Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1619/13.5BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:11/10/2022
Relator:VITAL LOPES
Descritores:AJUDAS DE CUSTO, “PRÉMIOS TIR” E “CLÁUSULA 74.ª CCT”
NATUREZA COMPENSATÓRIA
ÓNUS DE PROVA
PRESUNÇÃO
ILISÃO DA PRESUNÇÃO
Sumário:I - É à entidade patronal que cabe o ónus (cf. artigos 342º, do C. Civil, 100, n° 1 do CPPT e 74º, nº 1 da LGT) de provar que os montantes por si pagos a título de Prémios ou ajudas de custo TIR revestem a natureza de ajuda de custo, não consubstanciando rendimentos que proporcionam ao trabalhador um acréscimo de capacidade contributiva e, como tal, susceptíveis de tributação pois que nos termos do nº 3 do art.º 249º do Código do Trabalho, existe uma presunção de que toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador constitui retribuição, pelo que, nos termos dos artigos 344º e 350º do Código Civil beneficia a Administração Fiscal de uma presunção a seu favor, o que determina que não tenha de fazer prova do facto que invoca, sendo, contudo, elidível esta presunção pela entidade patronal pagadora daqueles “prémios TIR”.
II - Nessa tarefa, cabia à entidade patronal (impugnante e recorrente) provar que as quantias abonadas sob aquela designação constituíam ajudas de custas, pela demonstração de que correspondiam a despesas suportadas pelos beneficiários ao serviço e em favor da entidade patronal e que a esta competia reembolsar, não constituindo, assim, um elemento integrante da respectiva remuneração.
III - Constando do probatório como facto não provado que as designadas ajudas de custo “prémios TIR” e “Cláusula 74.ª do Contrato Colectivo” correspondam á restituição da importância de despesas incorridas por trabalhadores, motoristas de pesados, ao serviço da impugnante no estrangeiro, haverá que concluir, bem que presuntivamente, pela sua natureza retributiva para efeitos de incidência contributiva.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I. RELATÓRIO

R… – Sucursal em Portugal - Insolvente, recorre da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa (rectificada por Despacho de 29/06/2022) que julgou improcedente a impugnação judicial do despacho da Exma. Senhora Directora do Núcleo de Fiscalização de Beneficiários e Contribuintes de Lisboa e Vale do Tejo do Instituto da Segurança Social, I.P., datado de 22/03/2013, que determinou o suprimento oficioso das Declarações de Remunerações e a liquidação de contribuições totais no valor de 73.638,51€, correspondentes aos valores que não foram objecto de incidência de taxa social única devidamente identificados nos mapas de apuramento que integram o processo administrativo e respeitantes ao período de Dezembro de 2011 a Julho de 2012.

A Recorrente termina as alegações de recurso, formulando as seguintes e doutas conclusões:
«
a) Decidiu o Meritíssimo Juiz a quo que as importâncias em causa percebidas pelo motoristas internacionais, prestadas pelas suas entidades empregadoras, como a Impugnante, constituem efetivas vantagens patrimoniais, despidas de um qualquer intuito ou função compensatória, integrando por isso a base de incidência contributiva nos termos do referido artigo 46.º, n.º 1 e 2, corpo alienas i) e p) e 5, do CC da Segurança Social.

b) Considerando, o Meritíssimo Juiz a quo, que assim aconteceu com a situação da ora Recorrente, com o que soçobra a impugnação.

c) Mais refere aquela douta sentença, que apenas o Instituto, ora Recorrido, apresentou alegações, o que não é verdade, pois a Recorrente apresentou as suas alegações, em prazo, e encontram-se juntas ao processo,

d) pelo que desde já se diga, que o Meritíssimo Juiz a quo para afirmar que “apenas o Instituto se prevaleceu”, é porque nem sequer leu as alegações apresentadas pela ora Recorrente.

e) Ora, não pode a Recorrente aceitar a decisão proferida, sendo que, reitere-se, constitui, objecto da presente ação, o despacho da Senhora Diretora do Núcleo de Fiscalização de beneficiários e Contribuintes do serviço de Fiscalização de Lisboa e Vale do Tejo, datado de 22/03/2013 e constante do relatório final.

f) Reitere-se, à ora Recorrente é imputado, em suma, o seguinte: “Não estão a ser declarados à Segurança Social os valores pagos a título de “Prémio TIR” e “Cláusula 74ª”; consequentemente, a Recorrente alegadamente estará em falta no valor de 73.638,51 Euros, no que respeita a contribuições.

g) No entanto, o Meritíssimo Juiz a quo, considerou improcedente os motivos invocados pela Recorrente,

h) com efeito, o Meritíssimo Juiz a quo entendeu, na sua douta sentença, que as importâncias recebidas constituem “efetivas vantagens patrimoniais”.

i) E, é esse entendimento que a Recorrente, considera não ser correcto, como infra melhor explicará.

j) Com efeito, a Recorrente tinha ao seu serviço, diversos motoristas para prossecução do seu objecto social, a quem competia a condução de veículos pesados de mercadorias, particularmente, na zona norte da Europa.

k) Não obstante, o CCT prever o pagamento das refeições mediante a apresentação de factura, ficou desde sempre convencionado entre as partes, Recorrente e trabalhadores/motoristas, que esta pagaria todos e quaisquer encargos que aqueles tivessem no estrangeiro, nomeadamente: de “ajudas de custo”, propriamente ditas; “Cláusula 74ª” e “prémio TIR”.

l) Aliás estes factos resultaram provados, em sede de inquirição de testemunhas, no decurso do depoimento das testemunhas, M… e L…, ambos antigos motoristas que trabalharam para a Recorrente;

m) No âmbito de tais depoimentos, resultou claro que, não apresentavam as despesas, nomeadamente recibos à sua entidade patronal, “pois recebiam uma “espécie de diária”, valor fixo mensal, para fazer face ás suas despesas no estrangeiro.”

n) Mais, tais pagamentos só eram feitos aos motoristas de transporte internacional, pois todos os outros que trabalham em território nacional não recebiam nenhuma daquelas rúbricas, supra descritas.

o) Porquanto, os motoristas quando estavam a exercer atividade no estrangeiro tinham, evidentemente, encargos muito superiores àqueles que teriam se andassem apenas em território nacional.

p) Desde logo, gastavam, em média, mais de 50,00 Euros por dia em alimentação.

q) Pois, são estes os preços médios que se praticam, por exemplo, em Inglaterra e Alemanha, onde os mesmos tinham o centro da sua atividade.

