Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1770/09.6BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/25/2017
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:JUNÇÃO DE DOCUMENTOS AO PROCESSO EM FASE DE RECURSO.
NORMAS RELATIVAS À RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. CARÁCTER SUBSTANTIVO.
CONCEITO DE GERÊNCIA E DE ACTOS DE GERÊNCIA.
O GERENTE GOZA DE PODERES REPRESENTATIVOS E DE PODERES ADMINISTRATIVOS FACE À SOCIEDADE.
REGIME DE RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA PREVISTO NO ARTº.24, Nº.1, DA L.G.TRIBUTÁRIA.
ÓNUS DA PROVA DO EFECTIVO EXERCÍCIO DA GERÊNCIA/ADMINISTRAÇÃO COMPETE À A. FISCAL.
PROVA DE QUE O OPOENTE/REVERTIDO ACTUOU COMO MERO "TESTA DE FERRO".
EXERCÍCIO DE ADMINISTRAÇÃO/GERÊNCIA ATRAVÉS DE PROCURAÇÃO.
NÃO POSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DE PRESUNÇÃO JUDICIAL BASEADA NAS REGRAS DA EXPERIÊNCIA.
ARTº.351, DO C.CIVIL.
Sumário:1. Em fase de recurso, a lei processual civil (cfr.artºs.524 e 693-B, do C.P.Civil; artºs.425 e 651, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), somente possibilita a junção de documentos ao processo, sempre e só com as alegações (ou contra-alegações) e não em momentos posteriores, quando ocorra alguma das seguintes circunstâncias:
a-Quando não tenha sido possível a respectiva apresentação em momento anterior (artº.524, nº.1, do C.P.Civil);
b-Quando se destinem à demonstração de factos posteriores aos articulados (artº.524, nº.2, do C.P.Civil);
c-Quando a respectiva apresentação se tenha tornado necessária em resultado de ocorrência posterior ao encerramento da discussão em 1ª Instância (artº.524, nº.2, do C.P.Civil);
d-Quando a junção de documentos se torne necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª Instância (cfr.artº.693-B, do C.P.Civil; artº.651, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6);
e-Nos casos previstos no artº.691, nº.2, als.a) a g) e i) a n), do C. P. Civil (cfr.artº.693-B, do C.P.Civil).
2. A verificação das circunstâncias que se acabam de elencar tem como pressuposto necessário que os factos documentados sejam relevantes/pertinentes à decisão a proferir, o que decorre, desde logo, directamente da circunstância dos documentos cuja junção se pretende deverem ter por desiderato a prova dos fundamentos da acção e/ou da defesa (citado artº.523, do C.P.Civil) e, indirectamente e como consequência do que se vem de referir, do facto de o juiz se encontrar vinculado a mandar retirar do processo os que sejam impertinentes ou desnecessários, por força do estipulado no artº.543, do mesmo compêndio legal.
3. No que diz respeito à hipótese de junção de documentos quando esta se torne necessária em virtude do julgamento efectuado em 1ª Instância (cfr.al.d) supra), o advérbio “apenas”, usado no artº.651, nº.1, do C.P.Civil, significa que a junção só é possível se a necessidade do documento era imprevisível antes de proferida a decisão na 1ª Instância, isto é, se a decisão da 1ª Instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento. A lei quis, manifestamente, cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão da 1ª. Instância ser proferida.
4. As normas com base nas quais se decide a responsabilidade subsidiária, inclusivamente aquelas que determinam as condições da sua efectivação e o ónus da prova dos factos que lhe servem de suporte, devem considerar-se como normas de carácter substantivo, pois a sua aplicação tem reflexos materiais na esfera jurídica dos revertidos. Nestes termos, a aplicação do regime previsto na L.G.Tributária aos requisitos da reversão da execução fiscal contra responsáveis subsidiários apenas tem suporte legal quando os factos que servem de fundamento à mesma reversão ocorreram depois da sua entrada em vigor (cfr.artº.12, do C.Civil; artº.12, da L.G.Tributária).
5. A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr.objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos.
6. O gerente goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação.
7. Na previsão da al.a), do artº.24, nº.1, da L.G.Tributária, pretendem-se isolar as situações em que o gerente/administrador culpado pela diminuição do património societário será responsável pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado depois deste, competindo à Administração Fiscal fazer a prova de que foi por culpa sua que o património se tornou insuficiente. Já na al.b) do preceito, o gerente é responsável pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, recaindo sobre o mesmo o ónus da prova de que não foi por culpa sua que o pagamento não se efectuou. Por outras palavras, nas situações em que o gestor exerce, efectivamente, as suas funções e é no decurso desse exercício que se forma o facto tributário ou se inicia o prazo para o pagamento, mas antes que tal prazo se esgote, o gestor cessa as suas funções, o ónus da prova, de que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida por acto culposo do gestor, corre por conta da Fazenda Pública (cfr.alínea a), do artigo 24, da L.G.T.). Se é no decurso do exercício efectivo do cargo societário de gerente que se esgota o prazo para o pagamento do imposto, não vindo ele a acontecer (o pagamento não se efectuou no prazo devido), o ónus da prova inverte-se contra o gerente, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento (o gestor está obrigado a fazer prova de um facto negativo, poupando-se a Fazenda Pública a qualquer esforço probatório - cfr.al.b), do normativo em exame). Na alínea b), do nº.1, do artº.24, da L. G. Tributária, consagra-se, portanto, uma presunção de culpa, pelo que a Administração Fiscal está dispensada de a provar.
8. Ao abrigo do regime examinado é pressuposto da responsabilidade subsidiária o exercício de facto da gerência, cuja prova impende sobre a Fazenda Pública, enquanto entidade que ordena a reversão da execução.
9. O quadro factual considerado nos presentes autos não permite que se formule uma presunção judicial de exercício de facto da gerência pelo oponente/recorrido a partir da assinatura de declarações ou cheques, em nome da sociedade executada originária, pois as circunstâncias que rodearam essa actividade não apontam, sequer indiciariamente, para a existência de capacidade decisória do oponente. De acordo com o mesmo quadro factual deve concluir-se que este figurou como “testa de ferro”, do verdadeiro gerente da sociedade executada originária, o seu pai.
10. O que importa para possibilitar a reversão contra o oponente/recorrido, não é que, em termos jurídico-civilísticos, se deva entender que foi este que agiu quando agiu o seu procurador em seu nome, mas sim que exista efectivamente, em termos naturalísticos, uma relação entre ele e a vida da sociedade, que possa garantir que, quando o procurador agiu no exercício da gerência, agiu de acordo com a vontade real do mandante e com conhecimento por parte deste da vida da sociedade.
11. Atenta a factualidade provada, também não é legítimo operar-se a presunção judicial baseada nas regras da experiência (cfr.artº.351, do C.Civil), de exercício de facto da gerência pelo oponente/recorrido, agora através da passagem da procuração e enquanto administrador único da sociedade.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.264 a 292 do presente processo que julgou procedente a oposição pelo recorrido, G..., intentada visando a execução fiscal nº.... e apensos, a qual corre seus termos no 11º. Serviço de Finanças de Lisboa, contra este revertida e instaurada para a cobrança de dívidas de I.V.A. e de I.R.C. e no montante total, revertido, de € 125.900,09.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.305 a 314 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-Pelo elenco de razões acima arroladas, ressalve-se melhor entendimento, infere-se que a sentença proferida pelo Tribunal "ad quo", caiu em erro, porquanto os factos dados como provados devem levar, na aplicação devida das normas substantivas, a solução diversa da sentenciada, i. é. conduziriam a uma decisão diferente da adotada pelo Tribunal ad quo. Como tal, somos levados a concluir pela existência uma distorção na aplicação do direito de tal forma a que o decidido não se ajusta à realidade normativa objeto de uma análise deficiente, levando a decisão recorrida a enfermar ainda de error juris;
2-Está em apreço oposição deduzida por G..., com o NIF n.º ..., no âmbito do PEF n.º ... e apensos, que contra si corre na qualidade de revertido para cobrança coerciva de dividas de IVA (1. trimestre de 2002 a 3. trimestre de 2005) e de IRC - no valor global de € 125.900,09 originariamente a cargo da devedora principal "... - UNIDADE DE VENDA E ALUGUER DE MÁQUINAS, S.A.";
3-Assim, a questão a controvertida passa por dirimir se o oponente é parte legítima na presente execução. Pronuncia-se a sentença em crise do seguinte modo: " (...)."
