Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06473/13
Secção:CT
Data do Acordão:05/25/2017
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:IRC
MÉTODOS INDIRECTOS
PRESSUPOSTOS
Sumário:No que toca aos procedimentos de avaliação, a lei é clara sobre a opção preferencial do legislador, isto é, não restam dúvidas que a lei assume como última ratio o recurso à avaliação indirecta, relegando-a para situações em que não seja de todo possível a quantificação directa e exacta da matéria tributável, através dos dados declarados pelo sujeito passivo ou fornecidos por terceiros ou, também, quando ab initio o método de determinação é já um meio não directo, como o regime simplificado.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

1 – RELATÓRIO

A Fazenda Pública, inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por J... Construções, SA., contra a liquidação adicional de IRC e juros compensatórios nº ..., efectuada com recurso a métodos indiciários, referente ao exercício de 2005, no montante de € 250.236,04, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional.

Formula, para tanto, as seguintes conclusões:

A) Salvo o devido respeito, não podemos concordar com o entendimento perfilhado pela douta sentença ora recorrida, porquanto a mesma fez uma errada apreciação dos factos em análise e consequentemente encontra-se ferida de erro de julgamento.

B) Tendo a Administração Tributária verificado que a contabilidade da Impugnante não correspondia à realidade, nomeadamente através de elementos fornecidos por dois adquirentes de imóveis à mesma, procedeu à análise da totalidade das vendas de imóveis efectuados pela Impugnante no exercício de 2005.

C) No que respeita essencialmente à venda de imóveis no empreendimento da “...” sito em ..., a Administração Tributária detectou diversas irregularidades, nomeadamente as descritas nos pontos 1.4, 1.5, 1.6 al. a) e b) e ponto 2.1, 2.2 e 2.3 do Cap. IV do Relatório de Inspecção Tributária.

D) Salvo o devido respeito, entendemos que a aplicação de métodos indirectos pela AT se encontra devidamente fundamentada não colhendo os argumentos, salvo o devido respeito, invocados pela Impugnante e aceites pela douta sentença recorrida de que “tal facto é admitido pela Impugnante” e de que o preço com que cada fracção é colocada no mercado varia consoante um conjunto de factores, porquanto todos esses factores –à excepção da falta de liquidez – são ponderados quando os imóveis são postos à venda.

E) Entende ainda a douta sentença recorrida que as correcções efectuadas tiveram por base a prospecção efectuada pela Direcção de Finanças de ... e a comparação entre os valores praticados na “... e os preços praticados na “...”.

F) Ora, salvo o devido respeito, tal não corresponde à realidade, se compararmos os preços praticados num e no outro empreendimento, resultante da referida prospecção verificamos que os preços da “...” são inferiores aos publicitados na “...”, mas superiores aos declarados nas escrituras de compra e venda.

G) As correcções efectuadas pela Administração Tributária apenas tiveram em conta os valores publicitados pela “...”;

H) E não se diga que a prospecção efectuada, em virtude, de ter em conta os anos de 2005, 2006 e 2007 não demonstra a realidade dos preços praticados, porquanto se analisarmos os quadros 4 e 5 constantes do ponto 1.6, do Cap. IV do Relatório de Inspecção verificamos que os valores apurados na prospecção são inferiores aos valores declarados pelo vendedor em 26 de Setembro de 2005.

I) No que respeita aos valores apurados, foram utilizados os valores médios por permilagem que serviram de base à determinação do lucro tributável por métodos indirectos em 2004 (os quais foram aceites na sua totalidade pela ora Impugnante) conforme resulta do Cap. V do Relatório de Inspecção Tributária.

J) Pelo que, salvo o devido respeito, entendemos que o recurso à aplicação de métodos indirectos, no caso em apreço, pela Administração Tributária se encontra devidamente fundamentada.

K) Não se verificando a ilegalidade da decisão de aplicação dos métodos indirectos uma vez que a mesma se encontra devidamente fundamentada, o ónus da prova quanto ao erro na quantificação da matéria tributável com recurso a métodos indirectos cabia à Impugnante, não tendo esta logrado provar tais factos.

L) Na verdade, da prova testemunhal produzida em sede de inquirição de testemunhas, apenas foram feitas alusões vagas e genéricas, que poderiam ser aplicadas em qualquer situação, nenhuma das testemunhas, à excepção de um comprador, fez prova concreta dos factos, nenhuma das testemunhas se referiu em concreto às fracções que foram vendidas em 2005 e porque preço é que o foram e porque razão, se é que o foram, por um valor muito inferior aos indicados nos locais de venda em 2005 e tanto assim é que quer dos factos alegados na p.i. quer do depoimento das testemunhas nada foi levado ao probatório.

M) Face ao exposto, verifica-se que a douta sentença recorrida enferma de erro de julgamento na apreciação dos factos, pelo que deverá ser revogada.

Termos em que, com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente Recurso ser provido e, consequentemente ser revogada a sentença proferida pelo Douto Tribunal “a quo”, assim se fazendo a costumada Justiça.”


*

Em sede de contra-alegações, expendeu-se o seguinte:

CONCLUSÕES DAS CONTRA-ALEGAÇÕES NA PARTE RELATIVA AO RECURSO INTERPOSTO PELA FAZENDA PÚBLICA

A) O presente recurso foi interposto pela ora RECORRENTE da Sentença proferida no processo de Impugnação Judicial n.° 608/10.6 BESNT, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, no âmbito do qual a RECORRIDA impugnou o acto de liquidação adicional de IRC e de JC n.° ..., praticado com referência ao exercício de 2005, no valor de € 253.475,74, e, bem assim, os actos de liquidação de JC nº ... e ..., a que correspondem a Compensação n.° ... e a Demonstração de Acerto de Contas n° ..., das quais resulta o apuramento de um montante a pagar de € 250.236,04.

B) A Douta Sentença recorrida veio julgar procedente a impugnação apresentada, com fundamento no facto de "(...) a decisão da AT de apuramento da matéria colectável com recurso a métodos indirectos não se encontra devidamente fundamentada, pois os argumentos apresentados não impossibilitavam a quantificação do lucro tributável exacta e directamente através da contabilidade da impugnante (...) Pelo que se impõe concluir pela ilegalidade da decisão de apuramento da matéria colectável com recurso a métodos indirectos e, consequentemente, pela ilegalidade do acto de liquidação ora sindicado ";

C) Inconformada com esta decisão, a RECORRENTE interpôs o presente recurso por considerar que a mesma fez uma errada apreciação dos factos em análise, encontrando-se, no seu entender, ferida de erro de julgamento;

D) Sucede, porém, que a RECORRENTE nas suas alegações de recurso não cumpre efectivamente com o ónus de alegar, ao não indicar os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão, conforme obriga o n.° l do artigo 685.°- A do CPC;

E) Assenta, o recurso da RECORRENTE na discordância face à decisão de anulação dos actos impugnados com fundamento na não verificação, no caso vertente, dos pressupostos para determinação do lucro tributável, por métodos indirectos;

F) No § III das suas Alegações de Recurso, a RECORRENTE começa por identificar o motivo pelo qual a RECORRIDA foi sujeita a uma acção de inspecção, afirmando de seguida que do respectivo Relatório de Inspecção resulta a identificação de diversas irregularidades, não indicando, porém, em que medida essas alegadas irregularidades (que também não especifica) deveriam ter conduzido a uma solução diferente daquela que foi no caso concreto adoptada pela sentença recorrida;

G) É certo, também, que seguidamente, a RECORRENTE e, ainda no § III das suas alegações de Recurso faz menção a três dos motivos, apreciados na sentença recorrida, em que a Administração Tributário assentou o recurso a métodos indirectos;

H) Porém, limita-se quanto aos mesmos a fazer meras constatações ou afirmações, sem demonstrar ou explicitar em que medida essas constatações deviam ter conduzido a uma diferente apreciação dos factos ou a uma diferente conclusão de direito quanto às questões em apreciação;

I) Em nenhum momento nas alegações de recurso e respectivas conclusões se identificam as efectivas razões em que a RECORRENTE assenta a sua pretensão de anulação do julgado: não são retiradas conclusões jurídicas das afirmações feitas, não são identificadas as normas jurídicas que se consideram violadas pela sentença, não é explicitado o sentido em que no entender da RECORRENTE as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;

J) Ora, em conformidade com o disposto no artigo 685.°- A do CPC não se pode deixar de entender que o RECORRENTE só cumpre o ónus de alegar quando e, na medida, em que submeta à apreciação do Tribunal superior as razões por que discorda da decisão que impugna e exponha os fundamentos por que pede a revogação da decisão, sob a cominação de o recurso ser julgado deserto;

K) Em suma, se do ponto de vista meramente formal a RECORRENTE apresentou alegações, já em termos substanciais, ao não serem identificadas as razões de ordem jurídica, que justificam a sua pretensão de revogação da sentença recorrida, não cumpre com esse ónus legal, devendo esta omissão ser equiparada a falta de alegações e, consequentemente, deverá o presente recurso ser julgado deserto nos termos e para os efeitos dos artigos 291.°, n.° 2 do CPC e 282.°, n.° 4 do CPPT;

L) Sem prejuízo do exposto, e por cautela de patrocínio, propõe-se a RECORRIDA, ainda, demonstrar que a sentença recorrida, face aos elementos constantes dos autos e à prova produzida, fez uma correta apreciação dos factos e aplicação do direito ao concluir que a ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA não demonstrou a impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da sua matéria tributável;

M) Na sua petição de impugnação e subsequentes alegações de direito, a RECORRIDA face aos elementos e prova produzida nos autos, demonstrou face a cada um dos motivos em que a AT assentou a decisão de aplicação de métodos indirectos, a sua não adequação, por não justificarem a impossibilidade da quantificação directa e exacta da matéria tributável da RECORRIDA, tendo a sentença recorrida, após apreciação daqueles motivos, concluído no sentido por si propugnado;