r) Com aquela quantia, os motoristas de transporte internacional tinham que pagar o seu pequeno-almoço, almoço, lanche, jantar e ceia. Sendo certo que, passam cerca de 24 dias por mês no estrangeiro.

s) Até porque, estes trabalhadores estavam, por vezes, 3 ou mais semanas sem virem sequer a casa.

t) E, enquanto se encontravam deslocados no estrangeiro, os mesmos gastavam um valor superior a 1.200,00 Euros, só em alimentação e, isto é do conhecimento público, certo é que por exemplo a testemunha L…, disse gastar menos porque levava uma arca portátil com alguns alimentos e refeições de casa, evitando assim almoçar e jantar sempre fora.
u) Mais, a estes valores acrescem, ainda, outros gastos que os mesmos têm com outros produtos que necessitam de adquirir para consumo ou uso próprio, os quais são muito mais caros nesses países onde estão em serviço.

v) Acresce que, embora muitas vezes, aqueles motoristas pernoitavam nos próprios camiões e, por isso, não gastavam dinheiro em alojamento, acontece com frequência, por razões diversas, onde avulta o mau tempo, ou por questões de segurança, conforme referido em tribunal, os mesmos tenham que pernoitar em hotéis.

w) Provocando, um aumento das despesas e, consequentemente, no custo pois, não conseguem pernoitar em determinados locais que percorrem por menos de 100,00 Euros por noite.

x) Como tal, as quantias que receberam da Recorrente, a título de “ajudas de custo”, “Cláusula 74ª” e a “Prémio TIR” mais não foram, do que verdadeiros reembolsos de despesas que os motoristas têm quando estão deslocados no estrangeiro.

y) Não obstante, estarem decompostas em 3 rubricas, melhor descritas supra, tal fica-se a dever, apenas, ao preceituado no respectivo CCT.

z) Pois, a lógica de pagamento daquelas três quantias pela Impugnante, é exactamente a mesma, ou seja, reembolso de despesas que o motorista não teria, caso trabalhasse, somente, em território nacional.

aa) E, assim sendo, não estão sujeitas a tributação, já que não é uma verdadeira retribuição, conforme supra descrito.
bb) Aliás, como é do conhecimento da Recorrida, tais ajudas de custo (incluindo-se aqui a Cláusula 74ª e o Prémio TIR), não são pagas nas férias nem sequer são incluídas no subsídio de férias ou de Natal.

cc) Porquanto, as ajudas de custo, objecto dos presentes autos, destinam-se a compensar os trabalhadores, deslocados no estrangeiro, ou seja, das despesas tidas com diferenças de custos de alimentação, alojamento, telefone, café, água, tabaco, telefone, WC e banhos, bem como a compensá-los de outras despesas feitas nesses países, mas para as quais não têm documentos justificativos.

dd) Assim, as ajudas de custo não constituem um efectivo rendimento dos trabalhadores, na medida em que estas se limitam a reembolsar aqueles trabalhadores das despesas que, efetivamente, tiveram de suportar e adiantar no âmbito da sua prestação laboral, inexistindo, pois qualquer correspondência entre o seu recebimento e a prestação de trabalho, conforme indevidamente fundamentado pela ora Impugnada, nos presentes autos.

ee) Ora, é certo que, nos pressupostas da decisão, emitida pela Impugnada, existe uma clara violação das normas de incidência, ou seja, erro de qualificação do rendimento tributado, bem como erro no facto tributado, pelo que, desde já, se impugna e a mesma deve improceder.

ff) Assim, as alegadas dividas de contribuição, invocadas pela Impugnada, as denominadas “ajudas de custo TIR e Cl. 74.”, não são facto tributável, pois, são de carácter compensatório e não retributivo, pelo que não devem estar sujeitas ao pagamento de contribuições para a Segurança Social.

gg) E, por isso, excluem-se do conceito de retribuição, conforme melhor descrito supra.

hh) In casu, ao contrário da ilação do Meritíssimo Juiz a quo, estamos perante efectivas ajudas de custo, de carácter compensatório e não retributivo e, por isso excluem-se do conceito de retribuição (cfr. Art. 260.º, n.º 1, al. a) do Código do Trabalho).

ii) Nesse sentido, atente-se ao Decreto Regulamentar n.º 12/83, de 12 de Fevereiro, que fixou a base de incidência das contribuições para a segurança social, o qual veio a considerar como não sendo “remunerações” e portanto não estão sujeitas à incidência para os efeitos ali previstos, as ajudas de custo. (Cfr. art. 3.º, do citado Decreto Regulamentar).

jj) Mais, a presunção estatuída no artigo 258.º do Código do Trabalho, decorre do princípio favor laboris a qual enforma o ramo do direito do trabalho, mas que não é transponível para outras áreas do direito, especialmente para o direito fiscal.

kk) Acresce que, o estatuído no artigo 260.º, n.º 1 efectua uma delimitação negativa da presunção do artigo 258.º do CT, pois perante uma ajuda de custo, cessa a presunção de retributividade que adviria deste último preceito.

ll) Além do mais, as denominadas “ajudas de custo TIR” visam o pagamento de despesas causadas pela função laboral e devem ser assumidas pela empresa, conforme o foi pela ora Impugnante: não têm sentido retributivo estrito e não se lhe aplicam as regras de tutela da retribuição nem, por disposição expressa, as de incidência da segurança social – Cfr. 3.º, b), do
Decreto Regulamentar n.º 12/83, de 12 de Fevereiro.

mm) No mesmo sentido, a associação profissional do sector – ANTRAM – Associação Nacional de Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias – considerou e considera que, a prestação pecuniária em causa tem a natureza de verdadeira ajuda de custo e, como tal, foi negociada no âmbito da contratação colectiva, o que, aliás, decorreu com a concordância do Ministério do Trabalho.

nn) Por tal, entendimento, gerou-se, assim, por parte da Impugnante e das demais empresas do sector, dos transportes internacionais, uma situação de confiança legítima, a qual deve ser respeitada pela Administração, no caso ora Impugnada, em nome do princípio da boa fé, sob pena, de violação do preceituado no artigo 266.º, n.º 2 da CRP.

oo) Pois, os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem atuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade.

pp) Prosseguindo, o carácter de regularidade dos reembolsos das despesas, feitos pela Impugnante aos seus trabalhadores, motoristas de internacional, não permite, por si só, concluir que deixaram de constituir uma compensação, isto, é não permite, por si só, descaracterizar a sua qualidade de verdadeira ajuda de custo.

