Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:4/19.0BEBJA
Secção:CT
Data do Acordão:10/24/2024
Relator:VITAL LOPES
Descritores:IVA
DEDUTIBILIDADE
FACTURAS FALSAS
ÓNUS DE PROVA
ERRO DE JULGAMENTO
Sumário:I - Quando a Administração Tributária desconsidera facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da LGT, competindo à Administração fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade. Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção.
II - No que concerne à prova que compete à Administração, o que é imprescindível é que aquela a faça de factos suficientes indiciadores a que o Tribunal possa concluir, “em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência”, pela elevada probabilidade (ou até certeza) de que o negócio declarado por aquelas partes não corresponde à realidade materializada naquela factura”.
III - Nesta tarefa, poderá a Administração Tributária lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios, pelo que tais indicadores de falsidade das facturas não têm necessariamente que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado.
IV - Se a AT se limita unicamente a recolher indícios atinentes ao s.p. emitentes, praticamente centrados na constatada falta de adequada estrutura empresarial para a actividade declarada, mas nada refere quanto ao s.p. utilizador nem à relação concreta deste com os emitentes (à excepção da falta de documentos de transporte, contextualmente justificada), não está suficientemente suportado o juízo conclusivo quanto à falsidade das facturas, nem observado o ónus probatório que incumbe à AT, nos termos do art.º 74.º da LGT.
V - A partir daqui, o utilizador ou destinatário da factura (no caso, a ora recorrente) nada mais tem de demonstrar, ficando comprometida a legalidade da correcção nos termos do n.º 3 do art.º 19.º do CIVA, por erro nos pressupostos.
VI - A circunstância de se considerar como facto não provado o transporte dos blocos de mármore, ladrilhos e degraus descritos nas questionadas facturas até às instalações fabris da impugnante só seria susceptível de comprometer a dedutibilidade do IVA nelas mencionado, caso coubesse à impugnante o ónus da prova da materialidade das operações, o que, como se disse, pressupõe a montante que a AT tenha recolhido indícios seguros e credíveis de falsidade, o que não ocorre no caso dos autos.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SUBSECÇÃO COMUM DA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


I. RELATÓRIO

L… – T… Granitos, Limitada, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida contra liquidações adicionais de IVA relativas a períodos de tributação de 2014, 2015 e 2016, melhor identificadas nos autos, alegando para tanto, conclusivamente, o seguinte:

