Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:896/16.4BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:05/26/2022
Relator:VITAL LOPES
Descritores:IVA
IRC
FACTURAS FALSAS
ÓNUS DA PROVA
Sumário:I - No caso da liquidação adicional de IVA ter por fundamento o não reconhecimento das deduções declaradas pelo sujeito passivo, compete à administração tributária fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação.
II - Assentando o juízo da administração tributária na consideração de que as facturas cujo IVA foi deduzido não titulam operações realmente efectuadas, terá de demonstrar a existência de indícios sérios de que as operações referidas nas facturas foram simuladas, passando então a competir ao contribuinte o ónus de provar que as facturas em causa correspondem a operações realmente efectuadas pela empresa que as emitiu e, assim, comprovar o direito à dedução do imposto nelas mencionado nos termos do artigo 19º do CIVA.
III - Sendo os indícios avançados pela administração tributária manifestamente insuficientes para suportar a conclusão a que a administração chegou, é de concluir que não demonstrou, como lhe competia, os pressupostos de facto que a legitimaram a corrigir as liquidações de IVA com fundamento na simulação das operações tituladas pelas facturas em causa nos autos.
IV- Não tendo a administração tributária feito a prova que lhe competia, não ilidindo, assim, a presunção da veracidade de que goza a contabilidade do sujeito passivo [cf. artigo 75º, n.º 1 da LGT] desnecessário se torna analisar se este logrou ou não provar, em tribunal, a existência dos factos tributários que estão subjacentes à dedução de imposto efectuada.
V - Em tal situação, entrar na análise do erro de julgamento apontado à sentença recorrida na apreciação e valoração da prova produzida pela impugnante e ora recorrente com o escopo de demonstrar a existência dos factos tributários que estão subjacentes à dedução de imposto efectuada redundaria numa inutilidade processual.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I. RELATÓRIO

M…, LDA., recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa deduzida das liquidações adicionais de IVA de 2011 e 2012, de IRC/2011 e de juros compensatórios, no montante total de €145.399,84.

Conclui as doutas alegações assim:
«
1. As operações comerciais que estiveram na base das liquidações impugnadas são reais e estão documentadas na contabilidade da impugnante que se encontra organizada de acordo com a legislação comercial e fiscal e por isso, estão a coberto da presunção de veracidade prevista no artigo 75.° da LGT .
2. A, aliás, douta sentença, considerou (erradamente, no entendimento da impugnante e com todo o respeito) justificada a adequação entre os factos-índice recolhidos no procedimento administrativo tributário e o juízo sobre a inexistência do facto que confere o direito à dedução do IVA.
3. A decisão em apreço encerra um erro de julgamento - pré judicial e determinante de todo o processo - e que consistiu em imputar à impugnante de forma absolutamente arbitrária fatos que foram praticados por terceiros, seus fornecedores e que lhe são absolutamente alheios.
4. Tais factos só podiam ser opostos à impugnante caso se verificasse a alegação - e consequente prova - de alguma participação dela neles, ainda que tal factualidade lhe fosse imputada não a nível material - e não o foi - mas unicamente intelectual - que também não foi.
5. Facilmente se constata que não há sequer a menor alegação do que seria essencial para responsabilizar a impugnante, imputando-lhe:
a) comparticipação
b) pratica efetiva de factos ilícitos
c) conhecimento ou mera cognoscibilidade da atuação ilícita dos seus fornecedores incumpridores.
6. Nada disto se alega nem objetivamente se observa, verificando-se antes uma efetiva subversão das regras sobre o ónus da prova.
7. Em vez da alegação de factos concretos o trabalho da inspeção tributária - que mereceu crédito na sentença - quedou-se pela mera afirmação de manifestações de fé e processos de intenções assentes em suspeitas e suspeições sem qualquer suporte factual no que respeita ao que seria essencial: a imputação de factos, não a terceiros, mas diretamente à impugnante.
8. De onde, numa primeira apreciação, se deverá concluir que, não se verifica, in casu, uma afirmação fundamentada e carregada de objetividade de onde se possa inferir com mediana certeza que as faturas em analise subjacentes às liquidações impugnadas comportam operações simuladas.
9. Considera-se ainda um erro de julgamento, de facto, na medida em que se pode afirmar que o Mm° Juiz decidiu contra os factos apurados;
10. Existindo o reconhecimento expresso dos fornecimentos à impugnante, - e eles estão claramente reconhecidos nos números 11, 12, 13, 14 e 15 dos factos provados na sentença - não podia o tribunal prevalecer-se da presunção prevista no artigo 74° da LGT para julgar a impugnação improcedente, devendo antes avaliar, da documentação e demais elementos de prova disponíveis, quais os montantes em causa para julgar procedente a impugnação e anular as liquidações respetivas.