qq) E, para que assim não seja, torna-se necessário que se demonstre que existiu uma vantagem patrimonial retirada pelo beneficiário, o que in casu, a Recorrida não logrou provar qualquer proveito, alegadamente, obtido pela Recorrente.

rr) Cumpre assim, concluir que, o legislador para concretizar o conceito de retribuição, no n.º 1 do artigo 260.º do Código do Trabalho, não considera retribuições as importâncias recebidas a titulo de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações, novas instalações ou despesas feitas em serviço do empregador, salvo quando, sendo tais deslocações ou despesas frequentes, essas importâncias, na parte em que excedam casos respectivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante do retribuição do trabalhador.

ss) Pelo que, as ajudas de custo e demais prestações referidas no artigo 260.º do CT, visam compensar o trabalhador por despesas efectuadas ao serviço e em favor da entidade patronal e que, por razões de conveniência, foram suportadas pelo próprio trabalhador, não constituindo um correspectivo da prestação de trabalho. – Facto provado pelo depoimento dos próprios trabalhadores, i.e. motoristas de internacional.

tt) Pese embora tal referência seja pertinente, nos presentes autos, atente-se, ainda, ao Ac. do TCA Sul de 06/05/2003, retirado no recurso 5036/01: (...) Na verdade, as ajudas de custo e demais prestações enumeradas no citado art. 87° visam compensar o trabalhador por despesas efectuadas ao serviço e em favor da entidade patronal e que, por razões de conveniência, foram
suportadas pelo próprio trabalhador, não constituindo um correspectivo da prestação do trabalhador, característica da retribuição. Característica essencial destas prestações é o facto de representarem uma compensação ou reembolso pelas despesas a que o trabalhador foi obrigado na sequência de deslocações ocasionais e instalações que teve de efectuar em serviço,
inexistindo na sua percepção qualquer correspectividade em relação ao trabalho (cfr. Jorge Leite e Coutinho de Almeida, in "Colectânea de Leis do Trabalho"; pág. 89 e segs.; Menezes Cordeiro, in “Manual de Direito do Trabalho”; págs. 721 e segs. e Monteiro Fernandes, in “Direito do Trabalho”; vol. I, 8ª edição, págs. 361 e segs.).(...) Assim, as importâncias pagas a título de ajudas de custo tanto podem, como não podem, considerar-se parte da remuneração, consoante a realidade que lhes subjaz(…)”.

uu) Por fim, o artigo 2.º do C.I.R.S., estabelece uma ampla regra de incidência, fazendo incidir o imposto sobre qualquer tipo de rendimentos de trabalho, excluindo as ajudas de custo que excedem os limites legais. E, do mesmo modo os artigos 1.º e 2.º do Decreto Regulamentar 12/83 de 12 de Fevereiro.

vv) Reiterando, a jurisprudência mais recente entende que tais quantias não estão sujeitas a tributação (Cfr. Ac. do STA de 05/07/2012, disponível em www.dgsi.pt).

ww) No caso concreto, estamos perante verdadeiras ajudas de custo pelo que o montante em causa aqui nos autos não pode ser considerado retribuição.

xx) Assim sendo, estamos perante verdadeiras ajudas de custo, pelo que, os montantes em causa não podem ser considerados retribuição e, assim sendo, atendendo a toda a prova documental, e testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento, deverão V. Exas. julgar procedente o presente Recurso só assim se fazendo justiça!!!!

yy) Pelo que, o presente recurso deverá ser julgado procedente e por via disso, a sentença recorrida revogada.

zz) Acresce que, in casu, a prova produzida cria dúvidas sobre a existência ou quantificação de um facto tributário sendo uma questão essencialmente de facto.

aaa) Assim, andou mal o Tribunal a quo pois não havendo a certeza se existe ou não o facto deverá fazer-se aplicação desta regra sobre o ónus da prova, decidindo a questão contra quem tem tal ónus.

bbb) Pelo exposto, deverão V. Excelências decidir o presente recurso procedente.

Nestes termos e nos demais de Direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas. Venerandos Desembargadores, do muito que há a suprir, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, e, em consequência ser a douta sentença revogada, seguindo os ulteriores termos, só assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!».

O Recorrido, Instituto da Segurança Social, I.P., apresentou contra-alegações, que culmina com as seguintes e doutas conclusões:
«
A) O presente recurso vem interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo que julgou a acção totalmente improcedente, por não provada, por entender que os valores pagos pela Impugnante/Recorrente aos seus trabalhadores a titulo de “Prémios TIR” e “Cláusula 74.º” integram a qualificação de remuneração, razão pela qual, absolveu o Impugnado ISS, I.P. (aqui Recorrido) e condenação da Impugnante (aqui Recorrente) em custas do processo, nos termos do artigo 527.º do CPC.
B) A Impugnante/Recorrente inconformada com a decisão do Tribunal a quo, interpôs recurso no que respeita à matéria de direito, alegando, em suma, que os montantes pagos aos trabalhadores com a designação de “Prémio TIR” e “Cláusula 74.º” não constituem retribuição, e, consequentemente, não estão sujeitos à obrigatoriedade de declaração e pagamento das respetivas contribuições perante a Segurança Social.

C) Todavia, nenhuma rezão lhe assiste pois se, por um lado, as ajudas de custo visam compensar o trabalhador por despesas efetuadas ao serviço e em favor da entidade patronal e que, por razões de conveniência, foram suportadas pelo próprio trabalhador, não constituindo um correspetivo da prestação do trabalhador, característica da retribuição.

D) Sendo a característica essencial destas prestações, “o facto de representarem uma compensação ou reembolso pelas despesas a que o trabalhador foi obrigado na sequência de deslocações ocasionais e instalações que teve de efectuar em serviço, inexistindo na sua percepção qualquer correspectividade em relação ao trabalho” (cfr. Jorge Leite e Coutinho de Almeida, in "Colectânea de Leis do Trabalho"; pág. 89 e segs.; Menezes Cordeiro, in “Manual de Direito do Trabalho”; págs. 721 e segs. e Monteiro Fernandes, in “Direito do Trabalho”; vol. I, 8ª edição, págs. 361 e segs.).

E) Por outro, as rúbricas “Prémios TIR” e a “Cláusula 74.º” são uma verdadeira remuneração complementar do trabalho que é prestado pelos trabalhadores.

