Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1661/15.1 BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:05/26/2022
Relator:LUÍSA SOARES
Descritores:RENÚNCIA AO MANDATO
FALTA DE JUNÇÃO DE PROCURAÇÃO
Sumário:No processo de oposição à execução, em que seja obrigatória a constituição de advogado, se a parte depois de notificada, não constituir novo mandatário no prazo de 20 dias, extingue-se a instância nos termos da alínea c) do nº 3 do art. 47º do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do art. 2º do CPPT
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I – RELATÓRIO

Vem S..... interpor recurso jurisdicional da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que decidiu julgar extinta a instância de oposição à execução nos termos do disposto no artigo 47.º, n.º 3, alínea c), do CPC, por não ter a Oponente procedido à constituição de advogado nos autos, a qual é obrigatória, atento o valor do processo (cfr. artigo 40.º do CPC, aplicável ex vi artigo do 11.º, n.º 1 do CPTA, por sua vez aplicável ex vi artigo 6.º, n.º 1 do CPPT).

A Recorrente, nas suas alegações, formulou conclusões nos seguintes termos:

“a) No âmbito dos presentes autos, as anteriores Mandatárias da recorrente apresentaram renúncia ao mandato que lhes foi conferido, renúncia cuja notificação foi efetuada à recorrente e concretizada em 06/05/2021 (vide, fls. 137 e 143 dos autos).

b) Em paralelo com o presente processo, corre no mesmo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, um outro processo (1707/15.3BEALM), em que a ora recorrente é igualmente oponente e o Meritíssimo Dr. Juiz de Direito é o mesmo, no qual igualmente as anteriores ilustres Mandatárias renunciaram igualmente à procuração, tendo a recorrente de tal sido notificada, e naqueles autos junto procuração a favor dos atuais mandatários, em que se inclui o subscritor.

c) A ora recorrente, não obstante, ter sido notificada para juntar procuração em ambos os processos, apenas o fez no proc. nº 1707/15.3BEALM, não se apercebendo, sequer, de que se trata de processos diferentes, não tendo dado conhecimento aos atuais Mandatários de que afinal existiam dois processos.

d) Em face a esta pluralidade processual, aceitável é de compreender que a recorrente ao ter outorgado uma procuração, conferindo mandato forense aos seus novos Mandatários, tenha depreendido que esta abrangia a oposição a todas as dívidas que contra si foram instauradas, em sede de reversão pela AT, tanto mais, que a oponente é pessoa simples e com pouca instrução, o que resulta das alegações acima juntas.

e) Sendo o mesmo, o Meritíssimo Dr. Juiz de Direito em ambos os processos, dúvidas não restam de que era do seu conhecimento que a ora recorrente tinha junto procuração, constituindo os seus novos Mandatários, ainda que apenas num dos processos.

f) Constitui obrigação fundamental do Estado garantir os direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos princípios do Estado de Direito Democrático, o que salvo o devido respeito e melhor opinião, ainda que certamente de forma não intencional, foi postergado nos presentes autos (alínea b) do artigo 9.º da CRP.

g) De facto, a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos (artigo 20.º da CRP).

h) O douto Despacho recorrido, salvo o devido respeito e melhor opinião, afasta a justiça efetiva da ora recorrente, por mera formalidade, cuja preterição, não deveria constituir pressuposto para a extinção da instância.

i) Este entendimento impede naturalmente, que a ora recorrente possa ter acesso à defesa a que tem direito (neste sentido, vide, Gomes Canotilho e Vital Moreira, in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, cit...).

j) Seguindo a doutrina destes Autores, “(...), ninguém pode ser privado de levar a sua causa (relacionada com a defesa de um direito ou interesse legítimo e não apenas de direitos fundamentais) à apreciação de um tribunal, pelo menos como último recurso.”

k) Sendo que o direito de ação, se terá de efetivar através de um processo equitativo e suficientemente esclarecedor, evitando casos em que a justiça seja negada.

