Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1268/13.8BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:07/08/2021
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:TAXA MUNICIPAL DE DIREITOS DE PASSAGEM.
TAXA MUNICIPAL DE OCUPAÇÃO DO SUBSOLO.
Sumário:Pela implementação e funcionamento de estruturas necessárias às redes de comunicações apenas é devida a taxa municipal de direitos de passagem prevista na lei das comunicações electrónicas.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão


I- Relatório
P......., S.A, intentou impugnação judicial, "na sequência do indeferimento expresso das reclamações graciosas por si apresentada, dirigida à Câmara Municipal de Odivelas contra a liquidação de taxas referentes a “operações urbanísticas”, no valor global de €927,19.
O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença proferida a fls. 318 e ss., datada de 07 de Maio de 2020, julgou a impugnação procedente, anulou as liquidações impugnadas, e condenou o demandado na restituição dos montantes pagos, acrescidos dos juros indemnizatórios devidos.

O Município de Odivelas interpõe recurso jurisdicional contra a sentença, conforme requerimento de fls. 335 e ss. Alega nos termos seguintes:

«I- Da sentença ora recorrida devem constar as seguintes 4 novas alíneas na matéria de facto provada:

7) A A. deduziu perante o Município de Odivelas, pelos ofícios com a ref.- DPL/PIF/PIS4/20120027 e ref.-DPL/PIF/PIS4/20130002, duas pretensões administrativas relativas à execução de obras na via pública.

8) A A para efeitos de apreciação técnica por parte do Município de Odivelas, instruiu as suas pretensões com os seguintes documentos

k) Planta de localização e sinalização;

l) Projeto do traçado das condutas;

m) Perfil da vala tipo;

n) Termo de responsabilidade do técnico autor do projeto;

o) Declaração da entidade sócio-profissional;

p) Declaração da Seguradora;

q) Memória descritiva e justificativa;

r) Fotocópia do alvará de Construção;

s) Cronograma dos trabalhos previstos;

t) Relatório do Orçamento.

9) As sobreditas pretensões deram origem aos Processos n.º 13845/D e n.º 13863/D, nos quais foram produzidas as correspondentes apreciações técnicas e legais dos pedidos formulados pela A

10) No âmbito daquelas apreciações foram solicitados pelo R Município de Odivelas esclarecimentos e documentos adicionais que foram prestados e juntos pela A.

II- A sentença recorrida padece também de vicio de erro na aplicação do Direito, porquanto as pretensões administrativas deduzidas pela ora Recorrida não visaram a ocupação da via pública mas sim:

a) a prestação de um serviço público que se traduziu na apreciação técnica de um projecto de obras e

b) a remoção de um obstáculo jurídico que se traduziu na emissão de uma autorização.

III - Aliás, todo o acervo documental produzido para o efeito pela própria Recorrida não permite outra conclusão.

IV- Assim como o não permitem os factos já dados por provados, bem como aqueles outros factos que devem ser dados por provados por força da revisão da respectiva matéria que resultará da decisão sobre o presente recurso.

V- O que Recorrida submeteu ao Município de Odivelas não foi um pedido de autorização para a ocupação do subsolo - isenta de taxação - mas sim um pedido de autorização para executar obras - não isenta de taxação.

VI- Daqui decorre um evidente erro na aplicação do Direito que inquina a sentença recorrida e a torna nula.

VII- É inconstitucional qualquer interpretação do artigo 106º da LCE que vá no sentido de isentar a aqui Recorrida de ser taxada quando beneficia da prestação de um serviço público municipal e da emissão de um título permissivo para executar obras.

VIII- Assim como é inconstitucional qualquer aresto que fazendo uso de semelhante interpretação conclua que a aqui Recorrida estava isenta de pagar as taxas devidas quando deduziu perante o Município de Odivelas as pretensões que deram origem aos Processos n.º 13845/D e n.º 13863/D.

Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, com o que se fará a costumada JUSTIÇA.»

X

A P......., S.A., na qualidade de recorrida, não apresentou contra-alegações.
X

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

X

II- Fundamentação.

A sentença recorrida assentou na seguinte fundamentação de facto:

«1) Pelo ofício "Saída/ 2013/5060" de 08 de Março de 2013 foi a Impugnante informada "Em cumprimento do despacho de 05 mar 2013, do Diretor de Departamento de Gestão e Ordenamento Urbanístico, [...] que foi admitida a comunicação prévia supra referenciada, apresentada em 21.jan.20l3, de acordo com informação dos serviços, de que se junta cópia.

