 e segs. do procedimento de reclamação graciosa constante do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
J. A liquidação referida na letra anterior e ora impugnada, foi notificada à Impugnante em 22 de Dezembro de 2003 (acordo das partes – cf. artigo 24.º da p. i., não impugnado pela Fazenda Pública);
K. A Impugnante apresentou reclamação graciosa, a qual foi indeferida por despacho do Director de Finanças Adjunto de 27 de Dezembro de 2006, notificado à Impugnante através do Ofício n.º 107237, de 28 de Dezembro de 2006, proferido sobre informação dos serviços com o seguinte teor essencial (cf. doc. 1, junto com a p. i. a fls. 18 e segs.):
(…)
« Texto no original»

L. Em 18 de Janeiro de 2007, deu a p. i. da presente impugnação entrada no Serviço de Finanças da Lourinhã (cf. carimbo aposto a fl. 1, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
M. Dá-se por integralmente reproduzido o teor do Relatório pericial e respectivos Anexos, a fls. 208 e segs., nele se podendo ler, entre o mais, o seguinte:
(…)
« Texto no original»
**
Assenta a convicção do tribunal no exame dos documentos constantes dos autos e do PAT apenso, atenta a fé que merecem e o facto de não terem sido impugnados, na posição processual assumida pelas partes nos articulados e na posição, isenta e credível, do Perito designado por este Tribunal, expressa no Relatório pericial respectivo, tal como referido em cada letra do probatório.»
X
Rectifica-se a alínea B), do probatório, a qual passa a ter a redacção seguinte:

«B) Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º 8204, com despacho de 24 de Janeiro de 2003, a Impugnante foi alvo de uma acção inspectiva de âmbito parcial (IRC e IVA) que incidiu sobre o exercício de 1999 e teve início em 29 de Janeiro de 2003 - data da assinatura da referida Ordem de Serviço (Idem)».

2.2. De Direito.

2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre o alegado erro de julgamento na apreciação da matéria de facto e no correcto enquadramento jurídico da causa no que respeita ao preenchimento dos pressupostos do recurso aos métodos indirectos.
2.2.2. A recorrente invoca que a sentença ao considerar que a Administração Tributária não logrou demonstrar os pressupostos do recurso à avaliação indirecta, incorreu em erro na apreciação da matéria de facto relevante e erro no enquadramento jurídico da causa. Alega que, «[p]erante os factos explanados no relatório do procedimento inspetivo e perante a análise e conclusões do Senhor Perito vertidas no relatório pericial, resulta dos autos estarem reunidos os pressupostos para a aplicação de métodos indiretos na determinação da matéria tributável, em sede de IRC, do exercício de 1999 da Recorrida»; «[a]o entender de forma diferente, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento na matéria de facto, na apreciação dos factos provados constantes em C) e M) da douta sentença recorrida, e em erro julgamento de direito ao desaplicar as normas constantes da alínea b) do n.º 1 do artigo 87.º e da alínea a) do artigo 88.º da LGT ao caso concreto»; «a AT cumpriu com o ónus que lhe incumbia por via do n.º 3 do artigo 74.º da LGT»; «Em segundo lugar, porque a necessidade de “recurso a informação extra-contabilística” resulta dos erros e omissões constantes da contabilidade da Recorrida, que impossibilitam a determinação dos custos de transporte e a conciliação entre os documentos de transporte existentes na contabilidade e as compras registadas».