11. Na situação em analise, a partir do momento em que o tribunal dá como provados os fornecimentos, caso lhe restasse a dúvida sobre os valores deles, suspeitando de alguma simulação relativa, teria de remeter para os constantes das liquidações impugnadas ou socorrer-se da documentação contabilística ao dispor da Administração e do tribunal.
12. Decidindo desta forma, dando como provados os factos que preenchem o conceito ou a circunstância em discussão - se existem ou não fornecimentos à impugnante - afastada fica a referida presunção a favor da impugnada que determinou a improcedência.
13. E uma vez anulada essa presunção terá de passar o contribuinte/sujeito passivo a beneficiar das presunções estabelecidas nos já citados artigos 75° e 100° da LGT.
14. Poderá afirmar-se (com parcimónia) que a Inspeção Tributária não fez o seu trabalho de avaliação objetiva colocando no terreno os seus instrumentos para o efeito.
15. Prova desse incompetente labor cfr fls 32, a propósito de uma necessária investigação in loco: "quanto à deslocação ao local, aludida numa conversa telefónica, foi considerada pouco prática” "por requerer meios técnicos inexistentes neste serviço".
16. Limitou-se a levantar suspeições na tentativa velada de imputar à impugnante comportamentos que não são dela, mas sim de terceiros, sem ter alinhado um facto singelo de onde se possa extrair uma ação concertada com aqueles fornecedores; nem o conhecimento ou simples cognoscibilidade daqueles comportamentos ou qualquer sinal de atuação ilícita.
17. A, aliás, douta sentença, julgou a impugnação improcedente justificando a sua adesão ao RIT com a abundante jurisprudência que aponta num sentido que é inequívoco:
"Estando em causa o imposto sobre o valor acrescentado deduzido com base em faturas que, alegadamente, não têm subjacente nenhuma transação, cabe à administração tributária demonstrar a adequação entre os factos-índice recolhidos no procedimento e o juízo sobre a inexistência do facto que confere o direito à dedução e ao sujeito passivo demonstrar a existência do facto tributário".
18. Porém a douta sentença fez tábua rasa das exigências que são impostas à Administração na demonstração daquela adequação, também elas bem vincadas em praticamente toda a jurisprudência já bem escalpelizada:
- Objetividade
- Fundamentação séria
- Univocidade
- Imputação de factos que envolvam conluio ou atação dolosa do impugnante
19. O RIT em apreço carece em absoluto dessas caraterísticas essenciais, sendo também absolutamente inequívoco que a douta sentença não aderiu à tese de uma simulação absoluta (inexistência de qualquer transação) mas antes de uma alegada sobrefaturação, retirando desta forma toda a credibilidade que seria essencial para justificar a proclamada "fé em juízo" do Relatório de Inspeção Tributária. (Na verdade a decisão tributária também não é clara na afirmação de se tratar de simulação absoluta ou relativa)
20. Quando o direito à dedução tenha por base declaração do sujeito passivo apresentada nos termos da lei, a administração tributária que pretenda infirmar a ocorrência do facto em que se suporta essa dedução, titulado por documento emitido nos termos da lei, não tem que demonstrar que a operação subjacente não existiu, mas tem que reunir indícios fundados de que o sujeito passivo não tem direito à dedução (e que poderão consistir em indicadores objetivos da inexistência da operação) e que sejam suficientemente sólidos para fazer cessar a presunção de que o contribuinte beneficiava.
21. A AT não cumpriu esse ónus, embora tenha assumido a boa organização contabilística da impugnante.
22. Não é controvertido que a Recorrente contabilizou as faturas emitidas pelas suas fornecedoras e emitiu as respetivas declarações periódicas. O que fez nos termos previstos na lei, visto que não foi apontada nenhuma irregularidade nem a essas declarações nem a elementos contabilísticos que as suportassem.
23. Nenhuma dúvida, por isso, de que a recorrente beneficia da presunção da verdade a que alude o artigo 75.°, n.° 1, da Lei Geral Tributária, quanto aos elementos inseridos nessas declarações.
24. Daí que a, alias, douta sentença incorreu em erro de julgamento (de facto e de direito) o que ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados.