O Oponente exerceu a gerência de direito nos quadriénios de 1999/2002 e 2003/2006, enquanto administrador único da sociedade em causa, por decisão de seu pai [cf. factos assentes]. No quadro dessa gerência assinava as declarações fiscais da sociedade bem como livros de cheques em branco, a pedido do pai [cf. factos assentes]. O Oponente, em 22/9/2003, outorgou uma procuração através da qual conferiu ao seu pai plenos poderes para representar a sociedade em causa [cf. factos assentes];

4-Por seu lado, o oponente assaca que não exerceu a gerência de facto na ora originária devedora pois era o seu pai quem administrava e decidia tudo dentro da empresa sem que este tivesse conhecimento dos negócios daquela;
5-Pese embora os factos dados como provados na sentença proferida, para o aresto, a mera circunstância de estar previsto no pacto social que aquela sociedade se obrigava com a assinatura do administrador único, associada ao facto de estar nomeado apenas o revertido nestes autos [cfr. factos provados], não permite por si ter por provada a gerência de facto do ora oponente, pois, que a circunstância de a assinatura do oponente surgir aposta em declarações fiscais, e em cheques, não significou que este tenha tomado conhecimento dos factos que aquelas envolviam ou os tenha determinado de algum modo, ou sequer que tenha sido ele a negociar em nome da sociedade devedora originária;
6-Neste contexto, conclui a decisão - caindo em erro - que, todo o considerado, não permite que se formule uma presunção judicial de exercício de facto da gerência pelo oponente a partir da assinatura daquelas declarações ou dos cheques, pois as circunstâncias que rodearam essa atividade não apontam, sequer indiciariamente, para a existência de capacidade decisória do oponente;
7-Entende o Tribunal que, o que da outorga da procuração não é seguro extrair é a gestão do oponente, pois que, mesmo quem não tenha praticado atos próprios de gestão e administração em nome da devedora originária passaria a ter-se por gerente de facto perante o efetivo exercício da gerência do seu procurador posto que, nos termos legais, os atos praticados pelo mandatário de acordo com os poderes que lhe haviam sido conferidos pela procuração produziriam os seus efeitos na esfera jurídica do mandante;
8-No entanto, dá como provado que o oponente exerceu, de direito, funções de administrador único, assim como dá como provado que assinou, nessa qualidade, declarações fiscais, cheques em branco e essa procuração a favor de seu pai, mas tal conjunto factual não se mostra suficiente para o Tribunal, julgando por ilação ou presunção judicial, para dar por verificada a gerência de facto durante o período - particularmente entre 2002 e 2005, atendendo às datas associadas às dívidas em causa - em que foi gerente de direito;
9-Não nos podemos conformar com tal decisão que não atenta nem aos factos provados, nem ao conteúdo dos documentos probatórios, indo a subsequente aplicação de direito até conta a mais recente jurisprudência;
10-Mas, atente-se a que "O estatuto do gerente/administrador advém-lhe por virtude da sua relação negocial com a sociedade, iniciada com a sua nomeação para o exercício do cargo de gerente e consequente aceitação do mesmo, em virtude do que assume uma situação de garante das dívidas sociais, embora com direito à prévia excussão dos bens da empresa (cfr.art°.146, do C.P.C.lmpostos; art.239, nº.2, do C.P.Tributário; art.153, nº.2, do C.P.P.Tributário)." Acórdão TCAS no processo n. 06732/13;
11-Como se conclui, o oponente agiu contra o "art.64, do C. S. Comerciais, onde se encontra consagrado o dever de diligência dos administradores/gerentes de sociedade, nos termos do qual estes devem atuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores. ";
12-Praticou atos tipicos de gerência, aqueles que se fundem na representação da sociedade perante terceiros e, aqueles através dos quais a sociedade ficou juridicamente vinculada, de acordo com o objeto social, era o oponente que assinava todos os cheques, as declarações fiscais e tudo o mais. O administrador único era o oponente. Segundo a prova testemunhal deslocava-se ao escritório sempre que era necessário assinatura. Por outro lado, a partir de Setembro de 2003, o oponente exarou uma procuração na qualidade de administrador da sociedade;
13-Mais se verifica que foi o próprio oponente com a sua conduta quem possibilitou a ingerência de terceiros nos negócios societários emitindo a tal procuração, o que consubstancia um ato praticado pelo administrador, em nome da sociedade e dentro dos poderes que a lei lhe confere, vinculando-a perante terceiros, mediante esse ato escrito, apondo a sua assinatura com a indicação dessa qualidade, de administrador. Tal análise de teor do documento não foi feita pela sentença recorrida, o que deve ter as legais consequências;
14-Teremos ademais que distinguir duas situações: a representação de um administrador para o exercício das suas funções e, outra, a representação da sociedade. No primeiro caso é representado o administrador e no segundo caso é representada a sociedade. Tal distinção não foi levada a cabo pela decisão recorrida, pelo que salvo melhor entendimento, caiu em erro de facto na análise do documento constante do probatório;
15-Refere ainda o acima citado acórdão que "Como consta do sumário do acórdão do STA 25912 de 09.05.2001, citado na sentença recorrida, "a questão da eventual existência de uma procuração enquadra-se no apuramento do exercício de facto da gerência, pois pode ser considerada como uma forma indirecta desse exercício". E como tal, o oponente exerceu a gerência de facto;
16-E não é verdade que apenas ia à firma para assinar cheques, ou que dependia economicamente de terceiros, uma vez que, constando nas declarações de rendimento da devedora originária e nas suas próprias declarações de rendimentos o recebimento de rendimentos de trabalho dependente (da categoria A) durante o período em que se encontra revertido, pagos pela devedora principal até 2005, data a partir da qual por ter abraçado outras funções os terá deixado de receber, tal advém ainda como confirmação da sua nomeação como gerente da devedora originária (cfr.cópia de consultas ao anexo J do opoente que junta);
17-À data, em 2003, o oponente tinha 25 anos e, portanto atingira já a maioridade, a plena capacidade do exercício dos seus direitos e tinha já uma experiência de vida e independência de toda a família, do poder financeiro do pai, tendo praticado todos os atos com animus decidendi. Assim sendo, tal é também relevante para a decisão da questão controvertida, a forma de obrigar a sociedade. Ora, ficou provado, "a sociedade obrigava-se com a assinatura do oponente, que assinava os documentos relativos ao giro comercial da sociedade";
18-Assim decidindo, os administradores podem desresponsabilizar-se pelos atos da sociedade, nomeadamente pelas dívidas fiscais, agindo com reserva mental perante terceiros e defraudando os interesses dos seus credores que, por sua vez, iludidos com uma aparência de direito, tendo por base o registo e as declarações apresentadas pelo pressuposto responsável pelos destinos da sociedade, ficam a braços, enquanto credores, com a impossibilidade de receber os seus créditos de nada valendo a força probatória do registo.