«a) A sentença recorrida ao fundamentar-se no conteúdo dos Relatórios Inspectivos entra em manifesta contradição/oposição entre a motivação e a decisão.
b) Se por um lado afirma que “ A convicção do Tribunal sobre a matéria de facto provada e não provada, resultou da análise crítica aos documentos juntos aos autos pela própria Impugnante, aos documentos constantes dos processos administrativos, e aos documentos juntos aos autos por determinação oficiosa do tribunal, nenhuns deles impugnados, e ainda, às declarações de parte da Autora e aos depoimentos das testemunhas, produzidos em audiência de julgamento."...
c) Por outro lado, na análise da prova atrás referida, acaba por se basear e reproduzir, indevida e ilegalmente, o teor dos próprios relatórios nos quais não se motiva (aliás, nem o poderia fazer porquanto foram impugnados na sua quase totalidade).
d) Padece, nessa parte do vicio a que alude o art.° 615.° n.° 1 al. c)) do CPC, o que implica uma nulidade que desde já se invoca e deixa arguida para todos os devidos e legais efeitos.
e) A síntese efectuada pelo Tribunal quanto ao teor das declarações do gerente da Impugnante F… prestadas em 13.01.2020, de 00:02:15 a 01:02:45 mostra-se como enviesada e obscura, factores que implicam e empurram para a formulação de um juízo parcial.
f) O Tribunal recorrido errou na análise das declarações da parte em causa, ao não reconhecer que não é pelo facto de ser gerente da empresa que o mesmo não depôs de forma coerente, correcta, sincera e esclarecedora.
g) Violando, assim, o disposto no art.° 640.° n.° 1 al. b) do CPC.
h) Porquanto resulta das suas declarações que foi o mesmo, enquanto gerente/legal representante da impugnante, a quem incumbiam as funções de negociar a compra de matéria-prima para a empresa e que dirigiu as negociações das mercadorias tituladas pelas facturas em causa.
i) E foi o mesmo quem negociou, directa e pessoalmente, com os legais representantes da F... e da O..., devidamente identificados nos autos e de igual modo inquiridos na qualidade de testemunhas.
j) A síntese efectuada pelo Tribunal quanto ao teor das declarações do gerente da Impugnante L… prestadas em 17.02.2020, de 00:08:05 a 00:34:34 mostra-se como enviesada e obscura, factores que implicam e empurram para a formulação de um juízo parcial.
l) O Tribunal recorrido errou na análise das declarações da parte em causa, ao não reconhecer que não é pelo facto de ser gerente da empresa que o mesmo não depôs de forma coerente, correcta, sincera e esclarecedora.
m) Violando, assim, o disposto no art.° 640.° n.° 1 al. b) do CPC.
n) Pois, também ele depôs de uma de forma sincera espontânea, sobretudo na descrição das suas funções e do funcionamento da parte da produção e transportes da empresa de que é o responsável.
o) Sendo ele próprio que, previamente munido das respectivas facturas ia buscar as mercadorias (pedras e ladrilhos) às instalações da E…, sitas a cerca de 100 metros de distância, tanto no “D… " da L… como no camião;
p) Pedras essas que se encontravam previamente marcadas, aquando da celebração dos negócios, com uma marca identificadora da empresa, - Iniciais LX apostas a tinta de cor vermelha, que eram carregadas através do pórtico aí existente;
q) Manobrado pelo gerente da E…, por outras pessoas, ou por ele próprio, gerente que nesse transporte se fazia acompanhar das facturas, as quais, por norma não respeitavam a um só bloco.
r) A síntese efectuada pelo Tribunal quanto ao teor das declarações da testemunha M…, prestadas em 13.01.2020, de 01:04:23 a 01:35:11 mostra-se como enviesada e obscura, factores que implicam e empurram para a formulação de um juízo parcial.
s) O Tribunal recorrido errou na análise das declarações da testemunha ao não reconhecer o mesmo não depôs de forma coerente, correcta, sincera e esclarecedora.
t) Violando, assim, o disposto no art.° 640.° n.° 1 al. b) do CPC.
u) A testemunha M…, ao contrário do que se refere na decisão, depôs de forma clara e esclarecedora.
v) Assumiu a qualidade de administrador da empresa F..., o que se mostra aliás como documentalmente comprovado nos autos - certidão comercial.
x) Tendo sido omitida pelo Tribunal a confirmação das declarações da testemunha com a resposta ao douto despacho judicial de 16.01.2020, sobre cuja resposta, por parte dos organismos oficiais, o Tribunal nada disse, sendo que a mesma corroborava, na sua totalidade, as declarações prestadas em Juízo pela testemunha, incluindo o próprio nome do contabilista de M… e da F....
z) - Ou seja, o Tribunal omite na sentença tal informação, a qual é essencial e só vem corroborar a credibilidade e veracidade das declarações prestadas por M….
aa) Acresce que os juízos e formulações do Tribunal sobre o caracter da testemunha carecem de qualquer fundamentação fáctico jurídica e extrapolam, ficcionando, a realidade apresentada pela testemunha.
ab) A síntese efectuada pelo Tribunal quanto ao teor das declarações da testemunha L… prestadas em 13.01.2020, de 01:39:09 a 01:59:32 mostra-se como enviesada e obscura, factores que implicam e empurram para a formulação de um juízo parcial.
ac) O Tribunal recorrido errou na análise das declarações da testemunha em causa, ao não reconhecer que o mesmo não depôs de forma coerente, correcta, sincera e esclarecedora.
ad) Violando, assim, o disposto no art.° 640.° n.° 1 al. b) do CPC.
ae) O mesmo assumiu-se como gerente de facto da empresa fornecedora O..., ainda que não consta como gerente de facto no registo comercial.
af) Esta testemunha depôs com isenção, verdade e clarividência, relatou a forma como eram realizados os negócios com a Impugnante, com quem os realizava, qual a forma de pagamento dos ladrilhos, onde é que os mesmos se encontravam e como eram transportados para a L….
ag) A síntese efectuada pelo Tribunal quanto ao teor das declarações da testemunha J… prestadas em 13.01.2020, de 02:02:36 a 02:23:36 mostra-se como enviesada e obscura, factores que implicam e empurram para a formulação de um juízo parcial.
ah) O Tribunal recorrido errou na análise das declarações da testemunha em causa, ao não reconhecer que o mesmo não depôs de forma coerente, correcta, sincera e esclarecedora.
ai) Violando, assim, o disposto no art.° 640.° n.° 1 al. b) do CPC.
aj) Ao contrário do mencionado na sentença esta testemunha tem conhecimento directo e pessoal dos factos, dos negócios, das instalações e das partes envolvidas.
al) Conhece os gerentes da Impugnante, possuindo instalações fabris vizinhas, e os legais representantes na F... e O....
am) Trabalhava com tais fornecedores em modos idênticos aos da Impugnante.
an) Também ele negociava, sinalizava/marcava as pedras que comprava e ia busca-las às instalações da E…, utilizando meios próprios de transporte.
ao) Viu, por várias vezes os gerentes da Impugnante a negociar pedras com a F... e a transportar as pedras para as instalações da Impugnante.
ap) Razão pela qual o Tribunal errou e omitir factos essenciais atrás transcritos na análise e síntese do depoimento desta testemunha.
aq) A síntese efectuada pelo Tribunal quanto ao teor das declarações da testemunha J…, contabilista certificado da Impugnante, prestadas em 13.01.2020, de 02:25:17 a 02:41:50 mostra-se como enviesada e obscura, factores que implicam e empurram para a formulação de um juízo parcial.
ar) O Tribunal recorrido errou na análise das declarações da testemunha em causa, ao não reconhecer que o mesmo não depôs de forma coerente, correcta, sincera e esclarecedora.
as) Violando, assim, o disposto no art.° 640.° n.° 1 al. b) do CPC.
at) O depoimento da testemunha de J… foi credível e ao contrario do mencionado na sentença, deverá ser considerado e relevar com acrescida força probatória para a descoberta da verdade material.
au) A testemunha explicou os procedimentos de pagamento utilizados pela empresa (transferências e cheques), as origens do dinheiro para tais pagamentos - conta B… da L…, a realização de conciliação bancária ciclicamente, os procedimentos de consulta dos registos de actividade dos fornecedores, a suficiência da factura como elemento de transporte, a inexistência de indícios ou suspeitas de incumprimento por parte dos fornecedores da Impugnante e os mecanismos de reembolso de IVA efectuados pela Impugnante.
av) Para além do referido na sentença, a testemunha ainda reforçou a ideia de que nas empresas do sector, com a dimensão da Impugnante, a regra é não se efectuarem registos de entrada/mapas de entrada da matéria prima, o que é normal e prática corrente no sector e na zona em causa.
ax) Em face das declarações prestadas pelos gerentes F… e L…, conjugadas com os elementos documentais probatórios constantes dos autos, e com os depoimentos das testemunhas M…, L…, J… e J…, teriam , forçosamente, de ser julgados como provados os seguintes factos/artigos constantes da P.I., os quais deverão passar a constar do elenco dos Factos provados os seguintes artigos da petição inicial: 3.°, 4.°, 5.°, 6.°, 7.°, 8.°, 9.°, 17.°, 20.°, 26.°, 27.°, 28.°, 29.°, 31.°, 42.°, 47.°, 72.°, 95.°, 96.°, 97.°, 103.°, 107.°, 117.°, 118.°, 150.°,157.°, 158.° e 160.°.
az) Tudo tal como referido no artigos 79, 80.° e 81.° das Alegações que antecedem.
ba) Ao omitir a pronuncia quanto à factualidade mencionada nos artigos que antecedem, da qual foi produzida abundante prova documental, testemunhal e por declarações de parte em julgamento;
bc) - E tendo em conta a extrema importância/relevância de tal factualidade para a boa e justa decisão da causa o Tribunal omitiu o dever de pronúncia, tendo violado o disposto no artigo 615.° n.° 1 al. d) do CPC.
bd) Uma vez que o Tribunal não se pronunciando sobre a matéria supra referida, e sendo tal pronuncia favorável à Impugnante, o mesmo incorreu no vicio a que alude o art.° 640.° n.° 1 al.s b) e c) do CPC.
be) Porquanto, sendo tal factualidade julgada como provada a decisão a proferir seria de total procedência da Impugnação, vícios que se invocam e deixam arguidos.
bf) Já quanto à alínea b) dos factos provados tal afirmação, na parte sustentada em terem sido admitidos pela Impugnante é falsa, por não corresponder à verdade.
bg) A Impugnante, desde o primeiro instante, ainda no decurso do acto inspectivo, declarou desconhecer tais factos, sendo certo que o se arguiu na PI foi que se desconhecia tal factualidade.
bh) Tal como já foi referido e alegado a recorrente, nos seus artigos 45.° a 80.° da PI, com especial enfoque exemplificativo para os artigos 57.°, 58.°, 75.° e 76.°, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, afirmou clara, expressa e inequivocamente desconhecer a factualidade referente à falta/ou não de estrutura empresarial das empresas F... e O....
bi) sentença distorce os exemplos dados na Impugnação para a hipotética possibilidade de existência de estrutura empresarial de empresas fornecedoras (em abstracto) não significa nenhuma confissão de tal facto no caso concreto, nem leva a admitir que o caso das fornecedoras da impugnante seja este.
