Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:776/14.8BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:04/29/2021
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:REVERSÃO POR DÍVIDAS FISCAIS COM DIREITO DE SEQUELA.
Sumário:Estando em causa a reversão por dívidas de IMT, o escrutínio da reversão da execução operada no alegado gerente da sociedade devedora originária exige o apuramento pelo tribunal dos pressupostos de facto relevantes.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão

I- Relatório


A..... intentou Oposição ao PEF n.°…………, instaurado para cobrança de dívidas relativas a IMT do ano de 2011, no valor de € 210.912,51, em que é devedora originária a sociedade “I....., Lda.”.
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, por sentença proferida a fls. 208 (numeração do SITAF), datada de 16 de Janeiro de 2019, julgou procedente a Oposição à Execução quanto à dívida dos prédios de Almancil e improcedente quanto aos prédios de São Clemente, anulando parcialmente o despacho de reversão.
O oponente interpôs recurso contra a sentença, conforme requerimento de fls. 255 e ss. (numeração do SITAF). Alega nos termos seguintes:

«I. Na competente petição inicial o recorrente pugnou pela anulação da liquidação em causa,

II.A Douta sentença recorrida não aceitou nenhum dos argumentos aduzidos.

III. Salvo o devido respeito que nos merecem as opiniões e a ciência jurídica do Meritíssimo Juiz a quo, entendemos que a douta Sentença, objecto do presente recurso, não pode manter-se.

IV. O Tribunal a quo considerou como facto não provado que “os prédios inscritos na matriz predial de São Clemente sob os artigos 3.483 (urbano) e 1.758 (rústico) tenham sido alienados pela devedora originária.

V. Porém, o Despacho de reversão, na informação junta, refere que: “compulsando os autos, verifica-se que foi instaurado o processo de execução fiscal n.° ........ por dívidas de IMT referente ao ano de 2011 (...) em nome da sociedade I........ LDS e que em nome da executada não foram encontrados quaisquer bens suscepíveis de penhora pelo que o património da sociedade tornou-se inexistente para a satisfação dos créditos do Estado (sublinhado nosso). 

VI. Ora, é a própria Autoridade Tributária que afirma perentoriamente que inexistia património em sede da devedora originária,

VII. Pelo que os imóveis em referência terão que ter sido vendidos ANTES de efetivada a reversão para o aqui Recorrente.

VIII. Assim sendo, o Tribunal a quo poderia ter atuado das seguintes formas:

IX. Em primeiro lugar, tendo dúvidas acerca dos factos acima descritos, poderia ter oficiosamente requerido as certidões de registo predial por forma a comprovar se e quando foram efetuadas as vendas dos imóveis em apreço,

X. Em segundo lugar,

XI. Nunca poderia dar como não provado um facto que, de acordo com um documento oficial da Autoridade Tributária afirma exactamente o inverso, conforme acima descrito

XII. Assim sendo, assumindo como boa a afirmação da AT de que inexistiam bens na sede da devedora originária à data da reversão, então a venda teria que ser dada como provada antes da reversão,

XIII. Pelo que, sendo a dívida de IMT, a mesma goza de direito de sequela sobre o respectivo bem, cujo valor patrimonial tributário lhe serviu de base tributável, pois que gozam de privilégios imobiliários especiais, nos termos conjugados dos arts. 738.° e 744.° do Código Civil (doravante CC) ex vi art. 39.° do Código do Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis (doravante CIMT). 

XIV.A responsabilidade subsidiária in casu, a verificar-se, será a do terceiro adquirente e agora proprietário do bem onerado com privilégio creditório imobiliário especial, e não do aqui Oponente.

XV. Em face disso, não poderia proceder a presente reversão por absoluta falta de legitimidade passiva do ora Oponente, pelo que deve ser anulada a sentença do Tribunal a quo.