N) Conforme resulta do supra exposto - e, sem prejuízo do aí alegado -, nas suas alegações a RECORRENTE só procura contestar a apreciação dos factos em que assentou a sentença recorrida quanto a três dos motivos em que a AT fundou a sua decisão de aplicação de métodos indirectos, não questionando, quanto aos demais, a conclusão decorrente da sentença recorrida que os mesmos não justificam o apuramento da matéria colectável da RECORRIDA, com recurso a métodos indirectos;

O) Ora, visando os recursos a revisão da legalidade ou ilegalidade duma decisão judicial, só pode o tribunal conhecer da decisão recorrida e dos vícios que lhe são imputados, nos termos constantes das alegações e conclusões da RECORRENTE;

P) Sustenta a RECORRENTE, quanto ao facto da ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA ter fundado o recurso a métodos indirectos na venda pela RECORRIDA de 6 fracções, abaixo do preço de custo, que o preço com que cada fracção é colocada no mercado varia consoante um conjunto de factores que são ponderados quando os imóveis são postos à venda" (cf. pág. 5/11 das Alegações de recurso);

Q) Tal afirmação em nada questiona a conclusão da sentença recorrida de que "o preço com que cada fracção é colocada no mercado, varia consoante um conjunto de factores que justificam que as fracções de um mesmo edifício, com a mesma tipologia, possam ser vendidas por preços diferentes ou que determinadas fracções sejam vendidas abaixo do seu preço de custo (..) De facto resulta da prova produzida nos autos que os preços publicitados no stand de vendas são padronizados, mas que iam sofrendo alterações e na prática eram negociados com cada cliente, variando consoante as necessidades financeiras da impugnante e as características de cada fracção" (cfr. págs. 20 e 21 da Sentença RECORRIDA);

R) Com efeito, a ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA não pode invocar, para justificar a alegada falta de veracidade e suficiência da contabilidade da RECORRIDA, o facto de terem sido vendidas, em 2005, seis fracções abaixo do respectivo preço de custo, na medida em que as fracções em questão foram efectivamente vendidas, infelizmente, abaixo do seu preço de custo e o critério do preço de custo não é reconhecidamente adequado para apuramento do valor de venda;

S) De facto, o preço com que cada fracção é colocada no mercado varia consoante um conjunto de factores que justificam que fracções de um mesmo edifício, com as mesmas características físicas, possam, efectivamente, ser vendidas por preços diferentes, como justificam também que determinadas fracções sejam, ou possam ser, vendidas mesmo abaixo do seu preço de custo;

T) A comparação entre o preço de custo e o preço de venda só faz sentido quando analisado o conjunto do edifício ou do empreendimento, o que a ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA se coibiu de fazer, para determinar se a venda das fracções se revela lucrativa no cômputo geral, uma vez que o critério usado para determinar o custo de cada fracção - critério de permilagem - não olha a todas as características individualizadoras de cada fracção;

U) Assim, a venda de fracções, ainda que por um valor muito perto do seu preço de custo, não pode ser considerada reflexo de eventuais irregularidades, nem descredibilizar a contabilidade e permitir o recurso, ilegal, a métodos indirectos de determinação da matéria tributável;

V) Desta forma, conclui-se que os fundamentos avançados pelos SERVIÇOS DE INSPECÇÃO TRIBUTÁRIA no Relatório de Inspecção não justificam a decisão e o apuramento da matéria colectável com recurso a métodos indirectos, pelo que se impõe concluir, como na sentença recorrida, pela ilegalidade da decisão de apuramento da matéria colectável por métodos indirectos;

W) Sustenta, ainda, a RECORRENTE nas suas alegações de recurso que "se compararmos os preços praticados num e noutro empreendimento, resultante da referida prospecção verificamos que os preços na "..." são inferiores aos publicitados na "...", mas superiores aos declarados nas escrituras de compra de venda" (cf. pág. 5/11 das Alegações de recurso);

X) Reportar-se-á a RECORRENTE ao facto da ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA ter fundado o recurso a métodos indirectos na alegada venda pela RECORRIDA de fracções a valores inferiores aos resultantes de uma acção de prospecção efectuada pela inspecção em ... e, aos resultantes dum auto de declarações recolhido em 26/09/2005;

Y) Sucede, porém, que a supra citada afirmação da RECORRENTE em nada põe em causa a conclusão da douta sentença recorrida que a prospecção efectuada pela Direcção de Finanças de ... "revela lacunas que impendem uma comparação objectiva entre os preços praticados na "... " e os preços praticados na "...", dado que " Não sendo clara e objectiva a amostra utilizada para demonstrar qual o preço efectivo dos imóveis na cidade de ..., maxime a comparabilidade dos empreendimentos, não é possível afirmar a discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado, fundamentadora do recurso à avaliação indirecta da matéria colectável”;

Z) Com efeito, conforme resulta dos autos de impugnação, da análise daquela prospecção resulta que, a base de dados de preços de venda, utilizada pela DIRECÇÃO DE FINANÇAS DE ... - e em que a INSPECÇÃO TRIBUTÁRIA assenta as suas conclusões - resulta da conjugação de elementos recolhidos num período de três anos, em vários empreendimentos naquela localização, quando muitas vezes a promoção e contactos que culminaram com as vendas no ano de 2005 foram muitas vezes iniciadas em anos anteriores;

AA) Os preços de venda praticados durante os anos de 2005, 2006 e 2007 não são comparáveis, já que se reportam a diferentes fases de concretização do empreendimento, a que corresponderam acabamentos e níveis de concretização dos acessos/ equipamentos envolventes distintos;

BB) É que as vendas concretizadas em 2005 correspondem, em muitos casos, a negociações iniciadas no ano anterior, pelo que os preços praticados não correspondem sequer aos preços que em 2005 se indicavam num primeiro contacto com potenciais clientes, daí que os preços avançados em finais de 2005, no stand de vendas, não correspondam aos preços praticados em fracções cuja negociação se iniciara em muitos casos um ano antes ou no início daquele ano;

CC) A diferença entre o preço publicitado no Stand e o preço de venda no ano de 2005 é, ainda, justificada pela circunstância de os preços de venda publicitados pela RECORRIDA nunca serem preços definitivos, na medida em que eram sempre susceptíveis de negociação, tendo sido, por vezes, alterados consoante a evolução das vendas e em função do nível de liquidez da empresa.

DD) Impunha-se à ADMINISTRAÇÃO TRIBUTARIA justificar (fundamentadamente) e provar - o que manifestamente não se verificou - que as fracções consideradas nas acções de prospecção que alegadamente tiveram lugar nos anos de 2005, 2006 e 2007 apresentavam características idênticas (quer físicas, quer de enquadramento) às fracções objecto da acção de inspecção a que a RECORRIDA foi sujeita e, bem assim, que eram as mesmas as condições do mercado;

EE) Mas mais; o esforço financeiro que a concretização do empreendimento implicou e as dificuldades de tesouraria por que passou a RECORRIDA, justificaram que a mesma tenha optado, por várias vezes, por negociar fracções a preços, vantajosos para os adquirentes para garantir a concretização desses negócios e, assim assegurar a entrada de capital para a empresa;

FF) A DIRECÇÃO DE FINANÇAS DE ... utilizou elementos de um empreendimento que não é o empreendimento da RECORRIDA cujos apartamentos apresentam muito diferentes características e cujas fases de construção não foram coincidentes com as da RECORRIDA, pelo que nunca uma média entre os valores recolhidos junto dos dois empreendimentos (recorde-se, recolhidos em diferentes anos e consequentemente, diferentes fases de construção), fornecerá os "valores de mercado", efectivamente, praticados nas fracções cuja venda a RECORRIDA concretizou em 2005, pelo que nunca esses valores podem indiciar qualquer omissão no valor das vendas por esta declaradas;

GG) O facto de fracções com áreas e tipologias inferiores terem sido vendidas por preços superiores aos praticados em fracções com tipologias e áreas maiores não pode ser considerado como um indício de irregularidades, na medida em que o valor de uma dada fracção é determinado por um conjunto de factores que não se reduzem à área e tipologia, pelo que importa ter em consideração as características concretas de cada fracção (vg. orientação solar, número e dimensão comparativa de casas de banho, o piso em que a fracção se encontra, a existência de vista, a vizinhança, ou os tipos de acabamentos);

HH) De facto, conforme resulta dos documentos juntos aos autos e da prova produzida em audiência, nos casos em que as fracções com áreas e tipologias inferiores foram vendidas por preços superiores aos praticados em fracções com tipologias e áreas maiores, havia características das fracções mais pequenas que determinavam o seu (real) maior valor (cfr. cit. Does. 11,12,13 e 14);

II) Por outro lado, a RECORRIDA optou por padronizar os preços para cada tipologia por razões de simplicidade e comerciais, sem prejuízo de, na fase da respectiva negociação, ter atendido, para garantir a concretização de cada negócio, às concretas características de cada fracção;

JJ) Assim, os elementos disponibilizados pela DIRECÇÃO DE FINANÇAS DE ... e pelo vendedor da RECORRIDA sobre os preços praticados, na ..., não demonstram a "existência de manifesta discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado dos bens ou serviços" no ano de 2005, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 88.°, alínea d) da LGT, sendo, assim, a decisão de apuramento da matéria colectável com recurso a métodos indirectos ilegal;

KK) Em suma, a RECORRENTE não logra colocar em causa o julgamento feito pela sentença recorrida no caso vertente pelo que se impõe concluir, como na sentença recorrida, que nenhum dos motivos invocados pela AT para justificar a sua decisão são, no caso vertente, impeditivos de efectuar a quantificação do lucro tributável exacta e directamente através da escrituração da RECORRIDA;