l) Para que o processo seja equitativo, deve desde logo, entender-se num sentido amplo, não só como processo justo na sua conformação legislativa, mas também como um processo materialmente informado pelos princípios materiais da justiça nos vários momentos processuais, o que efetivamente não se verificou na situação em apreço.

m) Face à identidade entre a matéria em apreço em ambos os processos em que é oponente a ora recorrente, cumulativamente com o facto de ambos se encontrarem sobre juízo do mesmo Magistrado, sempre deveriam os Mandatários constituídos terem sido advertido sobre a falta de junção da procuração num dos processos.

n) Entendimento contrário só poderá levar à presente situação, de manifesta privação de justiça, violadora do preceito constitucional de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva.

o) Assim, o douto Despacho recorrido tendo declarada extinta a instância preconizou uma errónea interpretação das disposições legais aplicáveis, padecendo de erro de julgamento, não podendo em consequência permanecer na ordem jurídica.

p) Como acima referido, no processo em que a recorrente também é oponente e que corre os seus termos no mesmo Tribunal, foi apresentada procuração forense, dentro do prazo legal para o efeito, constituindo assim os seus novos Mandatários e legais representantes.

q) Desde logo, a representação voluntária, funde-se essencialmente na celebração de um negócio jurídico unilateral de que resulta a própria procuração, sendo através desta que se formaliza a atribuição dos poderes representativos que são concedidos ao procurador/mandatário.

r) A procuração, contudo, não se justifica por si própria ou em si própria. Ao invés, ela alicerça-se numa relação subjacente (tipicamente o mandato) que a motiva e lhe dá origem e fundamento (neste sentido, vide os ensinamentos do Professor José Alberto González, in, “Código Civil Anotado”, cit… e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de abril de 1996, tirado no Recurso n.º 85.828).

s) Ora, para todos os efeitos, a alegada falta de entrega da procuração nos presentes autos, não consubstancia que a recorrente não tenha conferido mandato aos mesmos Advogados que a representam no processo paralelo, acima referido.

t) Reforça-se assim, que o Tribunal, oficiosamente, estando munido de todas as informações necessárias para o efeito, deveria ter informado os Mandatários da existência deste segundo processo em juízo e do alegado vício formal que veio acabar por impedir que a ora recorrente pudesse ver, assim, os seus direitos serem exercidos.

u) O contrato de mandato é sempre um negócio independente da procuração, (neste sentido, vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de janeiro de 2006, tirado no Recurso n.º 06A3249).

v) Mais, a concessão de mandato judicial, através de procuração, atribui ao mandatário poderes de representação da parte em todos os atos e termos do processo e respetivos incidentes, pelo que se justifica a interpretação de que a extensão do mandato conferido seja no sentido de o mandatário poder representar o mandante no processo principal e nos processos apensos, sem ser exigível a junção a estes de uma nova procuração (neste sentido, vide, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28 de novembro de 1995, tirado no Recurso nº 675/95).

w) O disposto no n.º 4 do artigo 36º do CPC (atual artigo 44º do CPC), referente ao conteúdo e alcance do mandato enuncia as formas possíveis de aceitação do mandato: expressa (por instrumento público ou por documento particular) e tácita (através de comportamento concludente do mandatário), nos termos gerais do artigo 217.º/2 do Código Civil (neste sentido, vide, José Lebre de Freitas, cit…).

x) O comportamento concludente, não tem necessariamente que se exprimir pela junção da procuração ao processo, aliás, a declaração pode ser tácita, quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade a revelam. E,

y) Quando a parte declare na procuração que dá poderes forenses ou para ser representada em qualquer ação, o mandato tem a extensão definida no artigo anterior (atendendo ainda, quanto ao mesmo Autor, ao disposto no n.º 1 do artigo 37.º do CPC, atual artigo 45º do CPC).