X
O opoente/recorrido produziu contra-alegações (cfr.fls.322 a 338 dos autos), as quais encerra com o sequente quadro Conclusivo:
1-Salvo melhor opinião, os documentos agora juntos não são documentos que não poderiam ter sido apresentados anteriormente, nem se referem a nenhum facto de ocorrência posterior, nem criou a 1ª. instância a necessidade de juntar agora o documento, nada mais sendo estes do que uma reacção a uma parte que se viu vencida e quer agora utilizar de todos os meios, quer sejam ou não legais, sendo esta apenas uma manobra da Recorrente para tentar semear a dúvida em factos que se encontram provados, quando não o fez anteriormente, por pura inércia, pelo que, nos termos legais, devem ser os documentos apresentados pela Fazenda Pública desentranhados dos presentes autos, por não terem fundamento legal para serem apresentados, e desrespeitarem os arts. 423, 425 e 651, n1 do CPC, aplicáveis ex vi art. 281º do CPPT;
2-O aresto sub judice tem por base uma reversão contra o recorrido de uma dívida fiscal da sociedade comercial "... - Unidade de Venda e Aluguer de Máquinas, SA", no valor de € 125.900,09 (cento e vinte e cinco mil e novecentos euros e nove cêntimos), reversão essa efectuada com base no facto de o aqui recorrido ser administrador único da sociedade devedora originária, conforme factos assentes pelo Tribunal a quo;
3-Conforme pode ser aferido pelos depoimentos das testemunhas inquiridas, que foram amplamente escrutinados na sentença proferida pelo Tribunal a quo, o aqui recorrido nunca teve qualquer contacto com a empresa devedora, para além do formalmente identificado na certidão de registo comercial da devedora originária, porquanto esta foi efetivamente gerida pelo Sr. J..., pai do aqui recorrido, tendo sido sempre este que conduziu o destino da sociedade;
4-Tendo resultado do depoimento de todas as testemunhas que o recorrido nunca teve qualquer contacto com a empresa devedora originária, conforme factos provados;
5-Com efeito, é facto dado como provado, e bem, pelo Tribunal a quo, que "[...]Era J..., pai do Oponente, quem, exclusivamente, tomava as decisões dentro da empresa em causa: dava ordens, fazia os pagamentos, ia aos bancos, negociava com terceiros, nomeadamente, deslocando-se à Bélgica para comprar e vender máquinas [...]";
6-E mais, “O pai do opoente era quem se deslocava aos bancos e fazia negócios, e ligava aos filhos para assinar documentos relativos às suas empresas - sem que estes tivessem qualquer poder de decisão [...]";
7-E ainda "[...] Quem detinha o livro de cheques da empresa era o pai do oponente que era quem efectuava os pagamentos e recebimentos em nome da devedora originária [...]"
8-Tendo por base todos os depoimentos transcritos cuidadosamente, que foram condignamente valorados pelo digníssimo Tribunal a quo, indicando que "Todas as testemunhas depuseram prontamente ao que lhes foi perguntado, de uma forma isenta, clara, desinteressada e credível, demonstrando conhecimento directo sobre os factos em causa [...]";
9-Tornando verdadeiramente clara a prova de que nunca existiu qualquer gestão de facto por parte do aqui recorrido, servindo apenas como um vulgar "testa de ferro", sendo revertido por uma dívida para a qual nunca contribuiu a qualquer título, de uma empresa para a qual nunca trabalhou, ou administrou a qualquer título, servindo apenas para assinar papéis a comando do seu pai;
10-A responsabilização subsidiária dos membros de corpos sociais de pessoas coletivas pelas dívidas tributárias, como ensina o Dr. José Pedro Carvalho, árbitro do Centro de Arbitragem Administrativa, nas suas anotações à Lei Geral Tributária "[...] exige o efectivo exercício, ainda que somente de facto, de funções de administração ou gestão, conforme resulta expressamente do texto do corpo do n.º 1 [...]" do art. 24º da LGT;
11-Conforme Acórdão de 11de Março de 2010, proferido no âmbito do processo nº 00349/05.GBEBRG, pelo Tribunal Central Administrativo Norte, "[...] o exercício efectivo da gerência não se compadece com a mera demonstração da existência de poderes jurídicos de gerência, decorrente da existência de uma norma legal que os conceda e da demonstração do preenchimento dos seus pressupostos de facto [...]";
12-O ónus da demonstração da gerência de facto, segundo acórdão de 02 de Março de 2011, proferido no âmbito do processo nº 0944/10, pelo S.T.A., tem sido entendido pela jurisprudência como cabendo "[...] à Administração Tributária" e "[...] tal demonstração deverá ser feita mediante a exposição de factos que a demonstrem, no próprio despacho de reversão [...]", ónus esse que não foi preenchido;
13-Pese embora tenha o recorrido praticado actos que poderiam enquadrar-se numa gerência de facto, como a assinatura de declarações fiscais e de livros de cheques em branco, tal não consubstancia efectivamente essa gerência de facto, após a análise do caso concreto, conforme sentença do tribunal a quo, limitando-se a uma gerência purament e de direito, que nunca pode ser abrangida pelo âmbito do art. 24 da Lei Geral Tributária;
14-Só a partir de 2006, quando começou a exercer profissão, sendo comissário de bordo da TAP, é que começou o recorrido a auferir os seus rendimentos e a deixar de depender economicamente do seu pai, sendo que o temor que detinha o recorrido, bem como os seus irmãos e a sua mãe, do seu pai, J..., não se baseava apenas num ascendente económico, mas também num ascendente social, moral e psicológico, porquanto o pai do recorrido era uma das figuras de referência na sua vida, que sempre quis acreditar que fazia o bem;
15-Temor testemunhado pela irmã P...;
16-Pelo irmão, J...;
17-E mesmo pelo TOC da empresa, o Sr. M..., pessoa externa à família;
18-Tendo o pai do recorrido um grande poder sobre si, naturalmente, por ser seu pai e por se encontrar ainda o recorrido a viver em sua casa, sob as suas ordens e instruções, não tendo condições para poder ser de outra maneira, pelo que o ascendente sempre se manteve, e sempre esteve o recorrido sujeito à alçada do seu pai, nem sequer questionando o que lhe pedia, por ser o seu pai, figura de respeito, onde se alicerçava o temor reverencial exposto pelo próprio, pelas testemunhas, e confirmado pela sentença do digníssimo Tribunal a quo, que sempre esteve presente na sua actuação;
19-Não contesta o recorrido, como nunca o fez, que tenha outorgado procuração a favor do seu pai, uma vez que foi inclusive o mesmo que a juntou aos autos, mas outorgou a referida procuração por não ter mais nenhuma opção, face à pressão que o seu próprio pai lhe impunha, não fazendo nunca a mínima ideia do que se passava na sociedade devedora originária;
20-Como nos ensina o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 8 de Julho de 2015, Processo n.01659/13;
21-Não é pela outorga da procuração que o recorrido passa a exercer uma gerência de facto, no caso concreto, mas sim pela prática de actos do giro comercial, actos próprios da condução dos destinos da sociedade, o que nunca ocorreu, o que foi bem confirmado pela sentença proferida pelo Tribunal a quo, com o reconhecimento de que era J..., pai do recorrido, quem exclusivamente tomava as decisões dentro da empresa;
22-Como nos ensina o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 27.11.2014, processo nº00824/06.5BEPRT;
23-Razões pelas quais não pode o aqui recorrido ser responsabilizado por esta dívida a título de reversão, por estarem provados todos os factos que alegou em sede de primeira instância, por não ter preenchido a Autoridade de Tributária o ónus de prova da gerência de facto do recorrido, que lhe incumbia, havendo fundamentos de direito bastantes para sedimentar a decisão recorrida, que andou sempre bem, por não ter existido nunca uma gerência de facto, por parte do recorrido, da empresa devedora originária, não estando assim preenchidos os requisitos do art. 24 da LGT, pelo que não pode o recorrido ser revertido, pela sua ilegitimidade, andando bem o Tribunal de primeira instância, devendo ser mantida a sentença recorrida, para que se faça a tão acostumada justiça!
