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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2391/22.3BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:03/09/2023
Relator:ANA PAULA MARTINS
Descritores:ACÇAO CAUTELAR; PERICULUM IN MORA; PRESCRIÇÃO
Sumário:I - A decisão sobre a matéria de facto deve estar expurgada de afirmações genéricas, conclusivas ou que comportem matéria de direito.
II - Não pode ser concedida a providência cautelar requerida, nos termos do artigo 112.º/1 e 2/i), do CPTA, se o periculum in mora invocado se fundar num juízo hipotético, genérico, futuro ou incerto, ou num receio subjectivo, sustentado em meras conjecturas.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Administrativo, do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO

A A. N. S. G., melhor identificada nos autos, intentou providência cautelar contra os S. S. G. N. R., com os demais sinais nos autos, pedindo a intimação destes “à abstenção do pagamento de qualquer valor a título de suplemento de escala aos militares da GNR que aí desempenham funções, por requisição à GNR”.
Indicou como contrainteressados “todos os militares da GNR que desempenharam ou desempenham funções SSGNR”, posteriormente identificados na certidão de fls. 26 dos autos.
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Citados os contra-interessados identificados, nos termos dos n.ºs 5 e 6 do art.º 81.º e do n.º 7 do art.º 117.º, todos no CPTA, não houve constituição como tal nos termos do nº 7 do artigo 81º do CPTA.
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Por sentença de 22.09.2022, o Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa indeferiu a acção cautelar, e em consequência, absolveu a Entidade Requerida do pedido.
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Inconformado, vem a Requerente recorrer da sentença, pugnando pelo decretamento da providência cautelar requerida.
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A Recorrente apresentou as seguintes conclusões:
I. Salvo o muito devido respeito, considera-se que a decisão recorrida padece de erro de julgamento, tanto em relação à decisão quanto à matéria de facto, como também em relação à decisão quanto à interpretação e aplicação do direito.
II. Com efeito, não só a interpretação jurídica levada a cabo pelo Tribunal a quo quanto «aos efeitos interruptivos da prescrição», salvo o muito devido respeito, se afigura errónea, como se entende que o requerente sustentou adequadamente a danosidade (lesividade) resultante do não decretamento da providência cautelar, indo muito para além da «exceção desta invocação» cfr. menciona a decisão recorrida.
III. Por outro lado, se considera que a decisão do tribunal a quo quanto à matéria de facto relevante para a decisão da causa, salvo o muito devido respeito, é insuficiente; ademais, enferma de erro na respetiva apreciação, porquanto, face à prolação do despacho de 27/05/2011, do Vice-Presidente do Conselho de Direção dos SSGNR (ponto 3. da matéria de facto provada), os factos descritos em 1. e 2. não são aptos (sendo irrelevantes) à produção de qualquer efeito jurídico no âmbito do presente procedimento cautelar,
IV. Destarte, do que tange à apreciação da matéria de facto com relevância para a decisão da causa, face ao expedido no ponto 3 da matéria de facto provada, «Por despacho de 27/05/2011 do Vice-Presidente do Conselho de Direção, exarado na Informação n.º 33-SRHB, de 26/05/2011, foram aprovadas as normas aplicáveis à prestação dos serviços de escala – cf. documento 3 junto com a Oposição e PA a fls. não numeradas;» e, por haver uma relação de prejudicial entre matéria de facto julgada como provada no ponto 1 e 2 e o dispositivo do despacho de 27/05/2011, impunha-se que o Tribunal a quo tivesse julgado como provado o seguinte:
a. Que através do despacho de 27/05/2011 do Vice-Presidente do Conselho de Direção, exarado na Informação n.º 33-SRHB (ponto 31), de 26/05/2011, foi revogado o despacho de 26/02/2010 do Comandante-Geral da G. N. R. e Presidente dos SSGNR, e o despacho de 09/03/2011 do Comandante-Geral da G. N. R. e Presidente dos SSGNR, ou seja, que por decisão do Vice-Presidente do Conselho de Direção dos SSGNR, foram revogadas as anteriores normas regulamentares em matéria de escalas de serviço determinadas pelo Presidente dos SSGNR [o que não só é estranho e inaudito – o ato de revogação de um ato de um superior hierárquico – como, além do mais, torna o ato revogatório inválido], como al´; cfr. artigo 54.º da oposição.
b. Que a partir de 01 de junho de 2011, passaram a vigorar as escalas enumeradas no ponto da Informação n.º 33-SRHB, de 26/05/2011, onde se inscreveu o despacho de 27/05/2011, do Vice-Presidente do Conselho de Direção dos SSGNR;
c. Consequentemente, as escalas em vigor nos SSGNR são as seguintes:
i. Graduado de Dia aos SSGNR;
ii. Atendimento/Plantão à residencial dos SSGNR (“hostel”);
iii. Atendimento/Plantão à sede dos SSGNR;
iv. Atendimento/Plantão à Colónia de Férias da Costa da Caparica (“parque de campismo”), constituídas pelos guardas da GNR aí colocados nos serviços gerais
v. Atendimento/Plantão à Colónia de Férias da Costa da Caparica (parque de campismo), constituídas pelos guardas da GNR aí colocados nos serviços internos e de receção.
d. Que as funções dos militares em cada uma das escalas acima indicadas são as que constam nos pontos 6 a 10, respetivamente, e que aqui se dão por integralmente reproduzidas.
e. Que todos os militares da GNR que integram essas escalas recebem o suplemento de escala previsto no artigo 23.º/1, do Decreto-Lei nº 298/ 2009, de 14 de outubro.