z) De facto, o n.º 1 do artigo 37.º do CPC, não constitui repetição dos nºs 1 e 2 do artigo 36.º: enquanto estes preveem a individualização, na procuração, da ação para a qual é emitida, o número 1 do artigo 37.º do CPC, prevê os casos em que essa individualização não tem lugar (“poderes forenses” ou “qualquer ação”).

aa) Além de o mandatário não ficar com poderes circunscritos ao respetivo processo; aqui, a utilização da procuração num processo não impede a sua utilização em outro processo, (atuais artigos 44º e 45º do CPC), neste sentido, vide, Professor Lebre de Freitas, in “Código de Processo Civil Anotado”, cit…

bb) Ora, uma vez que a recorrente tinha mais do que um processo sob alçada do mesmo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, sendo o mesmo o Meritíssimo Dr. Juiz de Direito, tendo constituído mandatários para um dos processos, o entendimento natural, para o homem médio, seria pelo menos o da ponderação de que esses mesmos Mandatários a representassem nos presentes autos.

cc) Para além de que, o processo judicial tributário é enformado pelo princípio do inquisitório e da descoberta da verdade material, sendo que aos juízes dos tribunais tributários incumbe a direção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer (artigo 13º do CPPT). E,

dd) Tanto mais, atendendo à prova testemunhal produzida no âmbito do processo 1707/15.3BEALM, vertida nas alegações acima juntas, que de forma inequívoca resulta na ausência de responsabilidade da ora recorrente pelas dívidas da sociedade originariamente devedora, por não ter exercido a respetiva gerência de facto.

ee) Por todo o exposto, o Tribunal deveria ter aceitado a procuração junta ao processo n.º 1707/15.3BEALM, no âmbito dos presentes autos, ou caso assim não entendesse, o que não se concebe, deveria sempre ter advertido diretamente os Mandatários da ora recorrente.

ff) Assim, também pelo ora exposto, o douto Despacho recorrido tendo declarada extinta a instância preconizou uma errónea interpretação das disposições legais aplicáveis, padecendo de erro de julgamento, não podendo em consequência permanecer na ordem jurídica.

Nestes termos, atentos os fundamentos expendidos, nos melhores de direito e sempre com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente Recurso, depois de recebido e analisadas as questões colocadas, ser julgado procedente por provado, sendo revogado o douto Despacho do Tribunal “a quo” que declarou extinta a instância de oposição à execução fiscal, sendo determinada a prossecução dos autos, com todas as consequências legais daí advindas.
Só assim se fará, Justiça!”.
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A Recorrida não apresentou contra-alegações.
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A Exma. Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635°, n.° 4 e artigo 639°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, a questão controvertida consiste em aferir se a decisão recorrida padece de erro de julgamento ao ter declarado extinta a instância de oposição à execução nos termos da alínea c) do nº 3 do art. 47º do CPC por falta de constituição de novo mandatário nos presentes autos.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Nos termos e ao abrigo do preceituado no artigo 662.º do Código de Processo Civil, por estarem documentalmente provados e serem pertinentes para a boa decisão da causa e das questões colocadas em recurso, fixam-se os seguintes factos:

A) Em 21/04/2021 foi apresentado junto do TAF de Almada requerimento nos termos do qual as mandatárias judiciais renunciavam ao mandato conferido no presente processo por S..... (cfr. doc. nº 004408652 21-04-2021 10:41:06 numeração SITAF).

B) Em 22/04/2021 foi emitida a notificação dirigida a S..... relativamente à renúncia do mandato e da obrigatoriedade de constituição de novo mandatário no prazo de 20 dias, nos termos do art. 47º nº 2 do CPC, tendo a notificação sido enviada através de carta registada com aviso de recepção com o nº RG7090….PT (cfr. teor do doc. nº 004408656 22-04-2021 15:59:47 numeração SITAF).

C) Em 06/05/2021 foi assinado o aviso de recepção dirigido a S..... referente ao registo postal nº RG7090….PT (cfr. doc.004408672 24-05-2021 18:48:50 numeração SITAF).