LL) Não obstante todo o exposto e, bem assim a circunstância das seguintes questões que são objecto de apreciação expressa pela sentença recorrida, não serem questionadas nas alegações da RECORRENTE, que como supra referido delimitam os precisos termos e o objecto do presente recurso, a RECORRIDA, por cautela de patrocínio, não deixará de demonstrar, que também nestas questões a sentença recorrida faz uma correcta apreciação dos factos e aplicação do direito;

MM) Conforme resulta dos autos, a ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA fundou, ainda, o apuramento da matéria colectável da RECORRIDA com recurso a métodos indirectos numa prática, muito comum à data da celebração das escrituras ora em análise, que se traduzia na celebração de dois empréstimos bancários, aquando da aquisição de uma nova habitação (cfr. ponto 1.4 do Relatório de Inspecção Tributária);

NN) Não pode ser considerado como indício da não escrituração dos valores reais esta prática, (então muito comum) de celebração de dois empréstimos bancários, aquando da aquisição de uma nova habitação, pois o segundo contrato de empréstimo tinha como função facilitar a aquisição de "mobiliário, electrodomésticos, às vezes até despesas que não tinham a ver com a casa, férias, carro e outras despesas" - no testemunho esclarecedor do Dr. J... -, e que não é, nem era sequer à data, ilícita, e não pode ser considerada indiciadora da prática de irregularidades na escrituração de valores que foram, efectivamente, os valores praticados;

OO) Também não é exigível a conservação de todos os comprovativos de compra de mobiliário ou de outros objectos para os quais serviu a contratação de um segundo empréstimo quando, estando em causa pessoas singulares, já decorreram, em alguns casos, mais de quatro anos desde a data da celebração da escritura e, consequentemente, dos empréstimos;

PP) Mais: ficou demonstrado nos autos que os próprios adquirentes colaboraram com a ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA e confirmaram a veracidade dos valores declarados nas respectivas escrituras de compra e venda, não podendo ser valorado contra estes, nem, sobretudo, servir de indício contra a veracidade e fidedignidade da contabilidade da RECORRIDA, a circunstância de os primeiros não conseguirem justificar documentalmente, passados que estavam quase quatro anos, as aquisições efectuadas em 2005 e nos anos seguintes com aqueles segundos empréstimos;

QQ) Sendo a RECORRIDA, por outro lado, totalmente estranha à opção tomada por alguns dos adquirentes de realizarem dois empréstimos, quando nem dessa opção teve então, aliás, qualquer conhecimento;

RR) A ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA fundou, ainda, o apuramento da matéria colectável da RECORRIDA com recurso a métodos indirectos, na existência de "indícios" de os valores constantes nas escrituras de compra e venda não serem verdadeiros e de a contabilidade da RECORRIDA não oferecer credibilidade, na circunstância "do sujeito passivo após ter sido notificado pela Administração fiscal, dos valores patrimoniais tributários das fracções alienadas no exercício de 2005, procedeu voluntariamente nos termos do artigo 58. °A, do CIRC, à correcção o lucro tributável (...)" (cfr. ponto 1.5 do Relatório de Inspecção Tributária);

SS) A correcção efectuada na declaração de rendimentos da RECORRIDA ao abrigo do artigo 58.°-A do Código do IRC não representa, também, qualquer reconhecimento de ter sido escriturado valor inferior ao real, mas, tão-só, o cumprimento de uma obrigação legal, para efeitos fiscais, que não implica, consequentemente, nenhum registo directo na contabilidade, mas, tão-só, uma correcção efectuada no quadro 7 da Declaração de Modelo 22;

TT) Sendo que, por outro lado, a possibilidade de o sujeito passivo fazer prova de que o valor da venda corresponde ao valor real, que o artigo 129.° do Código do IRC prevê, é muitas vezes inviabilizada pela própria Administração fiscal, pois como referiu do Dr. J..., "o que existe como contraprova, por parte da empresa, é a escritura, as finanças não aceitam a escritura e determinam o valor patrimonial superior, não adianta muito estar a contestar este valor porque não é corrigível;

UU) A avaliação indirecta com fundamento na impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável pode apenas ter por base as situações previstas nas diversas alíneas do art. 88.° da LGT e só naqueles casos em que essas situações sejam de tal maneira graves que "inviabilizem o apuramento da matéria tributável;

W) Ora, cabia, no presente caso, à ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA, ao ter invocado as alíneas a) e d) do artigo 88.° da LGT, demonstrar e provar, sem margem para quaisquer dúvidas e fundamentadamente, que a contabilidade da ora RECORRIDA não era digna de confiança, ao ponto de os erros e vícios alegadamente detectados "inviabilizarem [por completo] o apuramento da matéria tributável - o que não logrou fazer;

WW) No caso vertente, esta fundamentação e prova não foi efectuada, na medida em que a ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA não fundamentou, nem demonstrou, designadamente: i) a "existência de manifesta discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado", em relação a 32 das fracções transmitidas pela RECORRIDA; ii) em que medida é que o recurso, por parte de 8 dos 34 adquirentes das fracções transmitidas pela RECORRIDA, a dois mútuos bancários, constitui fundado indício de "que o total do capital emprestado corresponde ao valor efectivo da transmissão do imóvel", sem explicitar porque desconsidera, sem mais, as justificações avançadas pelos adquirentes e o facto - público e notório - de o recurso a dois empréstimos ser, à data, uma prática comum; iii) o motivo pelo qual as correcções efectuadas pela IMPUGNANTE, ao abrigo do artigo 58.° A do CIRC, revelam "capacidade contributiva significativamente maior que a declarada" ou a "inexistência ou insuficiência de elementos da contabilidade", nos termos e para os efeitos do art. 88.°, alínea a) e d) da LGT, limitando-se a emitir um juízo meramente conclusivo de que "tal atitude constitui indício fundado que os valores constantes nas escrituras de compra e venda, não são verdadeiros e que a contabilidade não oferece credibilidade", e sem justificar em que concreta medida é que o não exercício da prerrogativa legal facultada pelo art. 129.° do CIRC constitui indicio fundado de irregularidades na contabilidade da RECORRIDA;

XX) Em suma, a AT não fundamenta, nem prova, no caso vertente, a verificação dos pressupostos de que legalmente depende o apuramento da matéria tributável com recurso a métodos indirectos, em manifesta violação do dever de fundamentação e ónus da prova consagrados, nos arts. 74.°, n.° 3, e 77.°, n.° 4, da LGT;

YY) Acresce que, nenhum dos factos invocados pela ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA para justificar a sua decisão de apuramento da matéria colectável com recurso a métodos indirectos é impeditivo de efectuar a quantificação do lucro tributável exacta e directamente através da escrituração da RECORRIDA, devendo manter-se em consequência a decisão recorrida que concluiu no sentido da não verificação dos respectivos pressupostos legais.

§5,°

CONCLUSÕES DAS CONTRA-ALEGAÇÕES NA PARTE RELATIVA À AMPLIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

A) Na douta sentença recorrida não foram conhecidos todos os fundamentos avançados pela ora RECORRIDA na sua pi para sustentar a anulação dos actos de liquidação impugnados, pelo que, a título subsidiário, prevenindo a necessidade da sua apreciação, a ora RECORRIDA requer a ampliação do objecto do recurso, em conformidade com o disposto no art. 684.°-A, n.° l do Código de Processo Civil, aplicado ex vi do artigo 2.°, alínea e) do Código do Procedimento e Processo Tributário e artigo 2.°, alínea d), da Lei Geral Tributária, com os seguintes fundamentos, não apreciados em primeira instância, e que quer, agora, caso tal se venha a mostrar necessário, ver apreciados, sendo certo que a apreciação por parte deste Venerando Tribunal, destes restantes vícios dos actos de liquidação impugnados, sempre se afigura resultar do artigo 715.°, n.° 2 do Código do Processo Civil;

B) Os actos de liquidação impugnados são omissos quanto à necessária fundamentação, de facto e de direito, sendo feita, apenas, uma referência vaga e formal a uma alegada "fundamentação já remetida", sem qualquer referência expressa ao Relatório da Inspecção, ou a qualquer outro elemento anteriormente notificado à RECORRIDA;

C) Ora, os actos de liquidação não resultam do Relatório de Inspecção, mas, sim, da decisão fundamentada do órgão da ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA competente para a respectiva prática, pelo que não constando do próprio acto a fundamentação legalmente exigida, nem a referência a um elemento anterior concreto do qual a mesma resulte, também não se pode entender que esta se tem por cumprida por remissão, sob pena de expressa violação do disposto nos arts 63,°, n.° l, do RCPIT e 125.°, n.° l, do CPA, que exigem a "adesão" ou "declaração de concordância" com as conclusões/fundamentos do Relatório ou de anteriores "pareceres, informações ou propostas";

D) Pelo que, não resultando dos actos de liquidação em causa os respectivos fundamentos, nem remissão para um concreto elemento anteriormente notificado, não se mostram os mesmos adequadamente fundamentados, impondo-se, a respectiva anulação, por violação do disposto nos arts 268.°, n.° 3, da CRP, 63.° do RCPIT, 77.° da LGT e 124.°, 125.° e 135.° do CPA;

E) O acto de liquidação de imposto com recurso a métodos indiciários pertence ao tipo de actos cujo discurso fundamentador deve ter particular densidade significante por decorrer de um procedimento contra o contribuinte e assentar numa liberdade de investigação, padecendo, também, de insuficiência de fundamentação, a fixação da matéria tributável quando não for de exigir a um contribuinte normal ou razoável que identifique, perante o discurso fundamentador, os critérios através dos quais se chegou à matéria tributável fixada, nomeadamente quanto à eleição dos factos considerados como factos-índice e à sua idoneidade e capacidade quântica inferativa (cf. art. 77.°, n.° 4 da LGT);