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do provimento do presente recurso (cfr.fls.351 e 352 dos autos).
X
Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A decisão recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.268 a 276 dos autos - numeração nossa):
1-Contra “... - Unidade de Venda e Aluguer de Máquinas, S.A.”, NIPC ..., foram instaurados, pelo 11º. Serviço de Finanças de Lisboa, diversos processos de execução fiscal, entre os quais o processo nº.... e apensos (cfr.documentos juntos a fls.23 a 54 dos presentes autos);
2-No âmbito dos processos de execução fiscal movidos contra aquela empresa, foram levadas a cabo diligências tendentes à cobrança coerciva das dívidas em cobrança coerciva, designadamente, no âmbito do processo referido no nº.1, das quais se destacam a penhora de créditos e de veículos automóveis (cfr.documentos juntos a fls.23 a 54 dos presentes autos; informação constante de fls.49 dos presentes autos);
3-Por despacho de 24/07/2007 foi determinada a preparação daquele processo nº.... e apensos para efeitos de reversão contra G..., ora oponente, e, bem assim a notificação para efeitos de exercício do direito de audição (cfr.documento junto a fls.49 dos presentes autos);
4-O oponente não se pronunciou em sede de direito de audição sobre aquele projecto de reversão (cfr.informação constante de fls.53 dos presentes autos);
5-Por despacho de 5/9/2007 (nele se refere o ano de 2005, contudo por impossibilidade lógica, certamente devido a lapso de escrita pode reportar-se a ano de 2007 atenta a sequência cronológica dos factos apurados) cujo teor se transcreve, foi determinada a reversão das dívidas constantes dos autos de execução nº.... e apensos contra G...:
“(…)
De acordo com os elementos junto aos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais, verifica-se que ao executado originário apenas são conhecidos 4 veículos automóveis, dos quais foi feita a penhora, tendo este Serviço apenas prioridade de registo relativamente a dois (…).
Ainda não foi possível detectar a sua localização para se promover a venda judicial, embora, desconhecendo o seu estado e atendendo aos anos dos veículos, os mesmos possuem um valor residual atendendo ao valor em dívida.
Das diversas diligências efectuadas, não foi possível apurar quaisquer outros bens susceptíveis de penhora, sendo que, os existentes e atrás identificados, são claramente insuficientes para pagamento dos autos.
De igual forma verifica-se que o contribuinte supra identificado apesar de notificado, nada disse.
Nos termos legais, a responsabilidade subsidiária opera-se não só pelas dívidas tributárias cujo facto se tenha verificado no exercício do cargo ou cujo prazo de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste bem como, naquelas cujo prazo de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo.
Assim, nos termos dos artigos 23.° e 24.° da Lei Geral Tributária em conjugação com a alínea b) do n.º 2 do art. 153.º do CPPT, determino a REVERSÃO das dívidas constantes nos presentes autos contra G...(…)”
(cfr.documento junto a fls.53 dos presentes autos);
6-A 7 de Novembro de 2007, foi o oponente citado para a reversão nos processos identificados no nº.1 (cfr.documentos juntos a fls.54 a 58 dos presentes autos);
7-A citação referida no nº.6 foi feita mediante marcação de hora certa (nos termos do art.º 240.º do CPC na redacção vigente à data) e disso mesmo foi dado conta ao revertido por carta de 7/11/2007 (cfr.documento junto a fls.58 dos presentes autos);
8-A Sociedade “... - Unidade de Venda e Aluguer de Máquinas, S.A.”, NIPC ..., foi constituída - com a firma C... - Sistema de Gestão Intercontabilística, Limitada - por deliberação registada a 14/09/1988 (Ap. 07/990914) junto da Conservatória do Registo Comercial de ... (cfr.certidão junta a fls.44 a 47 dos presentes autos);
9-A 24/01/2000, nos termos da Ap.26/000124, foi transformada em sociedade anónima, alterado o seu objecto social e modificada a firma para “... - Unidade de Venda e Aluguer de Máquinas, S.A.” (cfr.certidão junta a fls.44 a 47 dos presentes autos);
10-Na mesma data foi designado administrador único para o quadriénio 1999/2002, G..., tendo sido definida como forma de obrigar a sociedade: a assinatura do administrador único, de dois administradores, de um administrador-delegado, ou de um ou mais procuradores (cfr.certidão junta a fls.44 a 47 dos presentes autos);
11-Nos termos da inscrição 03 (Ap. 35/030917) foi designado administrador único para o quadriénio 2003/2006, G... (cfr.certidão junta a fls.44 a 47 dos presentes autos);
12-O oponente assinou as declarações periódicas de IVA, relativas ao 1.º e ao 2.º trimestres de 2002 da devedora originária, na qualidade de seu representante legal, com data, respectivamente, de 15 de Maio e de 31 de Outubro de 2002 (cfr.documentos juntos a fls.19 e 20 dos presentes autos);
13-A 22/9/2003, o oponente outorgou, por minuta apresentada, procuração, na qualidade de administrador único e em representação da sociedade anónima, ... - Unidade de Venda e Aluguer de Máquinas, S.A., a favor de J..., a quem conferiu:
“os poderes bastantes para em nome e representação da sociedade mandante, assinar todos os actos de expediente geral; assinar documentos com as alfândegas, como endossos de conhecimentos, requerimentos, fianças, depósitos e tudo o mais que se mostrar necessário aos fins alfandegários, para levantar nas estações postais, de caminho de ferro e outras, as cartas registadas, encomendas, mercadorias, vales, depósitos e tudo o mais que for dirigido à sociedade mandante; representar a sociedade junto de quaisquer entidades públicas e privadas, nomeadamente Ministérios, Câmaras, Autarquias, Centros Regionais de Segurança Social, Cartórios Notariais, Conservatórias do Registo Predial, Civil, Comercial e Automóvel, Repartições de Finanças, podendo prestar declarações, requerer certidões, requerer e alterar registos definitivos e provisórios, assinar e apresentar requerimentos e impressos, poderes para representar a sociedade em Juízo, qualquer que seja a natureza do processo, podendo propôr quaisquer acções judiciais, confessar, transigir e desistir em todos os processos em que a sociedade seja parte, podendo ainda representá-la em conferências judiciais, tentativas de conciliação, audiências preliminares, assembleias de credores e demais actos processuais, receber cheques de custas de parte ou quaisquer outras quantias que se mostrem depositadas a favor da sociedade, devendo substabelecer em advogado, quando for caso disso; para individualmente assinar recibos, aceitar, sacar e endossar letras, livranças e outros títulos de crédito, movimentar as contas nos Bancos abertas em nome da sociedade mandante, assinando cheques e depósitos, ordens de pagamento e de transferência e quaisquer documentos respeitantes a movimentos bancários; prometer vender, e vender, doar, permutar, hipotecar ou qualquer forma onerar, nas condições e pelos preços que entender, os bens móveis e imóveis que pertençam à sociedade mandante, no todo ou em parte, situados em qualquer concelho do território nacional, podendo outorgar os respectivos contratos e escrituras públicas; comprar e vender nas condições e pelos preços que entender veículos automóveis de todas as categorias e tipos, e equipamentos de qualquer natureza, podendo para o efeito contrair empréstimos e celebrar contratos de locação financeira ou outros contratos de financiamento; celebrar contratos de cessão de exploração bem como de arrendamento e trespasse, pelos prazos, valores e condições que entender, podendo outorgar as respectivas escrituras públicas, receber rendas e dar quitação; celebrar contratos e protocolos de agência, e de representação de marcas, produtos e direitos; assinar, requerer e praticar os actos tidos por convenientes ao bom cumprimento deste mandato. Assim o outorgou por minuta apresentada.”