V. Além do mais, deveria ainda ter sido julgado como provado o seguinte:
a. Que a pessoa coletiva SSGNR é autónoma do serviço público GNR;
b. Que o objeto e as atribuições dos SSGNR, constam nos artigos 2.º e 3.º do Decreto-Lei n.º 262/99, de 8 de julho, na redação atual;
c. A requerente, nos termos do artigo 5.º/a), da Lei n.º 39/2004, de 18 de agosto, representa os seus associados, todos eles sargentos dos quadros da GNR, na defesa dos seus interesses estatutários, socioprofissionais e deontológicos;
d. Esses associados são beneficiários titulares dos SSGNR por imposição legal, cfr. artigo 37.º/2, do Decreto-Lei n.º 262/99, de 8 de julho, na redação atual;
e. Contribuindo, por imposição legal, cfr. artigo 42.º/1, com uma quotização correspondente a 0,5% sobre globalidade das suas remunerações mensais, cfr. Despacho n.º 6093/2020, de 29 de maio de 2020, do Secretário de Estado Adjunto e da Administração Interna [Diário da República, 2.ª série, de 5 de junho de 2020].
VI. Por outro lado, a decisão recorrida padece de erro na interpretação e aplicação do direito, por violação do artigo 323.º/1, do CC, ao considerar que a citação dos contrainteressados teria como efeito a interrupção do prazo prescricional estabelecido pelo artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de julho, na atual redação.
VII. Por fim, ao contrário do entendimento vertido na decisão recorrida, os fundamentos do periculum in mora alegados pelo requerente não se limitaram à mera invocação da bastante provável impossibilidade de restituição dos valores ilegalmente pagos aos contrainteressados a título de suplemento de escala, por força do exaurimento do prazo de prescrição; com efeito, bastaria atermo-nos ao expedido nos artigos 11.º a 13.º do requerimento inicial, e que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais, para se conjeturar a real amplitude dos efeitos nefastos e irreparáveis de se continuar a admitir um pagamento ilegal de receitas destinadas única e exclusivamente aos fins que justificaram a criação dos SSGNR.
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O Recorrido contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:
1.ª – O suplemento de escala, previsto nos artigos 19.º, n.º 1, alínea d), e 23.º do Decreto-Lei n.º 298/2009, de 14 de Outubro, constitui uma compensação remuneratória mensal atribuída aos militares da G. N. R. (GNR) integrados em escalas de serviço, pelas restrições decorrentes do desempenho de funções em regime de rotatividade de horário.
2.ª - Esse suplemento remuneratório também vem sendo pago mensalmente aos militares da GNR que prestam serviço nos S. S. G. N. R. (SSGNR) e ali realizam serviços de escala, desde o ano de 2010, pois a estes militares continuam a aplicar-se todas as disposições legais e estatutárias dos militares da GNR em serviço na GNR, o que necessariamente inclui o regime remuneratório, como foi considerado no douto Acórdão proferido em 18 de Junho de 2020 pelo Tribunal Central Administrativo Sul no processo n.º 58/14.5BELRA.
3.ª - Como muito justamente se concluiu na douta Sentença recorrida, a Recorrente não logrou invocar, e muito menos demonstrou, qualquer dano concreto ou prejuízo para si decorrente ou para os seus associados do não decretamento da pretendida suspensão do pagamento daquele suplemento remuneratório, e nada evidencia a existência de qualquer situação de facto consumado que justifique a tutela cautelar.
4.ª – O alegado pela Recorrente nos artigos 12.º e 13.º do requerimento inicial encerrou meros juízos opinativos, sem qualquer concretização e demonstração factual e, por isso, irrelevante para a verificação do requisito do «periculum in mora», sendo notório, ademais, que a realidade é precisamente o contrário daquilo que ali constou.
5.ª – Também ao contrário do que a Recorrente alega – mas sem ter concretizado ou demonstrado, nem sequer minimamente –, o pagamento do suplemento de escala – que é inteiramente legal - não é susceptível de ter quaisquer implicações no cumprimento integral das atribuições dos SSGNR, verificando-se mesmo que estes geram receitas operacionais mais do que suficientes para suportar todas as despesas com o pessoal, pelo que as receitas de quotizações dos seus beneficiários são destinadas exclusivamente a investimentos e prestações sociais.
6.ª – Como bem se julgou na douta Sentença recorrida, a Recorrente também não demonstrou, como lhe incumbia, a impossibilidade que alega de reposição dos valores que, entretanto, sejam pagos a título de suplemento de escala, na eventualidade da procedência da acção principal, sendo certo que, como estabelece o n.º 1 do artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de Julho, a obrigatoriedade de reposição de remunerações pagas indevidamente apenas prescreve decorridos cinco anos após o seu recebimento e nada permite concluir que não venha a ser proferida decisão na acção principal nesse prazo.