F) No caso vertente, o critério utilizado na quantificação da matéria tributária – quer com referência às fracções sitas na Freguesia do ..., quer com referência às fracções sitas na Freguesia de ... em ... - foi o "valor médio por permilagem"; porém, quanto a este ponto, a fundamentação é no caso vertente de todo inexistente, uma vez que a ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA se limita a indicar como apurou o "valor médio por permilagem" sem justificar, explicar ou demonstrar os motivos que conduziram à opção pela utilização deste concreto critério;

G) Ora, "não basta à AT indicar um qualquer critério de quantificação. Tem que demonstrar que o mesmo constitui uma forma válida de aproximação à realidade e, para tanto, terá que indicar de forma clara, precisa e suficiente, os factos conhecidos de que partiu e que lhe permitiram, à luz das regras de experiência, segundo critérios de razoabilidade e tendo em conta as concretas circunstâncias do exercício da actividade, fixar o critério de quantificação da matéria tributável e qual o raciocínio que lhe está subjacente, por forma a permitir à Contribuinte conformar-se com esse critério ou contestá-lo e ao Tribunal sindicá-lo (cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, no Processo: 4634/04, de 28/02/2008, in Inforfisco); não o tendo feito no caso vertente, a fixação do "quantum" da matéria colectável, no caso em análise, carece de fundamentação, inquinando, nessa medida, de ilegalidade o acto tributário de IRC e JC impugnado;

H) Mas, ainda assim, se deve referir que em relação aos artigos 4341, 4342, 4343, 4344 da freguesia de ..., em ..., foram utilizados os valores médios por permilagem que serviram de base à determinação do lucro tributável por métodos indirectos em 2004, consubstanciando elementos que não integram o procedimento de inspecção do ano de 2005 e que, como tal, não podem servir para fundamentar, para efeitos do disposto no artigo 77,° da Lei Geral Tributária e artigo 268.°, n.° 3, da Constituição da República Portuguesa, o relatório e os actos de liquidação referentes ao exercício de 2005;

1) Acresce que, a fundamentação no caso vertente dos motivos que justificam a adequação do critério adoptado pela ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA era, particularmente, relevante, na medida em que como ficou demonstrado nos autos o "valor médio por permilagem" é no caso vertente manifestamente desadequado ao fim pretendido, sendo certo que, a "utilização de critério desadequado ou desajustado no apuramento do lucro tributável, torna ilegal a fixação efectuada e bem como a respectiva liquidação" (cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, no Processo n.° 289/03, de 11/10/2006, in Inforfisco);

J) Com efeito, o critério do valor médio permilagem, não atendendo à realidade concreta de cada fracção (v.g área, piso, acabamentos, orientação, tipologia), acaba por viciar de erro a quantificação da matéria tributável operada pela ADMINISTRAÇÃO TRIBUTARIA com recurso a métodos indirectos;

K) Mas mais: os prédios cujos valores foram objecto de correcção, pela aplicação de métodos indirectos, foram vendidos pela RECORRIDA pelos valores declarados na respectiva escritura de compra e venda, conforme tiveram oportunidade de confirmar, em audiência, A... e S..., dois dos adquirentes das fracções objecto dos autos e, em momento anterior, todos os proprietários contactados pelo técnico de inspecção tributária;

L) Assim, o recurso a métodos indirectos padece de erro por excesso de quantificação, pelo que, também por este motivo, deverão ser anulados os actos de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas e de Juros Compensatórios ora em apreço.

NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO APLICÁVEIS, SEMPRE COM O DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVERÁ SER CONSIDERADO IMPROCEDENTE O RECURSO APRESENTADO PELA RECORRENTE, E ASSIM, CONFIRMADA A DOUTA sentença recorrida QUE DETERMINOU A ANULAÇÃO DO ACTO DE LIQUIDAÇÃO DE IRC E DE JUROS COMPENSATÓRIOS N.° ... PRATICADO PELO SENHOR DIRECTOR-GERAL DOS IMPOSTOS COM REFERÊNCIA AO EXERCÍCIO DE 2005, NO VALOR DE € 253,475,74, E, BEM ASSIM, OS ACTOS DE LIQUIDAÇÃO DE JUROS COMPENSATÓRIOS N.° ... E ..., A QUE CORRESPONDEM A COMPENSAÇÃO N.° ..., DE 30 DE DEZEMBRO DE 2009 E, A DEMONSTRAÇÃO DE ACERTO DE CONTAS N.° ..., DAS QUAIS RESULTA o APURAMENTO DE UM MONTANTE A PAGAR DE € 250.236,04.

ASSIM NÃO SE ENTENDENDO, O QUE POR MERA CAUTELA DE PATROCÍNIO SE ADMITE, REQUER-SE, A TÍTULO SUBSIDIÁRIO, QUE SEJA DETERMINADA A AMPLIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO, AO ABRIGO DOS N.°S 1 E 2, DO ARTIGO 684.°-A DO CÓDIGO DO PROCESSO CIVIL, NOS TERMOS SUPRA EXPOSTOS E, ASSIM SE CONCLUINDO PELA ANULAÇÃO DOS ACTOS DE LIQUIDAÇÃO DE IRC DE JUROS COMPENSATÓRIOS IMPUGNADOS.”


*


A Exma. Magistrada do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

*

Colhidos os vistos legais, vêm os autos à conferência para decisão.

*

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Assim sendo, a questão que constitui objecto do presente recurso, consiste em saber se a sentença errou ao julgar não verificados os pressupostos dos quais a lei faz depender o recurso à avaliação indirecta e, consequentemente, ao determinar a anulação das liquidações adicionais impugnadas.

2 - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. De facto

É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida:

“A) A impugnante exerce a actividade de "Construção de edifícios residenciais e não Residenciais"- CAE 41200, e encontra-se enquadrada no regime geral de tributação, em sede de IRC e em IVA no regime normal de periodicidade mensal (cfr. fls. 163 do PAT- processo administrativo tributário).

B) Em cumprimento da Ordem de Serviço n°01200902179 de 07/04/2009, a impugnante foi objecto de acção inspectiva externa de âmbito parcial em IRC e IVA, que incidiu sobre o exercício de 2005, inserida nas acções de inspecção "Mútuos Duvidosos", que "foi aberta por existirem divergências entre os valores das escrituras de compra e venda de bens imóveis e os valores de comercialização declarados, em termo de declarações, por um colaborador da empresa" (cfr. fls. 163 do PAT).

C) A fundamentação do recurso a métodos indirectos constante do relatório da inspecção tributária é a seguinte (conforme relatório a fls. 160 e segs. do PAT e respectivos anexos, que aqui se dão como integralmente reproduzidos):

« IV- Motivos e Exposição dos Factos que Implicam o recurso a Métodos lndirectos

1. ANALISE PRÉVIA

Antes do início da acção inspectiva foram analisadas as vendas realizadas no ano de 2005. Das 34 fracções alienadas nos Distritos de Lisboa e ..., conforme quadro 1, retiraram-se as seguintes conclusões:

1.1- O adquirente da fracção O do artigo 3629, da freguesia ..., veio voluntariamente declarar que o valor de 170.000,00, que consta na escritura de compra e venda não corresponde ao verdadeiro valor da transacção, que foi de 200.000,00 euros,

(...)

1.2 - Omissão de Vendas no montante de 87.000,00, valor adicional que o adquirente da Fracção C do Artigo 14840, freguesia ..., declarou para efeitos de IMT, afirmando que o valor da transacção foi de 237.000,00 euros e não de 150.000,00 conforme conste na escritura de compra e venda (...)

1.3- De acordo com os dois pontos anteriores a percentagem de proveitos omitida foi de 36,56 %.

437.000.00(a)- 320.000.00 (b)* 100

320.000.00

a) corresponde aos valores de venda regularizados pelos adquirentes - conforme pontos 1.1 e 1.2.

b) corresponde aos valores que constam nas escrituras de compra e venda e na contabilidade da empresa - conforme pontos 1.1 e 1.2.

1.4 - Em relação à aquisição das fracções abaixo indicadas, verificou-se que os adquirentes das mesmas contraíram dois mútuos bancários, na mesma data da celebração da escritura de compra e venda, em que a soma é superior ao valor de aquisição e cujo objecto de garantia dos mesmos foram as fracções adquiridas.

Com o objectivo de esclarecer a necessidade dos segundos empréstimos, foram solicitados esclarecimentos aos adquirentes das respectivas fracções, tendo alguns justificado os empréstimos com a necessidade de mobilarem as casas, apresentando para o efeito fotocópias de facturas dos anos de 2006,2007,2008 e 2009.

Este comportamento por parte dos compradores, ao não justificarem cabalmente a aplicação dos empréstimos, revela fortes indícios que o total do capital emprestado corresponde ao valor efectivo da transmissão do imóvel

(...)

1.5- Por outro lado verifica-se que o sujeito passivo após ter sido notificado pela Administração Fiscal, dos valores patrimoniais tributários das fracções alienadas no exercício de 2005, procedeu voluntariamente nos termos do artigo 58º A, do CIRC, à correcção o lucro tributável no valor de 180.950,00 euros, pelo facto do valor das escrituras celebradas ser inferior ao valor patrimonial tributário. Refira-se que o sujeito passivo, de acordo com as prerrogativas do artigo 129º, do CIRC, podaria ter apresentado elementos probatórios, que viessem a confirmar que o preço efectivo da transmissão dos imóveis, era o que constava nas escrituras e não outro, contudo não o fez sujeitando-se a pagar adicionalmente 25% de IRC daquela diferença, tal atitude constitui indicio fundado que os valores constantes nas escrituras de compra e venda, não são verdadeiros e que a contabilidade não oferece credibilidade.

(...)

1.6- Relativamente às fracções vendidas no Distrito de ..., freguesia de ..., na Urbanização da ..., encontraram-se as seguintes anomalias:

a) Foram recolhidos os preços de venda, em acção de prospecção efectuada pela inspecção tributária de ..., bem como através do auto de declarações recolhido em 26/09/2005, junto do vendedor da sociedade J... Construções, SA, conforme se indicam (anexo V, fls. 1 a 11)

b) Incongruências encontradas na venda das fracções (anexo VI, fls. 1 a B):

(...)