XVI. Por último, mesmo que o Tribunal a quo considerasse não haver prova da venda dos imóveis antes da reversão, então teria sempre que considerar que o despacho de reversão da Autoridade Tributária padecia do vício de falta de demonstração da insuficiência de bens penhoráveis,

XVII. Por não ser sido efetuada a prova por parte da Autoridade Tributária da excussão prévia dos bens da sociedade devedora originária,

XVIII. Pois resulta da al. b) do n.° 2 do art.° 153.° do CPPT que o chamamento à execução dos responsáveis subsidiários depende da verificação da “Fundada insuficiência, de acordo com os elementos constantes do auto de penhora e outros de que o órgão da execução fiscal disponha, do património do devedor para a satisfação da dívida exequenda e acrescido.” (sublinhado nosso)

XIX. Ora, a inexistência foi apenas e meramente invocada - mas não provada - nos presentes autos, Pelo que tal afirmação não basta, tendo que ser obrigatoriamente demonstrada.

XX. Assim, não tendo a AT efetuado a prova da venda dos bens imóveis em apreço e em consequência, a inexistência de bens penhoráveis da devedora originária, 

XXI. Não se verificam os pressupostos para a instauração da presente execução, por reversão, contra o Oponente, deveria o Tribunal a quo ter declarado a execução extinta, com todas as consequências legais.

XXII. Se assim não for entendido e sem prescindir,

XXIII. Ao contrário do concluído pelo tribunal a quo as três testemunhas ouvidas nos presentes autos afirmaram, de forma unânime, que o Recorrente tinha deixado de exercer a gerência de facto desde o dia 11 de Julho de 2010, data em que foi vítima de um grave acidente, que o deixou com uma declarada incapacidade para o trabalho.

XXIV.A testemunha P........ referiu a instâncias do Advogado do ora Recorrente, ao minuto 07:19 da gravação que: “(...) no ano de 2010, o Sr. A........ teve um acidente de mota grave (...) julho de 2010”. “(...) quando o fui visitar a casa ele estava de cadeira de rodas e pelo tempo que demorou a recuperar acredito que tenha sido bastante grave”.

XXV.A minutos 8:46 da gravação refere a testemunha: “(...) nem sei se sairia de casa, dada a situação em que estava”.

XXVI.A minutos 9: 15 refere ainda que“(...) esteve incapacitado durante dois, três anos”.

XXVII.E o Sr. Advogado pergunta ao minuto 10:06 da gravação: “A partir de que momento voltou a ter contacto profissional com o Sr. A........?”

XXVIII. Tendo a testemunha respondido “(...) finais de 2012, inícios de 2013”.

XXIX. Ao minuto 13:50 pergunta o Exmo. Sr. Advogado: “Durante este período o Sr. A........ contactou-o sobre esta ou outras sociedades?”, Ao que a testemunha respondeu: “Não. Os contactos sessaram tanto para essa como para todas as outras”.

XXX. Quanto à testemunha A......... a instâncias do Sr. Advogado do aqui recorrente, a minutos 29:08 da gravação referiu que “(...) a P........ é socia da I… desde aproximadamente 2008”.

XXXI. E mais ainda referiu que: “Consumava contactar com o Sr. A........ acerca das atividades da “I…..” aproximadamente todos os meses”.

XXXII. A minutos 31:19, depois de questionado sobre o acidente, e se o mesmo tinha sido grave, referiu: “Foi um acidente muito grave e esteve ao ponto de perder uma perna”, “Vim visitá-lo ao hospital (...) e meses mais tarde, ainda estava no hospital” (...) “independente do problema da perna estava fortemente sedado e tinha um problema mental sério” (...) “foi operado umas três quatro vezes de certeza” (...) “foi operado enquanto lá esteve mas também depois”.

XXXIII.A minutos 34:30 da gravação o Sr. Advogado pergunta: “Quanto tempo se passou para uma recuperação satisfatória? Ao que a testemunha respondeu: “Mais de três anos a três anos e meio”.

XXXIV. Continuando: “E durante esse período como era a vida de A……..? Precisava de ajuda para as tarefas do dia a dia” ao que a testemunha respondeu: “andou de cadeira de rodas” (...)