bj) A Impugnante não confessou, não assumiu, nem aceitou tal factualidade como provada, tal posição vale e equivale a impugnação nos termos e para os o efeitos do disposto no artigo 574.° n.° 3 do C.P.C..
bl) Razão pela qual o Tribunal recorrido errou e agiu de forma ilegal, incorrendo no vício de violação de lei, o qual se deixa invocado e arguido de forma expressa.
bm) Devendo o facto o facto julgado como provado na alínea b) dos factos assentes ser expurgado da factualidade julgada como assente.
bn) Porquanto a sentença recorrida, nessa parte incorre no vicio de violação de lei. - Cfr. art.° 639.° n.° 2 al. a) do CPC.
bo) Já quanto ao facto provado na al. d) tal facto nunca poderia ter sido julgado como provado da forma e no sentido como está consignado.
bp) A Impugnante tem procede ao registo da entrada das matérias primas na sua fábrica.
bq) A impugnante deixou consignado nos artigos 30.° a 38.° da PI, o processo de registo de entrada nas instalações o qual é feito através das respectivas facturas.
br) Tudo aliás como foi conformado pelas declarações dos gerentes e das testemunhas J… e J… atrás reproduzidas.
bs) Pelo que a sentença errou na análise e interpretação dos factos devendo ser expurgado da alínea d) da matéria de facto assente a parte em que se refere que: "A Impugnante não tem registos de entrada nas suas instalações .."
bt) Porquanto tal afirmação é contrária a toda a prova produzida, máxime documental (facturas) e declarações dos gerentes e das testemunhas inquiridas.
bu) Nesta parte a sentença recorrida, nessa parte incorre no vicio de violação de lei - Cfr. art.° 639.° n.° 2 al. a) do CPC.
bv) O Tribunal recorrido entrou em manifesta contradição.
bx) Desde logo porque tão depressa dá credibilidade aos depoimentos de parte e declarações das testemunhas, como de seguida lhes retira crédito e valoração.
bz) As partes e testemunhas inquiridas serviram tanto para corroborar, com para negar factos, a belo prazer do Tribunal, num verdadeiro ziguezaguear de credibilidade, ou de falta dela (na tese da sentença).
ca) O mesmo serviu-se de tais meios de prova para não se provar o alegado pela Impugnante, para se provar o Alegado pela Impugnante e para provar circunstâncias de todo alheias e colaterais ao processo, constantes da motivação, sempre em prejuízo da Impugnante.
cb) Razão pela qual violou o disposto no artigo 615.° n.° 1 al. c) do CPC.
cd) No entender do Tribunal Recorrido a factualidade constante da Motivação bastou para julgar como provado os factos constates das al.s a) a bbbbb) e os factos não provados.
ce) O Tribunal na decisão deste ao se eximir de convocar Audiência Prévia, de proferir Despacho Saneador, de proceder à identificação do objecto do litígio e da enunciação dos temas de prova, agiu em clara violação do disposto nos artigos 591.°, 592.°, 593.°, 594., 595.° e 596.°, todos eles do CPC
cf) O que o levou a tomar uma decisão surpresa, que está eivada de manifesta confusão, desconexão, falta de objectividade e sistematização e que está proibida por lei, violando o principio da proibição das decisões surpresa, agindo em clara violação do disposto no art.° 615.° n.° 1 al. d) do CPC.
cg) Agravando-se tal ilegalidade quando o Tribunal recorrido julga como factos não provados “quaisquer outros factos alegados pelas partes que não constam das alíneas anteriores...”]
ch) Sem indicar quais são esses factos e porque motivo os julgou como não provados, o que não fundamentou.
ci) O mesmo se diga quanto ao facto não provado de que se julga como não provada “... a origem e o transporte dos blocos de mármore dos ladrilhos e degraus descritos nas facturas emitidas pelas sociedades F... SA e O… Lda à impugnante até às suas instalações.”
cj) O mesmo foi ilegal e erradamente dado como não provado, na parte em que se reporta ao transporte.
cl) devendo ser julgado, precisamente o seu contrário, isto é, que ficou provado o transporte dos blocos de mármore dos ladrilhos e degraus descritos nas facturas emitidas pelas sociedades F... SA e O... Lda à impugnante até às suas instalações.”;
cm) Tudo conforme anteriormente se deixou alegado, pelo que o Tribunal recorrido entrou em manifesta contradição, tendo violado o dever de isenção, imparcialidade e objectividade a que está adstrito - art.° 615.° n.° 1 al. c) do CPC.
Quanto á Matéria de Direito Art.°s 128.° a 142.° das Alegações
cn) O primeiro Facto Índice que o Tribunal ad quo se debruçou foi como segue: “A Inspecção Tributária concluiu, em primeiro lugar, que a descrição das facturas emitidas pela F... é pouco específica ...”
co) As facturas emitidas pela F... à Impugnante estavam de acordo com o que é comum no sector e cumprem cabalmente a lei.
cp) Ou seja, todos quantos foram adquiridos pela Impugnante através dos documentos postos em crise foram aqueles que esta transportou pelos seus próprios meios até a sua fábrica.
cq) Ficou provado que a Impugnante ao negociar os blocos marcava-os com as letras LX a cor vermelha (Cfr. Declarações dos gerentes e das testemunhas M… e J…).
cr) De igual modo ficou provado à saciedade da análise da prova feita da prova por declarações de parte e da prova testemunhal, conjugada com a prova documental, que a mercadoria referente às faturas em crise foi carregada/transportada das instalações da E… para a L…. Logo, provando-se a legalidade das facturas e o transporte das mercadorias nelas mencionadas o Tribunal recorrido errou na interpretação e aplicação da lei, tendo violado o disposto nos artigos 74.° e 75.° da LGT, incorrendo a sentencia no vício de violação de lei - CFR art.° 639.° n.° 2 al. a) do CPC.
Art.°s 143.° a 162.° das Alegações
cs) A Impugnante não dispõe de contabilidade analítica.
ct) A entrada das mercadorias na instalação da fábrica era e é titulada pelas facturas, que seguem posteriormente para contabilidade.
cu) As compras da L… á F... cifraram-se nos anos em questão, em média, em 12% do total da matéria-prima adquirida pela Impugnante.
cv) O gerente F… explicou que, fruto da sua longa experiência, sabe da rentabilidade da matéria prima adquirida (blocos) e que ao longo de toda a sua actividade nunca ouve qualquer necessidade de proceder a esses índices/rácios de controle.
cx) A empresa tem um registo das entradas na secção fabril, qual seja, as facturas.
cz) O conteúdo das facturas, a entrada das mercadorias na instalação fabril acompanhada das mesmas, e a subsequente fabricação sem controlo analítico interno não só não contém nada de ilegal ou suspeito, quanto é uma pratica reiterada e transversal nas congéneres da impugnante.
da) As facturas continham todos os elementos imprescindíveis exigidos pelo artigo 35.° do CIVA para se mostram materializadas dentro do que é exigível por lei.
db) Não podem, portanto, estes factos constituir indícios e, muito menos a confirmação de que as facturas em crise possam não corresponder a operações reais.
dc) Logo, provando-se o registo de entrada das mercadorias o Tribunal recorrido errou na interpretação e aplicação da lei, tendo violado o disposto nos artigos 74.° e 75.° da LGT, incorrendo a sentencia no vício de violação de lei - CFR art.° 639.° n.° 2 al. a) do CPC.
Art.° 163.° a 194.° das Alegações
dd) Outro Facto Índice prende-se com: ... a circunstância de todas as compras descritas nas facturas em causa, as quais envolvem valores da ordem das dezenas de milhares de euros, não terem por base qualquer contrato formal, nem qualquer evidência documental do próprio negócio.“
de) As circunstâncias do negócio foram todas elas devida e detalhadamente descritas nestes artigos;
df) A Impugnante nunca efectuou qualquer contrato por escrito, porquanto nas circunstâncias em que os negócios em causa se desenvolviam isso faria qualquer sentido, pois a negociação era verbal e logo materializada com a emissão da factura e subsequente pagamento.
dg) Quanto aos pagamentos, os mesmos eram feitos de forma absolutamente transparente através de transferência bancária para a conta da alienante e, no caso da O... também através de cheques traçados emitidos nominalmente a favor desta.
dh) Os cheques e as transferências bancárias todos eles documentados nos autos, bem como os extractos de conta corrente, registos contabilísticos e movimentos expressos na conta bancária sendo documentos formais revelam de forma evidente a materialização das transações e são um Facto Índice preponderante para sustentar a total veracidade das declarações tributárias da ora recorrente.
di) Logo, provando-se os pagamentos titulados por cheques e/ou transferências bancárias e o registo contabilístico, bancário, conferência e extractos juntos aos autos, o Tribunal recorrido errou na interpretação e aplicação da lei, tendo violado o disposto nos artigos 74.° e 75.° da LGT, incorrendo a sentencia no vício de violação de lei - CFR art.° 639.° n.° 2 al. a) do CPC.
Art.°s 202.° a 205.° das Alegações
dj) A douta sentença deu razão à Impugnante no que tange à factura poder servir legitimamente de documento de transporte.
dl) Contudo, ainda assim, encontra-lhes um defeito. Qual seja a referência ao local concreto da carga e descarga da mercadoria e à data e à hora em que se iniciou o transporte.
dm) A lei dispensa tais elementos ao consagrar a presunção relativa aos elementos constantes da factura - art.°s 2.° e 4.° do Decreto Lei 147/2003.
Art.°s 206.° a 213.° das Alegações
dn) Diz-se na douta sentença que nem a F..., na pessoa do seu alegado administrador confirmou que esta sociedade tivesse algum parque em algum local, o que não corresponde á verdade.
do) As declarações supra transcritas da testemunha M… descreveram as instalações da E… onde as pedras se encontravam aquando da sua oferta ao gerente da F... que com ele se deslocava às instalações da E… e lá as negociavam
dp) Foram estas as declarações da testemunha M… conforme transcrição 01:14:18 a 1:15 e de J… e tal como consta do contrato/documento escrito de comodato junto aos autos assinado por Eliseu Fusco celebrado entre a E… e a F....
dq) Provando-se a existência das instalações da F... o Tribunal recorrido errou na interpretação e aplicação da lei, tendo violado o disposto nos artigos 74.° e 75.° da LGT, incorrendo a sentencia no vício de violação de lei - CFR art.° 639.° n.° 2 al. a) do CPC.
Art.°s 221.° a 260.° das Alegações
dr) Quanto ao este alegado Facto Índice - falta de estrutura - a recorrente renova o que afirmou na P.I., reiterando que desconhecia totalmente a matéria.
ds) A recorrente, nos seus artigos 45.° a 80.° da PI, com especial enfoque exemplificativo para os artigos 57.°, 58.°, 75.° e 76.°, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, afirmou clara, expressa e inequivocamente desconhecer a factualidade referente à falta/ou não de estrutura empresarial das empresas F... e O....
