Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:134/04.2BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:05/26/2022
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:IRC.
PREÇOS DE TRANSFERÊNCIA.
Sumário:A correcção à matéria colectável com base na existência de preços de transferência exige a comparação entre o negócio jurídico celebrado e o negócio jurídico paralelo, bem como entre a situação jurídica e económica das empresas intervenientes e a das entidades independentes.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
I- Relatório
P………, Lda. veio deduzir impugnação judicial na sequência do indeferimento expresso da reclamação graciosa que apresentou contra o acto de liquidação adicional de IRC, do exercício de 1996, constante do documento de cobrança com o nº……………., no montante de €35.523,51 (incluindo os juros compensatórios), pedindo a anulação da liquidação sindicada, na parte em que esta teve por base uma correcção relativa a proveitos financeiros.
O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença proferida em 20 de Julho de 2021, rectificada por despacho de 02 de Dezembro de 2021, constantes de fls.239 e ss. e de fls.329, respectivamente, (numeração do processo em formato digital - sitaf), julgou a impugnação procedente, anulou “o acto de liquidação de IRC na parte impugnada, referido na letra F do probatório” e condenou a Fazenda Pública no pagamento dos juros indemnizatórios devidos.
A Fazenda Pública interpôs recurso contra a sentença, em cujas alegações de fls. 280 e ss. (numeração do processo em formato digital - sitaf), formulou as conclusões seguintes:
a. Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou a Impugnação Judicial procedente e, consequentemente, anulou o ato de liquidação de IRC impugnado, em concreto a liquidação n.º ………………, referente a IRC do exercício de 1996, no montante de Esc. 7.121.825$00 (€35.523,51), com as demais consequências legais.
b. Salvo o devido respeito, a douta sentença enferma de erro de julgamento resultante da incorreta valoração da factualidade assente, como também da errónea interpretação e aplicação do direito, tendo, assim, violado as normas previstas no artigo 57.º do CIRC.
c. A sentença proferida pelo tribunal a quo considerou que a AT não fez a prova dos pressupostos constitutivos do direito à correção efectuada em sede de procedimento inspetivo. Refere que no relatório de inspeção (RIT) nada é dito no que respeita à descrição dos termos em que normalmente decorrem operações da mesma natureza entre pessoas independentes e em idênticas circunstâncias e conclui que o artigo 57.º do Código do IRC não podia ser utilizado, situando-se, portanto, a deficiência da correção em análise ao nível da fundamentação substancial ou material do ato tributário.
d. Como será demonstrado de seguida, em rigor, é a douta decisão que incorre em erro judicativo por não efetuar uma valoração correta da prova produzida e uma interpretação correta das normas legais.
e. No âmbito do procedimento inspetivo, a Administração Tributária efetuou uma correção com fundamento em que a Impugnante mutuou as quantias mencionadas no RIT à S.G.P.S. sua dominante, sem que relativamente às mesmas tenha sido acordada qualquer remuneração, circunstância que se afasta do que é normal suceder em relações de independência entre as sociedades e terá, portanto, sido determinada em virtude das relações especiais entre elas.
f. Como é salientado no relatório de inspeção, o facto de os empréstimos serem remunerados constitui um desvio relativamente ao que seria normal acontecer se a firma P………… efetuasse um empréstimo a uma empresa que não pertencesse ao grupo de empresas e a empresa P………….. SGPS tivesse de recorrer a uma Instituição Financeira ou a entidades terceiras para suprir as suas necessidades de recursos financeiros.
g. Ora, daqui resulta que caso a firma mutuante P ………… Comercial tivesse procedido de forma diferente fazendo-se remunerar pelos empréstimos efetuados, mediante a fixação de taxa de juro do mercado ou outra acordada, os resultados por si obtidos seriam naturalmente superiores, originando um acréscimo da sua matéria coletável em montante idêntico.
h. E perante a situação descrita, entendeu a AT, no âmbito do procedimento inspetivo que se encontravam verificados os requisitos de aplicação do artigo 57.º do CIRC, designadamente i) existência de relações especiais entre os intervenientes, ii) definição de condições diferentes das que seriam normalmente acordadas entre pessoas independentes e iii) apuramento de lucro diverso do que se apuraria se não existissem tais relações especiais.