F) Acontece que, in casu, as rúbricas “Prémios TIR” e “Cláusula 74.º” pagas pela Impugnante/Recorrente
aos trabalhadores, não tinham a função de os ressarcirem das despesas que foram por eles efetuadas na prestação do trabalho.

G) Ao invés, mostram-se como uma verdadeira remuneração complementar desse trabalho que foi por eles prestado, ao serviço da sua entidade empregadora, aqui Recorrente. Pelo que, não havendo uma funçãoressarcitória efetiva, não podem estas rúbricas ser consideradas como “ajudas de custo”, mas sim, como retribuição e nessa medida, devem ser sujeitas a incidência contributiva para efeitos de sistema previdencial da Segurança Social.

H) Aliás, este aspeto é evidenciado na própria Nota ao anexo II da CCT celebrada entre a ANTRAM e a FESTRU determina a obrigatoriedade de pagamento mensal do denominado “subsídio TIR” aos motoristas deslocados em serviço internacional, conferindo-lhe deste modo, o carácter de regularidade e a expectativa do seu recebimento a que se refere o art.º 249.º do Código do Trabalho”.

I) Ou seja, a rúbrica “Prémio TIR” tem caráter regular e periódico e acresce à remuneração base dos motoristas que prestam serviço internacional. Pelo que, o “Prémio TIR” não pode ser considerada como uma “ajuda de custo”, mas sim, como retribuição (o que, salvo melhor opinião, ficou demonstrado através de prova documental e reforçado, através do depoimento dos dois ex-trabalhadores da Impugnante/Recorrente em sede de audiência de julgamento, que reconheceram que os recibos de vencimento, por si assinados, e com as respetivas rúbricas de “Prémio TIR” e “Cláusula 74.º”).

J) Acresce que, atendendo a que os valores auferidos pelos trabalhadores da Impugnante/Recorrente a título de “Prémios TIR” e “Cláusula 74.º”, eram pagos pela Impugnante/Recorrida sempre que os trabalhadores que desempenhassem funções enquanto motoristas internacionais, passassem a fronteira, é por demais evidente que estas rúbricas integram o conceito de retribuição, na medida em que as mesmas tem caráter regular e periódico, sendo pagas independentemente das despesas feitas pelo trabalhador.

K) E, se dúvidas ainda restassem acerca da natureza destas rúbricas, o Contrato de Trabalho (CCTV) outorgado entre a ANTRAM (Associação Nacional de Transportes Rodoviários de Mercadorias) e a FESTRU (Federação dos Sindicatos de Transportes Rodoviários Urbanos e Outros), publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 9, de 8 de março de 1980, com as alterações publicadas nos Boletins de Trabalho e Emprego n.º16, 18 e 30, de 29 de abril de 1982, 15 de maio de 1987 e 15 de agosto de 1997, respetivamente, ao preverem que os motoristas deslocados em serviço internacional auferem uma “ajuda de custo mensal” pelas deslocações efetuadas para o estrangeiro, vieram, salvo melhor opinião, dissipar quaisquer dúvidas quanto a esta matéria.

L) Porquanto, tratando-se de uma quantia convencionalmente estabelecida entre os parceiros sociais e fixado o seu valor mínimo, pago de forma autónoma, e independentemente das despesas que o trabalhador faça, e por outro lado, considerando a sua natureza periódica, constitui a mesma um elemento inequívoco de retribuição, não obstante a designação de “ajuda de custo mensal”.

M) Também os números 1, 2 e 3 da Portaria n.º 932/2009, de 19 de agosto, vieram clarificar esta situação, quando referem expressamente o seguinte: “a totalidade do montante das “ajudas de custo TIR” de montante fixo, mensal e atribuído ao trabalhador, independentemente do número de dias efetivos de deslocação no estrangeiro, constitui base de incidência contributiva para efeitos do sistema previdencial da Segurança Social.”

N) Na esteira do supra exposto, atente-se ainda ao vertido no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 11-01-2018, no âmbito do Processo n.º 01281/10.7BEBRG, segundo o qual:
“9. O facto de o Prémio TIR ser pago aos motoristas de transporte internacional, doze vezes ao ano, como resulta do probatório, correspondentes aos doze meses do ano em que cada um se desloca ao estrangeiro, e independentemente do número de dias efetivos de deslocação, reforça o entendimento da Fazenda Pública, na esteira de várias decisões judiciais que o consideram como verdadeira retribuição (que se deu como exemplo, os Ac. RC de 2001-03-29, no Proc. 339/01; Ac. RL de 2009-03-12, no Proc. 205/06.0TTLSB-4 e Ac. TCA Sul de 2003-05-06, no Proc. 05036/01), de que esta prestação assume o cariz de uma retribuição especial determinada pela maior penosidade, esforço e risco inerentes ao trabalho desenvolvido no estrangeiro.

10. Trata-se de uma contrapartida pelo trabalho prestado no estrangeiro (os motoristas afetos ao
transporte interno, naturalmente, não recebem), com caráter de retribuição, em conformidade com o disposto no nº 1 do artigo 258.º do Código do Trabalho (correspondente ao anterior artigo
249.º).

O) A este respeito, veja-se ainda o disposto no artigo 46.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Providencial de Segurança Social (CRCSPSS) aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16 de setembro que determina que, para efeitos de delimitação da base de incidência contributiva se consideram remunerações as prestações pecuniárias ou em espécie que, nos termos do contrato de trabalho, das normas que o regem ou dos usos são devidas pelas entidades empregadoras aos trabalhadores como contrapartida do seu trabalho.

P) E ainda o n.º5 daquele preceito que estatui o seguinte: “Constituem base de incidência contributiva, além das prestações a que se referem os números anteriores, todas as que sejam atribuídas ao trabalhador, com caráter de regularidade, em dinheiro ou em espécie, direta ou indiretamente como contrapartida da prestação de trabalho”.

Q) Pelo que, mais uma vez, dúvidas não subsistem de que os valores pagos a titulo de “Prémio TIR” e “Cláusula 74.º” têm natureza remuneratória.

R) Por outro lado e não obstante o que vai supra expendido, sempre se diga que era à Impugnante/Recorrente que cabia prova que os montantes por si pagos a titulo de “Prémios TIR” e “Cláusula 74.º” revestiam a natureza de ajudas de custo, nos termos do disposto nos artigos 342,º do CC , 100.º n.º1 do CPPT e 74.º n.º1 da LGT.

