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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:4042/15.3BELRS-R1
Secção:CT
Data do Acordão:07/08/2021
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA.
REQUERIMENTO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO JURISDICIONAL.
Sumário: Os recursos jurisdicionais interpostos de sentença proferida em acção administrativa seguem o regime do CPTA, pelo que requerimento deve ser acompanhado da respectiva alegação.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão


I- Relatório

P........ deduz reclamação para a conferência contra o despacho do relator que indeferiu a reclamação, deduzida ao abrigo do disposto no artigo 643.º do CPC, contra o despacho proferido pelo tribunal de 1.º instância que havia indeferido o requerimento de interposição de recurso jurisdicional contra a sentença proferida nos autos, com base na falta de junção de alegações de recurso, a abrigo do disposto no artigo 144.º/2, do CPTA.

Com vista a justificar a revogação do despacho impugnado, o reclamante alega nos termos seguintes:
i) Em 22/12/2015, o Reclamante intentou ação perante o Tribunal Tributário de Lisboa, na qual peticionou pela nulidade da passagem ao regime normal trimestral em sede de IVA, com a consequente anulação dos processos por falta de entrega de declarações periódicas e revogação da liquidação efetuada.
ii) Entende o Reclamante que, não deve estar sujeito ao regime normal trimestral de IVA, e que a liquidação de IVA efetuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, ignorou os pressupostos legais de aplicação deste regime.
iii) A 23/04/2019 foi proferida douta sentença que considerou a ação totalmente improcedente.
iv) A 25/06/2019, o Reclamante apresentou requerimento de interposição de recurso nos termos dos artigos 280°, n°1 e 282°, n°1 do CPPT, manifestando a sua intenção de recorrer.
v) Aguardou pela admissão do recurso, para, nos termos do artigo 282°, n°3 do CPPT (na redação dada pelo Decreto-Lei n. ° 160/2003, de 19/07), apresentar alegações.
vi) Sucede que, por despacho datado de 25/09/2019, o recurso foi indeferido.
vii) O Reclamante não se conformou com a decisão supra exposta e apresentou reclamação, dirigida ao tribunal superior, nos seguintes termos:
«P........, Autor nos autos supra referenciados e ai melhor identificado, notificado da decisão de indeferimento do recurso interposto do despacho saneador-sentença de fls. 361 a 374 dos presentes autos, e não podendo com ela se conformar, vem, nos termos do artigo 643° do Código de Processo Civil (por aplicação do artigo 2°, alínea e) do Código de Procedimento e Processo Tributário) apresentar reclamação, o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:
Em 22/12/2015, o Autor intentou ação perante o Tribunal Tributário de Lisboa, na qual peticionou pela nulidade da passagem ao regime normal trimestral em sede de IVA, com a consequente anulação dos processos por falta de entrega de declarações periódicas e revogação da liquidação efetuada. // Entende o Autor que, não deve estar sujeito ao regime normal trimestral de IVA, e que a liquidação de IVA efetuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, ignorou os pressupostos legais de aplicação deste regime.
viii) O Autor não se conforma com a decisão supra exposta.
ix) Nos termos do artigo 97°, n.° 2 do CPPT “O recurso contencioso dos atos administrativos em matéria tributária que não comportem a apreciação da legalidade do ato de liquidação da autoria da administração tributária, compreendendo o governo central, os governos regionais e os seus membros, mesmo quando praticados por delegação, é regulado pelas normas sobre processo nos tribunais administrativos.
x) Sucede que, no caso em apreço, o que está em causa é um ato de liquidação da administração tributária que ignorou os pressupostos legais que o autorizavam.
xi) De facto, entende o Autor que o seu enquadramento no regime de IVA e a liquidação do mesmo, não foram conformes à lei, na medida em que, o Autor não deveria enquadrado no regime do IVA e consequentemente não deveria o mesmo ser liquidado, por beneficiar da isenção nos termos do artigo 53° CIVA.
xii) Deste modo, a liquidação de IVA não sendo conforme a lei, há que apreciar a legalidade do ato de liquidação.
xiii) Apreciando a legalidade do ato de liquidação, o recurso contencioso, não é regulado pelas normas de processo nos tribunais administrativos (artigo 97°, n.°2, à contrario).
xiv) Não sendo regulado pelas normas de processo nos tribunais administrativos, não são de aplicar os artigos 140° e ss. do CPTA.
xv) Sendo certo que, se não tivesse havido lugar a liquidação de IVA por parte da Autoridade Tributária, não teria o Autor interposto a presente ação.
xvi) Por isso, considera-se que o recurso da decisão, por ser um ato tributário de liquidação, é regulado nos termos do CPPT, mais concretamente nos artigos 279°e ss.