Apreciação. Está em questão a aplicação do disposto nos artigos 87.º, alínea b), 88.º, alínea a), da LGT. A este propósito, cumpre ter presente o seguinte:
i) A aplicação de métodos indirectos de tributação, de acordo com o previsto nos artigos 87.º e ss. da LGT, pressupõe que: i) o sujeito passivo não tenha cumprido os deveres de declaração e de documentação; ii) ou que tenha cumprido estes deveres de forma defeituosa, tendo sido verificados vícios formais ou materiais da declaração ou da documentação; iii) ou que, tendo sido notificado para o efeito, não tenha prestado os esclarecimentos que a Administração Fiscal lhe solicitou (1).
ii) A determinação da matéria tributável por métodos indirectos distingue-se da tributação do rendimento real, tributação directa, de acordo com os rendimentos declarados. O recurso subsidiário àquela (art.º 85.º, n.º 1, da LGT) deve ser considerado de forma restritiva (artigo 104.º, n.º 2, da CRP) (2).
iii) O ónus da prova dos factos constitutivos do afastamento da presunção de verdade é da Administração Tributária, isto é, a demonstração de que estão verificados os pressupostos de aplicação de métodos indirectos, no caso de os vícios tornarem impossível o apuramento da matéria colectável. Depois de comprovados os vícios da documentação ou da declaração de rendimentos, deve ser demonstrado através de um juízo de prognose póstuma, com base em regras de experiência comum, que o vício detectado é causa directa e necessária da impossibilidade de apuramento da matéria colectável com recurso a métodos directos (3).
iv) A impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos para a correcta determinação da matéria tributável do imposto resulta, designadamente, dos vícios formais ou materiais assacáveis à declaração de rendimentos e escrita do contribuinte, sendo que a aplicação de métodos indirectos só é possível quando inviabilizem tal comprovação e quantificação (4).
No caso em exame, está em causa a liquidação adicional de IRC de 1999, a qual teve por base a quantificação da matéria colectável por recurso aos métodos indiretos (relatório inspectivo, alínea C), do probatório). A Impugnante exercia, à data dos factos, a actividade de comércio por grosso de batata, enquadrada na CAE 051312, encontrando-se no exercício de 1999, em termos de IRC, enquadrada no regime geral com período de tributação coincidente com o ano civil. A Administração Tributária recolheu elementos que, no seu entender, comprovam a falta de registos fidedignos de inventários, erros na inscrição de custos e omissão de vendas, o que determinou a correcção do lucro tributável, fixado por avaliação indirecta.
A sentença sob recurso assume entendimento diverso. Concretamente, refere:
«(…) o tribunal propenderia prima facie a concluir que, do lado da AT, se recolheram indícios fundados, consistentes, que descredibilizam a contabilidade da Impugnante e comprometem a avaliação directa da matéria tributável. // Porém, o Perito designado nos autos assinalou, também, no Relatório pericial referido na letra M do probatório um conjunto de discrepâncias entre a realidade demonstrada e a que foi dada como provada em sede inspectiva, em que a AT fez assentar o método (critério e cálculos) que utilizou para quantificar a matéria tributável. Conforme se lê no Relatório pericial: (…) // «Desta análise conclui-se uma relativa coerência entre o total do valor contabilístico e o preço de mercado, verificando-se que o primeiro é inferior ao segundo, o que conduz a resultados diferentes e de sinal contrário dos apresentados pelo SIT”. // Esta conclusão é decisiva, no sentido de que foi aplicado, pela AT, um método que se veio a comprovar nos presentes autos como errado nos pressupostos factuais de que arranca. (…) // A desconsideração desses factos (a existência de erros de cálculo desfavoráveis à Impugnante) exige a formulação de um novo método de quantificação do volume de negócios, que implique o recurso a informação extra-contabilística, a comparações dos custos unitários de transporte com os preços de mercado, de acordo com a distribuição das compras declaradas por países e tenha em consideração as características da actividade da Impugnante e as elevadas quantidades transacionadas, como se assinala no Relatório pericial».
O assim decidido não pode ser confirmado, dado que incorre em erro de julgamento quanto à apreciação da matéria de facto e quanto ao enquadramento jurídico da causa.