7.ª - A necessidade de tutela cautelar também é afastada pelo facto de o pagamento do suplemento em causa estar a ser efectuado nos SSGNR desde o ano de 2010 aos militares que ali realizam serviço de escala, incluindo aos associados da Recorrente, e esta, integrando o Conselho Consultivo dos SSGNR, nunca ter suscitado qualquer posição contrária a esse pagamento, que agora pretende suspender.
8.ª – A douta Sentença não padece da violação que lhe é imputada do disposto no n.º 1 do artigo 323.º do Código Civil, concernente à interrupção do prazo prescricional previsto no artigo 40.º do referido Decreto-Lei n.º 155/92, pois a mesma limitou-se a considerar, tão-só, que «a mera alegação da existência de um eventual efeito prescritivo não é suficiente para sustentar o receio de um qualquer facto consumado, ou um prejuízo de difícil reparação, sobretudo tendo em conta os efeitos interruptivos da prescrição, nomeadamente aquando da citação», sendo que essa conclusão mostra-se inteiramente correcta.
9.ª – A matéria de facto que foi considerada indiciariamente provada na douta Sentença corresponde estritamente ao que se colhe no processo administrativo e na posição das partes expressa nos seus articulados, não padecendo de qualquer desconformidade, e esses factos foram os que o Tribunal considerou relevantes para a boa decisão da causa, no exercício do poder que a lei lhe confere de livre apreciação das provas e fixação dos factos materiais da causa.
10.ª – E não se vê que relevância teriam para a boa decisão da causa, e, concretamente, para a verificação do requisito do «periculum in mora», os factos que a Recorrente agora veio alegar que deveriam também constar no probatório, alguns dos quais nem sequer foram anteriormente invocados, pelo que não ocorreu qualquer erro na fixação da matéria de facto.
11.ª – Pelo que deverão improceder, na sua totalidade, as conclusões da alegação da Recorrente, pois a douta Sentença recorrida fez a devida apreciação da matéria de facto e correcta interpretação e aplicação do Direito, não padecendo de qualquer dos vícios que lhe são assacados, razão pela qual deve ser integralmente mantida.
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O Ministério Público emitiu parecer, nos termos e para os efeitos dos artigos 146º e 147º do CPTA, no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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Sem vistos, atento o disposto nos arts. 36º nºs 1 e 2 e 147º do CPTA, mas com prévia divulgação do projecto de acórdão pelos Senhores Juízes Desembargadores Adjuntos, o processo vem submetido à Conferência.
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II - OBJECTO DO RECURSO

Atentas as conclusões das alegações do recurso interposto, que delimitam o seu objecto, nos termos dos arts 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2 do CPC, ex vi art 140º, nº 3 do CPTA, dado inexistir questão de apreciação oficiosa, a questão decidenda reside em saber se o Tribunal a quo errou ao rejeitar a providência cautela requerida, com fundamento na não verificação do requisito periculum in mora.
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III – FUNDAMENTAÇÃO

De Facto
A sentença recorrida considerou indiciariamente provada a seguinte matéria de facto, com relevância para a decisão da causa:

1. Por despacho de 26/02/2010 do Comandante-Geral da G. N. R. e Presidente dos SSGNR, foram criadas escalas de serviço nos SSGNR, como forma de garantir a segurança dos bens e instalações e promover o acionamento imediato das medidas adequadas a cada situação, sendo esses serviços prestados em regime de rotatividade de horário por militares da categoria de Guardas e conferindo o direito ao abono do respetivo suplemento remuneratório, nos termos em que esse abono era pago aos restantes militares da GNR – cf. documento 2 junto com a Oposição e PA a fls. não numeradas;
2. Por despacho de 09/03/2011 do Comandante-Geral da G. N. R. e Presidente dos SSGNR, foi criada a escala de Graduado de Dia nos SSGNR, englobando militares das categorias de Oficial e de Sargento, sendo esses serviços prestados em regime de rotatividade e conferindo direito ao abono do suplemento de escala – cf. documento 2 junto com a Oposição e PA a fls. não numeradas;
3. Por despacho de 27/05/2011 do Vice-Presidente do Conselho de Direção, exarado na Informação n.º 33-SRHB, de 26/05/2011, foram aprovadas as normas aplicáveis à prestação dos serviços de escala – cf. documento 3 junto com a Oposição e PA a fls. não numeradas;
4. Em 26/04/2022, a Requerente solicitou ao Comandante-Geral da GNR, informação sobre se os militares da GNR que desempenham funções nos SSGNR auferem algum dos suplementos previstos no Decreto-lei n.º 298/2009, de 14 de outubro, na atual redação e, em caso afirmativo, que fosse indicada a tipologia dos suplementos e a respetiva fonte de financiamento – cf. documento 1 junto com o RI e PA a fls. não numeradas;
5. Em 02/06/2022, o Chefe de Gabinete do Comandante-Geral enviou email à Requerente, informando que “os militares a prestar serviço nos SSGNR auferem os suplementos remuneratórios previstos no Decreto-lei n.º 298/2009, de 14 de outubro, nomeadamente o suplemento por serviço nas forças de segurança e o suplemento de escala, com o enquadramento jurídico previsto neste diploma, recorrente a receitas próprias daquela Entidade” – cf. documento 2 junto com a PI.