2. ANALISE CONTABILISTICO FISCAL

Da análise à contabilidade, retiraram-se os seguintes elementos:

2.1.- Fracções Vendidas abaixo do preço de custo

(...)

2.2- A conta 268999 "Bancos a regularizar" apresentava em 3111212005 um saldo credor de 410.375,18. Da análise feita aos lançamentos contabilísticos, verificou-se que o valor refere-se a depósitos bancários efectuados na conta bancária da empresa no ..., sem que tenham sido identificados os seus depositantes (anexo VIII, fls. 1 a 3).

2.3- A conta 2191034 - ... Lote 11 A 2º T3, relativo à fracção G do artigo 4419, Tipologia T3, apresentava em 31/12/2005 um saldo credor de 304.819,68 euros, mantendo-se este saldo com o mesmo valor em 2009 (anexo IX, fls. 1 a 2).

(...)

3. EM CONCLUSÃO

As incorrecções, Irregularidades e anomalias expostas, nomeadamente a identificação de factos concretos que conduzem à manifesta discrepância entre o valor declarado e o valor de venda real dos imóveis alienados e a consequente insuficiência de elementos de contabilidade do sujeito passivo que permitam determinar a grandeza do valor omitido nas vendas realizadas, resultam, nos termos das alíneas a) e d) do artigo 88° da LGT, na impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta do valor real dos proveitos da sociedade, inviabilizando a correcta determinação do resultado efectivamente obtido.

Face ao exposto, encontram-se reunidos os requisitos para que o lucro tributável seja determinado pela aplicação de métodos indirectos, de acordo com o estabelecido nos artigos 52° e 54º do CIRC, bem como no nº 2 do artigo 83º; na alínea b) do artigo 87° e artigo 90º, nº 1, alínea d), todos da LGT.

V- Critérios e Cálculos dos Valores Corrigidos com Recurso a Métodos lndirectos

Atendendo ao exposto no capitulo anterior, procedeu-se então à determinação do lucro tributável, tendo em conta os factos concretos identificados junto dos adquirentes, o termo de declarações apresentado por um vendedor da sociedade no ano de 2005 e o trabalho desenvolvido pela Direcção de Finanças de ... no mesmo ano, conforme se expõe:

Apesar da percentagem de omissão de proveitos encontrada, situar-se nos 36,56%, conforme anteriormente mencionado no nº 1.3 do ponto IV, a Administração fiscal utilizou os critérios mais objectivos de que dispunha, a saber:

(...)

Podemos concluir que todos os valores presumidos encontram-se dentro dos intervalos determinados entre o termo de declarações efectuado pela empresa e os valores apurados pela Direcção de Finanças de ..., conforme se indica:

As correcções aritméticas no montante de 117.000,00 euros, dizem respeito aos artigos, em que os adquirentes regularizaram voluntariamente os seus valores.

(...)

Deste modo propõe-se que seja acrescida à matéria colectável do ano de 2005 o montante de 791.392,50 euros.

1. Lucro Tributável declarado pelo Sujeito Passivo no ano de 2005 542.205,58

2. Correcções às Vendas 791.392,50

2.1 Omissões apuradas através dos adquirentes 117.000,00

2.2 Omissões presumidas 674.392,50

3.3 Matéria Tributável apurada com recurso a métodos indirectos 1.333.598,08»

D) Na sequência da citada inspecção a impugnante foi notificada através do ofício n° 87968, de 16/10/2009 do relatório da inspecção Tributária e da decisão de fixação da matéria tributável de IRC do exercício de 2005, com recurso à aplicação de métodos indirectos, no valor de € 1.333.598,08 (cfr. fls. 51 a 73 dos autos)

E) A impugnante apresentou, em 18/11/2009, pedido de revisão da matéria tributável que lhe fora fixada por métodos indirectos, não tendo os respectivos peritos chegado a acordo, pelo que, no dia 21/12/2009 o Director de Finanças de Lisboa decidiu a sobre a petição de revisão apresentada pela impugnante (cfr. fls. 74 a 133 dos autos e fls. 347 a 409 do PAT).

F) Em 28/12/2009, a Administração Tributária emitiu a liquidação do IRC do ano de 2005 com o n.º ..., impugnada nos presentes autos (cfr. fls. 48 a 50 dos autos).

G) A presente impugnação foi deduzida em 16/04/2010 (cfr. fls. 3 dos autos).


*

Nada mais se provou com relevância para a boa decisão da causa.

*

A convicção do Tribunal alicerçou-se na análise crítica dos elementos documentais constantes dos autos e da prova testemunhal produzida”.

*

2.2. De direito

A sentença objecto de recurso, proferida em sede de impugnação judicial, tem por objecto o acto de liquidação adicional de IRC e de JC nº ..., relativo ao exercício de 2005, no valor de € 253.475,74, e, bem assim, os actos de liquidação de Juros Compensatórios n°s ... e ..., a que correspondem a Compensação n° ..., de 30 de Dezembro de 2009 e a Demonstração de Acerto de Contas nº ..., das quais resultou o apuramento de um montante a pagar de €250.236,04.

Como a Mma. Juíza a quo expressamente autonomizou, na petição inicial foi invocado, contra a liquidação adicional contestada, o seguinte:

i) - falta de fundamentação;

ii) - ilegalidade da decisão de aplicação dos métodos indirectos, por ausência e insuficiência de fundamentação (falta de pressupostos);

iii) - erro na quantificação da matéria tributável com recurso a métodos indirectos.

Já na análise do mérito da impugnação, o TAF de Sintra veio a conhecer primeiramente o vício apontado em ii) e, como se constata, a concluir pela procedência da impugnação judicial, tendo, para tal, considerado, em síntese, que “A AT não fundamenta, nem prova a verificação dos pressupostos de que legalmente depende o apuramento da matéria tributável com recurso a métodos indirectos, violando o dever de fundamentação e ónus da prova consagrados, nos arts. 74°, n° 3, e 77°, n° 4, da Lei Geral Tributária. Não estavam, pois, reunidos os pressupostos para determinação do lucro tributável por métodos indirectos - arts. 52.°, n° 1 e 54.° do CIRC e 87.°, al. b) e 88.º, al. a) e d),da LGT”.

Para assim concluir, a Mma. Juíza a quo, após convocar o quadro normativo aplicável à avaliação indirecta, fez expressa menção às diversas circunstâncias evidenciadas no relatório de inspecção e que, no entendimento da Administração, fundamentam suficientemente o recurso aos métodos indirectos, para, uma a uma, as afastar e, assim, concluir nos termos já assinalados.

É, pois, esta análise e conclusão – quanto à não verificação dos pressupostos de recurso à avaliação indirecta - que, nos termos do recurso interposto pela Fazenda Pública, aqui importa apreciar.

Como se percebe, não acolhemos aqui o que vem defendido pela Recorrida em sede de contra-alegações quanto à eventual deserção do recurso interposto pela Fazenda Pública – lê-se na conclusão K) que: “(…)se do ponto de vista meramente formal a RECORRENTE apresentou alegações, já em termos substanciais, ao não serem identificadas as razões de ordem jurídica, que justificam a sua pretensão de revogação da sentença recorrida, não cumpre com esse ónus legal, devendo esta omissão ser equiparada a falta de alegações e, consequentemente, deverá o presente recurso ser julgado deserto nos termos e para os efeitos dos artigos 291.°, n.° 2 do CPC e 282.°, n.° 4 do CPPT.

Como é evidente, nunca a falta de indicação, nas conclusões da alegação de recurso, das normas jurídicas violadas levaria à decisão de julgar deserto o recurso.

No caso, porém, da leitura conjugada das alegações de recurso e respectivas conclusões, emerge, perfeitamente compreensível, o quadro normativo que, do ponto de vista da Fazenda Pública, foi erradamente interpretado e cuja correcta aplicação aqui se pretende.

Com isto dito, avancemos para a questão de saber se a sentença errou ao considerar que a AT não demonstrou estarem verificados os pressupostos legais que permitem o recurso à avaliação indirecta.
Vejamos, então.
Como se sabe, o sistema fiscal português acolhe a ideia de presunção de verdade dos actos dos contribuintes, sejam as suas declarações (apresentadas nos termos legais), sejam os seus dados contabilísticos (desde que a contabilidade se mostre organizada de acordo com o legalmente exigido) – cfr. artigo 75º, nº1 da Lei Geral Tributária (LGT).
Trata-se de uma presunção umbilicalmente ligada à presunção de boa-fé.

Como se sabe, também, esta presunção de verdade não é absoluta, cessando, desde logo, nas situações previstas no nº 2 do artigo 75º da LGT, ou seja, quando as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo; quando o contribuinte não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária, salvo quando, nos termos da lei, for legítima a recusa da prestação de informações; quando a matéria tributável do sujeito passivo se afastar significativamente para menos, sem razão justificada, dos indicadores objectivos da actividade de base técnico-científica previstos na LGT e quando os rendimentos declarados em sede de IRS se afastarem significativamente para menos, sem razão justificativa, dos padrões de rendimento que razoavelmente possam permitir as manifestações de fortuna evidenciadas pelo sujeito passivo nos termos do artigo 89.º-A da LGT.

No que toca aos procedimentos de avaliação, a lei é clara sobre a opção preferencial do legislador, isto é, não restam dúvidas que a lei assume como última ratio o recurso à avaliação indirecta, relegando-a para situações em que não seja de todo possível a quantificação directa e exacta da matéria tributável, através dos dados declarados pelo sujeito passivo ou fornecidos por terceiros ou, também, quando ab initio o método de determinação é já um meio não directo, como o regime simplificado.