Cumpre recordar o seguinte:
i) «[O] grau de contaminação, de perda da veracidade dos registos contabilísticos, a sua desqualificação como elementos de base para o apuramento da matéria colectável terá de implicar o afastamento da contabilidade para, usando métodos indiretos, se apurar então o rendimento real que se presume a empresa terá auferido» (5).
ii) «Detectados erros e inexactidões, cabe à AT o ónus de provar que eles são de tal modo graves, viciam de tal maneira a contabilidade, que esta deixa de poder constituir a base credível para a determinação da matéria colectável. Observa-se, pois uma clara preferência pela aplicação de métodos indirectos como uma medida de último recurso. Só após a demonstração de que não será possível obter o rendimento real a partir das correcções dos erros da contabilidade, recalculando o impacto económico-financeiro de factos concretos e, com isso, repor a verdadeira situação patrimonial, é que o rendimento real presumido, apurado pela via da utilização dos métodos indirectos, poderá então ser determinado» (6).
No caso em exame, a impossibilidade da determinação directa da matéria colectável (ou seja, com base na contabilidade da contribuinte) comprova-se nos autos. Do relatório pericial junto aos autos, elaborado por perito, nomeado pela Ordem dos Revisores Oficiais de Contas, a pedido do Tribunal, consta o seguinte:
«1-Fundamentos apresentados pela Administração Tributária (AT)
Sobre os fundamentos utilizados pela AT, considera-se:
Quanto à justificação da aplicação dos métodos indirectos de tributação:
Os Serviços de Inspecção Tributária (SIT) consideram que as irregularidades e insuficiências detectadas na organização e no reconhecimento das operações contabilísticas relacionadas com os inventários das existências, as compras e as vendas de batata, impossibilitam o apuramento da matéria colectável directamente da contabilidade, considerando por conseguinte estarem reunidas as condições previstas nos artigos 87º e 88.º da Lei Geral Tributária para aplicação dos métodos indirectos de tributação. // Em concreto são apresentadas designadamente as razões seguintes:
A margem média bruta apresentada pelo contribuinte, de 6,69%, é significativamente inferior à média praticada pelo sector, calculada em 22,63%. // Irregularidades cometidas no apuramento dos inventários das existências da batata de semente que suscitam dúvidas quanto aos valores declarados das compras, custos das vendas e vendas. // Detecção de insuficiências contabilísticas com impacto material sobre o lucro tributável relacionadas com: movimentos contabilísticos de vendas sem a existência de stocks para o efeito; desconformidade entre os comprovantes de transporte de compra da batata e as facturas de compra; diferenças em quantidades entre as vendas constantes dos comprovantes contabilísticos das vendas (facturas) e custo das vendas obtido pela fórmula : "Ei + Compras- EF"(…)//
3.2- Apreciação dos fundamentos na aplicação dos métodos indirectos de tributação
Sobre os fundamentos da aplicação dos métodos indirectos, considera-se:
3.2.1-Os fundamentos utilizados no relatório do SIT de que as irregularidades observadas na organização e execução da contabilidade impossibilitam a comprovação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria colectável nos termos do art.º 87.º b) da LGT, referidos no n.º 1.1, suscitam os comentários: // Relativamente à batata de semente as irregularidades apuradas, designadamente os erros na inventariação das existências e as vendas sem existências de stocks que as suportassem, traduzem deficiências contabilísticas que, no caso de não serem esclarecidas e desde que sejam materialmente relevantes, impossibilitam a determinação da matéria colectável directamente da contabilidade.
Acresce que as existências de 1999 (iniciais e finais) apresentam erros e os seus valores são desconformes com as condições da actividade da impugnante, insuficiências que, por si só, justificam a aplicação dos métodos indirectos.
- Relativamente à falta de adequada correspondência entre os documentos de transporte e os de compra, verifica-se, efectivamente, conforme referido no n.º 3.1.2 anterior, que a informação contida nesses documentos não possibilita um adequado cruzamento dos mesmos. Face às dúvidas que subsistem após à verificação desses documentos, afigura-se que a dificuldade de os reconciliar pode ser também condição para a aplicação dos métodos indirectos, mas insuficiente para exclusivamente a partir deles retirarem-se conclusões objectivas.