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Consignou o Tribunal a quo na sentença recorrida que “Conforme especificado nos vários pontos da matéria de facto provada, a decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame dos documentos constantes dos autos, como referido em cada ponto do probatório”.
No que tange à matéria de facto não provada, consignou que “Nada mais foi provado com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir”.
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De Direito

A Requerente, previamente à instauração da acção principal, requer a intimação do Requerido à abstenção do pagamento de qualquer valor, a título de suplemento de escala, aos militares da G. N. R. (GNR) que aí desempenhem funções, por requisição à GNR, ao abrigo do disposto no artigo 26.º/2, do Decreto-Lei n.º 262/99, de 8 de julho, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 7/2007, de 17.01.
Em cumprimento do disposto no art. 114º, n.º 3, al. e) do CPTA, indica que a presente acção cautelar irá depender de “ação de impugnação dos atos administrativos que determinaram o processamento do pagamento do valor correspondente ao suplemento de escala atribuído e a atribuir aos militares da G. N. R. (GNR) que desempenham funções nos SSGNR, por requisição à GNR, ao abrigo do disposto no artigo 26.º/2, do Decreto-Lei n.º 262/99, de 8 de julho, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 7/2007, de 17 de janeiro, ou para declaração de ilegalidade da norma administrativa, a existir, que haja sido proferida e que determinou a atribuição daquele suplemento àqueles militares”.
As providências cautelares são mecanismos não autónomos de tutela de pretensões jurídicas que se desenvolvem na dependência de uma acção principal. São mecanismos acessíveis ao administrado para tutela efectiva dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.
Os processos cautelares caracterizam-se pela sua provisoriedade e instrumentalidade em relação ao processo principal, características que se revelam com clareza no facto dos mesmos não se destinarem a ditar em definitivo o direito mas, apenas e tão só, a possibilitar que o direito que irá ser estabelecido no processo principal ainda possa ter utilidade e na circunstância do Juiz não poder conceder nesses processos o que se consegue obter nos autos de que dependem.
O art. 120º do CPTA, que fixa os critérios de atribuição das providências cautelares, preceitua o nº 1 que “Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares são adoptadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente”.
O decretamento de providências cautelares exige, assim, desde logo, o preenchimento de dois pressupostos (positivos): o fumus boni iuris ou “que seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente” e o periculum in mora ou “fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal”.
O artigo 120.º, n.º 2 do CPTA acrescenta um terceiro pressuposto (negativo), nos termos do qual “a adoção da providência ou das providências é recusada, quando devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências”.
O Tribunal a quo indeferiu a providência cautelar requerida por considerar não estar verificado o requisito do periculum in mora e, em face do carácter cumulativo dos pressupostos de que depende a adopção de medidas cautelares, nos termos do artigo 120º do CPTA, resultar prejudicada a análise à aparência do bom direito e à ponderação de interesses.
A Requerente não se conforma com a decisão proferida e pugna pela sua revogação e deferimento da providência requerida.
Imputa à decisão recorrida erro de julgamento quer quanto à decisão da matéria de facto quer quanto à interpretação e aplicação do direito.
No que se refere à decisão do Tribunal a quo quanto à matéria de facto relevante para a decisão da causa, afirma que é insuficiente e enferma de erro na respectiva apreciação, porquanto “… face à prolação do despacho de 27/05/2011, do Vice-Presidente do Conselho de Direção dos SSGNR (ponto 3. da matéria de facto provada), os factos descritos em 1. e 2. não são aptos (sendo irrelevantes) à produção de qualquer efeito jurídico no âmbito do presente procedimento cautelar.”
Acrescenta que “face ao expedido no ponto 3 da matéria de facto provada e, por haver uma relação de prejudicialidade entre matéria de facto julgada como provada no ponto 1 e 2 e o dispositivo do despacho de 27/05/2011, impunha-se que o Tribunal a quo tivesse julgado como provado o seguinte:
a. Que através do despacho de 27/05/2011 do Vice-Presidente do Conselho de Direção, exarado na Informação n.º 33-SRHB (ponto 31), de 26/05/2011, foi revogado o despacho de 26/02/2010 do Comandante-Geral da G. N. R. e Presidente dos SSGNR, e o despacho de 09/03/2011 do Comandante-Geral da G. N. R. e Presidente dos SSGNR, ou seja, que por decisão do Vice-Presidente do Conselho de Direção dos SSGNR, foram revogadas as anteriores normas regulamentares em matéria de escalas de serviço determinadas pelo Presidente dos SSGNR [o que não só é estranho e inaudito – o ato de revogação de um ato de um superior hierárquico – como, além do mais, torna o ato revogatório inválido], como al´; cfr. artigo 54.º da oposição.