XXXV. Continuando a perguntar o Sr. Advogado: “Durante este período quem foi o encarregado da gerência?” ao que a testemunha respondeu: “Não foi designado ninguém para essa função pois a empresa estava inactiva”.

XXXVI. A minutos 37:00 o Sr. Advogado pergunta: “Ele tinha alguma condição física para exercer alguma atividade?” ao que a testemunha respondeu “Durante o período de recuperação não”.

XXXVII. A minutos 39:20 da gravação o Sr. Advogado questionou: “Entretanto o Sr. A........ recuperou satisfatoriamente desse acidente. Quando é que se apercebeu que o Sr. A........ estaria de volta ao ativo?” Ao que a testemunha respondeu: “Até ter alta médica, cerca de 2013”.

XXXVIII. Não se pode acima aceitar que o tribunal a quo conclua que o testemunho tenha que ser desconsiderado, pois é claro do mesmo que é relevante para determinar que o aqui recorrente não poderia ter exercido atos de gerência durante o período em apreço, uma vez que se encontrava totalmente incapacitado.

XXXIX. O mesmo testemunho revela ainda que só não foi nomeado um novo gerente porque a empresa se encontrava inativa.

XL. Quanto à testemunha M………, a qual foi casada com o aqui Recorrente, referiu-se concretamente ao acidente havido.

XLI. A minutos 54:00 da gravação refere “(...) em julho de 2010 o A........ teve um acidente bastante grave, assisti e fui a primeira pessoa a ser chamada para ter conhecimento do acidente (...) o estado era muito grave (...) que lhe trouxe muitas sequelas (...) e que depois deste tempo todo ainda persistem”

XLII. Referiu a minutos 57:40 da gravação que “(...) após os três meses de saída do hospital estava na mesma. O acidente foi de tal maneira grave que precisava sempre de alguém ao pé dele para prestar o auxílio para as coisas do dia-a-dia: para comer, para se deslocar. Estava muito debilitado, perdeu muito peso e em termos de mobilidade não se conseguia mover. Tive que arranjar uma cama articulada, cadeira de rodas, andarilho”.

XLIII. Perguntou o Sr. Advogado do aqui Recorrente: “ Em termos psicológicos, como estava?”. Ao que a testemunha respondeu a minutos 58:50 da gravação que: “(...) não parecia a mesma pessoa. Estava muito debilitado também, inclusive em outubro, estava de tal maneira debilitado que tivemos que o levar de urgência a uma consulta com um psiquiatra. Estava a entrar numa depressão profunda. O psiquiatra perguntou o que ele estava a tomar e deu-se conta que estava a tomar uns medicamentos muito fortes, que entre si conjugados têm efeitos secundários muito sérios” (...) “Durante muito tempo havia muita coisa de que o A……… não se lembrava”.

XLIV. Perguntou ainda o Sr. Advogado do Recorrente: “Algum dia lhe falou sobre trabalho? “ ao que a testemunha respondeu: “(...) não, nem dessa nem nenhuma. Tomara que se concentrasse na debilidade física em que estava. O esforço do A........ durante muitos meses era conseguir alguma mobilidade”.

XLV. Perguntou ainda o Sr. Advogado do Recorrente: “Quanto tempo demorou a recuperação do Sr. A........? Ao que a testemunha respondeu: “A recuperação física foi muito demorada. Como esteve muito tempo parado, a fisioterapia fazia em casa, porque não tinha condições para sair. (...) Durante dois anos e muito...”

XLVI. A minutos 1h08m da gravação o Sr. Advogado perguntou-lhe: “O Sr. A........ teve algum tipo de atividade profissional? “Não” (...) “o A........ não teve capacidade de exercer qualquer profissão durante dois anos e muito...”.

XLVII. Segundo este testemunho ficou claro que o Recorrente não podia sair de casa, que não podia comer durante um período longo de tempo, durante vários anos após o acidente. 