Mais se notifica nos termos previstos no nº 1 do artigo 80º A do Decreto-Lei 555/99 de 16 de Dezembro na sua atual redação deverá informar a Câmara Municipal da data prevista para inicio da obra com uma antecedência mínima de 5 dias e proceder ao pagamento da taxa no valor de € 165,47 (cento e sessenta e cinco euros e quarenta e sete cêntimos)" - cfr. ofício, a págs. 52 do suporte digital dos autos;

2) Juntamente com o ofício "Saída/2013/5060" foi enviada "Liquidação de Taxas" com o assunto "Pedido de autorização para ocupação de via pública", onde consta, na rúbrica "Outras operações urbanísticas n.º 1 Abertura de vala" o valor 165,47€ - cfr. liquidação, a págs. 58 do suporte digital dos autos;

3) Pelo ofício "Saída/2013/5067", de 08 de Março de 2013, foi a Impugnante informada "Em cumprimento do despacho de 28 fev 2013. do Diretor de Departamento de Gestão e

Ordenamento Urbanístico, [...] que foi admitida a comunicação prévia supra referenciada. apresentada em 2l.jan.2013, de acordo com informação dos serviços, de que se junta cópia. Mais se notifica nos termos previstos no nº 1 do artigo 80º A do Decreto-Lei 555/99 de 15 de Dezembro na sua atual redação deverá informar a Câmara Municipal da data prevista para inicio da obra com uma antecedência mínima de 5 dias e proceder ao pagamento da taxa no valor de € 761,72 (setecentos e sessenta e um euros e setenta e dois cêntimos)" - cfr. ofício, a págs. 44 do suporte digital dos autos;

4) Juntamente com o ofício "Saída/2013/5067" foi enviada "Liquidação de Taxas" com o assunto "Pedido de autorização para ocupação de via pública", onde consta, na rúbrica "Outras operações urbanísticas n.º 1 Abertura de vala" o valor 761,72€ - cfr. liquidação, a págs. 50 do suporte digital dos autos;

5) No dia 16 de Abril de 2013 foi aposto o carimbo de "Recebido" na Factura/Recibo 4609 do Município de Odivelas, no valor de €927,29 e com a observação —PRCº 13863/D PRCº 13845/D COMUNICAÇÃO PRÉVIA" - cfr. factura, a págs. 80 do suporte digital dos autos;

6) Por requerimentos datados de 26 de Abril de 2013, com o assunto “Comunicação prévia para ocupação da via pública para abertura de vala e colocação de duas caixas de visita [...]- Notificação para liquidação de taxa referente a ocupação do domínio público - Taxa por "Ocupação de Via Pública" - Apresentação de Reclamação Graciosa", a Impugnante defende que "por contrariar o quadro legal aplicável, o acto de liquidação ora

reclamado padece de ilegalidade, pelo que deve ser revogado, não sendo portanto devido o pagamento da taxa liquidada" - cfr. reclamações graciosas, a págs. 60 a 78 do suporte digital dos autos;


*

Factos não provados

Não se deram como não provados quaisquer factos com relevância para a decisão da lide.


*

Motivação da decisão sobre a matéria de facto

Ao declarar quais os factos que considera provados, o juiz deve proceder a uma análise crítica das provas, especificar os fundamentos que foram decisivos para radicar a sua convicção e indicar as ilações inferidas dos factos instrumentais.

A convicção do Tribunal sobre a matéria de facto provada baseou-se na prova documental constante dos autos e indicada a seguir a cada um dos factos, dando-se por integralmente reproduzido o teor dos mesmos, bem como o do PA apenso aos autos.


X

O recorrente invoca erro de julgamento quanto à determinação da matéria de facto. Pretende o aditamento dos quesitos referidos no ponto I), das alegações de recurso.

Apreciação. Compulsadas as alíneas do probatório, verifica-se que os elementos pretendidos aditar em nada acrescentam à matéria de facto assente, dado que da mesma resulta a existência de dois pedidos de autorização de obras no domínio público municipal, com ocupação do mesmo, os quais deram lugar a dois procedimentos administrativos (V. n.os 1 a 5, do probatório). Pelo que quesitos em apreço nada acrescentam ao acervo probatório, não sendo os mesmos de aditar à matéria de facto assente.

Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.


