Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1331/12.2BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:06/09/2022
Relator:VITAL LOPES
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
LIQUIDAÇÃO DE IRS
NOTIFICACÃO POR CARTA REGISTADA COM AVISO DE RECEPÇÃO
FALTA DE NOTIFICAÇÃO
INEXIGIBILIDADE DA DÍVIDA
Sumário:I - A liquidação adicional oficiosa de IRS deve ser notificada ao sujeito passivo, por carta registada com aviso de recepção (art.º 38° nº 1 do CPPT e artigos 65° nº 4, 66º e 149° nº 2 do CIRS).
II - Não tendo a AT observado as formalidades legais da notificação, contra si deve ser valorada a falta de prova de que a correspondência chegou ao conhecimento, ou esfera de cognoscibilidade, do sujeito passivo destinatário.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1 – RELATÓRIO

O Exmo. Representante da Fazenda Pública, recorre da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a oposição deduzida por A… à execução fiscal n.º 3255200901001280 contra si instaurada para cobrança de dívida proveniente de IRS na quantia exequenda de 8.185,73 euros.

Nas alegações, formula as seguintes e doutas conclusões:
«
4.1. Visa o presente recurso reagir contra a decisão que julgou procedente a Oposição judicial, intentada, pelo ora recorrido contra execução fiscal com o processo n.º 3255200901001280, instaurados por dívida de IRS do ano de 2005, no montante total de 8.185,73 €.
4.2. Como fundamentos da oposição alegou o oponente no seu petitório inicial, em suma, a falta de notificação da liquidação de IRS em questão, com a consequente inexigibilidade da dívida exequenda. Concluiu o seu articulado inicial peticionando a extinção da execução fiscal em questão, bem como o levantamento da penhora realizada sob os depósitos bancários na titularidade do oponente.
4.3. O Ilustre Tribunal “a quo” julgou procedente a oposição, considerando inexigível a obrigação exequenda, nos termos do disposto na alínea i) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, por falta de notificação da liquidação do IRS em questão ao oponente.
No entanto,
4.4. A decisão ora recorrida, não perfilhou, com o devido respeito, e salvo sempre melhor entendimento, a acertada solução jurídica no caso sub-judice.
Senão vejamos:
4.5. Considerou o Ilustre Tribunal recorrido que “Regressando aos autos, verifica-se que a Administração Tributária, tentando demonstrar ter notificado o Oponente da liquidação em causa, veio apresentar ofícios de demonstração de liquidação de IRS e juros, constantes nas alíneas C) e D) da matéria de facto provada.
Sucede, porém, que de tais ofícios, apenas se retira que tais documentos foram elaborados, não se podendo dos mesmos retirar que o seu conteúdo chegou ao conhecimento do Oponente.”.
4.6. Apesar disso, caso tivesse ficado demonstrado que a notificação havia chegado ao conhecimento do Oponente, o fim visado pelo legislador, ou seja, que a missiva em causa chegasse ao seu conhecimento, estaria alcançado.
Porém, tal aqui não sucede.”.
(…)
Sucede, porém, que as notificações constantes nas alíneas C) e D) do probatório, apesar de conterem vinheta dos CTT, tal não se mostra suficiente para garantir que, de facto, as comunicações foram enviadas.
Na verdade, a Fazenda Pública não logrou juntar aos autos comprovativo de remessa pelo
correio da carta registada contendo as notificações em causa, sendo que, os CTT, no envio de missivas desta tipologia, fornecem impresso próprio, apto a demonstrar o efectivo envio da comunicação.
Porém, a Fazenda Pública veio apenas juntar um documento interno, constante na alínea E) do probatório, cuja identificação de vinheta nem sequer coincide com as vinhetas apostas nas notificações.
(…)
“Com efeito, era à Fazenda Pública que cabia demonstrar que remeteu, de facto, as notificações em causa ao Oponente.”, concluindo que “ Não o logrando fazer, não se podem ter como realizadas as notificações em questão, uma vez que a mera cópia do documento, não alicerçada em documento dos CTT, que comprove o seu envio, não é demonstrativa da efectiva remessa, para além de não ter sido utilizada a forma imposta legalmente de notificação de registo com aviso de recepção.