dt) Tratando-se de matéria que não é pessoal, a que a impugnante é alheia e não tem por obrigação conhecer, tendo a recorrente agido, de acordo com o estabelecido no artigo 574.° do C.P.C..
du) Isto é, não confessou, não assumiu, nem aceitou tal factualidade como provada pois ao afirmar o seu desconhecimento, e a sua obrigação de não saber, tal posição vale e equivale a impugnação nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 574.° n.° 3 do C.P.C..
dv) Razão pela qual o Tribunal recorrido errou e agiu de forma ilegal, vD incorrendo no vício de violação de lei, o qual se deixa invocado e arguido de forma expressa.
dx) Nunca se podendo o Facto Índice de falta de estrutura empresarial das emitentes das facturas ser dado por provado com base na confissão da Impugnante, nem em qualquer outra matéria probatória dos autos, pois que de concreto nada se apurou nesse sentido.
dz) Não podendo aqui vigorar uma dupla presunção, nem um ónus sobre a Impugnante, de ter de provar aquilo que desconhece e que não pode, nem lhe compete provar, nem fazer contraprova.
ea) O mesmo se diz quanto aos actos inspectivos que correram nas Direcções de Finanças de Portalegre e Lisboa, não se mostrando tais inspeções juntas aos autos, mas sim e apenas meros excertos das mesmas, das quais a Impugnante nunca foi, nem, teria de ser notificada.
eb) Mais, tão pouco se sabe se dos mencionados actos inspectivos houve, ou não, reação por parte dos visados e, em caso afirmativo, qual a solução e decisão do/s caso/s.
ec) É pacifico que as empresas fornecedoras, ao contrário do que vem relatado, tinham instalações em Vila Viçosa, que embora não sendo de sua propriedade lhes estavam emprestadas. Utilizavam as instalações da empresa E… legalmente habilitadas, munidas e tituladas por um contrato escrito de comodato, o qual se mostra junto aos autos e foi confirmado pelas testemunhas inquiridas.
ed) Olvida a douta sentença que a F... e a O... tinham contabilistas/técnicos de contas, sendo isso mesmo confirmado a solicitação expressa deste Tribunal pelo menos quanto à primeira destas empresas, tal como consta do despacho e documentos resposta junto aos autos.
ee) O que só por si, desde logo, evidencia a existência de alguma estrutura empresarial.
ef) Pois que perante uma frase feita ou uma conclusão não se pode transpor um ónus probatório, decorridos vários anos, para um terceiro que nunca foi parte em procedimentos de outras DFs e assacara-lhe agora as responsabilidades pelas condutas lesivas ou omissivas de terceiros.
eg) Logo, e como tal, tal ónus probatório não pode nunca impender sobre a Impugnante incorreu a sentença no vicio de violação de lei.
eh) Provando-se o desconhecimento da Impugnante quanto à estrutura empresarial e os relatórios inspectivo das outras DFs o Tribunal recorrido errou na interpretação e aplicação da lei, tendo violado o disposto nos artigos 74.° e 75.° da LGT, incorrendo a sentencia no vício de violação de lei - CFR art.°
639.° n.° 2 al. a) do CPC.
Art.°s 261.° a 311.° das Alegações
Outro Facto Índice constante da decisão recorrida tem a ver com os meios de pagamento utilizados pela Impugnante.
ei) A veracidade dos pagamentos por transferência bancária era, e é, matéria que se tinha por devidamente documentada, assente, pacifica e consolidada.
ej) Trata-se de questão surpresa/nova a qual, tão pouco, foi suscitada no relatório impugnado, que deu por bons, ou pelo menos não os questionou, os pagamentos efectuados.
el) A Impugnante juntou, enquanto documentos 5, 7 e 9, cópias dos comprovativos das transferências bancárias efectuadas em favor e para a conta titulada da F....
em) Aliás, do elenco dos factos provados, al.s f) a t, v) a ii), kk) a yy) consta, repetida e expressamente, relativamente a cada uma das transferências bancárias que:
" - foi efectuada uma transferência bancária de uma conta da Impugnante no banco B… para uma conta bancária em nome de F... Transformação e Comércio de Rochas Ornamentais S, no valor de € 15 682,50; Cfr doc de fls 5,
7 e 9 junto à petição inicial - documento emitido pelo próprio banco discriminando a operação, e extracto dos movimentos efectuados na conta bancária junto ao processo administrativo, em anexo ao relatório do procedimento de inspecção tributária
en) Em face do que antecede o Tribunal Recorrido errou e violou de forma manifestamente clara e ostensiva, contradizendo-se, naquilo que ele próprio anteriormente julgou como factos provados - Violação do art.° 615.° n.° 1 al. c) do CPC.
eh) Provando-se os pagamentos efectuados, o Tribunal recorrido errou na interpretação e aplicação da lei, tendo violado o disposto nos artigos 74.° e 75.° da LGT, incorrendo a sentencia no vício de violação de lei - CFR art.° 639.° n.°
2 al. a) do CPC.
ei) Todas as transferências em causa foram efectuadas de conta do B… em nome da Impugnante para e em favor de uma outra conta, igualmente no B.. (tal como expressamente consta do texto dos comprovativos das transferências) em nome de F.. Ornamentais SA o Tribunal recorrido não pode, nem tem elementos que lhe permitam afirmar que o beneficiário efectivo de tal conta não seria a F… S.A..
ej) Razão pela qual teria forçosamente de considerar as transferências bancárias objecto dos autos, como relevantes para efeitos da apreciação da verosimilhança das transacções postas em crise, enquanto elemento essencial e subjacente às mesmas e ao efectivo negócio.
el) O que não podia era desconsiderá-las e inverter o decurso dos factos e o ónus da prova, em desfavor da Impugnante.
em) O circuito financeiro do dinheiro, em vista a satisfazer os valores facturados, é uma realidade materializada para a conta bancária da F... atrás de transferências bancárias.
en) Inexistindo, no caso, qualquer aparência de pagamentos e/ou recebimentos, antes pagamentos e/ou recebimentos efectivos - basta atentar no conteúdo dos doc.s n.°s 5, 7 e 9 juntos com a PI e aos factos provados.
eo) Aliás, mal se entende o que se diz na douta sentença em termos
contraditórios, de onde consta a fls 70 in fine “É certo que no caso estão em causa transferências bancárias, que, por isso, estarão associadas a um circuito financeiro do respectivo montante.” para, logo depois, acrescentar “Acontece que neste fenómeno, esse circuito financeiro ou do dinheiro nem sempre termina ou tem como beneficiário efectivo o destinatário da transferência. ”
er) Neste poto a sentença recorrida é contraditória violando o disposto no art.° 615.° n.° 1 al. c) do CPC.
es) O mesmo vale, igualmente, dizer quanto aos cheques emitidos a favor da O..., cujas cópias se mostram juntas aos autos como doc.s n.°s 11.
et) Obviamente que à medida que tais pagamentos iam sendo efectuados, na contabilidade, esses valores iam sendo imputados à facturação devida tal como consta dos extratos juntos aos autos.
eu) A recorrente satisfazia o crédito da fornecedora O... na exacta medida em que dispunha de cash flow que lhe permitisse o que não trás à colação qualquer suspeita, indicio ou conjectura.
ev) Mal se compreendendo como da douta sentença consta que esse facto não parece compatível com uma situação de conta corrente entre ambas, como se alega.
ex) Os pagamentos á fornecedora iam amortizando a primeira factura, esgotada esta passavam para a segunda e assim sucessivamente, até que a recorrente nada devesse à fornecedora.
ez) Contrariamente ao decidido, são estes pagamentos faseados que consubstanciam, por natureza, a existência de uma conta corrente em que a ora recorrente era devedora à fornecedora O...;
fa) Até ao pagamento que esgotou a totalidade do débito, ou seja, até que conta do fornecedor ficou saldada, momento em que nenhuma das parte devia nada a ninguém, tudo tal como consta do extracto de conta 22111397 - O... junta aos autos.
fb) E, ao contrário do que se refere na douta sentença, este procedimento é que é o comum nas relações entre as empresas.
fc) Os cheques para pagamento eram cruzados, o que implica necessária e obrigatoriamente, face a estes dois parâmetros, que o montante que representavam pertencia, ou tinha que entrar, obrigatoriamente, na esfera do seu destinatário, ou seja, da O....
fd) E nada no relatório impugnado coloca em crise a veracidade de tais documentos e dos pagamentos a eles subjacentes. Mas mais;
fe) A contabilidade da Impugnante lançou e reproduziu todos esses movimentos/pagamentos quer por transferências bancárias, quer por cheques e fez a conciliação bancária de todas essas operações de pagamento tal como consta do depoimento da testemunha J… Contabilista e do facto de nada ter sido apontado em sentido contrário no próprio relatório da AT.
ff) O que vem dito leva a que este Facto Índice deva ponderar, ao contrário do sentenciado, fortemente na consideração da realidade e veracidade das transacções.
fg) Provada a efectividade dos pagamentos o Tribunal recorrido errou na interpretação e aplicação da lei, tendo violado o disposto nos artigos 74.° e 75.° da LGT, incorrendo a sentencia no vício de violação de lei - CFR art.° 639.° n.° 2 al. a) do CPC.
Da sucumbência dos factos indiciados.
fh) Dos factos índice constantes do relatório inspectivo foram liminarmente afastados pela sentença, por não provados:
fi) A dimensão do parque e o indicio da falta de documento de transporte por se entender que a factura o preenchia.
fj) Ao contrário da douta sentença recorrida, na verdade, os Factos Índice - alegadamente apurados, no que não se concede - e face à prova produzida não permitem criar um conjunto suficientemente forte de indícios que permita afastar a realidade dos documentos postos em crise da materialidade que lhes está subjacente.
fl) Ou seja, da prova produzida o Tribunal nunca poderia ter concluído que os factos Indícios se houveram verificado, antes de forma alargada e profundamente forte ficou demonstrada que esses Factos Índice não podem consubstanciar a negação das transações.
fm) Destarte não se pode dizer, nem afastar a presunção de veracidade das declarações da Impugnante, nos termos do disposto nos art.°s 74.° e 75.° da LGT, com óbvia consequência do correspondente direito á dedução do IVA contido nos ditos documentos.
fn) Em obediência ao art.° 19.° n.° 3 do CIVA..
fo) Logo, em face do exposto que antecede é forçoso concluir que o Tribunal recorrido, também aqui, errou na interpretação e aplicação da lei, tendo violado o disposto nos artigos 74.° e 75.° da LGT, incorrendo a sentencia no vício de violação de lei - CFR art.° 639.° n.° 2 al. a) do CPC.
Termos em que, em face de todo o exposto que antecede deverá o presente recurso ser julgado procedente, por provado e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida, substituindo-a por outra que julga a Impugnação completamente procedente por provada, fazendo-se assim a tão costumada
JUSTIÇA !!!».