- Relativamente às diferenças entre as vendas e custo das vendas em quantidades, considera-se que estarão em grande parte relacionadas com os erros de inventário e, nessa medida, admite-se possam também ter originado omissão de vendas, salientando-se também que parte dessas diferenças poderão resultar de movimentos de existências não relacionados com vendas d natureza dos referidos no n.º 3.1.4 anterior.
3.2.2- Face aos exposto em 3.2.1 e embora a considerando que a fundamentação do SIT apresenta insuficiências, os factos evidenciadas nos autos, especialmente quanto aos erros de inventário, integram as condições previstas nos art.ºs 87.º e 88.º da LGT para aplicação dos métodos indirectos de tributação».
Em sede de “VI-Conclusões”, consignou-se no relatório pericial o seguinte:
«Face ao exposto ao longo do relatório, designadamente na parte V, entendemos ser de concluir o seguinte: // As insuficiências contabilísticas apontadas no relatório do SIT, designadamente os erros de inventários e as divergências entre as vendas e as dificuldades de reconciliação entre os documentos de compra, são matérias que não tendo sido esclarecidas, reúnem globalmente condições para a aplicação dos métodos indirectos de tributação».

Nestes termos, reiterando as conclusões insertas no relatório pericial, verifica-se que existem elementos nos autos no sentido da falta de credibilidade da contabilidade da impugnante impeditiva da avaliação directa da matéria colectável. Pelo que o recurso aos métodos indirectos não merece censura, como sustenta a recorrente.
Ao decidir em sentido discrepante, a sentença sob recurso incorreu em erro, pelo que deve ser revogada e substituída por decisão que não julgue procedente a impugnação, com base na falta de pressupostos para o recurso aos métodos indirectos.

Uma vez que se impõe revogar a sentença recorrida, importa conhecer dos demais fundamentos da impugnação. Foi observado o contraditório prévio.
2.2.3. Está em causa o alegado excesso na quantificação da matéria colectável. A recorrida invoca «[que existem] erros de quantificação no montante de Esc: 21.323.616$00, afectando negativamente a matéria tributável fixada, e que nos remete para um valor em definitivo corrigido de € -14.907,43 negativos (Prejuízo)». Por seu turno, a recorrente sustenta que «[o] método de cálculo utilizado pelos SIT na determinação das vendas omitidas, das compras omitidas e dos custos de transporte associados a essas compras não é arbitrário, nem é inadequado, não conduzindo a resultados excessivos»
Apreciação. A quantificação da matéria colectável em exame consta do ponto V. “Citérios e Cálculo dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos” do relatório inspectivo.
A este propósito, constitui jurisprudência fiscal assente a que segue:
i) «Ainda que caiba à Administração Tributária eleger o critério conducente à determinação da matéria tributável, o mesmo tem de revelar-se adequado e racionalmente justificado, isto é, tem de revelar-se como um modo adequado de aproximação à realidade que visa tributar. // Em caso de litígio entre o contribuinte e a Administração Tributária quanto ao critério eleito e aos resultados deste, cabe ao Tribunal verificar a sua correcta interpretação e aplicação ao caso concreto, isto é, aferir se o “critério presuntivo eleito” se revelou nas circunstâncias concretas ajustado e adequado ao fim tido em vista e se essa adequação e justeza de mostra comprovada pelos factos apurados» (7).
ii) «O critério usado pela AT na quantificação da matéria tributável por métodos indiciários tem de revelar-se adequado e racionalmente justificado – um modo adequado de aproximação à realidade –, mas não pode ser atacado com o fundamento de que outro ou outros se revelariam mais ajustados, pois não pode perder-se de vista que a quantificação por presunção é imputável exclusivamente ao contribuinte, que se queria ser tributado pelo lucro real, deveria ter cumprido com as obrigações que sobre ele recaíam» (8).
iii) A AT «tem de indicar qual o critério que utilizou para a quantificação, o qual, devendo constituir um modo adequado de aproximação à realidade, tem de apresentar-se como adequado e racionalmente justificado» (9).