4.7. concluindo que “…o Oponente não foi notificado da liquidação, pelo que a dívida em causa não lhe pode ser exigida, sendo fundamento de oposição nos termos da alínea i) do n.º 1 do artigo 204.º do C.P.P.T., conduzindo à extinção da execução contra o Oponente.”.
No entanto,
4.8. e de acordo com a factualidade constante das alíneas C) e D) dos factos provados, a Administração Tributária, em 31-10-2008, remeteu ao oponente carta registada, com a referência de registo RY471390968PT, missiva esse cujo conteúdo versava sobre a “demonstração de liquidação de IRS” referente ao ano de 2005, e que em 10-11-2008 remeteu ao oponente outra carta registada, com a referência de registo RY471421585PT, relativamente à demonstração da liquidação de juros do IRS de 2005.
Por sua vez,
4.9. de acordo com a factualidade provada constante da alínea E) dos factos provados na sentença ora em crise, a Administração Tributária procedeu à junção aos autos de um documento intitulado “Manutenção do registo privativo” do qual se pode aferir a data em que as cartas registadas em questão foram remetidas ao oponente.
4.10. Do provado conclui-se que do referido documento, constante da alínea E) dos factos provados, colhe-se que a carta com a referência de registo RY471390968PT foi entregue aos serviços de distribuição postal (CTT) em 08-06-2017, tendo tal missiva feito parte de um lote de registos postais cujas suas referências se situaram entre o RY470633337PT e o RY471427708PT.
4.11. E o mesmo se diga relativamente à notificação do oponente dos juros compensatórios referentes à liquidação de IRS em questão: a demonstração da liquidação de juros em questão foi remetida ao oponente por carta registada, com a referência de registo RY471421585PT, em 14-11-2008.
4.12. Conforme melhor se pode aferir pela compulsa do documento constante da alínea E) do provatório, a carta com a referência de registo RY471421585PT foi entregue aos serviços de distribuição postal (CTT) em 14-11-2008, tendo tal missiva feito parte de um lote de registos postais cujas suas referências se situaram entre o RY471421577PT e o RY471429880PT.
Assim,
4.13. e à revelia do entendido pelo Ilustre Tribunal a quo, com o devido respeito e s.m.e., é entendimento da Fazenda Pública que, de acorda com a factualidade tida por provada constante das alíneas C), D) e E) constante dos factos provados da sentença ora recorrida, a Administração Tributária logrou demonstrar o envio das liquidações de imposto e de juros em questão.
4.14. Certa é a circunstância de ter a Administração Tributária, in casu, cumprido com o dever de notificação da liquidação de IRS em questão ao oponente, pela remessa da mesma através do registo postal com a referência RY471421585PT, tendo tal registo postal sido entregue no domicílio fiscal do oponente, devendo, por isso, considerar-se o oponente notificado da mesma.
Assim,
4.15. no modesto entendimento da Fazenda Pública – e salvo sempre melhor entendimento –, o Ilustre Tribunal recorrido, ao não considerar que a Administração Tributária não logrou provar a notificação da liquidação em questão ao oponente, e de acordo com a factualidade tida por provada, incorreu em erro de julgamento da matéria de facto.
Razão pela qual,
4.16. com o devido respeito e salvo sempre melhor entendimento, deve ser revogada a decisão ora recorrida, no que concerne à procedência total da oposição em questão, e substituída por outra que declare a improcedência da oposição, com as legais consequências daí decorrentes.
Pelo que se peticiona o provimento do presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida, substituindo-se por outra que declare a improcedência da oposição, com as legais consequências daí decorrentes, assim se fazendo a devida e acostumada
JUSTIÇA!».