X

Ao abrigo do disposto no artigo 662.º/1, do CPC, adita-se à matéria de facto assente o seguinte:

7) Os requerimentos de comunicação prévia referidos em 1) e 3), deram lugar à liquidação das taxas pela ocupação da via pública seguintes:

a) Proc. n.º 13845D - €761,72 – doc. 1 junto com a petição inicial.

b) Proc. n.º 13863/D - €165,47 – doc. 2 junto com a petição inicial.


X

2.2. Direito

2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre os alegados erros de julgamento quanto à determinação da matéria de facto [apreciado supra] (i), quanto ao enquadramento jurídico da causa (ii) e quanto à inconstitucionalidade do regime legal aplicado (iii).

2.2.2. A sentença julgou procedente a impugnação, fundando-se na orientação fixada no Acórdão do Pleno do STA, de 29.03.2017, P. 01091/16, no qual se consigna que: «[a] partir da entrada em vigor da Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei nº 5/2004, de 10/2, apenas se consente aos Municípios taxar as utilidades decorrentes da ocupação e utilização do domínio público municipal com a implementação e funcionamento de estruturas necessárias às redes de comunicações daquela natureza acessíveis ao público através da Taxa Municipal de Direitos de Passagem prevista naquela lei, não lhes sendo lícito taxá-las através de tributos ou encargos de outra espécie ou natureza, designadamente através de taxa de ocupação/utilização do solo municipal com obras necessárias à implantação de infra-estruturas ou equipamentos».

2.2.3. No que respeita ao fundamento do recurso referido em ii), o recorrente invoca, em síntese, que, a pretensão da recorrida deduzida perante os seus serviços consiste em pedido de autorização para a realização de obras no domínio público municipal, cujo deferimento exige a tributação aplicada.

Apreciação. Estão em causa as liquidações de taxas pela ocupação da via pública, relativas ao Proc. n.º 13845D - €761,72 e ao Proc. n.º 13863/D - €165, do exercício de 2013[1].

Recorde-se o quadro normativo relevante.

«Todos os encargos administrativos impostos às empresas que ofereçam serviços ou redes ao abrigo da autorização geral ou às quais foi concedido um direito de utilização: // a) Cobrirão, no total, apenas os custos administrativos decorrentes da gestão, controlo e aplicação do regime de autorização geral, bem como dos direitos de utilização e das obrigações específicas referidas no n.o 2 do artigo 6.o (…); e // b) Serão impostos às empresas de forma objectiva, transparente e proporcional, que minimize os custos administrativos adicionais e os encargos conexos. // Caso imponham encargos administrativos, as autoridades reguladoras nacionais publicarão uma súmula anual dos seus custos administrativos e do montante total resultante da cobrança dos encargos. Em função da diferença entre o montante total dos encargos e os custos administrativos, serão feitos os devidos ajustamentos»[2].

«Os Estados-Membros assegurarão que, sempre que uma autoridade competente pondere: // - um pedido de concessão de direitos de instalação de recursos em, sobre ou sob propriedade pública ou privada a uma empresa autorizada a oferecer redes públicas de comunicações (…); // essa autoridade competente: // - actue com base em procedimentos transparentes e acessíveis ao público, aplicados sem discriminação e sem demora, e // - respeite os princípios da transparência e da não discriminação, ao estabelecer condições para cada um desses direitos. // Os referidos procedimentos poderão diferir consoante se trate ou não de um requerente que ofereça redes públicas de comunicações»[3].

«Pela utilização e aproveitamento dos bens do domínio público e privado municipal, que se traduza na construção ou instalação de infraestruturas aptas, por parte de empresas que ofereçam redes e serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público, é devida a taxa municipal de direitos de passagem, nos termos do artigo 106.º da Lei das Comunicações Eletrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de fevereiro, não sendo permitida a cobrança de quaisquer outras taxas, encargos ou remunerações por aquela utilização e aproveitamento (…)»[4].

« Os direitos e encargos relativos à implantação, passagem e atravessamento de sistemas, equipamentos e demais recursos das empresas que oferecem redes e serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público, em local fixo, dos domínios público e privado municipal podem dar origem ao estabelecimento de uma taxa municipal de direitos de passagem (TMDP) e à remuneração prevista no Decreto-Lei n.º 123/2009, de 21 de maio, pela utilização de infraestruturas aptas ao alojamento de redes de comunicações eletrónicas que pertençam ao domínio público ou privativo das autarquias locais»[5].