i. Sendo a Impugnante detida a 100% pela P ……………. Comercial, SGPS, SA, como tal encontra-se numa relação intersocietária de domínio por parte daquela que detém a totalidade do seu capital social pelo que se verifica que as relações entre a Impugnante e a sociedade P ……………. Comercial S. G. P. S., S. A., são enquadráveis como relações especiais.
j. Quanto ao estabelecimento de condições diferentes das que seriam normalmente acordadas entre pessoas independentes afigura-se-nos por demasiado evidente que porque se trata de empréstimos entre duas empresas em que a mutuante é detida a 100% pela mutuária os quais não foram remunerados, este facto constitui um desvio relativamente ao que sucederia caso a mutuária tivesse de recorrer à banca ou a outra entidade que lhe fosse independente para satisfazer as suas necessidades de financiamento.
k. De facto, num mercado concorrencial não é expectável que alguém opere sem contrapartida, pelo que contrariamente ao que foi decidido pelo tribunal a quo, foram estabelecidas condições diferentes das que seriam normalmente acordadas entre pessoas independentes.
l. Decorre do antecedente que com este procedimento a Impugnante apurou um resultado tributável inferior ao que obteria caso o mesmo ocorresse entre empresas independentes pela não contabilização de proveitos financeiros inerentes aos juros que deveria ter debitado.
m. Tendo estes pressupostos base a inspeção tributária procedeu ao estabelecimento da taxa de juro apropriada às condições em que se verificaram os referidos empréstimos e ao apuramento dos proveitos financeiros resultantes da aplicação dessa taxa de juro aos empréstimos.
n. Face ao exposto, entende a Fazenda Pública que estão verificadas as condições para aplicação do artigo 57.º do Código do IRC no que diz respeito aos empréstimos aqui em causa.
o. A douta sentença ao decidir pela ilegalidade da liquidação de IRC referentes aos exercícios de 1996 violou a norma prevista no artigo 57.º do Código do IRC.
p. Com efeito, é forçoso concluir, salvo melhor entendimento, que a sentença recorrida enferma de vício de violação de lei, devendo ser a mesma revogada e ser decidido pela legalidade da liquidação de IRC.
q. Assim, deverá ser dado provimento ao recurso, ser revogada a douta sentença recorrida e ser substituída por acórdão que decida pela improcedência da Impugnação Judicial.
Caso assim não se entenda, subsidiariamente, sempre se dirá:
r. Entre maio e julho de 1999, a Impugnante, a sociedade P …………………, Lda. (e não a P ……………… Comercial S.G.P.S., S.A.), foi objeto de uma ação de inspeção levada a efeito pela 1.ª Direcção de Finanças de Lisboa aos exercícios de 1995 e 1996 (facto C da fundamentação factual deverá ser corrigido).
s. No âmbito do referido procedimento inspetivo e no que diz respeito ao exercício de 1996, foram efetuadas duas correções técnicas, no montante total de Esc. 14.127.120$00 (€70.465,78), e originou a liquidação adicional de IRC, n.° …………., de 24 de novembro de 1999, relativo ao exercício de 1996, no montante de € 35.523,51.
t. No ponto 4.º da petição inicial apresentada pela Impugnante é delimitado o objeto da impugnação, e é referido expressamente que vem apresentar Impugnação Judicial exclusivamente quanto à correção relativa aos Proveitos Financeiros, no montante de Esc.11.487.120$00 (€57.297,51).
u. E com toda a clareza e simplicidade formulou um pedido muito concreto: «Deve a presente Impugnação Judicial ser julgada procedente por provada, com as consequências legais, reduzindo-se a matéria colectável em €57.297,51 ou ESC. 11.487.120, de € 102.804,17 ou ESC. 20.610.385 para €45.506,65 ou Esc. 9.123.265, anulando-se a liquidação adicional nesses termos».
v. Como é sabido, o tribunal está limitado pelo princípio do pedido, isto é, a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir (art. 609º/1 do CPC).
w. No entanto, verifica-se que o Tribunal a quo decidiu a impugnação procedente e determinou em consequência a anulação da liquidação de IRC impugnada, ou seja, condenou em quantidade superior ao do pedido o que é causa de nulidade da sentença nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. e), do CPC ex vi artigo 2.º, al. e), do CPPT.