S) O que, salvo o devido respeito, não aconteceu, na medida em que a Impugnante/Recorrente não conseguiu demonstrar que os referidos prémios constituam ajudas de custo.

T) Assim, face ao supra vertido, e atendendo a que a Impugnante/Recorrente pagou aos seus trabalhadores com categoria de motoristas de pesados que efetuavam deslocações no estrangeiro, a titulo de “Prémio TIR” e “Cláusula 74.ª” o montante de €211.909,37 (duzentos e onze mil novecentos e nove euros e trinta e sete cêntimos), não tendo declarado tais valores que, sendo uma forma de retribuição, deviam ter sido sujeitos a incidência contributiva para efeitos de descontos para a Segurança Social, verifica-se que existe uma divida de contribuições da Impugnante/Recorrente para com a Segurança Social, no montante de €73.638,51 (setenta e três mil seiscentos e trinta e oito euros e cinquenta e um cêntimos), respeitantes às omissões apuradas e não declaradas”. (cfr. ato administrativo da Diretora do Núcleo de Fiscalização de Beneficiários e Contribuintes, Setor Lisboa I, da Unidade de Fiscalização de Lisboa e Vale do Tejo, de 22 de março de 2013).

U) Atento o exposto, e com o devido respeito por opinião contrária, que é muito, não assiste razão à Impugnante/Recorrente, considerando que a douta sentença recorrida apreciou de forma inatacável o alegado vicio de violação de lei, por errada qualificação das quantias pagas a título de “Prémio TIR” e de “Cláusula 74.º”, mediante a aplicação do normativo legal aplicável á questão sub judice.

Termos em que deverá o presente recurso improceder in totum mantendo-se a sentença recorrida. Com o que, uma vez mais, se fará a costumada JUSTIÇA!».

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu mui douto parecer concluindo pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para o conhecimento do objecto do recurso.

Assim, analisadas as conclusões da alegação do recurso, as questões que importa conhecer reconduzem-se a indagar se a sentença incorreu em erro de julgamento ao concluir pela natureza remuneratória e consequente sujeição contributiva, dos “prémios TIR” e “Cláusula 24.ª do CCT”, abonados a trabalhadores deslocados no estrangeiro ao serviço da impugnante

***

II. FUNDAMENTAÇÃO
A) DE FACTO

Na sentença recorrida deixou-se consignado em sede factual:
«
(…) é a seguinte a factualidade que resulta provada:

1. O Instituto da Segurança Social, I. P., pelo seu Departamento de Fiscalização – Unidade de Lisboa e Vale do Tejo, Núcleo do Fiscalização de Beneficiários e Contribuintes –, levou a efeito uma ação inspetiva à Impugnante, R…– Sucursal em Portugal, versando sobre eventual omissão de aplicação da taxa social única a quantias por ela pagas aos seus motoristas internacionais, comumente designadas «prémio TIR» e «Cláusula 74ª» [procedimento este que tomou a referência “Proave nº2012000037385, naquele Serviço – separado que foi tal procedimento do análogo, paralelo, mas respeitante ao pagamento de quantias a título de «ajudas de custo»].

2. No termo desse procedimento o respetivo relatório inspetivo concluiu que a Impugnante, ao proceder ao pagamento, entre dezembro de 2011 e julho de 2012, aos seus motoristas de pesados de mercadorias, que lhe prestaram serviço no estrangeiro naquele período, das respetivas remunerações mensais e de quantias sob a designação de «ajudas de custo», procedeu também ao pagamento de quantias sob as designações «prémio TIR» e «Cláusula 74ª», as quais naquele período ascenderam ao montante global de €211.909,37.

3. Porém, concluiu também que ao assim proceder, a Impugnante não incluíra essas quantias prestadas a título de «prémio TIR» e de «Cláusula 74ª» nas folhas de remunerações enviadas ao Instituto da Segurança Social, I. P., nem consequentemente fizera sobre essas quantias disponibilizadas nesses meses incidir a liquidação e cobrança, para a Segurança Social, da correspondente taxa social única.

4. Nesse relatório concluía-se, porém, que esses rendimentos postos à disposição daqueles trabalhadores naquele período eram também remuneração do trabalho, pois que em contrapartida, específica, que acrescia à remuneração do trabalho de motorista de pesados no estrangeiro – no caso da «Cláusula 74ª» –, e quando efetivamente prestado aí – no caso do «prémio TIR» –; e, ainda, porque dada a causa de cada uma delas, tais quantias tinham sido prestadas sem qualquer relação com despesas incorridas naquelas circunstâncias, por causa do exercício do trabalho, sem que por isso constituíssem um qualquer reembolso da entidade patronal, mostrando-se ainda regulares e constantes, em função do tipo de trabalho ou de circunstâncias da sua prestação, concorrendo deste modo também para a base de incidência contributiva sobre a qual é calculada a taxa social única devida que, sobre aquele montante global pago, correspondentemente ascendia a €73.638,51; assim:

anos prestações contribuições
2011 €17.817,91 €6.191,72
2012 €194.091,46 €67.446,78
totais €211.909,37 €73.638,51[=€211.909,27x0,3475

5. Neste sentido, o relatório inspetivo invocava ainda o Contrato Coletivo de Trabalho subscrita pela Associação Nacional de Transportes Rodoviários de Mercadorias, ANTRAM, e pela Federação dos Sindicatos de Transportes Rodoviários Urbanos e Outros, FESTRU, [in Boletim do Trabalho e do Emprego, I Série, nº9 de 8 de março de 1980, alterada depois, in BTE n.os16 de 29 de abril de 1982, 18 de 15 de maio de 1987 e 30 de 15 de agosto de 1997], que estabelece que o pagamento de «prémio TIR» [este só além Pirinéus] e de «Cláusula 74ª», aos motoristas que desempenhem serviço no estrangeiro, se constitui também em remuneração desses trabalhadores, bem como a Portaria nº932/2009 de 19 de agosto, que igualmente enquadra «ajudas de custo de montante fixo» mensal como integrantes da remuneração – reconhecendo-se no relatório ainda que, se até àquela Portaria a inclusão ou exclusão do «prémio TIR» e da «Cláusula 74ª» do âmbito remuneratório fosse discutível, com a publicação da Portaria deixara de o ser, referindo ainda, também neste sentido, todo o conjunto de associações sindicais e patronais do sector que haviam subscrito o acordo que estivera na génese da referida Portaria.