XLVIII. Tendo até afirmado que o Recorrente não exerceu qualquer atividade profissional, não tendo qualquer capacidade para o fazer durante todo esse período.

XLIX. Para além dos testemunhos descritos,

L. Da análise do documento 4 junto com a petição inicial, no qual se pode verificar quais os períodos de incapacidade para o trabalho do Recorrente, atestando os mesmos desde a data do acidente até pelo menos 31 de maio de 2012.

LI. Ora, o facto de o Recorrente ter assinado uma vez, uma escritura desde o período do acidente até à data limite de pagamento aqui em apreço, não significa que não estivesse incapacitado para o trabalho e em consequência, para o efetivo exercício da gerência.

Lll. Em primeiro lugar porque se trata de um único ato, durante mais de um ano e meio, após o acidente e em segundo lugar, porque apenas efetuou a assinatura da referida escritura pelo facto de ser (ainda) o único gerente de direito na altura dos factos.

Llll. Tendo sido exigida a sua comparência na escritura referida, por meras questões formais

LIV. Em suma, não pode o aqui Recorrente concordar que, de um acto isolado praticado pelo Recorrente, em que, aparentemente, terá agido em representação da executada originária num determinado momento, se extraia a conclusão de que o mesmo exerceu, de facto, a gerência da dita sociedade nos anos a que se reportam as dívidas exequendas.

LV. Ora, tendo a gerência efectiva de ser comprovada - e cabendo a sua demonstração à AT -, é conclusivo, que actos isolados (ou mesmo esporádicos) de assinatura de documentos, não são idóneos para, por si só, sustentarem, com segurança, o exercício efectivo da aludida gerência

LVI. Mais ainda quando foi efetuada a prova, através de documentos e das testemunhas ouvidas em Tribunal, que o Recorrente se encontrava incapacitado pra o trabalho, na sequência do acidente de viação sofrido em 11 de julho de 2010.

LVII. Face ao que se acabou de expor, não pode ao Recorrente ser imputada a falta de pagamento pelas dívidas tributárias ora em crise, pelo que, não estando verificados os pressupostos para a reversão da execução fiscal que ora se cura, deve ser anulada a sentença proferida pelo Tribunal a quo e em consequência, ser a execução fiscal extinta, em relação ao Recorrente.

LVIII. Caso assim não seja entendido e sem prescindir,

LIX. No despacho de reversão que acompanhou a nota de citação do Recorrente nada é referido sobre se se encontram verificados os pressupostos de reversão, como seja a insuficiência ou inexistência de bens da sociedade devedora,

LX. Pelo que outra não pode ser a conclusão que não seja a de que a AT não desenvolveu nenhum tipo de diligências com esse intuito.

LXI. De facto, continua o Recorrente sem saber se foram efectivamente realizadas algumas diligências naquele sentido e, em caso afirmativo, quais foram.

LXII. Ora, a verdade é que a "fundamentação" expressa pela Administração Tributária para efeitos da justificação do prosseguimento dos presentes processos executivos contra o Recorrente, por via da reversão, não permite atingir tal desiderato, por a mesma ser, de todo, inexistente.

LXIII. No mínimo, deveriam ter sido descritas, ainda que sucintamente, as eventuais diligências efectuadas com o intuito de determinar se o património da executada originária era ou não insuficiente para o pagamento das dívidas, porquanto foi na sequência das mesmas, ou na sua ausência, que as presentes execuções fiscais prosseguiram, por reversão, contra o Recorrente,

LXIV. Pelo que, em suma, o despacho de reversão em crise carece de qualquer fundamentação, devendo, por tal motivo e desde logo, ser determinada a sua anulação.


X

A Fazenda Pública, na qualidade de recorrida, não apresentou contra-alegações.

X

O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal, foi regularmente notificado e pronunciou-se pela procedência do recurso.


X

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

X


II- Fundamentação.