x. A liquidação de IRC objeto dos autos teve origem no procedimento inspetivo levado a cabo pela AT e é o reflexo das duas correcções efetuadas, em concreto o i) acréscimo ao resultado líquido de Proveitos Financeiros, apurados sobre empréstimos efetuados à firma P…………., S. G. P. S., S. A., no total de Esc. 11.487.120$00 (€57.297,51) e ii) custos não aceites fiscalmente ao abrigo do artigo 23.º do CIRC, no valor de 2.640.000$00 (€13.168,65).
y. Estando em causa apenas a correção referente aos Proveitos Financeiros e tendo concluído pela procedência da ação, deveria o Tribunal a quo ter decidido pela anulação parcial da liquidação adicional de IRC n°……………….., em concreto, apenas no segmento do acréscimo ao resultado líquido de Proveitos Financeiros, apurados sobre empréstimos efetuados à firma P………………., S. G. P. S., S. A.,no total de Esc. 11.487.120$00 (€ 57.297,51).
z. Assim, entende a Fazenda Pública que tendo decidido pela anulação total da liquidação de IRC, a decisão ultrapassa o pedido formulado o que leva a concluir que a douta sentença enferma de nulidade nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. e), do CPC ex vi artigo 2.º, al. e), do CPPT, motivo pelo qual não deve ser mantida na ordem jurídica a sentença ora colocada em crise, devendo antes ser declarada nula.
aa. Em face do supra exposto, deve a sentença ser declarada nula, com todas as legais consequências.
Nos termos supra expostos, e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a impugnação judicial totalmente improcedente ou,
Subsidiariamente,
deve a decisão ser declarada nula, com as devidas consequências legais.
PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA»
X
A recorrida contra-alegou, conforme requerimento de fls.299 e ss. (numeração em formato digital – sitaf), expendendo a final o seguinte quadro conclusivo:
A. O presente Recurso Jurisdicional foi interposto pela I……. contra a Douta Sentença proferida no âmbito do Processo nº134/04.2BELSB, pelo Tribunal Tributário de Lisboa, e que determinou a anulação da a liquidação de IRC impugnada, com o n.º ………………… de 24 de novembro de 1999, relativa ao exercício de 1996, no montante de € 35.523,51, condenando ainda a Fazenda Pública ao pagamento dos juros indemnizatórios devidos Tal Recurso foi errada e ilegalmente apresentado conforme conclusões que seguidamente se vertem.
B. No âmbito do presente Recurso, as questões que importam ver apreciadas são as de saber se (i) as operações realizada entre a RECORRIDA e a sociedade P …………….SGPS, Lda., sua dominante, consubstanciam operações de financiamento, (ii) se a liquidação impugnada devia ter sido efetuada ao abrigo do regime previsto para os preços de transferência, nos termos do art.º57.º do CIRC, e (iii) se as operações realizadas entre a RECORRIDA e a P ……………. SGPS, Lda., são equiparáveis a operações de financiamento com terceiros, como defende a RECORRENTE.
C. Resulta provado em sede de audiência e julgamento que “perante situações de excesso de liquidez verificadas numa das sociedades participadas, cabia à SGPS assegurar uma gestão centralizada da tesouraria de modo a colocar os eventuais excessos em outras sociedades do grupo em que se verificassem défices de liquidez”, conforme alínea M. do probatório.
D. As quantias transferidas pela RECORRIDA para a sociedade P …………. SGPS, S.A., não consubstanciam qualquer empréstimo, mas sim meras operações de tesouraria, sem custos associados entre as sociedades.
E. O regime de preços transferência previsto no art.º57.º do CIRC, visa evitar a existência de abusos, decorrentes da prática de preços deturpados que permitisse, designadamente, transferências de lucros entre sociedades relacionadas, conforme resulta da leitura da jurisprudência dos Tribunais superiores.
F. A aplicação do regime previsto no art.º 57.º do CIRC depende da verificação, no caso concreto, de três pressupostos cumulativos, a saber:
i. Existência de relações especiais entre o contribuinte e outra pessoa.
ii. Que entre ambos seja, estabelecidas condições diferentes das que seriam normalmente acordadas entre pessoas independentes.
iii. Que tais relações sejam causa de um lucro apurado diverso do que se apuraria na sua ausência.
G. Por forma a evitar a existência de abusos, previu o legislador um especial dever de fundamentação em situações de correções atinentes a preços de transferência.
H. O especial dever de fundamentação exigia, à época, que fossem – com relevo para a causa – descritos os termos em que normalmente decorrem operações da mesma natureza entre pessoas independentes e em idênticas circunstâncias, dever esse que não foi cumprido pela AT.