6. Tais conclusões inspetivas, sob o referido enquadramento justributário de remuneração, concluíam então pela violação, no atuar da Impugnante no período mencionado no ponto 2., do disposto nos arts.40º e 46º do Código Contributivo da Segurança Social e, assim, propunham a elaboração oficiosa de declarações de remuneração, suprindo a omissão detetada, bem como a liquidação oficiosa das contribuições, pelos montantes em falta, no referido valor global de €73.638,51.

7. Tais conclusões inspetivas foram aprovadas, com a fundamentação do relatório inspetivo, por despacho de 22 de março de 2013, da Diretora do referido Núcleo de Fiscalização.

8. De tanto notificada, no dia 26 de junho seguinte apresentou a Impugnante a petição na origem dos presentes autos.
*
Inexistem outros factos provados com interesse para a decisão. Não se provou já, com aquele relevo:

1. Que as quantias pagas pela Impugnante aos seus trabalhadores motoristas de pesados, que lhe prestaram serviço no estrangeiro, no período que mediou entre dezembro de 2011 e julho de 2012, a título de «prémio TIR» e de «Cláusula 74ª», conforme descrito no ponto 2., in fine, da matéria de facto provada, correspondessem à restituição da importância de despesas por aqueles incorridas, por causa do desempenho das suas funções no estrangeiro, que a Impugnante lhes restituísse por meio daqueles pagamentos.
*
A factualidade que resultou provada assenta na convicção que o Tribunal formou através do exame crítico da prova reunida, os documentos públicos ou particulares, que não fazem dúvida – não impugnados, de resto –, sob o valor probatório que os arts.369ºnº1, 370ºnº1 e 371ºnº1 do Código Civil lhes emprestam e ainda o que os arts.373ºnº1, 374ºnº1 e 376ºnº1 do mesmo corpo de normas, a propósito dos particulares, lhes dão. Assim, o vertido nos pontos 1.-7. extraiu-se do teor do relatório inspetivo constante do processo administrativo e sua decisão de aprovação, bem como da documentação de suporte que o instrói, designadamente a pasta de ficheiros «processamento de vencimento de trabalhadores», em suporte informático, que escalpeliza de forma individualizada todos os vencimentos pagos no período em causa, com as componentes questionadas, sem retenção da taxa social única. O consignado no ponto 8. extraiu-se, naturalmente, da notação eletrónica de receção da petição inicial destes autos. Já a prova testemunhal mais não serviu do que para confirmar o descrito no relatório, quer pelos depoimentos das testemunhas arroladas pela Impugnante (referidos ao caso específico dos depoentes, que não souberam apontar uma única especificidade compensatória às quantias percebidas pelos motoristas internacionais da Impugnante, a título de «prémio TIR», ou de «Cláusula 74ª»), quer daquelas arroladas pelo Instituto, que de útil esclareceram, por sua vez, a repartição das ações inspetivas segundo a tipologia de quantias pagas, além daquelas designadas por remuneração ou
vencimento, bem como descreveram os procedimentos que conduziram à publicação da Portaria referida na matéria de facto provada e as dúvidas que a propósito da matéria dos autos se puseram até então. Todas as testemunhas revelaram razão de ciência a respeito do âmbito sobre que depuseram e, embora tenha sido parco o contributo probatório dos seus depoimentos, o Tribunal acreditou no que descreveram, convencido de que falavam verdade, o que resultou, como dito, na corroboração do que resultava já do relatório inspetivo e seu suporte probatório, neste contexto em que nos autos se discute uma questão jurídica e não fática – consensuais que são, afinal, os factos, embora não o seu sentido justributário. De todo modo, sob o seu contributo os factos ficaram plasmados da forma descrita também ao abrigo também do disposto no art.396º do Código Civil.

Já a matéria de facto não provada mereceu esse juízo negativo sobre a sua ocorrência mercê da absoluta contradição com a matéria que julgámos provada, designadamente com o fixado no ponto 4. desta matéria, no que aí de fático se consigna, quando se refere que «tais quantias tinham sido prestadas sem qualquer relação com despesas incorridas naquelas circunstâncias, por causa do exercício do trabalho, sem que por isso constituíssem um qualquer reembolso da entidade patronal».

III. B) DE DIREITO

Antes de mais, importará esclarecer que o Mmo. juiz a quo, antes da subida do recurso, rectificou a sentença quanto à inexacta menção de que a impugnante não tinha apresentado alegações finais, dela fazendo constar que as apresentou, como documentam os autos.

A rectificação, nos termos dos artigos 613/2 e 614/1 do CPC, foi notificada às partes, que subsequentemente nada alegaram a tal respeito (art.º 614/2 do CPC).

Prosseguindo.

Nos presentes autos, vem questionada a bondade da sentença que concluiu pela natureza retributiva das prestações pecuniárias abonadas pela impugnante a trabalhadores seus (motoristas internacionais) quando deslocados ao seu serviço no estrangeiro, a título de “Prémio TIR” e “Cláusula 74.ª”.,

Na óptica da impugnante, tais prestações têm natureza compensatória e, nessa medida, não concorrem para a base de incidência contributiva prevista no art.º 46.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela
Lei n.º 110/2009, de 16 de Setembro, cujo n.º 1, estabelece: «Para efeitos de delimitação da base de incidência contributiva consideram-se remunerações as prestações pecuniárias ou em espécie que nos termos do contrato de trabalho, das normas que o regem ou dos usos são devidas pelas entidades empregadoras aos trabalhadores como contrapartida do seu trabalho».

Em coerência com o seu entendimento, a impugnante não incluiu nas declarações de remunerações respeitantes ao período de Dezembro/2011 a Julho/2022, enviadas à Segurança Social, os montantes pagos sob a designação de “Prémios TIR” e “Cláusula 74.ª” a trabalhadores seus (motoristas internacionais) quando em funções no estrangeiro.

Aqueles montantes – pagos a título de “Prémios TIR”, no montante de 54.036,89€ e “Cláusula 74ª”, no montante de 157.872,48€ – que a Segurança Social entende omitidos à declaração, foram objecto de suprimento oficioso, mediante a sua inclusão nas Declarações de Remunerações reportadas ao período em causa e com relação aos trabalhadores identificados nos mapas de apuramento, tendo originado liquidação oficiosa no montante de 73.638,51€, correspondente à taxa contributiva global de 34,75%.