b. Que a partir de 01 de junho de 2011, passaram a vigorar as escalas enumeradas no ponto da Informação n.º 33-SRHB, de 26/05/2011, onde se inscreveu o despacho de 27/05/2011, do Vice-Presidente do Conselho de Direção dos SSGNR;
c. Consequentemente, as escalas em vigor nos SSGNR são as seguintes:
i. Graduado de Dia aos SSGNR;
ii. Atendimento/Plantão à residencial dos SSGNR (“hostel”);
iii. Atendimento/Plantão à sede dos SSGNR;
iv. Atendimento/Plantão à Colónia de Férias da Costa da Caparica (“parque de campismo”), constituídas pelos guardas da GNR aí colocados nos serviços gerais
v. Atendimento/Plantão à Colónia de Férias da Costa da Caparica (parque de campismo), constituídas pelos guardas da GNR aí colocados nos serviços internos e de receção.
d. Que as funções dos militares em cada uma das escalas acima indicadas são as que constam nos pontos 6 a 10, respetivamente, e que aqui se dão por integralmente reproduzidas.
e. Que todos os militares da GNR que integram essas escalas recebem o suplemento de escala previsto no artigo 23.º/1, do Decreto-Lei nº 298/ 2009, de 14 de outubro.
Mais refere que deveria ainda ter sido julgado como provado que:
a. Que a pessoa coletiva SSGNR é autónoma do serviço público GNR;
b. Que o objeto e as atribuições dos SSGNR, constam nos artigos 2.º e 3.º do Decreto-Lei n.º 262/99, de 8 de julho, na redação atual;
c. A requerente, nos termos do artigo 5.º/a), da Lei n.º 39/2004, de 18 de agosto, representa os seus associados, todos eles sargentos dos quadros da GNR, na defesa dos seus interesses estatutários, socioprofissionais e deontológicos;
d. Esses associados são beneficiários titulares dos SSGNR por imposição legal, cfr. artigo 37.º/2, do Decreto-Lei n.º 262/99, de 8 de julho, na redação atual;
e. Contribuindo, por imposição legal, cfr. artigo 42.º/1, com uma quotização correspondente a 0,5% sobre globalidade das suas remunerações mensais, cfr. Despacho n.º 6093/2020, de 29 de maio de 2020, do Secretário de Estado Adjunto e da Administração Interna [Diário da República, 2.ª série, de 5 de junho de 2020]”
No que se refere à correlação entre os factos provados nºs 1, 2 e 3 carece em absoluto de razão a Recorrente. O pretendido não se limita a uma alteração da factualidade apurada. Ao invés, encerra já uma apreciação de direito, isto é, saber se o despacho de 27 de Maio de 2011 do Vice-Presidente do Conselho de Direção dos SSGNR (que integra o facto provado nº 3) revogou ou não o despacho de 26 de Fevereiro de 2010 do Comandante-Geral da G. N. R. e Presidente dos SSGNR (que integra o facto provado nº 1) e o despacho de 9 de Março de 2011 do Comandante-Geral da G. N. R. e Presidente dos SSGNR (que integra o facto provado nº 2).
Bem andou o Tribunal a quo quando fez constar da matéria de facto indiciariamente a prolação dos três despachos. Em erro incorreria se fizesse constar o que vem indicado pela Recorrente, que mais não é do que a valoração jurídica de tais factos.
Na matéria de facto fixada não se pode incluir a valoração jurídica de factos, mas apenas as circunstâncias de vida subjacentes a essas valorações que as possam vir a sustentar, na apreciação jurídica que sobre as mesmas venha a ser realizada, integrando, já estas, matéria de direito.
Na selecção dos factos em sede decisão da matéria de facto (art.º 607.º, n.º 4 do CPC) deve o Juiz atender à distinção entre factos, direito e conclusão, e acolher apenas o facto simples e afastar de tal decisão os conceitos de direito e as conclusões que mais não são que a lógica ilacção de premissas, atendendo a todos os factos relevantes, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito (cfr. ac. do TRL, de 28.06.2018, proferido no proc. n-º 170/16, disponível para consulta em www.dgsi.pt)
Em suma, a decisão sobre a matéria de facto deve estar expurgada de afirmações genéricas, conclusivas ou que comportem matéria de direito.
No mais, tendo presente que o Tribunal a quo indeferiu a providência requerida mediante análise e apreciação do requisito do periculum in mora, é manifesta a irrelevância para a questão em análise dos factos elencados pela Recorrente. Nenhum dos factos se subsume a tal requisito, mas antes (e eventualmente) ao requisito fumus boni iuris.
Assim sendo, ainda que os factos em causa viessem a integrar o elenco dos factos provados, estes não seriam aptos a sustentar um juízo de verificação do requisito de periculum in mora.
Pelas razões expostas, terá de soçobrar este fundamento de recurso.

No que à matéria de direito se refere, afirma a Recorrente que o Tribunal efectuou errada interpretação jurídica quanto “aos efeitos interruptivos da prescrição”, por violação do artigo 323.º, n.º 1, do Código Civil, ao considerar que a citação dos contrainteressados teria como efeito a interrupção do prazo prescricional estabelecido pelo artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de Julho; e que o requerente sustentou adequadamente a danosidade (lesividade) resultante do não decretamento da providência cautelar, não se limitando à mera invocação da bastante provável impossibilidade de restituição dos valores ilegalmente pagos aos contrainteressados a título de suplemento de escala, por força do exaurimento do prazo de prescrição; bastaria atermo-nos ao expedido nos artigos 11.º a 13.º do requerimento inicial, para se conjeturar a real amplitude dos efeitos nefastos e irreparáveis de se continuar a admitir um pagamento ilegal de receitas destinadas única e exclusivamente aos fins que justificaram a criação dos SSGNR.