A contraparte não emitiu pronúncia.


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II- Enquadramento

2.2.1. Nos presentes autos, é impugnado o despacho do relator que confirmou o despacho proferido pelo tribunal reclamado que indeferiu o requerimento de interposição de recurso jurisdicional interposto contra a sentença proferida nos autos, com base na falta de junção de alegações de recurso.

2.2.2. A fundamentação do despacho em crise é a seguinte:
«2.1. Facto
a) Em 29/12/2015, P........ instaurou acção administrativa contra a Autoridade Tributária e Aduaneira, formulando o pedido seguinte: «determinar-se, em consequência, a admissão do recurso hierárquico, com a consequente passagem do contribuinte para o regime especial de isenção previsto no artigo 53.º, anulando os respectivos processos por falta de entrega das declarações periódicas ....... e apensos».
b) Em 23/04/2019, por meio de despacho saneador-sentença, o tribunal reclamado julgou improcedente a acção, absolvendo o réu do pedido.
c) Em 26/06/2019, o autor apresentou requerimento de interposição de recurso jurisdicional contra a sentença, invocando o disposto nos artigos 280.º e 281.º do CPPT.
d) Por meio de despacho de 24/09/2019, o tribunal reclamado indeferiu o requerimento.
e) No despacho referido na alínea anterior consigna-se o seguinte:
«Requerimento de fls. 389 dos autos:
Veio o A., através da sua Advogada Oficiosa nomeada, interpor recurso do saneador-sentença proferido nos presentes autos, nos termos do artigo 280.º, n.º 1 e 282.º, n.º 1 do CPPT, invocando que tal requerimento é apresentado no 1.º dia útil após o prazo utilizando a prerrogativa concedida pelo artigo 139.º do CPC.
Requer a dispensa do pagamento da multa ou a sua redução nos termos do n.º 8 do artigo 139.º do CPC.  // Cumpre decidir. Prevê a al. a) do n.º 1 do artigo 279.º do CPPT que «1. O presente título aplica-se: a) Aos recursos dos atos jurisdicionais praticados no processo judicial tributário regulado pelo presente Código.» // Ora, por força do disposto no n.º 2 do artigo 97.º do CPPT, conjugado com o disposto no artigo 191.º do CPTA, as ações administrativas relativas a atos administrativos em matéria tributária, são reguladas pelas normas sobre processo nos tribunais administrativos. // Sendo os presentes autos, de ação administrativa, as decisões neles proferidas são passíveis de recurso nos termos do disposto nos artigos 140.º e ss. do CPTA. // Nos termos do disposto no artigo 144.º do CPTA, «1- O prazo para a interposição de recurso é de 30 dias e conta-se a partir da decisão recorrida. 2- O recurso é interposto mediante requerimento dirigido ao tribunal que proferiu a decisão, que inclui ou junta a respetiva alegação e no qual são enunciados os vícios imputados à decisão e formuladas conclusões. (…)». Nos termos do disposto no artigo 145.º, n.º 2, al. b), do CPTA «2- O requerimento é indeferido quando: (...) b) Não contenha ou junte a alegação do recorrente ou quando esta não tenha conclusões, sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 146.º.» // No caso em apreço, resulta dos autos que o prazo de interposição de recurso foi interrompido pelo pedido formulado pelo A. à Ordem dos Advogados, de nomeação de patrono (cfr. artigo 24.º, n.º 4 da Lei n.º 34/2004, de 29/07 – Acesso ao Direito e aos Tribunais).  // Tal nomeação veio a ocorrer em 11/06/2019 (cfr. fls. 390 dos autos), pelo que o prazo de 30 dias previsto no artigo 144.º, n.º 1 do CPTA para interposição do recurso, e contado nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 24.º da Lei n.º 34/2004, de 29/07, completou-se em 11/07/2019. Uma vez que o requerimento de interposição do recurso foi remetido através de correio eletrónico dirigido ao Tribunal Tributário de Lisboa em 25/06/2019 (cfr. fls. 388 dos autos), não há lugar ao pagamento de qualquer multa, nos termos do artigo 139.º do CPC. // Não obstante, o requerimento de recurso, não inclui a respetiva alegação, não enuncia os vícios imputados à decisão nem formula conclusões. Razão pela qual, e atendo o disposto no n.º 2, al. b) do artigo 145.º do CPTA, cabe indeferir o recurso interposto do despacho saneador-sentença de fls. 361 a 374 dos presentes autos.  // Termos em que, e nos das disposições legais citadas, indefiro o recurso interposto através do requerimento de fls. 389 dos autos. Notifique.»