Do relatório pericial junto aos autos consta o seguinte:
«3.3.2- Batata de consumo
Sobre as correcções efectuadas considera-se o seguinte:
3.3.2.1- Os fundamentos que estão na base da presunção de Compras de 1 245 175 kg a que se reportam despesas de 10 825 920$, designadamente a existência de documentos de transporte sem correspondência em facturas de compra, não se afiguram que, pelas razões referidas no n.º 3.1.2 sustentem tecnicamente as correcções efectuadas.
Com efeito, da imputação global dos custos de transporte constante do quadro VII e do mapa donde consta o apuramento que serviu de base à presunção em causa, apresentado em anexo 3, considera-se:
- Não se afigura que face às informações constantes dos autos se possa de modo objectivo concluir-se pela presunção de compras em causa, na medida em que foram apuradas compras de 483 600 KG's por razões inversas (ou seja, falta de documento de transporte) e os apuramentos do SIT evidenciam uma incompleta e desadequada imputação dos custos de transporte às compras para efeitos da determinação do custo de aquisição.
- Dos apuramentos SIT resulta o custo de transporte unitário de 8$69/kg (10 825 020$: 1 245 175 kg's), valor que é superior ao utilizado nos cálculos pelo próprio SIT, de 4$935/Kg, e inferior ao preço de mercado, da ordem dos 11$20/Kg (dado serem provenientes de França), diferenças estas que revelam falta de coerência e de homogeneidade nos procedimentos adoptados.
3.3.2.2. O apuramento de comprovantes de compras (facturas de fornecedores) no total de 483 600 Kg de que não se obteve correspondência com documentos de transporte, conforme referido na alínea b) do n.º 1.2.2.2, também estará influenciada pelas dificuldades em reconciliar de modo conclusivo esses documentos, matéria sobre a qual se apresentam os comentários:
a) Estas compras foram incluídas nos cálculos do custo de aquisição da batata de semente sem reconhecimento de custos de transporte, sendo para esse efeito valorizadas apenas pelo preço de compra (factura do fornecedor), procedimento que não oferece realismo já que não é normal que sendo essas compras provenientes da França e Espanha não tenham suportado custos de transporte. Em anexo 2 é apresentado o detalhe dessas compras.
- Se calculamos o custo de transporte de acordo com os preços mercado (retirados de facturas do transporte), obtém-se um preço médio de 9$201/Kg conforme cálculos constantes do anexo 2, de que resulta uma subavaliação do custo de aquisição dessa quantidade em 4 448 683$ (483 600 kg's x 9$201/ kg).
- Para além do exposto observa-se que essa quantidade foi incorrectamente considerada nos cálculos do custo de aquisição unitário da batata de consumo, facto que também contribuiu para a subavaliação do custo médio de transporte de 4$935/kg.
Com efeito a imputação de 33 667 319$ à batata de consumo, referida no quadro VII, reporta-se a 6 337 855 Kg's (6 821 455kg's- 483 600 kg's), verificando-se que na determinação do custo unitário de aquisição foi dividido pela totalidade das compras declaradas de 6 821 455 Kg's conforme se observa do anexo 4 (anexo 12 do relatório do SIT), procedimento que não é correcto dado que o numerador e o denominador não são comparáveis porque se relacionam com quantidades diferentes.
3.3.2.3. As compras e as vendas foram valorizadas ao custo médio de aquisição e ao preço médio de venda respectivamente, valores apurados com base na informação contabilística, os quais foram aplicados à totalidade das compras e das vendas corrigidas (declaradas + correcções), matéria que suscita os comentários:
a) Nos cálculos do SIT foi utilizado o custo de aquisição de 37$/Kg, quando o valor efectivamente apurado foi 37$49/Kg, admitindo-se que esta alteração se deveu a arredondamento por defeito. No âmbito da aplicação do procedimento de revisão esta diferença foi corrigida sendo o lucro tributável ajustado em - 3 931 693$ (19 611, 20€, mantendo-se uma diferença de 20 955$ derivado a erro de cálculo, dado que a correcção correcta é - 3 952 648$, conforme se observa no n.º 2 da parte IV do presente relatório.
b) As compras totais corrigidas de 8 066 630 Kg's - e consequentemente o custo das vendas - estão subavaliadas derivado aos erros cometidos na imputação dos custos de transporte às compras, verificando-se que os custos considerados nos cálculos foram imputados pelo SIT na base do custo médio global de 4$935/Kg enquanto o preço de mercado calculado para essas quantidades é de 7$152/kg.