Com efeito, “o recurso à avaliação indirecta – por indícios, presunções ou estimativas – é excepcional e está sujeito a uma regra de tipicidade, só podendo fazer-se nos casos e condições expressamente previstos na lei, associados geralmente a uma intensa violação pelo contribuinte dos seus deveres de cooperação para com a Administração Tributária, ou em caso de razões acidentais que inviabilizem o apuramento da matéria tributável real do contribuinte” – vide, Lima Guerreiro, in LGT, anotada, Rei dos Livros, pag. 355.
No caso concreto, tal como consta do relatório de inspecção, a fundamentação legal para o recurso à avaliação indirecta radica no disposto nos artigos 52º e 54º do CIRC e nos artigos 83º, nº2, 87º, alínea b), 88º, alíneas a) e d) e 90º da LGT.
Entendeu, pois, a Administração Fiscal que estava perante a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável do imposto, resultante da (i)Inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, mesmo quando a ausência desses elementos se deva a razões acidentais”; e, bem assim, da (ii) “existência de manifesta discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado de bens ou serviços, bem como de factos concretamente identificados através dos quais seja patenteada uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada”.
Tal posição, já vimos, não foi acompanhada pelo TAF de Sintra, com o que a ora Recorrente não se conforma.
Vejamos.
Desde já, importa deixar claro que tendo a AT recorrido à avaliação indirecta compete-lhe demonstrar a verificação dos pressupostos legais que permitem a tributação com recurso a tais métodos e, feita essa prova, recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que houve erro ou manifesto excesso na quantificação – cfr. artigo 74º da LGT.

Ora, como a sentença expressamente autonomizou, a Administração Tributária, na motivação da decisão de recurso à avaliação indirecta, deu relevo ao (i) facto de dois adquirentes de fracções vendidas pela impugnante terem vindo declarar valores superiores aos constantes das escrituras; ao (ii) facto de oito dos adquirentes terem contraído dois mútuos bancários, na mesma data da celebração da escritura de compra e venda, em que a soma é superior ao valor da aquisição e cujo objecto de garantia dos mesmos foram as fracções adquiridas; à (iii) circunstância da Impugnante, conhecidos os valores patrimoniais tributários definitivos das fracções alienadas no exercício de 2005, ter procedido voluntariamente, nos termos do artigo 58º- A do CIRC, à correcção, relativamente a 8 transacções, ao lucro tributável, no valor de 180.950,00 euros; (iv) ao facto de terem sido vendidas 6 fracções, durante o ano de 2005, abaixo do preço de custo; (v) ao facto dos valores declarados na escritura de compra e venda serem inferiores aos preços de venda recolhidos "em acção de prospecção efectuada pela inspecção tributária de ..., bem como através do auto de declarações recolhido em 26/09/2005, junto do vendedor da sociedade J..., SA”.

Analisemos, por partes.

A propósito do ponto (i), o TAF de Sintra adoptou, no essencial, o seguinte discurso argumentativo: “(…) Tendo a avaliação da matéria colectável por métodos indirectos uma natureza excepcional, que só pode ser utilizada, nomeadamente, quando estejam em causa anomalias ou incorrecções que inviabilizem o apuramento da matéria tributável, não pode tal mecanismo ser utilizado quando se está perante incorrecções pontuais, que não são susceptíveis de por em causa a veracidade de toda a contabilidade da impugnante”.

Sem hesitações, entendemos, também, que a circunstância constatada relativamente aos dois adquirentes que, voluntariamente, corrigiram o valor de aquisição inicialmente declarado na escritura de compra e venda, não tem o alcance que a AT lhe pretendeu dar, no sentido de permitir extrapolar para a impossibilidade de determinar directa e exactamente a matéria tributável.

Vejamos.

Em primeiro lugar, trata-se de duas aquisições num total de 34 imóveis vendidos, no ano de 2005.

Se é verdade que a constatação de que, em dois casos identificados, foram declarados valores inferiores aos realmente praticados, permite à AT equacionar que está perante uma sociedade/ vendedora que dá abertura a esta prática ilegal, não é menos verdade que, por si só, tal circunstância, não põe em causa a possibilidade de quantificar directamente os valores envolvidos, justamente porque se conhecem os reais valores das transacções em causa.

Assim não seria se, partindo deste facto, a Administração investigasse e pudesse extrapolar no sentido de que aquela era, afinal, uma prática generalizada e sem que lograsse obter os reais valores de transacção.

Faria aqui sentido que, conhecendo aquelas duas identificadas situações, a AT tivesse contactado todos os restantes adquirentes das 32 fracções vendidas em 2005, com vista a confirmar se os valores declarados nas escrituras correspondiam aos valores reais de compra, o que, aliás, se mostra uma prática habitual em acções de inspecção do tipo daquela que aqui foi levada a cabo.

Nada disto se afigura ter sido feito, pelo que, repete-se, a divergência encontrada pode e deve, como a AT assumiu, ser corrigida pela via directa (concretamente, apurando o montante de € 117.000, a título de correcções aritméticas).

Consideraram, ainda, os serviços de inspecção como relevante para os fins em apreciação, o facto de oito dos adquirentes terem contraído dois mútuos bancários, na mesma data da celebração da escritura de compra e venda, em que a soma de ambos é superior ao valor da aquisição e cujo objecto de garantia dos mesmos foram as fracções adquiridas;

Sobre este aspecto, a Mma. Juíza pronunciou-se nos termos que se seguem:

“(…) De facto como consta dos autos, alguns dos adquirentes naquelas circunstâncias justificaram o recurso ao segundo empréstimo, tendo, em regra, sido despendidos com a aquisição de mobiliário e electrodomésticos para as novas habitações, mas também, nomeadamente, com a aquisição de um veiculo motorizado e pagamento dos respectivos seguros e com as respectivas despesas com as escrituras e demais encargos legais, como os impostos. Mas, mesmo nos casos em que os adquirentes dos imóveis não dispunham de facturas/recibos justificativos da forma como foram despendidos os valores referentes aos segundos empréstimos, há que ter em consideração que, não lhes era exigível a conservação destes elementos.

O que decorre dos autos é que os adquirentes colaboraram com a AT, confirmando o valor de venda dos imóveis e justificando a aplicação dos segundos empréstimos.

Ora, a existência dos dois empréstimos com garantia hipotecária do imóvel adquirido só por si, não nos permite concluir que o imóvel tenha sido adquirido pela soma das quantias mutuadas, sendo certo que tal procedimento não constitui qualquer ilegalidade, não se mostrando idóneo para abalar credibilidade da contabilidade da impugnante, que nem sempre tinha conhecimento da existência dos segundos empréstimos”.

Ora, estes considerandos são inteiramente válidos, devendo acrescentar-se o facto de, como é do conhecimento geral, no período em causa, corresponder a uma prática comum a de contratar, no momento de obter financiamento para a compra de habitação, dois empréstimos, um destinado a habitação, outro reservado a despesas relacionadas com a casa ou outras de carácter pessoal. Era, como ninguém desconhece, uma prática habitual.

Por si só, tal circunstancialismo, nada pode indiciar no sentido de que os valores escriturados não correspondem aos valores reais de compra/venda e, como tal, não são motivação apta a concluir pela impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável.

Note-se, de resto, que parte dos compradores justificaram as despesas feitas e, alguns até, as documentaram, não lhes sendo exigível que tivessem conservado os respectivos documentos e, muito menos, fazer decorrer de tal falta (respeitante a terceiros) uma consequência fiscal na esfera da impugnante.

Daí que, contrariamente ao que afirma a AT no relatório, não é aceitável que se conclua que “este comportamento por parte dos compradores”, ou seja, não apresentando justificação cabal para a aplicação dos empréstimos, leve a considerar aí um “forte indício que o total do capital emprestado corresponde ao valor efectivo da transmissão do imóvel”.

De igual forma, também não colhe, como a sentença bem considerou, a conclusão quanto à “existência de indícios de que os valores constantes nas escrituras de compra e venda não são verdadeiros e de que a contabilidade da Impugnante não oferece credibilidade, pelo facto da Impugnante, depois de ter sido notificada dos valores patrimoniais tributários das fracções alienadas no exercício de 2005, ter procedido voluntariamente, nos termos do artigo 58º- A, do CIRC, à correcção ao lucro tributável no valor de € 180.950,00, tendo em conta que o valor das escrituras celebradas era inferior ao valor patrimonial”.

Com efeito, segundo a AT, a Impugnante devia ter lançado mão do mecanismo previsto no artigo 129° do CIRC e ter apresentando elementos probatórios que confirmassem que o preço efectivo da transmissão dos imóveis era o que constava nas escrituras e não, como aconteceu, sujeitar-se a pagar adicionalmente 25% de IRC, incidente sobre a diferença dos valores.

Neste comportamento, uma vez mais, a AT vê “um indício fundado que os valores constantes das escrituras de compra e venda, não são verdadeiros e que a contabilidade não oferece credibilidade”.

Sem hesitações, diremos que este raciocínio é, no mínimo, incongruente e, como tal, inaceitável.

Vejamos então, começando por dar nota do quadro normativo a que a AT faz referência a este propósito.

Dispunha o artigo 58°-A do CIRC, sob a epígrafe "Correcções ao valor de transmissão de direitos reais sobre bens imóveis”, o seguinte:

1 - Os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adoptar, para efeitos da determinação do lucro tributável nos termos do presente Código, valores normais de mercado que não poderão ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto.

2 - Sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável.

3 - Para aplicação do disposto no número anterior:

a) O sujeito passivo alienante deve efectuar uma correcção, na declaração de rendimentos do exercício a que é imputável o proveito obtido com a operação de transmissão, correspondente à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato;

b) O sujeito passivo adquirente, desde que registe contabilisticamente o imóvel pelo seu valor patrimonial tributário definitivo, deve tomar tal valor para a base de cálculo das reintegrações e para a determinação de qualquer resultado tributável em IRC relativamente ao mesmo imóvel.