(cfr.documento junto a fls.219 a 222 dos presentes autos);
14-Era comum ser o oponente a assinar outras declarações fiscais da empresa (em datas não apuradas) e livros de cheques em branco, a pedido de seu pai, J.../J... (cfr.prova testemunhal);
15-Era J..., pai do oponente, quem, exclusivamente, tomava as decisões dentro da empresa em causa: dava ordens, fazia os pagamentos, ia aos bancos, negociava com terceiros, nomeadamente, deslocando-se à Bélgica para comprar e vender máquinas (cfr. prova produzida pelas três testemunhas);
16-J... indicou o seu filho G... como administrador único da empresa, à semelhança do que já havia feito com o outro filho - J... - numa outra empresa que igualmente geria (cfr.prova testemunhal);
17-Publicamente, os filhos demonstravam respeito pelo pai, J..., que era considerado pessoa imprevisível ou mesmo violenta (cfr.prova testemunhal);
18-À data dos factos (entre 1999 e 2006), J..., não vivia com os filhos, G…, J… e P… - que viviam com a sua mãe, divorciada de J... (cfr.prova testemunhal);
19-Os três irmãos dependiam economicamente do pai pois a mãe recebia o ordenado mínimo (cfr.prova testemunhal);
20-Era comum o pai dizer-lhes que viviam numa casa que era dele e que a venderia, ficando eles sem sítio para viver (cfr.prova testemunhal);
21-Encaravam estas declarações como uma ameaça séria e acediam ao que o pai lhes pedia/ordenava, sem questionarem (cfr.prova testemunhal);
22-O pai do oponente encarava a empresa devedora originária como seu negócio, deslocando-se de avião à Bélgica para negociar em máquinas (cfr.depoimento das testemunhas P... e J...);
23-O pai do oponente era quem se deslocava aos bancos e fazia negócios, ligando aos filhos para assinar documento relativas às suas empresas - sem que estes tivessem qualquer poder de decisão (cfr.depoimento das testemunhas P..., J... e M...);
24-Quem detinha o livro de cheques da empresa era o pai do oponente que era quem efectuava os pagamentos e recebimentos em nome da devedora originária (cfr. depoimento do contabilista da empresa à época, M...);
25-As dívidas cuja cobrança coerciva está em causa nos processos de execução fiscal em que é revertido o ora oponente dizem respeito a IVA (trimestral) relativo aos 1.º e 3.º trimestres de 2002, 1.º e 2.º trimestres de 2003, 1.º, 2.º e 4.º trimestres de 2004 e 1.º, 2.º e 3.º trimestres de 2005 (cfr.anexo ao despacho de citação para audição prévia junto a fls. 51 dos presentes autos);
26-O termo do prazo para pagamento voluntário daquelas dívidas foi fixado em datas diversas que vão do dia 15/5/2002 ao dia 18/11/2005 (cfr.certidões de dívida juntas a fls.33 e 66 e seg. dos presentes autos);
27-A presente oposição deu entrada no 11º. Serviço de Finanças de ... a 10/12/2007, tendo sido remetida por carta registada (cfr.indicação aposta na p.i. a fls.6 destes autos);
28-Por despacho de 12/5/2008 foi determinada a suspensão dos autos de execução, nos termos do art.º 169 do CPPT, tendo sido mantida a penhora de 1/6 do vencimento do revertido, ora oponente, como garantia do processo executivo (cfr.cópia do despacho junta a fls.61 dos presentes autos).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Com interesse para a decisão a proferir nada mais se provou…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…Assenta a convicção do Tribunal no exame crítico dos documentos constantes dos autos não impugnados e nos depoimentos das testemunhas arroladas pelo oponente, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório, que depuseram de forma clara e convicta, revelando conhecimento directo dos factos (cf. art.º 76.º, da Lei Geral Tributária - LGT - e art.º 362.º e ss. do Código Civil - CC e art.ºs 396.º do CC e 607.º n.º 5 do CPC, aplicável ex vi art.º 2.º do CPPT).
A prova testemunhal oferecida contribuiu para dar como assentes os factos enunciados nos nºs.14 a 24 que foram alegados - ou são factos instrumentais e ou complementares/concretizadores dos alegados - pelo oponente em sede de petição inicial.
Todas as testemunhas depuseram prontamente ao que lhes foi perguntado, de uma forma isenta, clara, desinteressada e credível, demonstrando conhecimento directo sobre os factos em causa, pelo que foram os seus depoimentos valorados pelo tribunal conforme a seguir se explicita.
1) P... - irmã do oponente - à data dos factos, vivia com a mãe, o irmão G... e o irmão J..., e deslocava-se com alguma frequência à empresa ... para visitar o pai, com quem continuava a almoçar e jantar frequentemente; revelou assim ter grande proximidade com os seus dois irmãos e conhecimento directo dos factos.
Do seu depoimento resultou com clareza que a empresa era do pai e que o irmão G... se deslocava lá apenas para assinar o que o pai lhe pedia. A própria testemunha também assinava, a pedido do pai, papéis relativos a outras empresas do pai. Que os comportamento dos filhos relativamente ao pai resultava do facto na sua percepção ser impensável recusarem fazer algo que o pai lhes pedisse, não obstante não coabitarem com ele, pois a mãe recebia o ordenado mínimo e a ajuda do pai era muito relevante - “dependíamos financeiramente dele” - e tinham medo de lhe dizer que não. Identificou ainda outras situações semelhantes à que ora se discute com o irmão (oponente) que identificam um perfil de actuação temperamental, não honrando os compromissos financeiros.
2) J... - irmão do Oponente - que foi também tido como sócio e gerente de empresas do pai “também revelou conhecimento directo dos factos pela proximidade revelada com a vivência familiar do oponente.
3) M... revelou conhecimento directo dos factos por ter tido intervenção directa - reformado de técnico de contas, tendo sido o TOC da ... entre 2002 e Março de 2005 (rescindiu por falta de pagamento de honorários); costumava ir à empresa tratar das questões contabilísticas, indo trabalhar ao estaleiro duas vezes por semana facto que lhe permitia ter observação directa dos factos que relatou.
Em suma, as testemunhas foram unânimes, credíveis e seguros nos seus depoimentos no tocante aos factos sobre os quais depuseram, o que foi decisivo para que este tribunal os tenha dado como provados.
Quanto à demais matéria alegada, a mesma não carece de ser aqui tida em conta por se tratar de alegações conclusivas, de direito ou impertinentes…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida decidiu julgar totalmente procedente a oposição que originou o presente processo, em virtude da falta de prova dos pressupostos da reversão da execução contra o opoente, em consequência do que determinou a sua extinção quanto ao mesmo.
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Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
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Com as alegações de recurso, o recorrente pediu a junção aos presentes autos de cópia de consultas ao anexo J da declaração de rendimentos do opoente, com tais documentos pretendendo fazer prova do recebimento de rendimentos de trabalho dependente (da categoria A) durante o período em que se encontra revertido, pagos pela devedora principal até 2005 (cfr.conclusão 16 do recurso; documentos juntos a fls.315 a 317 dos autos).