Com efeito o custo médio de 4$935/kg foi calculado com base na distribuição das compras declaradas pelos diversos países de proveniência, cuja estrutura de distribuição inclui as compras no mercado nacional (que representam cerca de 35% do total e não têm custos transporte, custo Zero) e de Espanha (que tem custo mais baixo nas compras intracomunitárias), conforme se observa do quadro X, preço esse que foi também aplicado às compras presumidas de 245 175 kg's .
Dos documentos de transporte que serviram de base ao apuramento das compras presumidas, que estão descritos no mapa apresentado em anexo 3, verifica-se que essas compras são na sua quase totalidade provenientes da França em que o preço médio de transporte é da ordem de 11$20/Kg, facto este que não foi ponderado nos cálculos do SIT e que está na origem da diferença entre o preços de mercado das compras declaradas de 6$414/kg) referido no quadro X e as compras totais (declaradas + presumidas) de 7$152/kg, cujo cálculo é apresentado na alínea c) seguinte.
C) Se calcularmos os custos transporte das compras com base no custo médio a preços de mercado, verificamos que as compras calculadas pelo SIT e consequentemente o custo das vendas, estão subavaliadas em 17843386$, conforme detalhe: // (…)
d) Na sequência do exposto, esclarece-se que o custo de aquisição unitário calculado pelo SIT de 37$49 /Kg tem duas componentes, uma relativa ao custo médio de compra de 32$555 (facturas dos fornecedores) e outra de 4$935 relativa ao custo de transporte. A diferença relativamente aos preços de mercado referidos, no quadro X (para as quantidades declaradas), relaciona-se exclusivamente com as insuficiências de imputação do custo de transporte, apresentando o custo de aquisição ao preço médio de mercado o detalhe:
- Custo médio de compra 32$555/kg
- Custo médio do transporte 7$152/kg
- Custo médio aquisição (a+b) 39$707/kg
O preço médio de mercado de 39$707/kg conduz a uma margem bruta unitária das vendas de 2$293 (42$-39$707), cerca de 5,5%, muito inferior aos indicadores técnicos para o sector e também inferior à margem de 6, 69% declarada pela impugnante na actividade dos produtos agrícolas, matéria que suscita os comentários:
- Os preços de mercado de transporte considerado para as compras globais tem a ponderação das compras presumidas que é maior do que a considerada para as compras declaradas, na medida em que as presumidas são todas provenientes de França, portanto com preço bastante mais elevado do que a média das quantidades declaradas, facto que acresce de modo significativo os custos de transporte e que não foi considerado nos cálculos do SIT.
- A margem bruta sobre as vendas apurada pelo SIT para a batata de consumo é de 11,64%, verificando-se que a diferença relativamente à margem de 5, 5% calculada com base nos preços de mercado, se deve fundamentalmente ao acréscimo dos custos de transporte que representa 5, 3% das vendas (7$152- 4$935): 41$9047.
e) Interessa também salientar que derivado à dificuldade de fazer a reconciliação entre os documentos de compra e os documentos de transporte, procedeu-se à comparação global do valor contabilístico das despesas de transporte com o total dos custos a preços de mercado para as quantidades declaradas, análise que é apresentada no n.º 3.1.6 , verificando-se por uma relativa identificação entre esses valores, conclusão que é muito diferente e até contraditória com a apresentada pelo SIT.
f) As vendas estão calculadas ao preço médio de 42$/kg, quando o preço efectivamente apurado foi de 41$9047/kg, verificando-se um arredondamento por excesso em $0953/kg, facto que provoca uma sobreavaliação das vendas em 764 658$ (8023 705 x(42- 41$9047), em desfavor do contribuinte, conforme detalhe constante do n.º 2 da parte IV do relatório.
