Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 91/23.6BCLSB |
Secção: | CT |
Data do Acordão: | 11/07/2024 |
Relator: | ANA CRISTINA CARVALHO |
Descritores: | DECISÃO ARBITRAL FUNDAMENTOS DE IMPUGNAÇÃO |
Sumário: | O erro de julgamento não constitui fundamento de impugnação da decisão arbitral junto do TCA, nos termos do art.º 27.º, n.º 1, do RJAT. |
Votação: | Unanimidade |
Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
Aditamento: |
1 |
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Subsecção Comum de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul
I – Relatório V…, vem impugnar a decisão arbitral proferida nos autos que correram termos no CAAD – Centro de Arbitragem Administrativa com o n.º 621/2020-T, no segmento decisório respeitante à fixação da responsabilidade pelas custas de arbitragem, com fundamento em vício de oposição dos fundamentos com a decisão (cf. artigo 28.º, n.º 1, alínea b), do RJAT). A Impugnante apresentou as suas alegações, formulando as seguintes conclusões: I. A presente impugnação de decisão arbitral circunscreve-se unicamente ao segmento da Decisão Arbitral referente à fixação da responsabilidade pelas custas de arbitragem. II. O Tribunal Arbitral, conhecendo do vício invocado pelo Impugnante, julgou inteiramente procedente o pedido de anulação da liquidação impugnada, pelo que a decisão proferida quanto ao mérito da causa foi totalmente favorável ao Impugnante. III. Todavia, o Tribunal Arbitral condena, a final, o Impugnante em parte das custas de arbitragem. IV. A Decisão Arbitral impugnada, no segmento decisório que versa a fixação da responsabilidade pelas custas de arbitragem, padece, pois, de um vício de oposição dos fundamentos com a decisão, na aceção do disposto no artigo 28.º, n.º 1, alínea b), do RJAT. Termos em que deve a presente impugnação de decisão arbitral ser julgada procedente, devendo ser anulado o segmento decisório da Decisão Arbitral em que se fixa a responsabilidade pelas custas de arbitragem, com todas as consequências legais.»
Conclui que, embora a Impugnante possa não concordar com o mérito da decisão impugnada, a verdade é que a mesma não está ferida de qualquer nulidade, a qual poderia resultar de uma oposição entre os fundamentos e a decisão, é certo, mas no caso em apreciação essa oposição não existe, devendo a presente impugnação arbitral ser julgada improcedente por não se verificar a nulidade que lhe vem assacada. O Magistrado do Ministério Público foi notificado nos termos do n.º 1, do artigo 146.º do CPTA. II – Delimitação do recurso Constitui questão a decidir a de saber se a decisão arbitral impugnada é nula quanto ao segmento das custas por oposição dos fundamentos com a decisão. * III – FUNDAMENTAÇÃO III. 1 – Fundamentação de facto Com relevância para a apreciação da presente Impugnação estão provados os seguintes factos: A) A Impugnante apresentou junto do CAAD pedido de constituição de tribunal arbitral - cfr. fls. 14 do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido; B) Tal pedido deu origem ao processo n.º º 621/2020-T - cfr. fls. 14 do SITAF; C) No âmbito de tal processo foi proferida decisão nos seguintes termos: «DA RESPONSABILIDADE PELAS CUSTAS DA ARBITRAGEM, Tendo em conta o valor já atribuído à causa em sede de saneamento, por aplicação da l.3 da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas da Arbitragem Tributária do CAAD (doravante “o Regulamento”) há que fixar a taxa de arbitragem do presente processo em EUR 918,00. Vencida na presente arbitragem, é a requerida AT responsável pelas custas — art. 12.º, n.º 2, do RJAT e arts. 4.º, n.º 5, e 6.º, al. a), do Regulamento. Sucede, porém, que a responsabilidade pelas custas da arbitragem não pode ser imputada integralmente à conduta processual da requerida. Com efeito, resulta da factualidade provada que o requerente se apresentou em juízo a impugnar um ato de liquidação que, nesse momento, já estava parcialmente revogado (rectius, administrativamente anulado) na sequência da parcial procedência da reclamação graciosa que ele próprio havia interposto. A procedência de uma reclamação graciosa faz impender sobre a administração tributária o dever de reconstituir a situação que existiria se o vício de que padecia o ato reclamado não se tivesse verificado, obrigando as mais das vezes — e como sucedeu no caso sub judice — à substituição do ato de liquidação por um novo ato que venha regular integralmente a totalidade da situação tributária sobre que incidia o ato precedentemente objeto daquele meio gracioso de impugnação. Se o requerente tivesse agido com a diligência devida e que lhe seria exigível, até porque já mesmo durante a fase administrativa se encontrava patrocinado por ilustre causídico, deveria ter aguardado pela prolação e notificação do novo ato tributário a ser emitido na sequência da procedência da reclamação graciosa por si interposta. E nem mesmo o receio de uma situação extremada em que a administração fiscal omitisse o dever de implementar a sua própria decisão de procedência parcial da reclamação graciosa consentiria ao requerente impugnar o ato de liquidação originalmente proferido pela AT: é que os atos