Assim, a primeira questão que se impõe decidir, de natureza adjectiva, consiste em saber da possibilidade legal de tal junção e da manutenção dos referidos documentos nos autos.
Vigora no direito português o modelo de apelação restrita, de acordo com o qual o recurso não visa o reexame, sem limites, da causa julgada em 1ª. Instância, mas tão- somente a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o Tribunal “a quo” no momento em que proferiu a sentença. Como resulta de uma jurisprudência uniforme e reiterada, os recursos são meios processuais de impugnação de anteriores decisões judiciais e não ocasião para julgar questões novas. Em princípio, não pode alegar-se matéria nova nos Tribunais Superiores, em fase de recurso, não obstante o Tribunal “ad quem” tenha o dever de apreciar as questões de conhecimento oficioso. Daí que, não devam ser juntos documentos novos na fase de recurso. A lei, porém, prevê excepções que passamos a analisar.
Dispõe o artº.523, do C.P.Civil (cfr.artº.423, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), que os documentos, como meios de prova, da acção ou da defesa, devem ser apresentados com o articulado em que se invoquem os factos que se destinem a demonstrar. Não sendo apresentados com o respectivo articulado, ainda e por livre iniciativa das partes litigantes, enquanto apresentantes, podem ser juntos ao processo até ao encerramento da discussão em 1ª Instância (actualmente até vinte dias antes da realização da audiência final - cfr.artº.423, nº.2, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), embora com a condenação do apresentante em multa, salvo demonstração de que os não pôde oferecer com o articulado próprio.
Em fase de recurso, a lei processual civil (cfr.artºs.524 e 693-B, do C.P.Civil; artºs.425 e 651, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), somente possibilita a junção de documentos ao processo, sempre e só com as alegações (ou contra-alegações) e não em momentos posteriores, quando ocorra alguma das seguintes circunstâncias:
1-Quando não tenha sido possível a respectiva apresentação em momento anterior (artº.524, nº.1, do C.P.Civil);
2-Quando se destinem à demonstração de factos posteriores aos articulados (artº.524, nº.2, do C.P.Civil);
3-Quando a respectiva apresentação se tenha tornado necessária em resultado de ocorrência posterior ao encerramento da discussão em 1ª Instância (artº.524, nº.2, do C.P.Civil);
4-Quando a junção de documentos se torne necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª Instância (cfr.artº.693-B, do C.P.Civil; artº.651, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6);
5-Nos casos previstos no artº.691, nº.2, als.a) a g) e i) a n), do C.P.Civil (cfr.artº.693-B, do C.P.Civil).
A verificação das circunstâncias que se acabam de elencar tem como pressuposto necessário que os factos documentados sejam relevantes/pertinentes à decisão a proferir, o que decorre, desde logo, directamente da circunstância dos documentos cuja junção se pretende deverem ter por desiderato a prova dos fundamentos da acção e/ou da defesa (citado artº.523, do C.P.Civil) e, indirectamente e como consequência do que se vem de referir, do facto de o juiz se encontrar vinculado a mandar retirar do processo os que sejam impertinentes ou desnecessários, por força do estipulado no artº.543, do mesmo compêndio legal (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 23/3/2011, proc.4593/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/11/2013, proc.6953/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/3/2014, proc.2912/09; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.96 e seg.; António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2ª. Edição Revista e Actualizada, Setembro de 2008, Almedina, pág.227 e seg.).
No que diz respeito à hipótese de junção de documentos quando esta se torne necessária em virtude do julgamento efectuado em 1ª Instância (cfr.nº.4 supra), o advérbio “apenas”, usado no artº.693-B, do C. P. Civil (cfr.artº.651, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), significa que a junção só é possível se a necessidade do documento era imprevisível antes de proferida a decisão na 1ª Instância, isto é, se a decisão da 1ª Instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento. A lei quis, manifestamente, cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes da decisão da 1ª. Instância ser proferida (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/11/2013, proc.6953/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/3/2014, proc.2912/09; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.533 e 534).
Revertendo ao caso dos autos, alega o recorrente que tais documentos visam a produção de prova incidente sobre os rendimentos de trabalho dependente (da categoria A) auferidos pelo opoente, durante o período em que se encontra revertido, sendo pagos pela sociedade devedora principal até 2005.
Ora, nenhum dos documentos identificados reveste qualquer importância para a decisão do presente processo de oposição, desde logo, visto que não fazem prova sobre a alegada gerência de facto do opoente/recorrido da sociedade executada originária e no período a que se referem as dívidas exequendas revertidas.
Por outro lado, não se visualiza a necessidade de junção dos mesmos em virtude do conteúdo da decisão recorrida, nos termos do artº.651, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, mais não fazendo o recorrente qualquer menção a tal fundamento da requerida junção superveniente de documentos.
Concluindo, dada a sua impertinência e desnecessidade, devem os documentos juntos a fls.315 a 317 dos autos ser desentranhados do processo e restituídos ao requerente, condenando-se este no pagamento de multa pelo incidente (cfr.artº.443, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.10, do R.C.Processuais), ao que se provirá no dispositivo do presente acórdão.
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O apelante aduz, em síntese, que o opoente/recorrido praticou actos típicos de gerência da sociedade executada originária, mais exactamente, aqueles que se fundam na representação da sociedade perante terceiros e aqueloutros através dos quais a sociedade ficou juridicamente vinculada, de acordo com o objecto social. Que era o oponente/recorrido que assinava todos os cheques, as declarações fiscais e tudo o mais que obrigava a empresa. Que era o administrador único da sociedade. Por outro lado, a partir de Setembro de 2003, o oponente exarou uma procuração na qualidade de administrador único da sociedade, assim possibilitando a ingerência de terceiros nos negócios societários. Que o Tribunal "a quo" caiu em erro, porquanto, os factos dados como provados devem levar, na aplicação devida das normas substantivas, a solução diversa da produzida (cfr.conclusões 1 a 18 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Vejamos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
No exame do presente esteio do recurso, desde logo, se deve recordar que o apelante não impugna a factualidade provada constante da sentença recorrida no âmbito do salvatério que deduz para este Tribunal (cfr.artº.640, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), nos termos previstos na lei.
Avancemos.
O vício em causa envolve a análise do fundamento de oposição previsto no artº.204, nº.1, al.b), do C.P.P.Tributário (ilegitimidade devido a falta de responsabilidade pelo pagamento da dívida exequenda - cfr.artº.286, nº.1, al.b), do anterior C.P.Tributário).
Antes de mais, diremos que as normas com base nas quais se decide a responsabilidade subsidiária, inclusivamente aquelas que determinam as condições da sua efectivação e o ónus da prova dos factos que lhe servem de suporte, devem considerar-se como normas de carácter substantivo, pois a sua aplicação tem reflexos materiais na esfera jurídica dos revertidos. Nestes termos, a aplicação do regime previsto na L.G.Tributária aos requisitos da reversão da execução fiscal contra responsáveis subsidiários apenas tem suporte legal quando os factos que servem de fundamento à mesma reversão ocorreram depois da sua entrada em vigor (cfr.artº.12, do C.Civil; artº.12, da L.G.Tributária; ac.S.T.A.-2ª. Secção, 28/9/2006, rec.488/06; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª. Secção, 24/3/2010, rec.58/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.456 e seg.).
No processo vertente, a eventual responsabilidade subsidiária do oponente deve ser analisada à luz do regime previsto no artº.24, da L.G.Tributária, diploma que entrou em vigor no pretérito dia 1/1/1999 (cfr.artº.6, do dec.lei 398/98, de 17/12), levando em consideração o período temporal (I.V.A. dos anos de 2002 a 2005) a que respeitam as dívidas que constituem o débito exequendo revertido, tudo conforme se retira da matéria de facto (cfr.nºs.25 e 26 do probatório; ac.S.T.A.-2ª. Secção, 22/9/93, C.T.F.376, pág.211 e seg.).