Sobre esta matéria refere-se que, no procedimento de revisão, a impugnante propôs esta correcção, que não foi atendida pela AT.
Desta sobreavaliação das vendas resulta uma redução da base tributável do IVA em 764 658$ a que corresponde uma correcção do IVA em 38 233$ (764 658$ x5%).
- A correcção por dedução das vendas em 33 334 Kg's em resultado da diferença entre as vendas de 6 811 864 kg e o custo das vendas de 6 778 530 kg, referida na alínea c) do n.º 1.2.2. não tem adequada fundamentação técnica nem oferece coerência pelas razões seguintes:
- Os erros de inventários e os movimentos relacionados com as operações referidas no n.º 3.1.4 anterior, originam por regra diferenças desta natureza e estarão com grande probabilidade na sua origem. Acresce que a diferença de 33 334 KG’s, representa cerca de 0,5% relativamente às compras e vendas declaradas, relação que é significativa e se afigura normal.
- Essa correcção conduz à redução das vendas declaradas (contabilizadas), procedimento que não oferece coerência dado que todos os comprovantes de vendas foram analisados e não foram corrigidos, não se justificando, por conseguinte, a correcção em causa.
Em síntese e relativamente à batata de consumo considera-se:
a) - As correcções feitas pelo SIT não têm fundamentos sólidos no que toca à imputação dos custos de transporte às compras bem como à utilização dos inventários das existências declarados.
b) - As insuficiências contabilísticas e de controlo não permitem avaliar o grau de realismo dos valores contabilísticos, existindo indícios de que as vendas estarão subavaliadas, dúvidas que estas que não estão esclarecidas nos autos.
c) - Os erros de cálculos apurados na peritagem têm um efeito negativo sobre o lucro tributável de 18 608 046$, resultante das liquidações adicionais, valor muito considerável dado o peso dos custos de transporte intracomunitário no custo de aquisição e as elevadas quantidades transacionadas (…).
«Texto no original»
Em sede de conclusões, refere-se no relatório pericial o seguinte:
«A metodologia seguida na implementação dos métodos indirectos, designadamente quanto aos procedimentos e à coerência dos critérios de cálculo, não se afigura tenha sido a mais adequada às circunstâncias, designadamente por se suportar exclusivamente na informação contabilística da impugnante, por não ter recorrido a indicadores técnicos de actividade nem a confirmações externas e por retirar conclusões com base em informações que não reuniam as necessárias condições para o efeito. // A presunção de compras da batata de semente, na parte de 88 375 Kg's, embora esteja insuficientemente qualificada e a correcção efectuada contenha particularidades que suscitam dúvidas, aspectos que são referidos no relatório, o facto é que a diferença apurada reflecte deficiências contabilísticas que levantam indícios da ocorrência de omissão de vendas. // A presunção de compras de 1 245 175 Kg's na batata de consumo não se afigura que possa ser adequadamente suportada com base na reconciliação entre os documentos de transporte e as facturas de compras, de modo que desse procedimento resultou uma inadequada imputação dos custos de transporte às compras para efeito de apuramento dos custos de aquisição , e, em consequência, uma significativa subavaliação desses custos. // De qualquer modo e relativamente à batata de consumo, verificam-se desconformidades entre os movimentos contabilísticos e os stocks, o que indicia a ocorrência de situações irregulares designadamente a omissão de vendas, mas não se afigura que se possam quantificar através dos documentos de transporte. // Acresce que nos autos não existe informação alternativa e/ou complementar que pudesse, de modo fundamentado, presumir os efeitos desses indícios de irregularidades sobre o lucro tributável.