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu mui douto parecer concluindo que o recurso deve improceder, devendo a douta sentença sob recurso ser mantida na esfera jurídica, uma vez que não sofre de qualquer vício.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, analisadas as conclusões das alegações do recurso, são estas as questões que, em síntese, importa apreciar:
1. Nulidade da sentença por oposição dos fundamentos com a decisão (art.º 615/1, alínea c), do CPC);
2. Erro de julgamento na análise, apreciação e valoração das declarações de parte (art.º 466.º do CPC), prestadas pelo gerente e legal representante da impugnante, F…;
3. Erro de julgamento na análise, apreciação e valoração das declarações de parte prestadas pelo gerente da impugnante, L…;
4. Erro de julgamento na análise, apreciação e valoração do depoimento prestado pelas testemunhas M…, administrador da emitente “F…”; L…, gerente em exercício da emitente “O…”; J…, empresário que negociava os mesmos bens e os adquiria aos mesmos fornecedores da impugnante; e, J…, contabilista certificado da impugnante;
5. Erro de julgamento, devendo passar a constar do probatório como matéria assente os factos constantes dos artigos 3.º a 9.º, 17.º, 20.º, 27.º, 28.º, 29.º. 31.º, 42.º, 47.º, 72.º, 95.º, 96.º, 97.º, 103.º, 107.º, 117.º, 118.º, 150.º, 157.º, 158.º e 160.º da P.I.;
6. Nulidade da sentença por omissão de pronúncia (art.º 615/1, al. d) do CPC) sobre factos essenciais que a prova documental, testemunhal e declarações de parte suportam;
7. Erro de julgamento, devendo ser expurgados do elenco dos factos provados os constantes das alíneas b) e d) do probatório;
8. Nulidade da sentença por oposição dos fundamentos com a decisão (art.º 615/1, al. c), do CPC), nomeadamente, na apreciação e valoração das declarações de parte e depoimento das testemunhas, os quais tanto serviram para provar factos alegados pela impugnante, como para provar circunstâncias de todo alheias e colaterais ao processo, constantes da motivação, sempre em prejuízo da impugnante;
9. Nulidades processuais por violação do preceituado nos artigos 591.º a 596.º do CPC, salientando-se que não foi convocada audiência prévia, nem proferido despacho saneador, constituindo o julgamento de facto uma verdadeira decisão surpresa, o que consubstancia nulidade da sentença por violação do disposto no art.º 615/1, alínea d), do CPC;
10. Nulidade da sentença por oposição dos fundamentos com a decisão (art.º 615/1, alínea c), do CPC) e erro de julgamento quanto ao facto dado como não provado – que não fundamenta na sua formulação genérica – e, especialmente, quando julga não provada “… a origem e o transporte dos blocos de mármore dos ladrilhos e degraus descritos nas facturas emitidas pelas sociedades F… SA e O… Lda. à impugnante até às suas instalações.”, devendo ser julgado, precisamente o seu contrário, isto é, que ficou provado o transporte dos blocos de mármore dos ladrilhos e degraus descritos nas facturas emitidas pelas sociedades F... SA e O… Lda à impugnante até às suas instalações.”;
11. Erro na interpretação e aplicação do preceituado nos artigos 74.º e 75.º da Lei Geral Tributária aos factos, que não constituem base indiciária bastante para se desconsiderar as facturas dos emitentes F... e O..., não cabendo à impugnante o ónus probatório de demonstrar o desconhecimento da falta de estrutura empresarial dos emitentes;
12. Nulidade da sentença por oposição dos fundamentos com a decisão (art.º 615/1, alínea c) do CPC) na medida em que, por um lado, refere que “É certo que no caso estão em causa transferências bancárias que, por isso, estarão associadas a um circuito financeiro do respectivo montante”, para logo depois, contraditoriamente, afirmar “Acontece que neste fenómeno, esse circuito financeiro ou do dinheiro nem sempre termina ou tem como beneficiário efectivo o destinatário da transferência”.
13. Os factos índice relativos ao comprovado pagamento aos emitentes das facturas por transferência bancária e cheque deveriam ser valorados a favor da realidade e veracidade das transacções facturadas e não no sentido inverso, como sentenciado.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS