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2.2. Direito
2.2.1. Nos presentes autos, está em causa o despacho proferido pelo tribunal reclamado que indeferiu o requerimento de interposição de recurso jurisdicional interposto contra a sentença proferida nos autos, com base na falta de junção de alegações de recurso.
2.2.2. O reclamante imputa ao despacho em crise erro de julgamento, dado que a junção de alegações com o requerimento de recurso não é obrigatória, porquanto o regime de recursos aplicável é o que consta do disposto nos artigos 279.º e segs. do CPPT. // Sem razão, porém. // Nos presentes autos, está em causa acção administrativa tendente à anulação do despacho da AT que recusa aplicar ao autor o regime de isenção em IVA (previsto no artigo 53.º do CIVA e alínea a), do probatório). Pelo que se trata de acção administrativa de anulação/substituição do despacho da AT relativo à situação tributária do autor, em sede de IVA, sem que o mesmo se insurja directamente contra as eventuais liquidações adicionais emitidas na sequência do referido despacho da AT. Ou seja, trata-se de acção administrativa sobre acto administrativo em matéria tributária, sem prejuízo do direito do autor de impugnar as liquidações que, posteriormente, venham a ser elaboradas pela AT na sequência do despacho que recusa o seu enquadramento do regime de isenção, através do meio processual adequado. Mais se refere que a tramitação com a forma de acção administrativa escolhida pelo autor foi aceite e mantida pelo tribunal reclamado através do presente despacho saneador-sentença.
Do exposto se infere que o regime jurídico do presente recurso jurisdicional é o que resulta do CPTA (artigos 140.º a 148.º do CPTA) sobre os recursos jurisdicionais. Nos termos do disposto no artigo 145.º/1/b), do CPTA, o requerimento de interposição de recurso jurisdicional é indeferido quando o mesmo não contenha a respectiva alegação, como sucedeu no caso em exame. Pelo que o despacho impugnado, ao rejeitar o requerimento de recurso por falta de motivação, não enferma do erro que lhe é imputado, devendo o mesmo manter-se na ordem jurídica».
2.2.3. O reclamante pretende a revogação do despacho do relator, com base na asserção de que a pretensão anulatória esgrimida na petição inicial tem por objecto acto tributário, pelo que o regime de tramitação da acção é o que decorre do CPPT para a impugnação judicial do acto tributário, o que tem consequências quanto ao regime de interposição de recurso jurisdicional (V. artigo 282.º do CPPT, versão vigente).
Sucede, porém, que essa não é a realidade dos autos. Como resulta do probatório supra, o pedido formulado na petição inicial da acção não incinde sobre acto tributário (V. alínea a). Tal pedido consiste no seguinte: «na admissão do recurso hierárquico, com a consequente passagem do contribuinte para o regime especial de isenção previsto no artigo 53.º, anulando os respectivos processos por falta de entrega das declarações periódicas ....... e apensos».
Nesta medida, a acção em causa corresponde a acção administrativa, com pedido condenatório, o qual não contende com o acto de liquidação do imposto. Tal acção é tramitada nos termos do CPTA (artigo 97.º/p), do CPPT). Pelo que o requerimento de recurso jurisdicional está sujeito ao regime do disposto nos artigos 144.º e 145.º do CPTA. No caso, as alegações do recurso não foram juntas com o requerimento (alíneas c) e e), do probatório supra). O que determina o indeferimento do requerimento em apreço, nos termos do artigo 145.º/2/b), do CPTA[1]. Como se decidiu no despacho proferido pelo tribunal recorrido.
Em face do exposto, bem andou o despacho do relator ora reclamado, ao confirmar o despacho do tribunal recorrido, que rejeitou o requerimento de recurso, por falta de junção das alegações.
O mesmo deve ser confirmado na ordem jurídica, por não incorrer no erro de julgamento que lhe é assacado.
Termos em que se procederá no dispositivo.

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Dispositivo


Face ao exposto, julga-se improcedente, por não fundada, a presente reclamação para a conferência.

Custas pelo reclamante, pelo mínimo legal, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário.

Registe.

Notifique.

O Relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão as restantes Desembargadoras integrantes da formação de julgamento, as Desembargadoras Lurdes Toscano e Maria Cardoso.


(Jorge Cortês - Relator)


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[1] «O requerimento é indeferido quando: (…) // b) Não contenha ou junte a alegação do recorrente ou quando esta não tenha conclusões, sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 146.º»