Relativamente às correcções das vendas em resultado das diferenças entre as vendas e custos das vendas de 10 500 kg's e 33 334 kg's, na batata de semente e de consumo respectivamente, é nosso entender que estas correcções não estão adequadamente fundamentadas, designadamente no que se refere à batata de consumo, dado que as causas dessas diferenças se deverão a erros de stocks e a movimentos de stocks não relacionados com vendas referidas no n.º 3.1.4 da parte V do relatório.
Na avaliação dos processos e critérios de cálculo utilizados pelo SIT, oferece-nos discordâncias na batata de semente e de consumo com efeito negativo sobre o lucro tributável de 2 715 570$ e 18 608 046$ respectivamente, no total de 21 323 616 $. // Em termos de IVA essas discordâncias conduzem à redução da base tributável em 764 658$ de que resulta uma diminuição de IVA em 38 233$ (764 658$ X5%). // Da comparação do total contabilístico das despesas de transporte da batata (semente e consumo) e o correspondente valor a preços de mercado calculados para as quantidades declaradas, apuraram-se diferenças pouco significativas entre esses dois valores, verifica-se até uma relativa coerência global entre eles já que a diferença é de apenas $214/kg, resultado que difere em termos muito significativos dos valores retirados dos apuramentos do SIT».
Em síntese, os motivos dos critérios de quantificação da matéria colectável inscritos no relatório inspectivo não se oferecem transparentes, coerentes e plausíveis, atendendo à posição de um destinatário médio, colocado na posição da contribuinte. Tais erros e falhas não se explicam pelo carácter presuntivo da quantificação, porquanto a Administração Tributária está sujeita a um especial dever de explicitação dos critérios adoptados (artigo 77.º/4, da LGT). Os mesmos levaram ao excesso do lucro tributável na ordem de €106.618,08 (10). Tal excesso resulta da falta de informação e da falta de cruzamento de dados externos à contabilidade que em relação à actividade da contribuinte permitiriam apurar um lucro tributável mais aproximado da realidade ou, pelo menos, com fundamentação mais consistente. «A desconsideração desses factos (a existência de erros de cálculo desfavoráveis à Impugnante) exige a formulação de um novo método de quantificação do volume de negócios, que implique o recurso a informação extra-contabilística, a comparações dos custos unitários de transporte com os preços de mercado, de acordo com a distribuição das compras declaradas por países e tenha em consideração as características da actividade da Impugnante e as elevadas quantidades transacionadas, como se assinala no Relatório pericial» (11).
A adequação e a pertinência do critério de quantificação adoptado pela Administração Tributária não logram, pois, ser comprovadas, motivo porque se impõe julgar procedente a impugnação, com a inerente anulação do acto tributário impugnado.
Termos em que se procederá no dispositivo.


Dispositivo
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, em substituição, julgar a impugnação procedente, com a consequente anulação do acto tributário.
Custas pela recorrente.
Registe.
Notifique.

(Jorge Cortês - Relator)

(1.ª Adjunta – Patrícia Manuel Pires)

(2.ª Adjunto – Vital Brito Lopes)
(1) Elisabete Louro Martins, O ónus da prova no Direito Fiscal, Coimbra Editora, 2010, p. 131.
(2) Ana Paula Dourado, Direito Fiscal, 2.ª Edição, Almedina, 2018, p.212.
(3) Acórdão do TCAS, de 21.05.2015 P. 07637/14.
(4) Acórdão do TCAS, de 10.07.2014, P. 07149/13.
(5) Cristina Mota Lopes e António Martins, A Tributação por métodos Indirectos, Almedina, 2014, p. 89.
(6) Cristina Mota Lopes e António Martins, A Tributação… cit., p. 90.
(7) Acórdão do TCAS, 05.09.2019; P. 454/04.6BESNT.
(8) Acórdão do STA, de 19/11/2014, P. 0407/12.
(9) Acórdão do STA, de 24/02/2016, P. 0329/14.
(10) V. Relatório pericial, alínea M), do probatório.
(11) Sentença recorrida.