A sentença recorrida assentou na seguinte fundamentação de facto:

1. Em 31 de Julho de 2014, o Processo de Execução Fiscal n.°…………, instaurado no Serviço de Finanças de Loulé 1 contra I....., Lda., reverteu contra A..... ao abrigo da alínea b) do n.° 1 do artigo 24.° da Lei Geral Tributária, com a seguinte fundamentação: "Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão (art. 23/n.0 2 da LGT); Dos administradores, directores ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo [art. 24.°/n.° 1/b) LGT]; Extensão da reversão: Todo o património do responsável até ao montante da dívida tributária, os juros e demais encargos (n.° 1 do artigo 22.° da LGT)" - cfr. fls. 46 e 50 dos autos.

2.Em causa está a cobrança de € 210.912,51, relativos a IMT de 2011, cuja data limite de pagamento ocorreu no dia 26 de Setembro de 2011 - cfr. fls. 52 dos autos.

3.A liquidação teve origem na caducidade da isenção prevista no artigo 7.° do Código do IMT quanto aos prédios inscritos na matriz predial de São Clemente sob os artigos …….(urbano) e ………(rústico), e na de Almancil sob os artigos …… e …… (urbano) e ………. (rústico) - cfr. fls. 73 dos autos.

4.Aquela liquidação foi enviada para o Sítio da Pedregosa - Estrada de São Brás, caixa postal 100-A, em Loulé, ao cuidado de I....., Lda., tendo o aviso de recepção sido assinado por A....., titular do Bilhete de Identidade ………. - cfr. fls. 75 e 27 dos autos.

5.No dia 14 de Dezembro de 2006, foi registada a designação de A..... como gerente de I....., Lda. - cfr. fls. 67 dos autos.

6.Em 11 de Julho de 2010, pelas 12:50 horas, A..... ao deslocar-se num motociclo adquirido nesse dia colidiu com um automóvel na Estrada Nacional n.° 2, km 669,200 (Almodovar) - cfr. fls. 27-31 dos autos.

7. No dia 11 de Agosto de 2010, foi registada a mudança da sede de I....., Lda., para Sítio da Pedregosa, Estrada de São Brás, caixa postal 100-A - cfr. fls. 68 dos autos.

8. Em 4 de Outubro de 2011, A....., em representação de I....., Lda., celebrou escritura de dação em cumprimento, a favor de S………, Lda., dos prédios inscritos na matriz de Almancil sob os artigos …….. e ……… (urbano) e …….. (rústico) - cfr. fls. 109-113 dos autos.

9. No dia 26 de Outubro de 2011, A..... renunciou à gerência de I....., Lda. - cfr. fls. 67 dos autos.

II-B. FACTOS NÃO PROVADOS

Não se provou que:

A. Os prédios inscritos na matriz predial de São Clemente sob os artigos ……. (urbano) e ………  (rústico) tenham sido alienados pela devedora originária.

 

II-C. FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

Os documentos referidos não foram impugnados pelas partes e não há indícios que ponham em causa a sua genuinidade.

O facto A foi dado por não provado por não se ter produzido prova quanto à propriedade destes bens que deram origem à dívida exequenda, matéria a que se refere no artigo 12.° da Petição Inicial e que apenas ficou provada quanto aos prédios de Almancil - cfr. ponto 8 do probatório.

A testemunha P........ não demonstrou ter conhecimento directo dos factos relevantes para a decisão da causa, pois deixou de ter contacto com o Oponente quando este sofreu o acidente de viação.

A testemunha M........ não foi inquirida concretamente sobre factos relevantes para a decisão da causa.

O depoimento de A........ foi desconsiderado, pois declarou que o Oponente, depois do acidente em Julho de 2010, deixou de exercer a gerência da devedora originária, mas foi produzida prova documental em sentido contrário (representação na celebração de escritura de dação em cumprimento em Outubro de 2011).»


X

2.2. De Direito

2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre o alegado erro de julgamento, seja na determinação da matéria de facto, seja quanto ao enquadramento jurídico da causa.