administrativos constitutivos de direitos são, em si mesmos, passíveis de execução coerciva por via jurisdicional — caber-lhe-ia assim, num tal cenário, lançar mão do processo de execução de julgados (que, não obstante a sua denominação enganadora, também pode servir para executar atos administrativos inimpugnáveis) dando à execução o despacho que concedeu parcial provimento à reclamação graciosa e não, como fez, impugnar um ato tributário já parcialmente anulado administrativamente pela decisão proferida naquele meio de impugnação graciosa. Inexiste assim qualquer razão válida para que o requerente se apresentasse a pretório a peticionar a anulação de um ato de liquidação cuja invalidade e desvalor jurídico já haviam sido administrativamente reconhecidos, ainda que parcialmente. Mais a mais quando, ao fazê-lo, o requerente peticionou a invalidação integral desse ato tributário. A responsabilidade por custas da requerida tem assim de ser limitada ao seu decaimento em face do objeto da instância arbitral tal qual ele foi reconfigurado pelo despacho de 28 de junho p.p. do Tribunal Arbitral. Deste modo, tendo presente que se o requerente se tivesse apresentado a impugnar o mais recente ato regulador da sua situação fiscal relativa ao IRS do exercício de 2018, a responsabilidade por custas da requerida nunca excederia o valor previsto na l. 1 da tabela anexa ao Regulamento — isto é, seria de EUR 306,00. Por razões de equidade e por obediência aos ditames da boa-fé, afigura-se como ajustado limitar a esse montante a responsabilidade da requerida pelas custas da presente arbitragem, cabendo ao requerente — em virtude do seu impulso processual precipitado — a responsabilidade pelo remanescente da taxa de arbitragem devida, tanto mais que o valor que veio a ser fixado à presente arbitragem (e que, por imposição legal, serve de base tributável para a determinação da taxa de arbitragem devida a final) é exclusivamente imputável à sua conduta processual. Tivesse o requerente impugnado o ato de liquidação referido em K. da factualidade provada — e tivesse peticionado a sua anulação parcial em função da causa de pedir que avançou nos autos — o valor da arbitragem teria forçosamente de ser fixado em montante que se compreenderia no âmbito da l. 1 da Tabela I anexa ao Regulamento e, por consequência, o decaimento da requerida ter-se-ia compreendido numa ordem de grandeza mais limitada, gerando uma responsabilidade por custas de montante significativamente inferior àquela que resultará do valor da presente causa. Não tendo procedido desse modo, há que concluir que é o requerente quem dá causa às custas na parte em que estas excedem o que resultaria da base tributável que seria aplicável se ele tivesse procedido com o zelo e a diligência que lhe seriam exigíveis. Por conseguinte, a final condenar-se-á a requerida nas custas da presente arbitragem até ao limite da responsabilidade que resulta da l. 1 da Tabela I anexa ao Regulamento; e o requerente nas custas pela taxa de arbitragem correspondente ao valor remanescente. — V — Assim, pelos fundamentos expostos, julgo a presente arbitragem parcialmente procedente e em consequência: a) Julgo o regime previsto no art. 43.º, n.º 2, do CIRS (na redação vigente em 2018), no segmento em que restringe apenas aos sujeitos passivos residentes a aplicação da desconsideração de 50% do saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias para efeitos de determinação do rendimento de mais-valias sujeito a tributação em sede de IRS, incompatível com o disposto no art. 63.º do TFUE, na exata e precisa medida em que tal resulta da jurisprudência fixada pelo Acórdão TJUE 18-3-2021 (MK, C-388/19, EU:C:2021:212) e, consequentemente, recuso a aplicação daquele preceito legal na referida dimensão normativa; b) Declaro ilegal e anulo parcialmente a Liquidação de IRS n.º 2020-..., na parte em que, na determinação do rendimento de mais-valias do requerente sujeito a tributação em sede do IRS referente ao exercício de 2018, não considerou em apenas 50% do seu valor o saldo positivo entre as mais-valias e as menos-valias imobiliárias por ele declaradas nesse exercício e não excluídas de tributação; c) Condeno a requerida Administração Tributária e Aduaneira a restituir ao requerente o montante de imposto por este indevidamente pago ao abrigo do segmento ora anulado do ato de liquidação referido em b); d) Condeno a requerida Administração Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios calculados, à taxa legal, sobre a quantia de imposto que o requerente pagou indevidamente ao abrigo do segmento ora anulado do ato de liquidação referido em b), contados desde a data do pagamento até processamento integral da correspondente nota de crédito; e) Fixo à presente arbitragem o valor de EUR 9.089,58; f) Condeno ambas as partes nas custas do presente processo arbitral tributário, cuja taxa de arbitragem fixo em EUR 918,00, a suportar em EUR 306,00 pela requerida e em EUR 612,00 pelo requerente.» * Como se deixou dito, a questão a apreciar neste recurso é a de saber se o Tribunal arbitral incorreu em nulidade por oposição dos fundamentos com a decisão porquanto julgou inteiramente procedente o pedido de anulação da liquidação impugnada, pelo que a decisão proferida quanto ao mérito da causa foi totalmente favorável ao Impugnante, no entanto o Tribunal Arbitral condenou, a final, o Impugnante em parte das custas de arbitragem. A impugnabilidade das decisões proferidas pelos tribunais arbitrais tributários no Tribunal Central Administrativo, nos termos do artigo 28.