I. Ao invés, a AT limitou-se a (i) enunciar a existência de relações especiais; (ii) a afirmar a necessidade de existência de juros na operação analisada; e (iii) a quantificar, exclusivamente com a enunciação dos elementos utilizados, as correções que entendeu ser aplicáveis.
J. O dever de fundamentação que recai sobre a AT, não se basta com a mera afirmação por parte desta quanto à necessidade de existência de juros na operação analisada, e da identificação da taxa de juro que entende ser aplicável, sendo antes necessário caracterizar as operações concretas em causa e fundamentar a aplicação do regime legal aplicável.
K. As correções a que se refere o art.º 57.º do CIRC não podem assentar em indícios ou presunções, impondo-se à AT que prove os supramencionados pressupostos legais para que possa corrigir a matéria coletável do contribuinte ao abrigo do art. 57º do CIRC.
L. Contrariamente ao que lhe competia, a AT não satisfez o ónus de prova que sobre si recai, na medida em que não fundamentou em que termos as (alegadas) operações de financiamento realizadas entre a RECORRIDA e a sociedade P ……………, SGPS, Lda., são equiparáveis com operações de financiamento a realizar entre sociedade P …………….., SGPS, Lda. e entidades terceiras.
M. Consubstanciando as operações realizadas entre a RECORRIDA e a sociedade P……………, SGPS, Lda. meras operações de tesouraria como resulta provado, não podem as mesmas ser equiparáveis a operações de financiamento – empréstimos ou mútuos – com entidades terceiras.
N. Nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, “O financiamento de uma sociedade por um seu accionista e o financiamento de uma sociedade por uma entidade terceira não são operações financeiras equiparáveis” entendimento que deve ser aplicado, mutatis mutantis, ao caso sub judice no presente recurso.
O. Padecem assim as correções efetuadas pela AT de vicio de omissão quanto à sua fundamentação, situação que determina a ilegalidade do ato de liquidação adicional de IRC sub judice, nos termos legais.
P. A AT procedeu ainda a uma requalificação das operações realizadas entre as sociedades, de modo a poder aplicar o regime previsto para os preços de transferência, recorrendo assim a um procedimento este que lhe está completamente vedado nos termos da lei.
Q. Bem andou o Douto Tribunal a quo ao anular a liquidação de IRC impugnada com fundamento em ilegalidade, pelo que deve o presente Recurso ser julgado improcedente, por provado, e em consequência manter a sentença recorrida na ordem jurídica, com as demais consequências.
R. A título subsidiário requer ainda a Recorrente que seja a sentença declarada nula, com fundamento em vício excesso de pronúncia.
S. Embora a sentença se pronuncie em quantidade superior ao peticionado, verifica-se inequivocamente uma adequação entre a sentença e a causa de pedir, ou seja, existe uma coincidência entre a causa de pedir e o julgado.
T. Nos termos do Acórdão do Supremo Tribunal Central Administrativo Norte, proferido no âmbito do processo 01396/12.7BEPRT, de 22 de outubro de 2020, “[n]ão havendo coincidência entre o decidido e o pedido, estar-se-á a ultrapassar a petição, vício que produz nulidade do aresto o que inutiliza o julgamento na parte afetada.”
U. Havendo, inquestionavelmente, coincidência entre o decidido e a causa de pedir, a nulidade suscitada apenas respeita ao facto do douto Tribunal se ter pronunciado em quantidade superior ao peticionado, pelo que deve o douto Tribunal ad quem conhecer da nulidade da sentença, na exata medida em que a mesma se pronunciou em excesso, inutilizando, em consequência, o julgamento na parte afetado, mantendo no restante a decisão do Tribunal a quo.
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A Digna Magistrada do M. P. junto deste Tribunal notificada para o efeito, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
X
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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II- Fundamentação
1.De Facto.