Acompanhando, com as necessárias adaptações, os considerandos que sobre o tema se deixaram vertidos no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 07/05/2012, tirado no proc.º 0764/10, começaremos por dizer que, contrariamente ao que propugna a Segurança Social, o carácter de permanência ou regularidade dos reembolsos das despesas não permite, por si só, a conclusão de que deixaram de constituir uma compensação, ou seja, não permite, por si só, descaracterizar a sua qualidade de ajuda de custo.

E para que assim não seja, torna-se necessário que se demonstre que existiu uma vantagem patrimonial retirada pelo beneficiário, ou seja, como vem sendo jurisprudência uniforme (cfr. os acs. do STA, 2ª Secção, de 5/4/2000, Rec. n° 24568, e de 29/3/2000, e do TCA, de 7/10/2003, Rec. n° 466/03, de 13/5/2003, Rec. n° 6910/02 e de 30/9/2003, Rec. n° 700/03), que não se trate de um montante com inequívoco intento compensatório, porque se for esse o carácter da quantia paga ao trabalhador, então não se encontra o mesmo abrangido pelas normas de incidência tributária, designadamente para efeitos de contribuições para a Segurança Social.

Diremos, também, que no caso, cremos que é à sociedade recorrente que cabe o ónus (cf. artigos 342º, do CCivil, 100, n° 1 do CPPT e 74º, nº 1 da LGT) de provar que os montantes por si pagos a título de “Prémios TIR” e "Cláusula 74.ª” revestem a natureza de ajudas de custo, não consubstanciando rendimentos que proporcionam ao trabalhador um acréscimo de capacidade contributiva e, como tal, susceptíveis de tributação pois que nos termos do nº 3 do art.º 258.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, existe uma presunção de que toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador constitui retribuição, pelo que, nos termos dos artigos 344º e 350º do Código Civil tem a Administração Fiscal, no caso em questão, uma presunção a seu favor, o que determina que não tenha de fazer prova do facto que invoca, sendo, contudo, elidível esta presunção, que entendemos competir à impugnante, ora recorrente (neste sentido, o ac. do STJ de 8 de Outubro de 2008, proferido no Proc. nº 08S1984, reportado ao anterior CT mas transponível para os autos por estarem em causa disposições idênticas, em que se refere: “Posto isto há que proceder à tarefa de conciliação dos preceitos contidos nos n.ºs 2 e 3 do art.º 249º e no n.º 1 do art.º 260º do CT. Tal conciliação faz-se nos seguintes termos: Cabe à entidade empregadora, nos termos dos art.ºs 344º, n.º 1 e 350º, n.º 1 do CC, provar que a atribuição patrimonial por ela feita ao trabalhador reveste a natureza de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes (por comodidade, passaremos a designar tais atribuições apenas por “ajudas de custo”), sob pena de não lhe aproveitar a previsão do art.º 260º do CT e de valer a presunção do n.º 3 do art.º 249º do CT de que se está perante prestação com natureza retributiva”).

Feitos os considerandos preliminares que se impunham, a questão essencial a equacionar neste recurso consiste em saber se as quantias pagas pela impugnante a título de "prémio TIR" e “Cláusula 74.ª” constituem uma forma de retribuição aos beneficiários, sujeita a incidência contributiva para efeitos de desconto para a Segurança Social, ou se constituem, antes, ajudas de custo excluídas dessa tributação, como advoga a recorrente.

Continuando a acompanhar de perto o citado acórdão do STA, é oportuno mencionar o acórdão deste TCA Sul, de 05/06/2003, tirado no proc.º 05036/01 onde sobre o conceito de retribuição, e ressalvadas as distâncias temporais para os dias de hoje e a evolução legislativa entretanto operada, se expendeu:

«(…) A retribuição surge, assim, como um conjunto de valores, expressos ou não em moeda, a que o trabalhador tem direito, por título contratual ou normativo, correspondente a um dever da entidade patronal, integrando todos os benefícios outorgados dela entidade patronal que se destinem a integrar o orçamento normal do trabalhador conferindo-lhe a justa expectativa do seu recebimento dada a sua regularidade e continuidade periódicas.
Da retribuição se excluem apenas as prestações que, embora sendo devidas, têm um carácter meramente ocasional (v.g., a remuneração por trabalho suplementar - art. 86° da LCTI) e as que se traduzem em simples compensações ou reembolsos por despesas do trabalhador feitas em serviço da entidade patronal - art. 87° da LCTI).
No tocante à sua estrutura, a retribuição pode ser certa, variável ou mista, abrangendo neste caso uma componente certa - a remuneração-base -, calculada em função do tempo de trabalho e que representa o rendimento mínimo com que o trabalhador conta, pelo exercício da sua actividade, para a satisfação das suas necessidades quotidianas e do seu agregado familiar, e outra variável, composta por prestações complementares ou acessórias, calculadas em função de outros factores e com uma periodicidade distinta da remuneração-base. Estas prestações complementares encontram-se ligadas a contingências especiais da prestação do trabalho, a produtividade, a certas situações pessoais dos trabalhadores ou até ao acréscimo de despesas em certas épocas do ano. É o que acontece com os subsídios de férias e de natal.
E até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador.
Porém, de acordo com o art. 87° da LCT, não se consideram retribuição as importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações ou novas instalações feitas em serviço da entidade patronal, salvo quando, sendo tais deslocações frequentes, essas importâncias, na parte em que excedam as despesas normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da remuneração do trabalhador.
Na verdade, as ajudas de custo e demais prestações enumeradas no citado art. 87° visam compensar o trabalhador por despesas efectuadas ao serviço e em favor da entidade patronal e que, por razões de conveniência, foram suportadas pelo próprio trabalhador, não constituindo um correspectivo da prestação do trabalhador, característica da retribuição.
Característica essencial destas prestações é o facto de representarem uma compensação ou reembolso pelas despesas a que o trabalhador foi obrigado na sequência de deslocações ocasionais e instalações que teve de efectuar em serviço, inexistindo na sua percepção qualquer correspectividade em relação ao trabalho (cfr. Jorge Leite e Coutinho de Almeida, in "Colectânea de Leis do Trabalho"; pág. 89 e segs.; Menezes Cordeiro, in “Manual de Direito do Trabalho”; págs. 721 e segs. e Monteiro Fernandes, in “Direito do Trabalho”; vol. I, 8ª edição, págs. 361 e segs.).
Daí que essas importâncias não se integram no conceito de retribuição consagrado na LCT, salvo no caso especial excepcionado na parte final do artigo 87° previsto para aduelas e, actividades em que as deslocações do trabalhador são frequentes e os abonos respectivos (atribuídos, designadamente sob a forma de prémios) foram estruturados de forma a cobrir as despesas normais.
Assim, as importâncias pagas a título de ajudas de custo tanto podem, como não podem, considerar-se parte da remuneração, consoante a realidade que lhes subjaz (…)».