Decidiu o Tribunal a quo que:
“No caso dos autos, nada evidencia a existência de qualquer situação de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação, tendo em conta que a Requerente não conseguiu demonstrar a impossibilidade quanto à reposição integral dos valores que, entretanto, sejam pagos. A mera alegação da existência de um eventual efeito prescritivo não é suficiente para sustentar o receio de um qualquer facto consumado, ou um prejuízo de difícil reparação, sobretudo tendo em conta os efeitos interruptivos da prescrição, nomeadamente aquando da citação.
À exceção desta invocação, como bem refere a Entidade Requerida, a Requerente não logrou invocar nem demonstrar, qualquer dano ou prejuízo decorrente para si ou para os seus associados, do não decretamento da providência requerida.”
Assim, entendeu o Tribunal a quo que, no que tange ao requisito periculum in mora, a Requerente limitou-se a alegar a existência de um eventual efeito prescritivo que acarretaria a impossibilidade quanto à reposição integral dos valores que, entretanto, sejam pagos, e que tal alegação era insuficiente e infundada “sobretudo tendo em conta os efeitos interruptivos da prescrição, nomeadamente aquando da citação.”
Vejamos.
O requisito periculum in mora, único apreciado, consiste no “fundado receio de que quando o processo principal chegue ao fim já não venha a tempo de dar resposta adequada às situações jurídicas envolvidas no litígio, seja porque (a) a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil; seja pelo menos porque (b) essa evolução conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis” - Cfr. Mário Aroso e Carlos Cadilha, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Coimbra, Almedina, 2005, p.606.
Para aferir da verificação ou não deste requisito, diz Vieira de Andrade que o juiz “deve fazer um juízo de prognose colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há ou não razão para recear que tal sentença venha a ser inútil, por entretanto se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela beneficiar, que obstam à reintegração específica da sua esfera jurídica. Neste juízo, o fundado receio há-de corresponder a uma prova, em princípio a cargo do Requerente, de que tais consequências são suficientemente prováveis para que se possa considerar ‘compreensível ou justificada’ a cautela que é solicitada”. – in A Justiça Administrativa (Lições), 7ª edição, Coimbra, Almedina, 2005, p. 331.
Impõe o legislador que haja, no caso concreto, fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou de um prejuízo de difícil reparação, cabendo ao requerente o ónus de alegação e de prova.
A prova da produção de uma situação de facto consumado ou de prejuízos de difícil reparação carece da demonstração de que estes são evidentes e reais através de factos que mostrem ser tais prejuízos fundamentados.
Uma providência cautelar “será injustificada se o periculum in mora nela invocado se fundar-se num juízo hipotético, genérico, abstrato, futuro ou incerto, ou num receio subjetivo, sustentado em meras conjeturas.
O periculum in mora pressupõe, assim, um juízo qualificado ou um temor racional, isto é, deve assentar em factos concretos e consistentes que permitam afirmar, com objetividade e distanciamento, a seriedade e a atualidade da ameaça, bem como a necessidade de serem adotadas medidas urgentes, que permitam evitar o prejuízo. O mesmo é dizer que só a presença de um prejuízo atual, concreto e real, reconhecido como efetivamente grave, iminente e irreparável, resultante da demora da sentença definitiva de mérito, pode justificar o acolhimento do pedido apresentado pela via da urgência. Exige-se, no fundo, um juízo de probabilidade “forte e convincente”, a ser valorado pelo julgador segundo um critério objetivo”cfr. Marco Carvalho Gonçalves, Providências Cautelares, 2015, Almedina, pp. 206-213.
Atentos estes ensinamentos, retornemos ao caso em apreço que, adiante-se, se mostra inusitado.
A Requerente não vem pedir que a Administração pague ou que continue a pagar determinada quantia aos seus associados. O que a Requerente pretende é que a Administração cesse o pagamento que vem fazendo, a título de suplemento de escala, a militares da GNR (que desempenham funções na Entidade Requerida, por requisição à GNR).
A Requerente, na petição inicial, no segmento que denominou de “periculum in mora”, após um enquadramento legal, doutrinal e jurisprudencial, alega que: “… considerando, por um lado, o tempo global de decisão em 1ª e 2ª Instância até ao trânsito em julgado da ação principal, e o elevado número de pendências existente, incomportável face ao quadro de juízes existente e, por outro lado, o facto de mensalmente continuar a ser processado o pagamento a diversos militares que prestam serviço nos SSGNR do valor correspondente ao suplemento de escala, tal circunstância levará a que por força do artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de julho, na atual redação, quando a decisão da ação principal transitar em julgado, será impossível exigir-se a reposição integral dos valores que entretanto lhes sejam pagos, por força do efeito prescritivo.”
Assim, a Requerente sustenta o periculum in mora na alegação de que, quando a decisão da acção principal transitar em julgado, será impossível exigir-se a reposição integral dos valores que entretanto foram sendo pagos, por força do efeito prescritivo resultante do artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28.07, o qual determina que a obrigatoriedade de reposição das quantias indevidamente recebidas prescreve decorridos cinco anos após o seu recebimento.