2.2.2. A presente oposição é deduzida pelo recorrente, revertido na execução, enquanto responsável subsidiário, ao abrigo do disposto no artigo 24.º/1/b), da LGT. A sentença julgou procedente a oposição quanto aos prédios de Almancil e improcedente quanto aos prédios de São Clemente. Em relação aos primeiros, considerou que se comprovam nos autos os pressupostos previstos no preceito do artigo 157.º do CPPT (“Reversão contra terceiros adquirentes dos bens”). Em relação aos segundos, julgou improcedente a oposição, por considerar que não estão demonstrados os pressupostos previstos no preceito do artigo 157.º do CPPT, citado, bem assim como, considerou demonstrados os pressupostos de efectivação da responsabilidade subsidiária do oponente, ao abrigo do disposto no artigo 24.º/1/b), da LGT.

2.2.3. O recorrente censura o veredicto que fez vencimento na instância. Invoca erro de julgamento da matéria de facto relevante, no que respeita à ocorrência da venda dos prédios de São Clemente, no que respeita à comprovação da insuficiência de bens penhoráveis na titularidade da devedora originária, no que respeita ao exercício de facto da gerência da devedora originária. Invoca também erro de julgamento na apreciação da matéria de facto quanto ao vício de falta de fundamentação do despacho de reversão.

Compulsados os autos, verifica-se que não existem elementos nos mesmos que permitam confirmar ou infirmar a matéria de facto não provada[1]. Existem inclusive elementos que depõem em sentido contrário (V. o RIT junto pela oponida com a contestação). Não existem elementos que demonstrem que diligências foram realizadas pelo órgão de execução fiscal com vista a comprovar a falta de bens penhoráveis na titularidade da devedora originária. Também não consta dos autos o título executivo que esteve na base da presente execução (a oponida juntou aos autos RIT relativo ao IMT de 2008 a 2010, sendo a execução relativa a IMT de 2011).

Tais elementos relevam para o correcto enquadramento jurídico da causa, seja à luz do preceito do artigo 157.º (“Reversão contra terceiros adquirentes dos bens”) do CPPT, seja à luz do disposto no artigo 153.º/2 (“Legitimidade dos executados”) do CPPT.

«Cabe ao tribunal apurar a matéria de facto relevante com vista a integrar as várias soluções plausíveis da questão de direito suscitada. Para além das diligências requeridas, o tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados».[2]

Nos termos do disposto no artigo 662.º/2/c), do CPC, a Relação deve ainda, mesmo oficiosamente, «[a]nular a decisão proferida em 1.ª instância quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos discriminados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta».

O recorrente apresenta versão diferente dos factos da que é acolhida na sentença recorrida, havendo elementos nos autos contraditórios quanto ao acerto da matéria de facto assente com relevo para a correcta decisão da causa. O que exige o apuramento da factualidade relevante com vista a emitir um juízo probatório fundamentado sobre as questões em exame. A base probatória da sentença deve, pois, ser alargada e precisada, com vista a aferir do bem fundado da pretensão extintiva em apreço, designadamente, ordenando a junção aos autos do processo executivo em causa.

Motivo porque se impõe anular a sentença recorrida.


DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em determinar a anulação da sentença, ao abrigo do disposto no artigo 662.º/2/c), do CPC, devendo, por isso, os autos ser devolvidos ao tribunal a quo, para que proceda à diligência requerida e à prolacção de nova sentença.

Sem custas.

Registe.

Notifique.

O Relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão as restantes Desembargadoras integrantes da formação de julgamento, as Desembargadoras Lurdes Toscano e Maria Cardoso.


(Jorge Cortês - Relator)

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[1] [Os prédios inscritos na matriz predial de São Clemente sob os artigos 3.483 (urbano) e 1.758 (rústico) tenham sido alienados pela devedora originária]
[2] Acórdão do TCAS, de 09.70.2020, 9281/16.7BCLSB.