D) Em 06/07/2021 no âmbito dos presentes autos, o Juiz do TAF de Almada proferiu decisão com o seguinte teor:
Pelo requerimento de fls. 118 dos autos (numeração do SITAF, tal como nas posteriores referências aos autos), as ilustres mandatárias da Oponente apresentaram renúncia ao mandato que lhes foi conferido nos presentes autos.
No seguimento, por carta registada com aviso de recepção, foi efectuada a notificação pessoal da Oponente para, no prazo de 20 dias, proceder à constituição de mandatário nos autos, sob pena de extinção da instância de oposição, ao abrigo do artigo 47.º, n.º 3, alínea c), do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) – cfr. fls. 121 e 122 dos autos.
Tendo a referida notificação da Oponente sido concretizada em 06.05.2021 (fls. 137 e 143 dos autos), data em que foi assinado o respectivo aviso de recepção (cfr. artigo 230.º, n.º 1, do CPC), a Oponente não procedeu dentro do referido prazo de 20 dias, nem até à presente data, à constituição de mandatário.
Ora, nos termos do disposto no artigo 47.º, n.º 3, alínea c), do CPC, “[n]os casos em que seja obrigatória a constituição de advogado, se a parte, depois de notificada da renúncia, não constituir novo mandatário no prazo de 20 dias:
(…)
c) Extingue-se o procedimento ou o incidente inserido na tramitação de qualquer ação, se a falta for do requerente, opoente ou embargante.”.
Face ao exposto, não tendo a Oponente procedido à constituição de advogado nos autos, a qual é obrigatória, atento o valor do processo (cfr. artigo 40.º do CPC, aplicável ex vi artigo do 11.º, n.º 1 do CPTA, por sua vez aplicável ex vi artigo 6.º, n.º 1 do CPPT), declara-se a extinção da instância de oposição, ao abrigo daquela disposição legal.
Fixa-se à causa o valor da dívida exequenda: 100.964,91 EUR – artigo 97.º-A, n.º 1, alínea e), do CPPT.” (cfr. doc nº 004408675 06-07-2021 21:26:31 numeração SITAF).
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IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Nos presentes autos o Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada declarou extinta a instância de oposição à execução com base no disposto na alínea c) do nº 3 do art. 47º do CPC em virtude de, face à renúncia ao mandato das mandatárias judiciais constituídas nos presentes autos e, após notificação à mandante/oponente dessa renúncia bem como da obrigatoriedade de constituição de novo mandatário face ao valor da acção, não ter sido junta aos presentes autos a respectiva procuração.

Contra o assim decidido vem a Recorrente/Oponente insurgir-se, invocando para o efeito que juntou ao processo nº 1707/15.3BEALM a procuração a conferir novo mandato judicial, sendo que, desconhecia que também o teria de efectuar nos presentes autos.

Considera que a decisão ora recorrida não assegura o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos (artigo 20.º da CRP), e que afasta a justiça efectiva por mera formalidade, cuja preterição, não deveria constituir pressuposto para a extinção da instância.

Defende que ambos os processos se encontram sobre juízo do mesmo magistrado, pelo que deveriam os mandatários constituídos terem sido advertidos sobre a falta de junção da procuração num dos processos, sob pena de manifesta privação de justiça, violadora do preceito constitucional de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva.

Alega que a decisão ora recorrida tendo declarada extinta a instância preconizou uma errónea interpretação das disposições legais aplicáveis, padecendo de erro de julgamento, não podendo em consequência permanecer na ordem jurídica.

Mais invoca que a alegada falta de entrega da procuração nos presentes autos, não consubstancia que a recorrente não tenha conferido mandato aos mesmos advogados que a representam no processo acima referido.

Defende que o Tribunal, oficiosamente, estando munido de todas as informações necessárias para o efeito, deveria ter informado os mandatários da existência deste segundo processo em juízo e do alegado vício formal que veio acabar por impedir que a ora recorrente pudesse exercer os seus direitos.