Contra-alegações não foram apresentadas.

A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu mui douto parecer concluindo que no sentido da improcedência do recurso.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação da Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), a questão que importa apreciar reconduz-se a indagar se a sentença incorreu em erro de julgamento ao concluir que o oponente nunca foi notificado da liquidação do tributo.

3 – MATÉRIA DE FACTO

Em sede factual deixou-se consignado na sentença recorrida:
«

Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

A) Em 31 de Outubro de 2008 foi realizada a liquidação de IRS n.º 2008 4004653696, em nome do Oponente, referente ao ano de 2005, tendo sido apurado imposto a pagar no valor de € 12.313,36 e juros compensatórios no valor de € 1.155,09, no montante total de € 13.468,45.
(Cfr. documento a fls. 3 do PEF)
B) O Serviço de Finanças de Lisboa 10 instaurou contra o Oponente o processo
de execução fiscal n.º 3255200901001280, em 9 de Janeiro de 2009, por dívidas
de IRS, do ano de 2005, no valor de € 13.468,45
(Cfr. documento a fls. 1 do PEF)

C) Em 31 de Outubro de 2008, o Serviço de Finanças de Lisboa 10 emitiu ofício dirigido ao Oponente, de “demonstração de liquidação de IRS”, referente ao ano de 2005, com o valor a pagar de € 13.468,45, com a vinheta de CTT de correio registado RY471390968PT.
(Cfr. documento a fls. 323 dos autos)

D) Em 10 de Novembro de 2008, o Serviço de Finanças de Lisboa 10 emitiu ofício dirigido ao Oponente, de “demonstração de liquidação de juros”, referente ao ano de 2005, com o valor de € 1.155,09, com a vinheta de CTT de correio registado RY471421585PT.
(Cfr. documento a fls. 325 dos autos)

E) O Serviço de Finanças de Lisboa 10 elaborou documento interno, denominado “Manutenção do registo privativo Consulta Registo Privativo”, do qual se extrai o seguinte teor:

(Cfr. documento a fls. 324 dos autos)
*
Não existem factos não provados com interesse para a decisão da causa.
*
Motivação: A decisão sobre a matéria de facto realizou-se com base na análise do teor dos documentos constantes nos autos, não impugnados, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.

4 – MATÉRIA DE DIREITO

A sentença recorrida foi proferida em execução do douto ac. anulatório deste Tribunal de 17/05/2018, a fls.153 dos autos, que na procedência da apelação ordenou a baixa dos autos à 1.ª instância para conhecer da questão prejudicada – falta de notificação da liquidação exequenda – após competente instrução probatória.

Insurge-se o Recorrente contra a sentença porquanto e, a seu ver, a factualidade levada ao probatório suporta a conclusão de que a notificação da liquidação exequenda foi enviada ao sujeito passivo oponente, não se verificando a invocada inexigibilidade da dívida, fundamento de oposição previsto na alínea i) do n.º 1 do art.º 204.º do CPPT.

Vejamos.

A liquidação da dívida respeita a IRS de 2005.

Sendo a dívida exequenda proveniente de IRS (imposto periódico) e referente ao ano de 2005, o prazo de caducidade de quatro anos (art.º 45/1 da LGT), contado nos termos do n.º 4 deste art.º 45.º da LGT, encontra o seu termo em 31/12/2009.

Trata-se, pois, de indagar se o oponente foi, ou se considera, notificado antes ou até aquela data de 31/12/2009.

Trata-se de liquidação adicional não efectuada com base na declaração anual de rendimentos apresentada em prazo legal (art.º 65/1 do CIRS).

Conforme dispõe o n.º 4 daquele art.º 65.º do Código do IRS, «A Direcção-Geral dos Impostos procede à alteração dos elementos declarados sempre que, não havendo lugar à fixação a que se refere o n.º 2, devam ser efectuadas correcções decorrentes de erros evidenciados nas próprias declarações, de omissões nelas praticadas ou correcções decorrentes de divergência na qualificação dos actos, factos ou documentos com relevância para a liquidação do imposto».

E de acordo com o disposto no art.º 66.º, n.º 1 do mesmo Código, «Os actos de fixação ou alteração previstos no artigo 65.º são sempre notificados aos sujeitos passivos, com a respectiva fundamentação».

Preceituando o art.º 149.º, n.º 2 do CIRS (à data vigente), que «as notificações a que se refere o artigo 66.º, quando por via postal, devem ser efectuadas por meio de carta registada com aviso de recepção».

Não tendo a AT observado as formalidades legais da notificação do acto, tendo procedido à notificação do contribuinte por via registada simples (cf. pontos C), D) e E) do probatório), cabe-lhe o ónus de demonstrar que, não obstante a inobservância das formalidades legais, o acto chegou ao conhecimento, ou à esfera de cognoscibilidade, do destinatário, caso em que a formalidade legal preterida (carta registada sem aviso de recepção) se degradaria em formalidade não essencial (por ter sido entregue) e, por isso, a notificação haveria de ter-se como validamente efectuada.

Prova que não faz, sendo que a ausência dessa prova tem de ser valorada contra a Fazenda Pública, que é a parte onerada com a demonstração do facto.

A única prova que a Fazenda Pública faz é de que expediu a correspondência, não que ela tenha chegado à esfera de cognoscibilidade do destinatário.

Ou seja, a dívida é inexigível por falta de notificação.

Tendo a sentença decidido neste alinhamento, não merece qualquer censura, sendo de confirmar e negar provimento ao recurso.

5 – DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Condena-se a Recorrente em custas.

Lisboa, 09 de Junho de 2022.



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Vital Lopes




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Luísa Soares




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Tânia Meireles da Cunha