Ora, face a tudo o expendido anteriormente, a sorte do recurso depende da prova, que à impugnante cabia fazer, de que os designados “prémios TIR” e “Cláusula 74.ª” abonados aos trabalhadores deslocados no estrangeiro em serviço de transporte internacional de mercadorias, não obstante o seu carácter periódico e regular, se destinavam a compensar os beneficiários das despesas em que incorriam naquelas deslocações ao serviço da entidade patronal, elidindo a presunção legal do seu carácter remuneratório.

Sucede que a sentença deu como facto «não provado» que os montantes abonados pela impugnante a trabalhadores deslocados em serviço no estrangeiro a titulo de “Prémios TIR” e “Cláusula 74.ª” correspondessem à restituição da importância de despesas por aqueles incorridas por causa do desempenho das suas funções no estrangeiro.

E motiva a decisão sobre a matéria de facto «não provada» por absoluta contradição com a restante factualidade que deu como provada, com destaque para a vertida no ponto 4. (vd. art.º 607/5 do CPC).

Embora se percepcione que a recorrente não se conforma com o julgamento de facto, a verdade é que não impugnou a decisão de facto de modo eficaz, isto é, observando o ónus que o art.º 640.º do CPC impõe ao recorrente que impugne a matéria de facto sob pena de rejeição do recurso nessa parte.

Estabelece aquele preceito nos segmentos relevantes para os autos:
«1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) (…)».

Ora, a recorrente não concretiza os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, nem especifica os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que por referência ao ponto ou pontos de facto impugnados, impunham decisão diversa da recorrida; como não especifica a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre o ponto ou pontos de facto impugnados (vd. n.ºs 63 a 70 das alegações e alíneas h) a m) das doutas conclusões).

Na verdade, a referência que a Recorrente faz na alínea h) das conclusões [«com efeito, o Meritíssimo Juiz a quo entendeu, na sua douta sentença, que as importâncias recebidas constituem “efectivas vantagens patrimoniais”»], não se reporta a qualquer facto «provado», ou «não provado», constante do probatório e que pretenda contrariar por incorrectamente julgado, mas a uma mera ilação que o Mmo. juiz a quo, em sede de aplicação do direito, extraiu da materialidade assente, tanto a provada, como a não provada [“Em conclusão, as importâncias em causa percebidas pelos motoristas internacionais, prestadas pelas suas entidades empregadoras, como a Impugnante, constituem-se efectivas vantagens patrimoniais, despidas de um qualquer intuito ou função compensatória, integrando, por isso, a base de incidência contributiva (...)”] – vd. art.º 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC.

Como é unânime na jurisprudência, o incumprimento de qualquer um dos ónus imposto no art.º 640/1, alíneas a), b) ou c), do CPC implica a imediata rejeição da impugnação da decisão da matéria de facto, não sendo legalmente admissível a prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento das conclusões – neste sentido, pode ver-se, entre muitos, o ac. do STJ, de 09/27/2018, tirado no proc.º2611/12.2TBSTS.L1.S1, em cujo sumário doutrinal se deixou consignado: «Relativamente ao recurso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto não há lugar ao despacho de aperfeiçoamento das respectivas alegações uma vez que o art. 652.º, n.º 1, al. a), do CPC, apenas prevê a intervenção do relator quanto ao aperfeiçoamento “das conclusões das alegações, nos termos do n.º 3 do art. 639.º”, ou seja, quanto à matéria de direito e já não quanto à matéria de facto». Posição idêntica é também defendida na doutrina (cf. Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª edição, 167).
Em vista do exposto impõe-se rejeitar a apelação na parte relativa à impugnação da matéria de facto, por falta de cumprimento do ónus de impugnação exigido nas alíneas a), b) e c) do nº 1, do art.º 640º, do CPC.

Lembrando o que acima dissemos, cabia à impugnante, ora recorrente, elidir a presunção legal do carácter remuneratório dos montantes abonados aos trabalhadores deslocados no estrangeiro ao seu serviço a título de “Prémios TIR” e “Cláusula 74.ª”.

Ora, a recorrente não se desincumbiu do ónus probatório que lhe competia, infirmando a factualidade dada como «não provada» na sentença, isto é, de que os montantes atribuídos aos trabalhadores (motoristas de transporte internacional) sob a designação de “Prémios TIR” e “Cláusula 74.ª” se destinassem à restituição das despesas por aqueles suportadas ao seu serviço no estrangeiro.

Na falta dessa prova decisiva, o recurso está inexoravelmente votado ao insucesso.

Em consequência, mantém-se a sentença recorrida e nega-se provimento ao recurso.

IV. DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas a cargo da Recorrente.



Lisboa, 10 de Novembro de 2022



_______________________________
Vital Lopes




________________________________
Luísa Soares




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Tânia Meireles da Cunha
(c/ declaração de voto junta)



Declaração de voto:
Voto a decisão, mas não a respetiva fundamentação.
Com efeito, não considero que seja aplicável o disposto no art.º 258.º, n.º 3, do Código do Trabalho.
Como referido, v.g., no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 18.11.2020 (Processo: 02342/12.3BELRS 0400/18), a regulação atinente a tributos devidos à Segurança Social é autónoma e autossuficiente, não dependendo de remissão ou densificação para a legislação laboral.
Aliás, o Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, em termos de direito subsidiário, no tocante à relação jurídica contributiva, remete expressamente para a Lei Geral Tributária [(LGT); cfr. art.º 3.º, al. a)].
Assim, considero que o Instituto da Segurança Social, IP (ISS), está adstrito à disciplina prevista na LGT – com as necessárias consequências em termos de distribuição do ónus da prova.
No entanto, entendo que, in casu, o ISS logrou carrear, em sede inspetiva, elementos que permitem concluir que os valores em causa respeitam a prestações que integram a base de incidência contributiva, não tendo a Impugnante logrado afastar tais elementos nem demonstrado o que alegou.
Como tal, concordo com a decisão, ainda que por diferentes fundamentos.

Lisboa, 10 de novembro de 2022

Tânia Meireles da Cunha