Tal alegação não assenta em factos concretos e consistentes que permitam afirmar, com objectividade e distanciamento, a seriedade e a actualidade da ameaça, bem como a necessidade de serem adoptadas medidas urgentes, que permitam evitar o prejuízo. O mesmo é dizer que não estamos na presença de um prejuízo actual, concreto e real, reconhecido como efectivamente grave, iminente e irreparável, resultante da demora da sentença definitiva de mérito.
Acresce que sempre será de atender às particularidades da presente demanda.
Em caso de procedência da acção principal, a haver lugar à reposição de quantias indevidamente recebidas, designadamente por aqueles que foram identificados como Contra-interessados, tal será resultado da execução de uma decisão judicial, transitada em julgado (cfr. artigos 157º a 161º e 173º a 179º do CPTA), e não de decisão, de uma manifestação de vontade da Administração. Ao invés, a Administração, por força de uma decisão judicial, ver-se-á compelida a exigir a reposição dos valores pagos e que entende serem devidos.
Dita o artigo 311.º do Código Civil, sob a epígrafe “Direitos reconhecidos em sentença ou título executivo”, no nº 1, que o direito para cuja prescrição, bem que só presuntiva, a lei estabelecer um prazo mais curto do que o prazo ordinário (que é de 20 anos, cfr. art. 309º do CC) fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça, ou outro título executivo. Acrescenta/esclarece o nº 2 que quando, porém, a sentença ou o outro título se referir a prestações ainda não devidas, a prescrição continua a ser, em relação a elas, a de curto prazo.
O alargamento do prazo justifica-se “pela nova certeza e estabilidade do direito derivado da sentença, e porque o seu titular se sente mais à vontade para não o exercer com a prontidão com que o faria valer antes do reconhecimento judicial” (Ac. do STJ de 19.02.2004, proc. nº 04A095).
Assim não se entendendo, então sempre haveria que compreender que a citação dos contra-interessados, na acção administrativa respectiva a intentar - que põe em crise a legalidade dos pagamentos a estes efectuados, a título de suplemento de escala -, será causa de interrupção da prescrição, ainda que, como argui a Recorrente, o titular do direito à reintegração no seu património dos valores ilegalmente pagos a título de suplemento de escala (os SSGNR) seja entidade requerida e não a requerente.
Dimana do acórdão do TCAN de 14.12.2012, proferido no processo nº 00178/06.0BECBR (acolhido pelo TCAN e pelo STA no processo nº 3465/14, em acórdãos de 23.05.2019 e 18.11.2021), que o artigo 323º, do Código Civil, norma “destinada a regular relações jurídicas entre privados deve ser interpretada em termos adequados a uma relação jurídica administrativa em que uma das partes, a Autoridade Administrativa, aquela que determina a reposição de quantias indevidamente recebidas, tem prerrogativas de autoridade que lhe permitem, ao contrário do que sucede com os particulares, impor unilateralmente e com exequibilidade imediata, ou seja, sem necessidade de recurso aos tribunais, a reposição, e não em termos estritamente literais que seriam, no caso, inadequados.
Isto sendo certo que a Administração não recorre aos tribunais para obter a reposição de quantias que pagou, o particular é que tem de ir a Tribunal impugnar o acto que ordenou a reposição quer estejamos no domínio de um contrato, como melhor veremos adiante, quer não exista contrato.
Daí que, tendo em conta o disposto no n.º 1 do artigo 9º, do Código Civil, a norma em apreço deva ser interpretada no sentido de que interrompe a prescrição da obrigação de reposição de quantias indevidamente recebidas o conhecimento por parte do destinatário de qualquer acto da Administração que exprima directa ou indirectamente a intenção de obter a reposição.
Aí se sintetiza que importa dar relevo a dois aspectos da norma em análise:
“1º - Qualquer acto é apto a interromper a prescrição. Não importa assim que seja um acto final ou intermédio de qualquer procedimento administrativo. Assim como não releva que tenha sido praticado pelo órgão competente ou não. Nem o tipo de procedimento em que o acto foi praticado.
2º - A expressão da intenção de obter a reposição pode ser directa ou indirecta.”
In casu, o que se verifica é que a Administração, em face do recurso a tribunais por uma terceira entidade, poderá ver-se obrigada, por decisão judicial, a obter a reposição das quantias pagas.
Assim, a norma em apreço deve (também) ser interpretada no sentido de que interrompe a prescrição da obrigação de reposição de quantias indevidamente recebidas a citação do destinatário no âmbito de uma acção judicial na qual é posta em crise a legalidade do pagamento das quantias e se visa a condenação da Administração a obter a sua reposição.
Finalmente, não é de desprezar que a prescrição tem de ser invocada, não podendo ser oficiosamente declarada pelo tribunal – art.º 303.º do Código Civil. E se aquele a quem aproveita a prescrição pode, ou não, invocá-la, podendo até renunciar à invocação, é também dos exactos termos em que invoca a prescrição que podem decorrer os respectivos efeitos extintivos da obrigação.
Donde, não é de atender ao alegado receio da Requerente, ora Recorrente, de que, quando a decisão da acção principal transitar em julgado, “será impossível exigir-se a reposição integral dos valores que entretanto lhes sejam pagos, por força do efeito prescritivo.”