Na sentença recorrida deixou-se factualmente consignado:
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Com interesse para a decisão a proferir e nos termos do art.º 662/1 do CPC, altera-se a decisão de facto, nos seguintes termos:

b) Conforme relatado pela Inspecção Tributária, nos anos de 2014, 2015, 2016 as sociedades F... SA e O... Unipessoal Lda., não tinham empregados, não tinham instalações, não tinham meios de transporte próprios, nem de produção.

ccccc) O transporte das mercadorias das instalações da E… até às instalações fabris da L… era assegurado por veículos da própria impugnante, sendo utilizado um camião ou “dumper” para as cargas de maior peso e volume e um empilhador para cargas de menor peso e dimensão (docs. 12 a 16 juntos à P.I. e declarações de parte de F…“Tem lá um pórtico grande. Um pórtico, que chega ali com os cabos, carrega a pedra… nós chegávamos com o camião ou com os D… muitas vezes com os D… porquê? Aproveitávamos a limpeza, vamos fazer uma descarga, passávamos por ali – que é ali a um minuto e pouco – passávamos, carregávamos a pedra e levávamos para a fábrica, pronto. Tão simples quanto isso”, e de L…, que refere ir carregar às instalações da E…, “umas vezes usava o camião, outras vezes o D……” (…) Ia lá buscar pedras… quando eram maiores, trazia-as no D… quando eram mais pequenas, trazia no camião…”, bem como depoimentos das testemunhas M…, administrador da F..., que refere ir o Sr. F… ver as pedras “Ao parque, que era ali perto… às instalações. Pronto, é ali perto das instalações da sua L…” (…) “O Sr. F… ia lá buscar quando a gente fizéssemos o negócio…” e L…, gerente da O..., que à pergunta, “como é que a mercadoria depois saía das instalações da E… para… para a L…?”, respondeu: “O Sr. F… (…) a sua empresa por cima da E…… e juntamente com… com os meios de transporte próprios da empresa dele (…). Não sei se cem metros, se cinquenta, não sei se chega a tanto…levava de uma empresa até ao armazém com o carro dele, com os carros… com os meios de transporte que eles têm”.

Factos não provados:

Não se provou a origem e o transporte dos blocos de mármore, dos ladrilhos e degraus descritos nas facturas emitidas pelas sociedades F... S.A. e O... Lda. à Impugnante, até às instalações desta.

B.DE DIREITO

Entende a Recorrente que a sentença enferma de nulidade por oposição dos fundamentos com a decisão e por omissão de pronúncia.

As causas de nulidade da sentença estão taxativamente previstas no art.º 615/1 do CPC, com correspondência no art.º 125/1 do CPPT.

Estabelece este último preceito que “Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer”.

E dispõe-se no artigo 615.º, n.º 1, al. c), do CPC que “é nula a sentença quando (…) os fundamentos estejam em oposição com a decisão”.

Ora, como é pacífico na jurisprudência e na doutrina, a nulidade por esta causa verifica-se sempre que, considerada a decisão final como o desenlace de todo um raciocínio, se regista, a final, uma contradição – uma contradição lógica – entre os pressupostos e a conclusão (todos os argumentos apontavam para certa decisão e, sem que nada o fizesse esperar, a decisão final foi a oposta).

Como se deixou consignado no sumário doutrinal do ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 05/20/2021, tirado no proc.º 69/11.2TBPPS.C1.S1, «I. — A oposição entre os fundamentos e a decisão corresponde a um vício lógico do acórdão — se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença.
II.— Enquanto vício lógico, a oposição entre os fundamentos e a decisão distingue-se da errada interpretação de uma determinada disposição legal, síndicável em sede de recurso.
III. — A ambiguidade ou a obscuridade prevista na alínea c) do n.º 1 do art. 615.º só releva quando torne a parte decisória ininteligível e só torna a parte decisória ininteligível “quando um declaratário normal, nos termos dos arts. 236.º, n.º 1, e 238.º, n.º 1, do Código Civil, não possa retirar da decisão um sentido unívoco, mesmo depois de recorrer à fundamentação para a interpretar”.

Não constitui nulidade da sentença por oposição dos fundamentos com a decisão, mas sim erro de julgamento, a contradição entre fundamentos de facto.

Lendo atentamente a alegação e conclusões da Recorrente, nos segmentos em que invoca nulidade da sentença por oposição dos fundamentos com a decisão, logo sobressai o seu inconformismo com a leitura que a sentença fez da prova e dos factos que deu por assentes e «não provados» e com a circunstância de ter extraído da prova produzida, nomeadamente declarações de parte e depoimento de testemunhas, tanto factos alegados, como outros, completamente alheios e colaterais ao processo, constantes da motivação da decisão, sempre em prejuízo da recorrente.

Ora, isso constitui erro de julgamento, que a recorrente também invoca, mas não integra o vício mais gravoso da nulidade por oposição dos fundamentos com a decisão.

A sentença seguiu um raciocínio lógico e tomou a decisão em coerência com a fundamentação que discorreu.

Dispõe-se no art.º 615/1, alínea d) do CPC, que “é nula a sentença quando (…) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

Prende-se esta nulidade com o disposto no art.º 608/2 do CPC, segundo o qual, “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.

De acordo com a jurisprudência do Supremo Tribuna de Justiça, não é, porém, necessário que o tribunal tome posição sobre todos os argumentos aduzidos pelas partes, mas que conheça todas as questões relevantes para a decisão de direito.

Por outro lado, como também é consensual na jurisprudência, para se determinar se existe omissão de pronúncia há que interpretar a decisão na sua totalidade, articulando fundamentação e decisão propriamente dita

Como se deixou consignado no sumário doutrinal do ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 01/12/2022, tirado no proc.º 40/20.3TRPRT, «I - A omissão de pronúncia constitui um vício da decisão que verifica quando o tribunal se não pronuncia sobre questões cujo conhecimento a lei lhe imponha, sejam as mesmas de conhecimento oficioso ou sejam suscitadas pelos sujeitos processuais.
II - A falta de pronúncia que determina a existência desse vício incide sobre as questões e não sobre os motivos ou argumentos invocados pelos sujeitos processuais».

Ora, o tribunal recorrido não deixou de conhecer de questões factuais ou jurídica alegadas pelas partes ou de conhecimento oficioso, pelo contrário, conheceu de todas as questões com relevo para a decisão e – já agora, diga-se – não conheceu de questões que não foram alegadas pelas partes.

Por outro lado, o tribunal recorrido não deixou de conhecer das provas apresentadas pela recorrente. A alegada circunstância de ter omitido pronúncia sobre factos que a prova documental, testemunhal e declarações de parte evidenciam, não constitui nulidade por omissão de pronúncia, mas eventual erro na selecção dos factos, vício que se reconduz a erro de julgamento.

E a omissão, no processo, de actos e formalidades que a lei prescreva poderá integrar nulidade processual prevista no art.º 195.º do CPC, mas não inquina a sentença de nulidade.

Improcede, assim, nesta parte, a alegação do recorrente, pois não se mostram comprovadas as arguidas nulidades da sentença.