Mais alega que a concessão de mandato judicial, através de procuração, atribui ao mandatário poderes de representação da parte em todos os actos e termos do processo e respetivos incidentes, pelo que se justifica a interpretação de que a extensão do mandato conferido seja no sentido de o mandatário poder representar o mandante no processo principal e nos processos apensos, sem ser exigível a junção a estes de uma nova procuração.

Alega ainda que a utilização da procuração num processo não impede a sua utilização em outro processo - actuais artigos 44º e 45º do CPC, e, dado que a recorrente tinha mais do que um processo no mesmo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, distribuídos ao mesmo juiz de direito, tendo constituído mandatário para um dos processos, o entendimento natural, para o homem médio, seria pelo menos o da ponderação de que esses mesmos mandatários a representassem nos presentes autos, defendendo que ao abrigo do princípio do inquisitório e da descoberta da verdade material, sendo que aos juízes dos tribunais tributários incumbe a direção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer (artigo 13º do CPPT), conclui afirmando que o tribunal deveria ter aceitado a procuração junta ao processo n.º 1707/15.3BEALM, no âmbito dos presentes autos, ou caso assim não entendesse, o que não se concebe, deveria sempre ter advertido diretamente os mandatários da ora recorrente.

Desde já se afirma que a decisão ora recorrida não padece de erro de julgamento, merecendo a nossa concordância.

Vejamos porque assim o entendemos.

O Tribunal a quo perante a renúncia do mandato pelas mandatárias judiciais constituídas nos presentes autos, procedeu de acordo com o preceituado no artº 47º do CPC aplicável ex da alínea e) do art. 2º do CPPT, a saber; procedeu à notificação da renúncia tanto às mandatárias como à mandante e à parte contrária (nº 1 do referido art. 47º), tendo a notificação à mandante/oponente sido pessoal, efectuada através de carta registada com aviso de recepção (nº 2 da mesma disposição).

Atendendo que nos termos do artº 40º do CPC, aplicável ex vi do art. 11º, nº 1 do CPTA, aplicável por sua vez ex vi do art. 6º do CPPT, nos presentes autos é obrigatória a constituição de advogado, e verificando-se que após notificação para a constituição de novo mandatário no prazo de 20 dias, sem que a mandante/oponente tivesse efectuado a junção da respectiva procuração, o juiz a quo procedeu de acordo com o que se encontra legalmente previsto neste caso, isto é, de acordo com o disposto na alínea c) do nº 3 do art. 37º do CPC “Extingue-se o procedimento ou o incidente inserido na tramitação de qualquer acção, se a falta for do requerente, opoente ou embargante”. Assim, a falta de constituição de novo mandatário por parte da oponente conduz à extinção da instância de oposição, tal como foi decidido.

Vem a Recorrente alegar que tal solução não assegura o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos (artigo 20.º da CRP), e que afasta a justiça efectiva por mera formalidade, cuja preterição, não deveria constituir pressuposto para a extinção da instância, mas sem razão porquanto a solução legislativa consagra precisamente a extinção da instância, tendo sido esta a opção do legislador e por outro lado, sendo obrigatória a constituição de advogado, a sua intervenção processual, conferida através de procuração, irá assegurar uma melhor defesa dos direitos e interesses do mandante, razão pela qual improcede o referido fundamento.

Defende a Recorrente que, tendo procedido à junção da procuração constituindo novos mandatários judiciais no processo nº 1707/15.3BEALM, deveria o juiz a quo, oficiosamente, ter advertido sobre a falta de junção da procuração num dos processos, sob pena de manifesta privação de justiça, violadora do preceito constitucional de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva. E invoca ainda o princípio do inquisitório e da descoberta da verdade material, sendo que aos juízes dos tribunais tributários incumbe a direção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer (artigo 13º do CPPT).