Como referido supra, considera ainda a Recorrente que, ao contrário daquele que foi o entendimento do Tribunal a quo, sustentou adequadamente a danosidade (lesividade) resultante do não decretamento da providência cautelar, não se limitando à mera invocação da bastante provável impossibilidade de restituição dos valores ilegalmente pagos aos contrainteressados a título de suplemento de escala, por força do exaurimento do prazo de prescrição.
Afirma que bastaria atermo-nos ao expedido nos artigos 11.º a 13.º do requerimento inicial, para se conjecturar a real amplitude dos efeitos nefastos e irreparáveis de se continuar a admitir um pagamento ilegal de receitas destinadas única e exclusivamente aos fins que justificaram a criação dos SSGNR.
É este o teor dos artigos 11º a 13º do requerimento inicial:
“11. Destarte, ao ser pago ilegalmente esse suplemento com recurso a receitas próprias dos SSGNR, fica comprometida a afetação dessas receitas para as finalidades especificas que motivaram a sua criação, designadamente, as previstas no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 262/99, de 8 de julho, na redação atual; logo, em claro prejuízo dos respetivos beneficiários dos SSGNR, entre os quais os associados da REQUERENTE.
12. Sendo certo que a lesividade desse pagamento ainda se estende e revela a um outro nível:
a. Por onerar o orçamento dos SSGNR com uma obrigação não prevista por lei, facto que não pode ser estranho aos princípios pelos quais se regem os associados da REQUERENTE, impondo-lhes assim um inaceitável conflito ético, pois estes juraram enquanto sargentos da G. N. R., «guardar e fazer guardar a Constituição e demais leis da República» - cfr. artigo 5.º do Estatuto dos Militares da G. N. R. (EMGNR), Decreto-Lei n.º 30/2017, de 22 de março;
b. Por colocar em causa vários princípios subjacentes a um corpo de autoridade organizado numa hierarquia reforçada, como é o caso da GNR, que tem uma natureza militar, que exige a sujeição a um rígido estatuto disciplinar2; ademais, os militares que a integram, entre os quais os associados da REQUERENTE estão subordinados irrestritamente à salvaguarda do «interesse nacional (...) pelo que deve[m] adotar, em todas as situações, uma conduta ética e atuar de forma íntegra profissionalmente competente, por forma a fortalecer a confiança e o respeito da população, contribuir para o prestígio e valorização da Guarda, garantir a segurança dos cidadãos e assegurar o pleno funcionamento das instituições democráticas.» - cfr. artigo 11.º do EMGNR –; por fim, porque a atribuição ilegal, na perspetiva da REQUERENTE, do aludido suplemento afeta a «coesão e o prestigio da Guarda», cfr. artigo 14.º/b) do EMGNR;
13. Resulta, assim, que o incumprimento da lei com o pagamento daquele suplemento configura uma situação de privilégio no seio da GNR, lesando os interesses dos associados da REQUERENTE, na medida em que dilaceram os princípios e valores que a lei lhes impõe em prol da coesão e do «espirito de corpo» que carateriza uma força militar.”
Ora, independentemente da sistematização seguida no requerimento inicial (isto é, de os factos supra transcritos estarem ou não inseridos em segmento denominado “perculum in mora”), releva que não se alcança em que medida a matéria alegada e acima transcrita possa permitir um juízo de verificação do requisito periculum in mora que, recorde-se, visa acautelar a utilidade da decisão a proferir na acção principal. A mesma seria eventualmente de atender em sede de apreciação da verificação dos demais requisitos, isto é, fumus boni iuris (cfr. art. 120º, nº 1 do CPTA) e a ponderação de danos/interesses (cfr. artigo 120º, nº 2 do CPTA).
Veja-se que mesmo a alegação de que o pagamento do suplemento em causa, com recurso a receitas próprias dos SSGNR, compromete a afectação dessas receitas para as finalidades especificas que motivaram a sua criação, em prejuízo dos associados da Requerente, para além do ser caráter vago e genérico, mais não é do que uma mera conjectura ou possibilidade, de concretização eventual.
Não se pode confundir a lesividade de um acto administrativo (pressuposto da legitimidade para impugnar um acto administrativo – cfr. artigo 55º, nº 1, al. a) do CPTA) com o periculum in mora que “constitui verdadeiro leitmotiv da tutela cautelar, pois é o fundado receio de que a demora na obtenção de decisão no processo principal cause danos de difícil ou impossível reparação aos interesses perseguidos nesse processo que motiva ou justifica este tipo de tutela urgente” (cfr. ac. do STA, de 24.05.2018, proc. nº 0371/18), disponível em www.dgsi.pt.
Termos em que improcedem todos os fundamentos de recurso.
Não se verificando o requisito do “periculum in mora”, não pode ser adoptada a providência requerida, como bem decidiu o Tribunal a quo.
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IV - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida.
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Sem custas, por delas estar isenta a Recorrente (cfr. artigo 527º do CPC e artigo 4º/1/f), do Regulamento das Custas Processuais).
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Registe e notifique.
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Lisboa, 09 de Março de 2023
Ana Paula Martins
Carlos Araujo
Frederico Macedo Branco