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:«
A. A Impugnante tem como objecto social o “comércio de agência de navios” (cf. certidão a fls. 61 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
B. Em 1996, a sociedade P ……………… S. G. P. S., S. A., detinha a totalidade do capital da Impugnante (acordo das partes - cf. artigo 3.º da p. i. e Relatório de Inspecção Tributária (RIT), a fls. 104 e segs. do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
C. Entre Maio e Julho de 1999, a sociedade P ………………, S. G. P. S., S. A., foi objecto de uma acção de inspecção levada a efeito pela 1.ª Direcção de Finanças de Lisboa aos exercícios de 1995 e 1996 (cf. RIT, a fls. 104 e segs. do PAT apenso);
D. No âmbito da referida acção de inspecção, foi projectada uma correcção técnica, em sede de IRC, ao exercício de 1996 da Impugnante, no montante de Esc. 14.127.120$00 (€ 70.465,78), resultante de “acréscimo ao resultado líquido de Proveitos Financeiros, apurados sobre Empréstimos efectuados à firma Pinto Basto, S. G. P. S., S. A., à taxa que remunera os depósitos a prazo – taxa de juro «TD3»”, no total de Esc. 11.487.120$00 (€ 57.297,51), podendo ler-se nos pontos III e VIII do RIT (Idem e parecer proferido sobre o RIT, a fl. 102 do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

«Texto no original»

(…)
«Texto no original»
(…)
«Texto no original»
(…)
«Texto no original»
E. Dá-se por integralmente reproduzido o teor dos 10 Anexos ao RIT, a fls. 115 e segs. do PAT apenso;
F. Em 24 de Novembro de 1999, foi emitida a liquidação n.º…………….., referente a IRC do exercício de 1996, no montante de Esc. 7.121.825$00 (€ 35.523,51) (cf. fl. 18 do procedimento de reclamação graciosa constante do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
G. Em 10 de Abril de 2000, a Impugnante apresentou reclamação graciosa nos termos constantes de fls. 2 e segs. do procedimento de reclamação graciosa constante do PAT apenso;
H. Em 13 de Outubro de 2003, a Impugnante foi notificada do projecto de indeferimento da reclamação graciosa e para o exercício do direito de audição prévia, tendo por base informação com o seguinte teor essencial (cf. fls. 50 e segs. do procedimento de reclamação graciosa constante do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido):
«Texto no original»
I. Em 2 de Dezembro de 2003, foi a Impugnante notificada do indeferimento definitivo da reclamação graciosa, tendo por base informação com o seguinte teor (cf. fls. 67 e segs. do procedimento de reclamação graciosa constante do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido):
«Texto no original»

J. Por não se conformar com a decisão referida na letra anterior, a Impugnante deduziu a presente impugnação judicial, cuja p.i. deu entrada em juízo em 6 de Janeiro de 2004 (cf. carimbo aposto a fl. 3, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
K. Dá-se por integralmente reproduzido o teor dos documentos constituídos por: Balanço, Demonstração de Resultados e respectivos Anexos, relativos a 31 de Dezembro de 1996 da Impugnante; Balanço, Demonstração de Resultados e respectivos Anexos, relativos a 31 de Dezembro de 1996, da sociedade P………………, S. G. P. S., S. A.; e Extractos bancários e respectivos documentos de suporte da Impugnante, juntos a fls. 95 e segs.;
L. A nota de liquidação n°………………., no valor de €35.523,51, relativa ao exercício de 1996, foi paga em 12 de Janeiro de 2000 (cf. print do sistema informático de Gestão de Fluxos Financeiros a fls. 172 e 173, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
M. Perante situações de excesso de liquidez verificadas numa das sociedades participadas, cabia à S. G. P. S. assegurar uma gestão centralizada de tesouraria de modo a colocar os eventuais excessos em outras sociedades do grupo em que se verificassem défices de liquidez (cf. artigo 16.º da p. i. e depoimento da testemunha inquirida).»
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«Assenta a convicção do tribunal no exame dos documentos constantes dos autos e do PAT apenso, atenta a fé que merecem e o facto de não terem sido impugnados, no depoimento da testemunha inquirida, o qual, não obstante as relações profissionais com a Impugnante, se revelou isento e credível, demonstrando possuir conhecimento directo dos factos, na parte relevada; na parte não relevada, a testemunha limitou-se a revelar a sua interpretação dos documentos constantes dos autos e do PAT apenso) e, bem assim, na posição processual assumida pelas partes nos articulados, tal como referido em cada letra do probatório»
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2.2. De Direito.
2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre os alegados vícios da sentença seguintes:
i) Nulidade da sentença por excesso de pronúncia, dado que a mesma conheceu de matéria que vai para além do pedido.
ii) Erro de julgamento quanto à apreciação da matéria de facto.