4 - Se o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel não estiver determinado até ao final do prazo estabelecido para a entrega da declaração do exercício a que respeita a transmissão, os sujeitos passivos devem entregar a declaração de substituição durante o mês de Janeiro do ano seguinte àquele em que os valores patrimoniais tributários se tornaram definitivos.

5 - Relativamente ao adquirente, o disposto no número anterior não é aplicável quando se trate de correcção ao valor das reintegrações do imóvel, caso em que as relativas a exercícios anteriores serão consideradas como custo do exercício em que o valor patrimonial tributário se tornar definitivo.

6 - O disposto no presente artigo não afasta a possibilidade de a Direcção-Geral dos Impostos proceder, nos termos previstos na lei, a correcções ao lucro tributável sempre que disponha de elementos que comprovem que o preço efectivamente praticado na transmissão foi superior ao valor considerado.

Dispunha o artigo 129º do CIRC, sob a epígrafe “Prova do preço efectivo na transmissão de imóveis”, o seguinte:

1 - O disposto no n.º 2 do artigo 58.º-A não é aplicável se o sujeito passivo fizer prova de que o preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis.

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, o sujeito passivo pode, designadamente, demonstrar que os custos de construção foram inferiores aos fixados na portaria a que se refere o n.º 3 do artigo 62.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, caso em que ao montante dos custos de construção deverão acrescer os demais indicadores objectivos previstos no referido Código para determinação do valor patrimonial tributário.

3 - A prova referida no n.º 1 deve ser efectuada em procedimento instaurado mediante requerimento dirigido ao director de finanças competente e apresentado em Janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreram as transmissões, caso o valor patrimonial tributário já se encontre definitivamente fixado, ou nos 30 dias posteriores à data em que a avaliação se tornou definitiva, nos restantes casos.

4 - O pedido referido no número anterior tem efeito suspensivo da liquidação, na parte correspondente ao valor do ajustamento previsto no n.º 2 do artigo 58.º-A, a qual, no caso de indeferimento total ou parcial do pedido, será da competência da Direcção-Geral dos Impostos.

5 - O procedimento previsto no n.º 3 rege-se pelo disposto nos artigos 91.º e 92.º da Lei Geral Tributária, com as necessárias adaptações, sendo igualmente aplicável o disposto no n.º 4 do artigo 86.º da mesma lei.

6 - Em caso de apresentação do pedido de demonstração previsto no presente artigo, a administração fiscal pode aceder à informação bancária do requerente e dos respectivos administradores ou gerentes referente ao exercício em que ocorreu a transmissão e ao exercício anterior, devendo para o efeito ser anexados os correspondentes documentos de autorização.(Redacção dada pelo artigo 52º da Lei n.º 53-A/2006 de 29/12)

7 - A impugnação judicial da liquidação do imposto que resultar de correcções efectuadas por aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 58.º-A, ou, se não houver lugar a liquidação, das correcções ao lucro tributável ao abrigo do mesmo preceito, depende de prévia apresentação do pedido previsto no n.º 3, não havendo lugar a reclamação graciosa. (Redacção dada pelo artigo 52º da Lei n.º 53-A/2006 de 29/12)

8 - A impugnação do acto de fixação do valor patrimonial tributário, prevista no artigo 77.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis e no artigo 134.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, não tem efeito suspensivo quanto à liquidação do IRC nem suspende o prazo para dedução do pedido de demonstração previsto no presente artigo.

A propósito deste alegado indício, a sentença pronunciou-se nos seguintes termos:

“Como decorre da norma supra transcrita (leia-se, 58º-A), a correcção ao valor de transmissão de direitos reais sobre bens imóveis constitui uma imposição legal, sempre que nas transmissões onerosas o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial definitivo do imóvel, sendo este o valor a considerar pelo alienante para efeitos de determinação do lucro tributável.

Como decorre dos autos, a impugnante deu cumprimento à imposição legal, não permitindo tal facto concluir que a Impugnante admitiu que o valor real da transmissão é superior ao valor escriturado, mas apenas o facto das fracções em causa terem sido alienadas por valor inferior ao valor patrimonial definitivo dos imóveis.

Por outro lado, o procedimento previsto no art. 129° do CIRC - "Prova do preço efectivo na transmissão de imóveis" (actual art. 139.°), constitui uma faculdade de que o contribuinte dispõe e não uma imposição legal”.

A posição do TAF de Sintra é correcta.

Efectivamente, perante a divergência – em 8 casos identificados no relatório – entre o valor de alienação declarado e o VPT definitivo, impunha-se à impugnante o cumprimento de uma obrigação legal, ou seja, corrigir a declaração de rendimentos com a diferença positiva apurada, valor este a ter em conta na determinação do lucro tributável da Impugnante.

Foi este o procedimento adoptado que, repete-se, resulta de uma imposição legal.

Por conseguinte, do cumprimento de uma imposição legal constante do CIRC não pode a AT retirar mais do que esse comportamento significa, ou seja, que a regra foi observada.

Quanto a este aspecto, por aí se deve ficar a apreciação da actuação do sujeito passivo.

É certo que, nos termos vistos, tal correcção pode não ter lugar se o sujeito passivo entender usar a faculdade que a lei lhe concede de, através de procedimento próprio, provar que o preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis.

Neste último caso, daquilo que falamos é, não já, de uma imposição legal, mas de uma faculdade.

Ora, do não acolhimento de uma faculdade que a lei concede ao sujeito passivo não cremos que a AT possa extrapolar no sentido de ver aí um qualquer comportamento que indicie o que quer que seja relativamente à falta de veracidade dos valores constantes das escrituras (no sentido de uma discrepância entre o valor declarado e o de mercado), nem tão-pouco relativamente à falta de credibilidade da contabilidade.

Resumindo, é para nós claro que a AT pode e deve retirar consequências do não cumprimento de uma imposição legal, isto é, do não cumprimento de um dever imposto por lei; já não pode retirar consequências – concretamente, negativas – do não uso de uma faculdade que a lei concede ao contribuinte.

Deve dizer-se, aliás, que, atendendo ao tipo de procedimento previsto no artigo 129º do CIRC, às imposições daí decorrentes e, até, aos custos que, do ponto de vista do sujeito passivo, o mesmo pode acarretar, é aceitável que, numa lógica de custo/ benefício, o sujeito passivo opte por se cingir ao cumprimento daquilo que lhe é imposto no artigo 58º-A, em detrimento do uso da faculdade que o 129º prevê.

Desta opção, repete-se, não pode a AT retirar outras consequências que não o que a lei estipula. No caso, não lançando mão da possibilidade da prova do preço efectivo na transmissão de imóveis, o contribuinte sujeita-se (com as consequências negativas que tal pode acarretar na determinação do lucro tributável) à consideração do VPT definitivo.

Por conseguinte, também aqui nenhum reparo há a fazer a sentença.

Até aqui, como se vê, nenhum dos alegados motivos/ indícios da falta de verdade dos valores escriturados e da falta de credibilidade da contabilidade procede, pelo que, até onde se analisou, não é evidente a alegada impossibilidade de determinação directa e exacta da matéria tributável.

Avançado, restam por analisar dois aspectos; avancemos, então.

Para justificar a alegada impossibilidade de determinação directa e exacta da matéria tributável, a AT alega, ainda, que foram vendidas, durante o ano de 2005, seis fracções abaixo do respectivo preço de custo.

Ora, como evidencia a sentença, tal facto é admitido pela impugnante.

Ao analisar este ponto, a sentença considerou que “(…) como resulta da prova testemunhal, o preço com que cada fracção que é colocada no mercado, varia consoante um conjunto de factores que justificam que fracções de um mesmo edifício, com a mesma tipologia, possam, ser vendidas por preços diferentes ou que determinadas fracções sejam vendidas mesmo abaixo do seu preço de custo, nomeadamente: sua localização, orientação solar, vista, áreas das salas, o número de casa de banho, a fase de construção em que se encontram, o momento da venda, isto é se foi vendido em planta ou já com a construção em que se encontram, o momento da venda, isto é se foi vendido em planta ou já com a construção concluída, os acabamentos, os arranjos exteriores, uma momentânea falta de liquidez por parte da impugnante.

De facto, resulta da prova produzida nos autos que os preços publicitados no stand de vendas são padronizados, mas que iam sofrendo alterações e na prática eram negociados com cada cliente, variando consoante as necessidades financeiras da Impugnante e as características de cada fracção.

Também este argumento avançado pela AT não é revelador de qualquer irregularidade, que descredibilize a contabilidade da impugnante e permita o recurso a métodos indirectos de determinação da matéria tributável”.

Vejamos o que se nos oferece dizer a este propósito.

Em primeiro lugar, importa deixar claro que não acompanhamos integralmente o percurso argumentativo seguido pelo Tribunal a quo, pois que, como se verifica, aí se faz apelo à prova testemunhal e à convicção formada pelo juiz perante os depoimentos ouvidos, quando é certo que, como refere a Recorrente, nenhum facto passou para o probatório em resultado da produção de prova testemunhal.

Com efeito, apesar de na motivação da decisão da matéria de facto se fazer expressa referência à “prova testemunhal produzida”, a verdade é que não há um único facto – provado ou não provado – que resulta do depoimento das testemunhas ouvidas. A isto deve acrescentar-se que no recurso jurisdicional interposto não foi impugnada a matéria de facto, pelo que a mesma corresponde, sem alterações, ao que vem da 1ª instância.

No entanto, nem por isso este Tribunal pode concluir, sem mais, que o facto de seis fracções terem sido vendidas abaixo do preço de custo, num total (relativamente às seis) de € 42.801,47, pode ser erigido como elemento que descredibilize a contabilidade, a ponto de tornar impossível a determinação directa e exacta da matéria tributável

Note-se que, efectivamente, a Impugnante assume que assim aconteceu, ou seja, que seis fracções foram vendidas abaixo do preço de custo.