«A taxa municipal de direitos de passagem (TMDP) é determinada com base na aplicação de um percentual sobre o total da faturação mensal emitida pelas empresas que oferecem redes e serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público, em local fixo, para todos os clientes finais do correspondente município // O percentual referido na alínea anterior é aprovado anualmente por cada município até ao fim do mês de dezembro do ano anterior a que se destina a sua vigência e não pode ultrapassar os 0,25 %»[6].

O dissídio entre as partes reside na questão de saber pela implantação da estrutura de comunicações no solo municipal, o recorrente pode cobrar, em simultâneo, a taxa municipal de direitos de passagem, e a taxa municipal pela ocupação do solo.

O recorrente sustenta, em síntese, que as taxas em referência não se sobrepõem, dado que incidem sobre realidades e utilidades diversas. Afirma que são utilidades distintas, passíveis de tributação através de taxas municipais diferentes, seja a taxa de ocupação do domínio público local por parte das estruturas da recorrida, seja a taxa incidente sobre os direitos de passagem cobrada aos operadores de comunicações electrónicas. Prima facie, dir-se-á que se trata de figuras distintas. No primeiro caso, está em causa a tributação do aproveitamento individualizado de um bem do domínio público (o subsolo) através da implantação de infra-estruturas de rede de distribuição das redes de comunicação elecrónica. Na segunda situação, trata-se de tributar «a implantação, passagem e atravessamento de sistemas, equipamentos e demais recursos das empresas que oferecem redes e serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público, em local fixo, dos domínios público e privado municipal».

A este propósito, colhem-se da jurisprudência fiscal assente os ensinamentos seguintes:
i) A partir da entrada em vigor da Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei nº 5/2004, de 10/2, apenas se consente aos Municípios taxar as utilidades decorrentes da ocupação e utilização do domínio público municipal com a implementação e funcionamento de estruturas necessárias às redes de comunicações daquela natureza acessíveis ao público através da Taxa Municipal de Direitos de Passagem prevista naquela lei, não lhes sendo lícito taxá-las através de tributos ou encargos de outra espécie ou natureza, designadamente através de taxa de ocupação/utilização do solo municipal com obras necessárias à implantação de infra-estruturas ou equipamentos»[7].
ii) «A partir da entrada em vigor da Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, apenas se consente aos Municípios taxar as utilidades decorrentes da ocupação e utilização do domínio público municipal com a implementação e funcionamento de estruturas necessárias às redes de comunicações daquela natureza acessíveis ao público através da Taxa Municipal de Direitos de Passagem prevista naquela lei, não lhes sendo lícito taxá-las através de tributos ou encargos de outra espécie ou natureza; // Consequentemente, é ilegal a liquidação de Taxa Municipal de Ocupação do Subsolo sindicada nos presentes autos, cuja contraprestação específica consiste na utilização do domínio público municipal com instalações e equipamentos necessários à distribuição de televisão por cabo»[8].

No caso, para além da Taxa Municipal de Direitos de Passagem, a recorrente pretende liquidar a taxa de ocupação do domínio público com obra, o que viola o quadro normativo vigente, porquanto não são distintas as utilidades tributadas num caso e no outro, dado que entre o atravessamento do domínio público e a realização de obra tendente à implantação do equipamento que permite tal atravessamento não é possível distinguir os aproveitamentos em causa à luz do ordenamento jurídico vigente.

Como se refere no Acórdão do STA, de 07.11.2018, P. 087/13.6BEALM 0627/15, «[i]sto mesmo foi sublinhado no DL 123/2009 de 21 de Maio, que define o regime jurídico da construção, do acesso e da instalação de redes e infra-estruturas de comunicações electrónicas, e em cujo artº 12º do refere expressamente que «pela utilização e aproveitamento dos bens do domínio público e privado municipal, que se traduza na construção ou instalação, por parte de empresas que ofereçam redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público, de infra-estruturas aptas ao alojamento de comunicações electrónicas, é devida a taxa municipal de direitos de passagem, nos termos do artigo 106.º da Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, não sendo permitida a cobrança de quaisquer outras taxas, encargos ou remunerações por aquela utilização e aproveitamento». // Sendo que tal intuito do legislador é também patente nos arts. 13º, nº 4 e 34º do mesmo diploma legal e ainda o respectivo preâmbulo, onde expressamente se refere que «no que respeita às taxas devidas pelos direitos de passagem nos bens do domínio público e privado municipal, o presente decreto-lei remete para a Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, a qual prevê a taxa municipal de direito de passagem (TMDP). Porém, e em cumprimento dos princípios constitucionais aplicáveis, é clarificado que neste âmbito não podem ser exigidas outras taxas, encargos ou remunerações pelos direitos de passagem, evitando-se, assim, a duplicação de taxas relativas ao mesmo facto».