A sentença julgou procedente a impugnação relativa à liquidação de IRC de 1996, na parte impugnada. A mesma incide sobre a correcção à matéria colectável da impugnante em razão da não aceitação do empréstimo gratuito à sociedade P…………….., SGPS, sociedade que detém a totalidade do capital social da impugnante, com base na invocação do regime de “preços de transferência” (artigo 57.º do CIRC). Refere-se, em síntese, na sentença recorrida que: «(…) não se sabe em que medida operações de financiamento entre uma S. G. P. S. dominante e uma sua participada e operações de financiamento entre uma S. G. P. S. e uma entidade terceira são operações financeiras equiparáveis. // Da mesma forma, nada é explanado em torno da caracterização das transferências efectuadas como respeitando à concessão de empréstimos ou mútuos (não remunerados), designadamente a obrigação, por parte do mutuário, de restituição do dinheiro ou da coisa (cf. artigo 1142.º do CC). // Aliás, ficou demonstrado nos autos que tais transferências formam um todo dentro da estratégica do grupo de gestão centralizada de tesouraria (cf. última letra do probatório). // Pelo que a Administração Tributária deveria ter analisado as operações relevantes globalmente e não individualmente».
2.2.2. No que respeita ao fundamento do recurso referido em i), a recorrente invoca que «tendo decidido pela anulação total da liquidação de IRC, a decisão ultrapassa o pedido formulado o que leva a concluir que a douta sentença enferma de nulidade nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. e), do CPC ex vi artigo 2.º, al. e), do CPPT, motivo pelo qual não deve ser mantida na ordem jurídica a sentença ora colocada em crise, devendo antes ser declarada nula».
Apreciação. Nos termos do artigo 615.º/1/e), do CPC, «[é] nula a sentença em que o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido».
Consta do segmento decisório em crise o seguinte: «Decide-se julgar a presente impugnação judicial procedente, por provada, determinando-se, em consequência, a anulação do acto de liquidação de IRC, na parte impugnada».
No artigo 4.º da petição inicial da presente acção, a impugnante/recorrida afirmou que a sua intenção rescisória incide sobre «a correcção relativa aos proveitos financeiros, no montante de €57.297,51». É este segmento do acto tributário que constitui o objecto de anulação determinada pela sentença recorrida. Não subsistem dúvidas de que o segmento decisório em exame incide apenas sobre a parte do acto tributário que foi objecto de censura através daa presente acção impugnatória.
Pelo que a alegada ultrapassagem dos limites do pedido não se comprova nos autos.
Motivo porque se rejeita a presente imputação.
2.2.3. No que respeita ao fundamento do recurso referido em ii), a recorrente assaca à sentença em crise erro de julgamento quanto à apreciação da matéria de facto. Alega que a impugnante apurou um resultado tributável inferior ao que obteria caso o mesmo ocorresse entre empresas independentes pela não contabilização de proveitos financeiros inerentes aos juros que deveria ter debitado».
Vejamos.

A norma invocada sobre os preços de transferência (1) estatuía que «[a] Direcção-Geral das Contribuições e Impostos poderá efectuar as correcções que sejam necessárias para a determinação do lucro tributável sempre que, em virtude das relações especiais entre o contribuinte e outra pessoa, sujeita ou não a IRC, tenham sido estabelecidas condições diferentes das que seriam normalmente acordadas entre pessoas independentes, conduzindo a que o lucro apurado com base na contabilidade seja diverso do que se apuraria na ausência dessas relações». A fundamentação do acto tributário «deve observar os seguintes requisitos: // a) Descrição das relações especiais; // b) Indicação das obrigações incumpridas pelo sujeito passivo; // c) Aplicação dos métodos previstos na lei, podendo a Direcção-Geral dos Impostos utilizar quaisquer elementos de que disponha e considerando-se o seu dever de fundamentação dos elementos de comparação adequadamente observado ainda que de tais elementos sejam expurgados os dados susceptíveis de identificar as entidades a quem dizem respeito; // d) Quantificação dos respectivos efeitos» (2).