Numa lógica empresarial, esta circunstância afigura-se anormal e indesejável, já que qualquer sociedade comercial se constitui para gerar lucro.

No entanto, razões várias podem justificar que pontualmente situações como esta possam ocorrer.

Ora, se é verdade, como dissemos, que a venda abaixo do preço de custo é uma circunstância anormal na economia de uma empresa e que deve, do ponto de vista da AT, funcionar como um sinal de alerta, não é menos verdade que, por ser uma realidade que pode efectivamente suceder, impunha-se perceber o porquê de assim ter acontecido para, porventura, retirar a verdade ao assim declarado.

Ou seja, a venda abaixo do preço de custo – e note-se que estamos a falar de € 42.801,01, num total de vendas declaradas de € 5.723.153,00, ou seja, menos de 1% deste montante - em si mesmo é um facto imprestável para daí retirar, como pretende a AT, a credibilidade da contabilidade da Impugnante.

Faltou, para os efeitos visados, explicar as razões pelas quais a venda abaixo de um certo valor não se justificava, no caso concreto.

Aliás, deve até ponderar-se que esta análise do preço de custo fará mais sentido se considerarmos a totalidade de um empreendimento ou na totalidade das vendas, em vez de considerarmos uma ou outra fracção isoladamente. É que, sem esforço, podemos perceber que, do ponto de vista da empresa, pode a venda de um empreendimento gerar lucro e, como tal assegurar-se o objectivo da empresa, apesar da venda de uma ou de outra fracção não ter gerado um proveito.

Não tendo isso sido feito, falece também este vector eleito pela AT como indício da falta de credibilidade da contabilidade e da manifesta discrepância entre o valor de mercado e o declarado, portanto, como discurso fundamentador do recurso a métodos indirectos.

Portanto, também aqui, não se pode reconhecer razão à Recorrente.

Vejamos o último indício avançado pela AT e analisado na sentença recorrida: a divergência entre os valores declarados pela Impugnante, ora Recorrida, e os valores de mercado resultantes de uma prospecção efectuada em 2007 pela Direcção de Finanças de ..., bem como, entre os valores obtidos através de um auto de declarações recolhido em 26 de Setembro de 2005, junto de um vendedor que colaborou com a Impugnante.

Sobre este aspecto em concreto a sentença pronunciou-se nos seguintes termos:

“(…)

A AT sustenta, ainda, a sua decisão de apuramento da matéria colectável da Impugnante com recurso a métodos indirectos na divergência entre os valores por esta declarados e os valores de mercado resultantes de uma prospecção efectuada em 2007 pela Direcção de Finanças de ..., bem como, entre os valores obtidos através de um auto de declarações recolhido em 26 de Setembro de 2005, junto de um vendedor que colaborou com a Impugnante.

Vejamos.

O resultado da prospecção efectuada pela Direcção de Finanças de ... ao preço dos imóveis praticados na cidade de ..., resulta da conjugação de elementos recolhidos num período de três anos (2005,2006 e 2007), em vários empreendimentos naquela localização e incluem os fornecidos pela própria Impugnante.

Ora, a referida prospecção não identifica claramente quais os empreendimentos que serviram de base à criação do projecto de base de dados relativos ao preço de venda dos imóveis na cidade de ..., nem quais os critérios de comparabilidade entre os empreendimentos analisados.

Da referida prospecção constam mapas relativos à "..." (empreendimento da Impugnante), que referem o lote, o piso em que se encontra a fracção, a tipologia, a área bruta, a área de varandas e terraços, o preço e a existência de garagem (anexo V ao relatório da inspecção tributária), mas não constam quaisquer outros elementos referentes aos outros empreendimentos analisados.

De facto, em 2009, a Direcção de Finanças de ... informou a Direcção de Finanças de Lisboa, sobre os preços de venda de vários empreendimentos na cidade de ..., tendo alegadamente por base a citada prospecção, contudo indica apenas o local, a tipologia e o intervalo de preços praticados em cada uma das tipologias (anexo V ao relatório da inspecção tributária).

Naquela informação, relativamente à freguesia de ..., onde se situa a ..., é dito “Traía-se de uma zona situada na margem esquerda do rio Mondego e que por tradição tem preços mais reduzidos que os equivalentes da margem direita", referindo-se ainda um conjunto de melhoramentos, como espaços verdes e campo de golf, contudo desconhece-se se tais melhoramentos já existiam em 2005 ou se vieram a ser realizados na data em que é prestada a informação (2009).

Ora da prova testemunhal resulta que os arranjos exteriores do empreendimento ainda não estavam concluídos em 2005, o empreendimento era longe do centro da cidade, não existiam acessos e a envolvente era um descampado.

A referida prospecção efectuada pela Direcção de Finanças de ... revela lacunas que impedem uma comparação objectiva entre os preços praticados na "..." e os preços praticados na "..." (que serviu de base às correcções efectuadas pela IT). De facto desconhece-se em que momento foi realizada a análise de cada um dos empreendimentos, pois a prospecção refere-se aos anos de 2005, 2006 e 2007, e a liquidação aqui em causa refere-se ao exercício de 2005. Por outro lado, não se sabe quais as fontes de informação, se foram vistas todas as obras dos dois empreendimentos e se se encontravam na mesma fase de construção.

Não sendo clara e objectiva a amostra utilizada para demonstrar qual o preço efectivo dos imóveis na cidade de ..., maxime a comparabilidade dos empreendimentos, não é possível afirmar a discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado, fundamentadora do recurso à avaliação indirecta da matéria colectável.

Impunha-se à AT justificar e provar que as fracções consideradas nas acções de prospecção que tiveram lugar nos anos de 2005, 2006 e 2007 apresentavam características idênticas às fracções objecto da acção de inspecção efectuada à Impugnante, o que manifestamente não fez”.

Ora, se é verdade que este indício/ motivo se nos afigura, em tese, relevante para a concreta pretensão fundamentadora da AT, a verdade é que lidas as conclusões da alegação de recurso, não se vê de que modo as mesmas põem em causa o raciocínio – e conclusão - seguido pela Mma. Juíza a quo, o qual se nos afigura válido e fundamentado.

Vejamos com mais detalhe.

É verdade que no relatório de inspecção aqui em análise não se consideram especificamente os valores das fracções na denominada “...”.

Mas é também verdade que a análise prospectiva elaborada pela Direcção de Finanças de ... tomou em conta o designado empreendimento “...”.

Ora, analisando tal elemento de trabalho, dele não se retira, como disse a Mma. Juíza “.. em que momento foi realizada a análise de cada um dos empreendimentos, pois a prospecção refere-se aos anos de 2005, 2006 e 2007, e a liquidação aqui em causa refere-se ao exercício de 2005. Por outro lado, não se sabe quais as fontes de informação, se foram vistas todas as obras dos dois empreendimentos e se se encontravam na mesma fase de construção” e, até, se “fracções consideradas nas acções de prospecção que tiveram lugar nos anos de 2005, 2006 e 2007 apresentavam características idênticas às fracções objecto da acção de inspecção efectuada à Impugnante”.

Acresce que, como se admite, a comparação de preços com três anos de diferença pode traduzir incongruências várias, já que o preço de uma determinada fracção em 2007 pode, por razões várias, não ser comparável ao preço da mesma fracção vendida em 2005, quando, por exemplo, os níveis de acabamentos, de acessos ou das áreas envolventes, é previsivelmente diferente. Aliás, nem tão pouco se descortina, analisando os elementos juntos ao PAT, se as fracções comparadas são idênticas (para além da tipologia) e, por isso, comparáveis.

Por conseguinte, por fragilidades dos próprios elementos que sustentam o indício avançado, fragilidades estas que foram evidenciadas pela sentença, entendemos que, também daqui, não se pode retirar, fundamente, a constatação da existência de manifesta discrepância entre o valor declarado das fracções vendidas e o valor de mercado das mesmas.

No caso concreto, este indício apresenta-se frágil, insuficientemente fundado, o que, à míngua de outros elementos indiciadores (que foram sendo arredados), não chega para concluir, in casu, estarmos perante um caso de impossibilidade de determinação directa e exacta da matéria tributável.

Em face do exposto, conclui-se, como na sentença, que os pressupostos legitimadores do recurso ao método presuntivo não foram efectivamente comprovados, sendo que, como dissemos, este ónus cabia à AT.

Como refere a sentença recorrida, “a decisão da AT de apuramento da matéria colectável com recurso a métodos indirectos, não se encontra devidamente fundamentada, pois os argumentos apresentados não impossibilitavam a quantificação do lucro tributável exacta e directamente através da contabilidade da impugnante” e que “(…)está vedado à AT o recurso à avaliação indirecta, pelo que, outra conclusão se não alcança que não seja a de que, a AT não agiu de acordo com a lei e o princípio da tributação do rendimento real”.

No caso, e pelas razões expostas, conclui-se que não estavam verificados os pressupostos de que legalmente depende o apuramento da matéria tributável com recurso a métodos indirectos, tal como invocados – artigos 52.°, n° 1 e 54.° do CIRC e 87.°, al. b) e 88.º, al. a) e d),da LGT – mostrando-se incumprido o ónus da prova que, neste plano, recaía sobre a AT.

Nenhuma outra questão se colocando, há que concluir pela improcedência de todas as conclusões da alegação de recurso, mantendo-se consequentemente, a sentença recorrida.


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3 - DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso.

Oportunamente, responda aos ofícios de fls. 929 e 930.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 25 de Maio de 2017


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(Catarina Almeida e Sousa)

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(Bárbara Tavares Teles)

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(Pereira Gameiro)*


*Vencido, por entender que assiste razão à recorrente, sendo, pois, de conceder provimento ao recurso, revogar a decisão e julgar improcedente a impugnação.