Mas que responsabilidade é esta. Segundo a opinião que defendemos, a responsabilidade do gerente pela violação das normas que impõem o cumprimento da obrigação fiscal radica no instituto da responsabilidade por facto ilícito assente em culpa funcional, isto é, em responsabilidade civil extracontratual (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/12/2004, rec.28/04, in Revista Fiscal, Vida Económica, Fevereiro, 2006, pág.28; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).
O estatuto do gerente/administrador advém-lhe por virtude da sua relação negocial com a sociedade, iniciada com a sua nomeação para o exercício do cargo de gerente e consequente aceitação do mesmo, em virtude do que assume uma situação de garante das dívidas sociais, embora com direito à prévia excussão dos bens da empresa (cfr.artº.146, do C.P.C.Impostos; artº.239, nº.2, do C.P.Tributário; artº.153, nº.2, do C.P.P. Tributário).
A lei não define precisamente em que é que se consubstanciam os poderes de gerência, mas, em face do preceituado nos artºs.259 e 260, do Código das Sociedades Comerciais, parece dever entender-se que serão típicos actos de gerência aqueles que se consubstanciam na representação da sociedade perante terceiros e aqueles através dos quais a sociedade fique juridicamente vinculada e que estejam de acordo com o objecto social (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 3/5/1989, rec.10492; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.465 e seg.).
É no artº.64, do C. S. Comerciais, que se encontra consagrado o dever de diligência dos administradores/gerentes de sociedade, nos termos do qual estes devem actuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores.
A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr.objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos (cfr.artºs.260, nº.1, e 409, nº.1, do C.S.Comerciais). O gerente/administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Raúl Ventura, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Sociedades por Quotas, III, Almedina, 1991, pág.128 e seg.; Rui Rangel, A vinculação das sociedades anónimas, Edições Cosmos, ..., 1998, pág.27 e seg.).
Analisada a plêiade de actos que o gerente/administrador pode exercer, enquanto representante da sociedade, passemos à responsabilidade subsidiária do mesmo.
No domínio do artº.16, do C.P.C.Impostos, encontrávamo-nos perante responsabilidade “ex lege”, alicerçada num critério de culpa funcional presumida, assim dispensando a imputação subjectiva (ao nível do nexo de culpa) baseada num comportamento individual do gerente, antes se ligando ao mero exercício do cargo ou funções de gerência. Verificada a gerência de direito, presumia-se a gerência de facto, incumbindo ao responsável subsidiário, em sede de oposição à execução contra si revertida, o ónus de provar que, apesar da gerência de direito, não a exerceu de facto ou, por outro lado, que não a exerceu de forma culposa no que diz respeito à verificada insuficiência do património social (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/9/93, C.T.F.376, pág.211 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 11/10/95, C.T.F.381, pág.311 e seg.; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.51 e seg.).
Com o dec.lei 68/87, de 9/2, o qual veio submeter a responsabilidade subsidiária consagrada no artº.16, do C. P. C. Impostos, ao regime previsto no artº.78, do C. S. Comerciais, de acordo com a jurisprudência dominante, passou a ser exigível a culpa dos administradores ou gerentes das sociedades para que a mesma se efectivasse. Por outro lado, onerou-se a Fazenda Pública, nos termos do artº.487, nº.1, do C. Civil, com o obrigação da alegação e prova da culpa do responsável subsidiário pela inexistência de bens do devedor originário com vista à satisfação dos créditos fiscais (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/1/97, C.T.F.386, pág.379 e seg.; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 9/7/97, Acórdãos Doutrinais, nº.432, pág.1467 e seg.).
Com a entrada em vigor do C.P.Tributário (1/7/91), a responsabilidade subsidiária dos administradores ou gerentes de sociedades de responsabilidade limitada passa a estar consagrada no artº.13, deste diploma. Ao abrigo deste regime, desde logo, se dirá que a responsabilidade subsidiária dos administradores ou gerentes passou a estar restrita às dívidas ao Estado por contribuições e impostos, quando anteriormente a mesma responsabilidade podia abarcar também multas e quaisquer outras dívidas que não somente as aludidas contribuições e impostos. Por outro lado, contrariamente ao regime resultante do aludido dec.lei 68/87, de 9/2, volta o ónus da prova da actuação sem culpa a pender sobre os administradores ou gerentes. E não é pequena, para os mesmos, esta diferença de perspectiva legal, já que, se era difícil para a Fazenda Pública, face ao regime resultante do dec.lei 68/87, de 9/2, fazer a prova positiva da culpa, mais difícil será para os administradores ou gerentes fazerem a prova negativa de tal factualidade (cfr.A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.55).
No entanto, ao abrigo do regime em análise, o constante do artº.13, nº.1, do C.P. Tributário, já não existe qualquer presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efectivo exercício da função de gerente ou administrador, pelo que compete à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, neles se incluindo o exercício de facto da gerência, e apenas se podendo esta valer da presunção legal respeitante à culpa pela insuficiência do património social (cfr.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 28/2/2007, rec. 1132/06; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 10/12/2008, rec.861/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).
Passemos, agora, à análise do regime consagrado no artº.24, da L.G.Tributária, o qual é aplicável ao caso concreto, conforme mencionado supra.
Do disposto no artº.22, da L.G.Tributária, retira-se que a regra geral da responsabilidade tributária originária sofre duas excepções, sendo elas a responsabilidade solidária (o responsável solidário é um condevedor solidário que, por força da lei, está em igualdade de circunstâncias com o responsável originário, o que implica que possam ser demandados ambos simultaneamente, ou qualquer um deles indistintamente, quanto ao cumprimento da prestação tributária) e a responsabilidade subsidiária (só a impossibilidade de cumprimento do responsável originário pode originar o subsequente chamamento do responsável subsidiário ao cumprimento da prestação tributária), constituindo esta última (a responsabilidade subsidiária) a regra nesta matéria, nos termos do preceituado no nº.3 do referido normativo.
A reversão contra o devedor subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão prévia (cfr.artº.23, nº.2, da L.G.T.) e é sempre precedida da audição do responsável subsidiário (cfr.nº.4 do mesmo preceito). O nº.5 da disposição legal em causa atribui um privilégio ao devedor subsidiário que, sendo citado para o pagamento da dívida tributária e o efectuar no prazo de oposição, fica isento do pagamento de juros de mora e de custas. Este pagamento, de acordo com o artº.23, nº.6, da L. G. Tributária, tem efeito suspensivo (e não extintivo) da execução fiscal, pois no caso de virem a ser encontrados bens ao devedor principal ou ao responsável solidário, ficam estes obrigados ao pagamento de juros de mora e das custas.
Preceitua o nº.1, do artº.24, da L. G. Tributária, o seguinte (redacção introduzida pela Lei 30-G/2000, de 29/12):

“Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”.

Na previsão da al.a), do normativo em análise pretendem-se isolar as situações em que o gerente/administrador culpado pela diminuição do património societário será responsável pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado depois deste, competindo à Administração Fiscal fazer a prova de que foi por culpa sua que o património se tornou insuficiente. Já na al.b), do preceito o gerente é responsável pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, recaindo sobre o mesmo o ónus da prova de que não foi por culpa sua que o pagamento não se efectuou.