A este propósito, constitui jurisprudência fiscal assente a seguinte:
i) «Para que a AT possa corrigir o lucro tributável em virtude de relações especiais entre o contribuinte e outra entidade, necessário se torna que tenham sido estabelecidas condições diferentes das que seriam normalmente acordadas entre pessoas independentes e que o lucro apurado na contabilidade seja diverso do que se apuraria na ausência dessas relações» (3).
ii) Se a AT desconsidera a declaração de rendimentos do contribuinte, por haver apurado que a dimensão do lucro tributável declarado é inferior à que poderia ser obtida em condições normais de mercado entre dois sujeitos independentes, em idênticos negócios, e se é nesta diferença que alicerça os pressupostos para a correcção do lucro tributável e consequente liquidação, cabe-lhe fazer a prova desses pressupostos constitutivos do direito a tal correcção (…). // Ou seja, a correcção da matéria colectável deveria assentar na descrição dos termos em que normalmente decorrem operações da mesma natureza entre pessoas independentes e em idênticas circunstâncias. É que, por um lado, face à presunção de veracidade da contabilidade e das declarações do contribuinte (art. 78º do CPT), cabe à AT o ónus da prova dos pressupostos que justificam as correcções, bem como do valor do preço de concorrência; e, por outro lado, o nº 3 do art. 57º do CIRC, remetendo para o disposto no seu nº 1, impõe este especial dever de fundamentação (cfr. também o citado nº 3 do art. 77º da LGT). Portanto, impõe a lei que, nestes casos, além dos requisitos a que deve obedecer a fundamentação de qualquer acto administrativo (expressa, clara, congruente e suficiente - cfr. art. 125º do CPA), também se descrevam e fundamentem os termos em que normalmente decorrem operações da mesma natureza entre pessoas independentes e em idênticas circunstâncias e que as relações assim consideradas sejam causa adequada das ditas condições e conduzam a um lucro apurado diverso daquele que se apuraria na sua ausência (…)». (4)
Dos elementos coligidos no probatório, verifica-se que está em causa a correcção à matéria colectável imposta com base no regime dos preços de transferência em IRC. A Administração Fiscal colocou sob censura o empréstimo gratuito concedido pela sociedade impugnante à “P………….., SGPS”, sociedade dominante daquela. Sucede, porém, que tal empréstimo se insere numa estratégia de gestão centralizada de excessos de tesouraria (alínea M). Facto que não foi descaracterizado pela Administração Fiscal. Recorde-se que nos termos do artigo 5.º/3, do Regime Jurídico das Sociedades Gestoras de Participações Sociais (5), «as operações de tesouraria efectuadas em benefício da SGPS pelas sociedades participadas que com ela se encontrem em relação de domínio ou de grupo, não constituem concessão de crédito para os efeitos do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro».
A invocação de relações especiais entre sociedades e a existência de negócio jurídico paralelo de natureza onerosa, a celebrar por entidades independentes, não permitem caracterizar a alegada situação de fuga ao imposto, através da erosão artificial da base tributável. Havendo justificação económica para a operação de transferência de fundos entre a sociedade dominada e a SGPS dominante, a comparabilidade das operações não é assegurada pela mera referência ao negócio jurídico de empréstimo oneroso, a taxas de juro de mercado, cuja aplicação ao caso não assume justificação explícita. A desconsideração dos empréstimos não remunerados prestados pela impugnante à sociedade dominante exige um esforço de análise de cotejo da situação do grupo liderado pela SGPS em causa em face de outros grupos de sociedades com sociedade dominante sujeita ao mesmo regime jurídico, sob pena de se tratar de uma correcção à matéria colectável que assenta na reconfiguração do negócio jurídico celebrado pelas partes. O que a lei - artigo 58.º do CIRC - não permite à Administração Fiscal.
A correcção em exame incorre em erro nos pressupostos de direito, pelo que não deve ser mantida na ordem jurídica.
A sentença recorrida que assim decidiu deve ser confirmada na ordem jurídica.
Termos em que se julga improcedentes as presentes conclusões de recurso.

Dispositivo
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe.
Notifique.
(Jorge Cortês - Relator)

(1.ª Adjunta – Hélia Gameiro Silva)

(2.ª Adjunta – Ana Cristina Carvalho)

(1) Artigo 58.º/1, do CIRC (versão vigente).
(2) Artigo 77.º/3, da LGT.
(3) Acórdão do TCAS, de 17.03.2016, P. 04412/10.
(4) Acórdão do STA, de 14-05-2015, P.0833/13
(5) Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 495/88, de 30.12, com alteração introduzida pelo Decreto-Lei. n.º 378/98, de 27/11.