º, n.º 1, do RJAT é limitada aos fundamentos ali indicados taxativamente, não incluindo a sindicância do mérito da decisão arbitral. A oposição dos fundamentos com a decisão constitui um dos fundamentos de impugnação. No entanto, o que o Impugnante invoca, conforme resulta da petição de impugnação apresentada, é que a decisão arbitral padece de erro de julgamento, como melhor veremos infra. Com efeito, alega o Impugnante que o Tribunal Arbitral conhecendo do vício invocado pelo Impugnante, julgou inteiramente procedente o pedido de anulação da liquidação impugnada, pelo que, obteve total procedência na acção, no entanto, a final, foi condenado em parte das custas de arbitragem. O segmento decisório quanto a custas não pode deixar de ser interpretado em conjugação com a motivação apresentada na decisão. Compulsada a decisão arbitral no que se refere à responsabilidade quanto a custas vemos que a sua condenação em custas teve como fundamento a sua conduta processual, conforme resulta do seguinte: «a responsabilidade pelas custas da arbitragem não pode ser imputada integralmente à conduta processual da requerida. Com efeito, resulta da factualidade provada que o requerente se apresentou em juízo a impugnar um ato de liquidação que, nesse momento, já estava parcialmente revogado (rectius, administrativamente anulado) na sequência da parcial procedência da reclamação graciosa que ele próprio havia interposto. (…) Se o requerente tivesse agido com a diligência devida e que lhe seria exigível, até porque já mesmo durante a fase administrativa se encontrava patrocinado por ilustre causídico, deveria ter aguardado pela prolação e notificação do novo ato tributário a ser emitido na sequência da procedência da reclamação graciosa por si interposta. (…) dando à execução o despacho que concedeu parcial provimento à reclamação graciosa e não, como fez, impugnar um ato tributário já parcialmente anulado administrativamente pela decisão proferida naquele meio de impugnação graciosa. Inexiste assim qualquer razão válida para que o requerente se apresentasse a pretório a peticionar a anulação de um ato de liquidação cuja invalidade e desvalor jurídico já haviam sido administrativamente reconhecidos, ainda que parcialmente. Mais a mais quando, ao fazê-lo, o requerente peticionou a invalidação integral desse ato tributário. A responsabilidade por custas da requerida tem assim de ser limitada ao seu decaimento em face do objeto da instância arbitral (…) é exclusivamente imputável à sua conduta processual. Tivesse o requerente impugnado o ato de liquidação referido em K. da factualidade provada — e tivesse peticionado a sua anulação parcial em função da causa de pedir que avançou nos autos — o valor da arbitragem teria forçosamente de ser fixado em montante que se compreenderia no âmbito da l. 1 da Tabela I anexa ao Regulamento e, por consequência, o decaimento da requerida ter-se-ia compreendido numa ordem de grandeza mais limitada, gerando uma responsabilidade por custas de montante significativamente inferior àquela que resultará do valor da presente causa. Não tendo procedido desse modo, há que concluir que é o requerente quem dá causa às custas na parte em que estas excedem o que resultaria da base tributável que seria aplicável se ele tivesse procedido com o zelo e a diligência que lhe seriam exigíveis. Por conseguinte, a final condenar-se-á a requerida nas custas da presente arbitragem até ao limite da responsabilidade que resulta da l. 1 da Tabela I anexa ao Regulamento; e o requerente nas custas pela taxa de arbitragem correspondente ao valor remanescente. (…) cabendo ao requerente — em virtude do seu impulso processual precipitado — a responsabilidade pelo remanescente da taxa de arbitragem devida (…) Condeno ambas as partes nas custas do presente processo arbitral tributário, cuja taxa de arbitragem fixo em EUR 918,00, a suportar em EUR 306,00 pela requerida e em EUR 612,00 pelo requerente» Como resulta claramente do segmento transcrito, a fundamentação não está em contradição com a decisão. Pode ter incorrido em erro de julgamento, questão que não é sindicável neste Tribunal, no entanto, não há contradição nos seus termos, pelo que, não ocorre a arguida nulidade, o que importa a improcedência da impugnação. III – CONCLUSÕES O erro de julgamento não constitui fundamento de impugnação da decisão arbitral junto do TCA, nos termos do art.º 27.º, n.º 1, do RJAT. IV – DECISÃO Termos em que, acordam, em conferência, os juízes que integram a Subsecção Comum do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em julgando improcedente a impugnação da decisão arbitral proferida no processo n.º 621/2020-T. Custas pelo Recorrente.
Registe e notifique.
Ana Cristina Carvalho – Relatora Vital Lopes – 1º Adjunto Rui A. S. Ferreira – 2º Adjunto |