Por outras palavras, nas situações em que o gestor exerce, efectivamente, as suas funções e é no decurso desse exercício que se forma o facto tributário ou se inicia o prazo para o pagamento, mas antes que tal prazo se esgote, o gestor cessa as suas funções, o ónus da prova, de que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida por acto culposo do gestor, corre por conta da Fazenda Pública (cfr.alínea a), do nº.1, do artigo 24, da L.G.T.). Se é no decurso do exercício efectivo do cargo societário de gerente que se esgota o prazo para o pagamento do imposto, não vindo ele a acontecer (o pagamento não se efectuou no prazo devido), o ónus da prova inverte-se contra o gerente, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento (o gestor está obrigado a fazer prova de um facto negativo, poupando-se a Fazenda Pública a qualquer esforço probatório - cfr.al.b), do normativo em exame). Na alínea b), do nº.1, do artº.24, da L. G. Tributária, consagra-se uma presunção de culpa, pelo que a Administração Fiscal está dispensada de a provar. Concluindo, se a gestão real ou de facto cessa antes de verificado o momento em que se esgota o prazo para pagamento do imposto, o ónus da prova recai sobre a Fazenda Pública, se a gestão coincide com ele, o ónus volta-se contra o gestor (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 27/11/2012, proc.5979/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Sérgio Vasques, A Responsabilidade dos Gestores na Lei Geral Tributária, Fiscalidade - Revista de Direito e Gestão Fiscal, nº.1, Janeiro de 2000, pág.47 e seg.; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª. edição, Encontro da Escrita, 2012, pág.236 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.465 e seg.).
A diferença de regimes, em termos de repartição do ónus da prova, prevista nas als.a) e b), do artº.24, da L.G.Tributária, decorre da distinção entre “dívidas tributárias vencidas” no período do exercício do cargo e “dívidas tributárias vencidas” posteriormente (cfr.al.c) do nº.15, do artº.2, da Lei 41/98, de 4/8 - autorização legislativa ao abrigo da qual foi aprovada a L.G.T. - ac.S.T.A.-2ª.Secção, 23/6/2010, rec.304/10; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 6/10/2010, rec.509/10; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).
No caso dos autos, a sentença recorrida concluiu pela procedência da oposição, dado o opoente/recorrido ter efectuado a prova da sua falta de gerência de facto da sociedade executada originária.
O recorrente, pelo contrário, entende que se verifica a prova da gerência de facto.
Vejamos quem tem razão.
Conforme é jurisprudência uniforme, é pressuposto da responsabilidade subsidiária o exercício de facto da gerência, cuja prova impende sobre a Fazenda Pública, enquanto entidade que ordena a reversão da execução fiscal (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 27/11/2012, proc.5979/12; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 18/6/2013, proc.6565/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).
No caso “sub judice”, importa contextualizar a actuação do oponente/recorrido no âmbito da sociedade devedora originária, “... - Unidade de Vendas e Aluguer de Máquinas, S.A.”, de modo a poder decidir se, perante a factualidade assente, é legítimo inferir que o revertido exerceu, efectivamente, as funções inerentes à gerência, desenvolvendo relações com os fornecedores e clientes, com as instituições bancárias e com os trabalhadores, e que o fez em nome, no interesse e em representação daquela sociedade.
Ora, dos dados carreados para os autos (cfr.nºs.14 a 16 e 22 a 24 do probatório) resulta não só que essa gestão era levada, exclusivamente, a cabo pelo seu pai, como era, igualmente, o seu pai que lhe indicava os documentos que o oponente/recorrido deveria formalizar com a aposição da sua assinatura, em consonância com a qualidade de administrador único da sociedade. Percebe-se, pois, que a circunstância de a assinatura do revertido surgir aposta em declarações fiscais e em cheques, não significou que este tenha tomado conhecimento dos factos que aquelas envolviam ou os tenha determinado de algum modo, ou sequer que tenha sido ele a negociar em nome da sociedade devedora originária (exercício dos identificados poderes representativos e administrativos face à sociedade).
Se é certo que não foi alegada ou demonstrada qualquer situação de coacção que levasse a considerar inválida a manifestação de vontade subjacente à aposição de uma assinatura, não é menos certo que a indagação sobre a gerência de facto não visa aferir da validade formal do envolvimento do revertido na vida da sociedade, mas antes da sua efectividade: saber se o revertido detinha na sociedade um poder decisório que, de facto, exercesse (ou pudesse ter exercido).
Neste contexto, assume particular relevância a circunstância de se ter dado por provado que:
1-Foi o pai do oponente que indicou o seu nome para administrador único daquela empresa;
2-O oponente dependia economicamente do seu pai, a quem pertencia a casa onde aquele residia com a mãe e os irmãos;
3-O pai do oponente era pessoa imprevisível e dado a ameaças que os filhos consideravam seriamente;
4-O oponente assinou declarações fiscais em representação da sociedade e cheques em branco da mesma sempre que o pai lho pedia.
O quadro factual considerado não permite que se formule uma presunção judicial de exercício de facto da gerência pelo oponente/recorrido a partir da assinatura daquelas declarações ou dos cheques, pois as circunstâncias que rodearam essa actividade não apontam, sequer indiciariamente, para a existência de capacidade decisória do oponente.
A situação descrita reconduz-se a uma gestão do pai, J..., através da utilização do nome do seu filho, o oponente/recorrido. Este apenas figurou como “testa de ferro”, do verdadeiro gerente da sociedade executada originária, o seu pai (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/12/2008, proc.1954/07; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/12/2016, proc.9954/16).
E é neste quadro que, em 2003 (cfr.nº.13 do probatório), surge a outorga de uma procuração pelo revertido, em representação da sociedade, ao seu pai, conferindo-lhe plenos poderes, no âmbito daquela, para a gerir e a vincular perante quaisquer terceiros. Tal outorga só vem confirmar que a gerência de facto não cabia ao oponente/recorrido, antes sendo exercida exclusivamente por seu pai, sem que o revertido tivesse conhecimento da actividade levada a cabo, a tivesse determinado ou sequer aceite.
É que, recorde-se, o que importa para possibilitar a reversão contra o oponente/recorrido, não é que, em termos jurídico-civilísticos, se deva entender que foi este que agiu quando agiu o seu procurador em seu nome, mas sim que exista efectivamente, em termos naturalísticos, uma relação entre ele e a vida da sociedade, que possa garantir que, quando o procurador agiu no exercício da gerência, agiu de acordo com a vontade real do mandante e com conhecimento por parte deste da vida da sociedade (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.473 e seg.).
No caso concreto, não pode chegar-se a este desfecho, atenta a factualidade provada, também por este motivo não sendo legítimo operar-se a citada presunção judicial, baseada nas regras da experiência (cfr.artº.351, do C.Civil), de exercício de facto da gerência pelo oponente/recorrido, agora através da passagem da procuração e enquanto administrador único da sociedade.
Nestes termos, conclui-se que, no caso concreto, a A. Fiscal não estava legitimada para fazer funcionar o mecanismo de reversão por responsabilidade subsidiária do opoente, G..., ao abrigo do artº.24, nº.1, al.b), da L.G.T., devido a falta de prova da gerência de facto do mesmo face à empresa executada originária, “... - Unidade de Vendas e Aluguer de Máquinas, S.A.”, e no âmbito do processo de execução fiscal nº.... e apensos, devendo confirmar-se a decisão recorrida.
Arrematando, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
1-ORDENAR O DESENTRANHAMENTO E RESTITUIÇÃO AO RECORRENTE dos documentos juntos a fls.315 a 317 do processo, condenando-se o mesmo em multa no montante de uma (1) U.C.;
2-NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 25 de Maio de 2017



(Joaquim Condesso - Relator)



(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Bárbara Tavares Teles - 2º. Adjunto)