Outrossim, invoca a Recorrente, nulidades processuais por violação do preceituado nos artigos 591.º a 596.º do CPC, alegando que o Mmº juiz a quo não convocou audiência prévia, nem proferiu despacho saneador, constituindo a sentença quanto ao julgamento de facto, uma verdadeira decisão surpresa.

O processo judicial tributário e, em particular, a forma das impugnações judiciais, não comporta audição prévia, nem despacho saneador, o julgamento de facto é feito, como foi, na própria sentença, precedendo notificação das partes para alegações escritas, que a recorrente apresentou e onde teve oportunidade de se pronunciar sobre a prova produzida, tudo conforme previsto nos artigos 120/1, 121.º e 122/1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Improcede a arguida nulidade processual por preterição da audiência prévia e saneador.

Prosseguindo, pretende a Recorrente que passem a constar do probatório como factos provados, os constantes dos artigos 3.º a 9.º, 17.º, 20.º, 27.º, 28.º, 29.º, 31.º, 42.º, 47.º, 72.º, 95.º, 96.º, 97.º, 103.º, 107.º, 117.º, 118.º, 150.º, 157.º. 158.º e 160.º da P.I.

Ora, o tribunal apenas está obrigado a levar ao probatório da sentença factos (art.º 607/3 do CPC) e apenas deve seleccionar os que importem para a decisão a proferir e não toda a matéria fáctica alegada pelas partes nos seus articulados.

O alegado no art.º 17.º da P.I. (“A verdade dita que, independentemente da inacreditável ficção plasmada no Relatório, as mercadorias constantes das facturas cuja materialidade foi posta em crise foram efectivamente adquiridas às empresas que as facturaram, a estas efectivamente pagas – Doc’s 5, 7, 9 e 11 - e pela L… levantadas no estaleiro onde se encontravam e transportadas até às instalações fabris desta”), não constitui qualquer facto, mas uma ilação a extrair de factos, como tal, insusceptível de ser levado ao probatório, esclarecendo-se que os documentos referidos se tratam das questionadas facturas e comprovativos das transferências bancárias e cheques emitidos a favor dos emitentes; o artigo 20.º da P.I. na redacção formulada (“O facto do Sujeito Passivo, ora impugnante, não ter quaisquer declarações em falta (nem pagamentos em atraso), nem tão pouco da análise efectuada pelo Sr. Inspector terem resultado divergências que não tivessem tido uma cabal explicação, algumas das quais, em bom rigor, não se tratavam de verdadeiras divergências mas tão só do rigoroso cumprimento do princípio da especialização dos exercícios, pedra angular duma verdadeira expressão da situação de qualquer empresa é bem revelador do empenho e zelo que a impugnante empresta às exigências contabilístico/ tributárias”), também não contempla qualquer facto susceptível de integrar o probatório; a matéria do artigo 42.º da P.I. (“A empresa ora impugnante só dispõe de contabilidade geral, única, aliás, que a lei lhe impõe”), constitui matéria de direito, insusceptível de ser levada ao probatório; o mesmo se diga da matéria vertida no artigo 107.º da P.I. (“Obviamente que, obtido este [documento](factura), todos os demais são perfeitamente dispensáveis, a que acresce o facto não menos importante do transporte ser feito pelo adquirente, que não pelo alienante ou terceiro”); o artigo 29.º da P.I., transcreve matéria do relatório inspectivo, já levada ao probatório; a matéria do artigo 103.º da P.I. (“É de facto verdade que entre as instalações da E…, local de carga dos bens alienados, e a fábrica da impugnante distam cerca de 190 m (vide foto) – Doc. 21”), já consta do ponto c), da matéria assente; a restante matéria alegada ou não reveste interesse para a decisão ou já foi oficiosamente levada ao probatório no sentido propugnado pela recorrente.

O ponto c) do probatório foi alterado, porquanto, embora se apreenda dos relatórios inspectivos que “Nos anos de 2014, 2015, 2016 as sociedades F... S.A. e O... Unipessoal Lda., não tinham empregados, não tinham instalações, não tinham meios de transporte próprios, nem de produção”, nada nos autos evidencia que a impugnante disso tinha conhecimento. Aliás, o que a impugnante alega é que não tinha conhecimento, nem obrigação de conhecer essa situação dos emitentes, os quais estava colectados como sujeitos passivos do IVA, o que oportunamente comprovou.

No que em particular respeita aos «Factos não provados» constantes do alterado probatório, assenta, na falta de prova, uma vez que o que consta do aditado ponto ccccc) não permite afirmar, como pretende a recorrente, que a mercadoria descrita nas questionadas facturas (“blocos de mármore, ladrilhos e degraus”) foi efectivamente transportada do estaleiro da E… até às instalações da impugnante, onde deu entrada.

Quanto à formulação genérica “Consideram-se não provados, quaisquer outros factos alegados pelas partes que não constam das alíneas anteriores…”, a decisão não pode manter-se na falta de concretização de quais sejam esses factos e que apreciação probatória convenceu o Mmº juiz a quo a considerar esses factos como não provados.

Estabilizado o probatório, é com ele que temos de avançar na apreciação das demais questões do recurso, que se prendem com o erro de julgamento da sentença ao concluir que a Administração tributária recolheu indícios suficientes que, num juízo de normalidade, permitem concluir que as questionadas facturas dos emitentes F... e O... não têm subjacentes reais e efectivas operações económicas, tendo sido emitidas com o único propósito de permitir ao utilizador deduzir o IVA nelas mencionado e que supostamente pagou sobre as aquisições tituladas por essas facturas.

Como tem sido realçado, reiterada e uniformemente, pela jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, nomeadamente por este Tribunal Central Administrativo, quando a Administração tributária desconsidera as facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do art.º74.º da LGT, competindo à Administração fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios e credíveis de que as operações constantes das facturas não correspondem à realidade. Feita esta prova, e só então, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção – vd., entre muitos outros, os acórdãos do STA, de 20/11/2002, proc.º 01483/02 e do TCA Norte de 24-01-2008, processo n.º 01834/04 Viseu, de 24-01-2008, processo n.º 2887/04 Viseu, de 27-01-2011, processo n.º 455/05.7BEPNF e de 18-03-2011, processo n.º 456/05BEPNF.

Assim sendo, importa analisar se a Administração tributária fez a prova que lhe competia da verificação de indícios que permitem concluir que às facturas contabilizadas dos identificados emitentes, não subjazem as operações que, alegadamente, teriam implicado a respectiva emissão.

Tenha-se em conta, como também é pacificamente aceite, que não é imperioso que a Administração efectue uma prova directa da simulação. Como em muitos outros casos, haverá que recorrer à prova indirecta, a “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova” – cfr. Alberto Xavier, “Conceito e Natureza do Acto Tributário”, pág. 154; também neste sentido, entre outros, o acórdão do TCAN, de 26/04/12 (processo nº 00964/06.0 BEPRT).

Ou seja, a Administração Tributária não tem que demonstrar a falsidade das facturas, bastando-lhe evidenciar a consistência desse juízo (Acórdão do STA de 27/10/04, Processo 810/04), invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada de as operações referidas nas facturas serem simuladas, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade – artigos 78.º do CPT e 75º da LGT.

Os indícios são definidos por João de Castro Mendes como aqueles factos que “permitem concluir pela verificação ou não verificação de outros factos, em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência” - citado por Saldanha Sanches, “A Quantificação da Obrigação Tributária”, 2ª edição, pág. 311.

Nesta tarefa e como é salientado no Acórdão do TCA Norte de 28/02/2013, proferido no proc.º00383/08.4BEBRG, poderá a Administração Tributária lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios, pelo que tais indicadores de falsidade das facturas não têm necessariamente que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado, revelando-se, até, a fiscalização cruzada, um procedimento crucial no combate à fraude e evasão fiscais.