De salientar que o mandato judicial, no que respeita às exigências de forma, necessárias para conferir os poderes necessários para o exercício do mandato judicial rege o artigo 43.º do CPC, que dispõe que “o mandato judicial pode ser conferido:

b) Por instrumento público ou por documento particular, nos termos do Código do Notariado e da legislação especial;

c) Por declaração verbal da parte no auto de qualquer diligência que se pratique no processo”.

O conceito de procuração é-nos dado pelo artigo 262.º, n.º 1, do Código Civil: “Diz-se procuração o acto pelo qual alguém atribui a outrem, voluntariamente, poderes representativos”. Acrescenta o nº 2 do mesmo artigo 262.º do Código Civil: “salvo disposição legal em contrário, a procuração revestirá a forma exigida para o negócio que o procurador deva realizar”. O negócio jurídico celebrado pelo representante em nome do representado, nos limites dos poderes que lhe competem, produz os seus efeitos na esfera jurídica deste último.

De salientar que, tratando-se da atribuição por parte do mandante de poderes representativos a um advogado, não cabe ao tribunal, perante a existência de uma procuração num processo, extravasar esses poderes representativos concedidos pelo mandante, para outro processo distinto, não podendo o juiz a quo, nem oficiosamente, nem ao abrigo do principio do inquisitório e da descoberta da verdade material, proceder à junção da procuração aos presentes autos de uma procuração apresentada noutro processo.


Na verdade é o mandante que escolhe os mandatários judiciais que entender, podendo estar em juízo representado por um mandatário num processo, e por outro mandatário distinto noutro processo, não cabendo ao juiz imiscuir-se na esfera pessoal do mandante quanto à escolha do seu mandatário judicial. O juiz deve aplicar o direito ao caso concreto, e neste caso, a norma jurídica é clara ao determinar que a falta de constituição de novo mandatário conduz à extinção da instância.

Também não relevam no caso em apreço os argumentos apresentados pela Recorrente ao invocar que a concessão de mandato judicial, através de procuração, atribui ao mandatário poderes de representação da parte em todos os actos e termos do processo e respetivos incidentes, pelo que se justifica a interpretação de que a extensão do mandato conferido seja no sentido de o mandatário poder representar o mandante no processo principal e nos processos apensos, sem ser exigível a junção a estes de uma nova procuração. Alega ainda que a utilização da procuração num processo não impede a sua utilização em outro processo (cfr. artigos 44º e 45º do CPC).

Na verdade de acordo com os art. 44º e 45º do CPC encontram-se previstas as condições, alcance e extensão do mandato pretendendo a Recorrente que o mandato conferido na procuração junta ao processo nº 1707/15.3BEALM deveria extender-se aos presentes autos, mas sem razão. Na verdade o nº 1 do art. 44º do CPC consagra que o mandato atribui poderes ao mandatário para representar a parte em todos os actos e termos do processo principal e respectivos incidentes, e o nº 1 do art. 45º do mesmo Código estabelece que quando a parte declare na procuração que concede poderes forenses ou para ser representada em qualquer acção, o mandato tem a extensão definida no artigo 44º, abrangendo o processo principal e respectivos incidentes.

Pretende a Recorrente verter para o caso em apreço as referidas disposições legais defendendo que o mandato conferido pela procuração junta naquele processo possa estender-se aos presentes autos, mas tal não se mostra legalmente permitido na medida em que, a relação entre os autos nº 1707/15.3BEALM e os presentes autos, não configuram uma acção principal e um incidente, logo a procuração junta àquele processo não poderá ser aproveitada para os presentes autos.

Destarte se conclui serem totalmente improcedentes os fundamentos invocados pela Recorrente, não se verificando o alegado erro de julgamento, nem a violação de normas e princípios invocados pela Recorrente, devendo a decisão recorrida manter-se na ordem jurídica.

V- DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.

Custas a cargo da Recorrente

Lisboa, 26 de Maio de 2022
Luisa Soares
Vital Lopes
Susana Barreto