Do exposto se infere que a imposição em apreço é ilegal e não deve subsistir, como se decidiu na sentença recorrida. A mesma não enferma de erro de julgamento, pelo que deve ser confirmada na ordem jurídica.

Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.

2.2.4. No que respeita à alegação de que a interpretação do artigo 106.º da Lei das Comunicações Electrónicas que sustenta que a recorrida não deve ser taxada quando beneficia da prestação de um serviço público municipal e da emissão de um título permissivo para executar obras é inconstitucional.

Apreciação. Pese embora o recorrente não concretize, nas conclusões de recurso, os fundamentos da alegada inconstitucionalidade, do corpo das alegações resulta que o mesmo considera que a não tributação pela ocupação do domínio público em referência contende com a princípio constitucional e de direito europeu da autonomia local.

Estão em causa os artigos 238.º e 254.º da Constituição da República Portuguesa [CRP] e a Carta Europeia da Autonomia Local[9].

A tese do recorrente assenta na ideia de que o regime legal de exclusão da tributação com base na ocupação da via pública é defraudatório da garantia da autonomia local, dado que retiraria aos municípios a administração de receitas tributárias próprias.

«As autarquias locais podem dispor de poderes tributários, nos casos e nos termos previstos na lei»[10]. «Os municípios dispõem de receitas tributárias próprias, nos termos da lei»[11]. «Os municípios podem criar taxas nos termos do regime geral das taxas das autarquias locais. // A criação de taxas pelos municípios está subordinada aos princípios da equivalência jurídica, da justa repartição dos encargos públicos e da publicidade, incidindo sobre utilidades prestadas aos particulares, geradas pela atividade dos municípios ou resultantes do benefício económico decorrente da realização de investimentos municipais»[12].

No caso, a imposição de duas taxas pela atribuição da mesma utilidade, consistente na implantação das estruturas de rede de comunicação electrónica ofende os princípios da proporcionalidade e da equivalência jurídica[13], porquanto, no que respeita à taxa de ocupação do domínio público, falta o sinalagma e a justificação financeira, que logrem acrescer, às razões impositivas que estão na base da liquidação da taxa municipal de direito de passagem (TMDP). Ou seja, a autonomia local, plasmada na faculdade de recolher e administrar receitas fiscais próprias está sujeita ao bloco de legalidade, pelo que a taxa pretendida liquidar e cobrar soçobra no confronto com o mesmo.

Motivo porque se impõe julgar improcedente a presente imputação.


Dispositivo

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente.

Registe.

Notifique.

O Relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão as restantes Desembargadoras integrantes da formação de julgamento, as Desembargadoras Lurdes Toscano e Maria Cardoso.


(Jorge Cortês - Relator)


_____________


[1] N.os 1 a 5 do probatório.
[2] Artigo 12.º (“Encargos administrativos”) da Directiva n.º 2002/20/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de Março de 2002, relativa à autorização de redes e serviços de comunicações electrónicas (Directiva autorização), In
https://eurlex.europa.eu/legalcontent/PT/TXT/HTML/?uri=CELEX:32002L0020&qid=1625157712531&from=PT
[3] Artigo 11.º (“Direitos de passagem”), da Directiva n.º 2002/21/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de Março de 2002, relativa a um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações electrónicas (Directiva-quadro), in https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/HTML/?uri=CELEX:32002L0021&qid=1625158075143&from=PT
[4] Artigo 12.º/ do Regime, da construção, do acesso e da instalação das redes e infra-estruturas de redes de comunicações electrónicas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 123/2009, de 21.05.
[5] Artigo 106.º/2, da Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10.02.
[6] Artigo 106.º/3/a) e b), da Lei das Comunicações Electrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10.02.
[7] Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA, de 29.03.2017, P. 01091/16
[8] Acórdão do STA, de 01.11.2018, P. 087/13.6BEALM 0627/15
[9] Aprovada por Resolução da Assembleia da República n.º 28/90, de 23.10 e ratificada por Decreto do Presidente da República n.º 58/90, de 23.10.
[10] Artigo 238.º/4, da CRP.
[11] Artigo 254.º/2, da CRP.
[12] Artigo 20.º da Lei das Finanças Locais, Lei n.º 73/2013, de 03.09.
[13] Artigo 4.º do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais, aprovado pela Lei n.º 53-E/2006 de 29.12.