No entanto, como constitui jurisprudência deste Tribunal que se tem vindo a consolidar, o juízo conclusivo quanto à falsidade das facturas não poderá, salvo muito excepcionalmente, basear-se em indicadores de falsidade unicamente assentes em elementos e circunstâncias relativas aos emitentes e às operações praticadas a montante da operação facturada ao utilizador (aqui recorrente), exigindo também a demonstração de indicadores válidos de falsidade relativos ao destinatário da factura (aqui recorrente) e à concreta operação facturada.

Descendo aos autos, vem referido nos relatórios de inspecção tributária aos anos de 2014, 2015 e 2016 que o fornecedor F..., S.A., “…na consulta ao sistema informático da administração tributária não possuía funcionários, instalações próprias ou alugadas nem veículos, o que pressupõe a sua falta de estrutura para proceder a estas transacções comerciais”, e que já fora proposta administrativamente a cessação da sua actividade. Mais se refere que as instalações da E… – onde supostamente o representante da impugnante ia escolher e adquirir a mercadoria (blocos de pedra mármore) fornecida pela F..., S.A. – eram “exíguas”, “muito reduzidas”, para acomodar a carga facturada. Mais, que não há guias de transporte, nem as facturas servem como documentos de transporte na medida em que “…não indicam os locais de carga e descarga, nem a data e a hora em que se inicia o transporte (artigo 3.º a 5.º do Regime de Bens em Circulação – Decreto-Lei n.º 147/2003, de 11 de Julho)”.

E o mesmo tipo de indicadores é referido com relação ao emitente O..., LDA., sendo ainda assinalado, no caso deste emitente que “…nenhum pagamento corresponde ao total de quaisquer facturas”.

Ora, a verdade é que, em bom rigor, os indícios credíveis acabam por se reconduzir à apontada falta de estrutura empresarial dos emitentes, porquanto os demais, centrados na falta de guias de transporte da mercadoria facturada e na exiguidade das instalações da E… – utilizadas em regime de comodato pela F..., S.A., (cf. ponto a) da matéria assente) – para acomodar a carga facturada, se revestem, no contexto da prova produzida, de uma enorme fragilidade.

Com efeito, embora se refira a exiguidade das instalações da E…, a verdade é que a afirmação é vaga, porque uma coisa é a capacidade das instalações para acomodar toda a carga facturada simultaneamente, isto é, ao mesmo tempo, outra, bem diferente, é a capacidade das instalações para acomodar a carga em sistema de rotação (como resulta da prova, a mercadoria que se encontrava nessas instalações ia sendo retirada à medida que ia sendo vendida) e o que se constata é que as facturas questionadas (juntas à P.I.) têm datas de emissão espaçadas.

Quanto à falta de guias de transporte e omissão, nas facturas, dos locais de carga e descarga da mercadoria facturada e do dia e hora de início do transporte, sobressai da prova produzida (cf. ponto c) da matéria assente), que as instalações da E…, onde era recolhida pela impugnante e por ela transportada a mercadoria facturada, dista cerca de 200 metros das instalações fabris da impugnante e, nessas circunstâncias, afigura-se verosímil que as partes no negócio tenham prescindido dos documentos de transporte que devem legalmente acompanhar as mercadorias em circulação, sem que daí se possa tirar qualquer ilação fundada no sentido do carácter fictício das operações facturadas pela F..., S.A. e O..., LDA.

No caso particular deste último emitente, não havendo pagamentos que conciliem com o valor total de cada factura emitida, certo é que a globalidade dos pagamentos, mediante cheque cruzado a favor do emitente das facturas, concilia com os montantes facturados.


Tudo visto, conclui-se que nenhum indicador relevante de falsidade é relatado quanto ao utilizador ou à concreta operação facturada ao utilizador e falamos de indicadores como o descritivo vago das facturas emitidas, preço ostensivamente inflacionado para o produto ou serviço fornecido, falta de documentos comprovativos do circuito comercial (salvo guias de transporte, cuja falta é contextualmente justificada), pagamento em numerário dos valores facturados, fornecedores não colectados para a actividade declarada, pagamentos contabilizados ou fluxos financeiros que não apresentam coerência com as datas e valores das operações facturadas, entre outros.

Salienta-se que os pagamentos a estes fornecedores foram efectuados por transferência bancária ou cheque cruzado e, por conseguinte, como nota a recorrente, a afirmação que se faz na sentença de que não se sabe se os efectivos beneficiários dos pagamentos foram mesmo os emitentes F..., S.A. e a O..., LDA., carece de suporte porque qualquer dúvida a tal respeito teria de estar sustentada em factos, nomeadamente ausência no registo contabilístico dos fornecedores da entrada dos correspondentes verbas (cf. pontos b), f) a t), v) a ii), kk) a yy), aaa) a jjj) da matéria assente e cheques cruzados juntos à P.I.).

Assim, como indicador relevante de falsidade das operações sobra apenas a constatada falta de adequada estrutura empresarial e organizacional dos emitentes para o exercício da actividade declarada (se bem que a F..., S.A., sempre tinha afinal instalações utilizadas em regime de comodato), o que é manifestamente insuficiente para sustentar correcções à dedutibilidade do IVA mencionado nas questionadas facturas com base no apelado art.º 19.º, n.º 3, do CIVA, segundo o qual, “não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada”.

É certo que o n.º 4 do mesmo art.º 19.º do CIVA estabelece que «Não pode igualmente deduzir-se o imposto que resulte de operações em que o transmitente dos bens ou prestador dos serviços não entregar nos cofres do Estado o imposto liquidado, quando o sujeito passivo tenha ou devesse ter conhecimento de que o transmitente dos bens ou prestador de serviços não dispõe de adequada estrutura empresarial susceptível de exercer a actividade declarada».

No entanto, para recusar o direito à dedução ao abrigo deste preceito a Administração tributária tem de fazer prova bastante dos elementos objectivos que permitam concluir, num juízo de normalidade, que o sujeito passivo sabia ou deveria saber da falta de estrutura empresarial dos emitentes para a actividade declarada, o que, como vimos, não transparece minimamente dos autos, sendo ainda de salientar que tais elementos objectivos não passam por exigir ao destinatário da factura verificações que não lhe incumbem e informações sobre terceiros a que não poderia legalmente aceder por protegidas por sigilo fiscal.

É bom lembrar, na linha da jurisprudência do TJUE, que o princípio estruturante da neutralidade em que assenta o direito fundamental à dedução, não pode sofrer restrições que descambem numa responsabilidade objectiva do utilizador (destinatário da factura) pela perda de receita tributária, com total alheamento dos princípios constitucionais da boa-fé e da proporcionalidade, aferidos ao risco de perda de receita tributária (vd., com interesse, o Ac. do Tribunal de Justiça, de 31 de Janeiro de 2013, Proc.ºC-642/11).

Concluímos, pois, em vista do exposto, que a Administração tributária não recolheu, como lhe competia, indícios sérios e credíveis de que as operações tituladas pelas questionadas facturas não representam operações reais, nomeadamente, quanto aos operadores nelas mencionados, que permita corrigir o IVA deduzido pela impugnante nos termos do apelado n.º 3 do art.º 19.º do CIVA, nem a AT fez prova de que a impugnante sabia ou tinha obrigação de saber que se tratavam de falsos emitentes sem adequada estrutura empresarial para a actividade declarada, que lhe permitisse corrigir o imposto deduzido pela impugnante, nos termos do n.º4 do mesmo preceito.

Por todo o exposto, é de conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, julgar a impugnação procedente e anular as liquidações adicionais de IVA impugnadas, ao que se provirá na parte dispositiva do acórdão.

IV. DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, julgar a impugnação procedente e anular as liquidações adicionais de IVA impugnadas.

Custas a cargo da Recorrida Fazenda Pública, que não são devidas no recurso por não ter contra-alegado.

Lisboa, 24 de Outubro de 2024


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Vital Lopes



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Maria da Luz Cardoso



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Margarida Reis