25. O Tribunal devia ter decidido que cabia à administração tributária, no âmbito da sua atividade fiscalizadora averiguar da conformidade dessas declarações com a verdade fiscal do sujeito passivo;
26. e, sendo caso disso, reunir os indicadores que, apesar do cumprimento formal dos seus deveres declarativos e de escrituração, e da aparência de colaboração com a administração fiscal que dele decorre, não teria o direito à dedução arrogado nesses documentos.
27. Erradamente também, o Tribunal desvalorizou que não foi referenciada nenhuma ocorrência de que pudesse decorrer violação dos deveres de cooperação do sujeito passivo no decurso da inspeção, não havendo notícia de que lhe tenham sido solicitados elementos adicionais que não tivesse apresentado, ou que lhe tivessem sido solicitados esclarecimentos sobre a natureza dessas operações.
28. É, por isso, inequívoco que as únicas razões que levaram a administração tributária a concluir que as faturas em causa não respeitaram a aquisição de mercadorias - e o Tribunal a aderir a essas razões - dizem unicamente respeito às emitentes dessas faturas e aos indicadores de que esses emitentes não teriam meios para as executar.
29. Mas também não se mostra demonstrada a alegada "falta de estrutura", mostrando-se antes o que consta dos pontos 9 e 10 dos factos provados:
9) Tais empresas/empresários podem não ter equipamento em nome próprio e contratar máquinas, transporte e mão-de-obra a terceiro
10) Tais empresas/empresários podem atuar como meros intermediários/comissionistas no negócio de fornecimento da madeira
30. De todo o exposto decorre que a administração tributária não conseguiu reunir indicadores suscetíveis de constituir (para utilizar a expressão do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2002.04.17) «a prova, em tribunal, do bem fundado da formação das suas presunções de inexistência dos factos tributários» a que se reportam as faturas em causa.
31. E, por conseguinte, da legalidade do ato impugnado.
32. Constitui fundamento do presente recurso, o erro de julgamento da aplicação do direito aos factos uma vez que a prova produzida - em especial os factos recolhidos nas alíneas 11 a 16 dos factos provados - é de molde a contrariar os indicadores da inexistência das operações tituladas nas faturas que suportaram o exercício do direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado nelas indicado.
33. Reconhecendo, embora, que não é imperiosa a exigência senão de indícios - mas fundados - ou seja, não se impõe que a AT prove que detrás dos documentos não está a realidade que refletem, bastando invocar factos que traduzem uma probabilidade - mas elevada e séria - para fazer cessar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e da contabilidade e respetivos documentos de suporte, a favor do contribuinte, prevista no artigo 75.° da LGT, contudo,
34. é certo que a impugnante tem a seu favor uma presunção legal e por isso está dispensada de provar o facto a que ela conduz, como preceitua o artigo 350.°, n.° 1 do Código Civil,
35. tendo a sua contabilidade ou escrita organizada conforme as exigências legais, não necessita de provar a veracidade dos dados dela constantes, a menos que sejam verificados erros, inexatidões ou outros indícios fundados de que a mesma não reflete a matéria tributável real (cfr. n.° 2, alínea a) do artigo 75.° da LGT
36. Aceitar-se que um utilizador de faturas veja os custos desconsiderados [no nosso caso, o IVA deduzido] sem que de alguma forma a administração tributária o ligue ao esquema fraudulento, seria violador do princípio da justiça. E poria em causa a confiança nas relações comerciais. (...)
37. Está em causa uma leitura enviesada do artigo 19° n° 4 do CIVA e em direto confronto com o disposto no artigo 268° n° 3 da Constituição da República, no segmento ”Os atos administrativos ... carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos”.
38. Aquela norma do CIVA, tem de ser interpretada em consonância com a norma constitucional referida com o sentido de exigir a prova cabal, expressa e acessível, do conhecimento ou mera cognoscibilidade de que o transmitente dos bens ou prestador de serviços não dispõe de adequada estrutura empresarial suscetível de exercer a atividade declarada; sendo ainda exigível a prova de atuação dolosa da entidade impugnante no sentido de demonstrar um pacto colusório que não está provado, nem sequer indiciado nem alegado, com o fornecedor incumpridor.
39. Incumpridas que se mostram aquelas exigências a douta sentença incorre na violação do citado preceito constitucional, mostrando-se também violados os artigos 6° do RCPITA, 58° e 75° da LGT; a Sexta Diretiva e princípio da neutralidade do IVA e Artigo 19° n° 4 do CIVA.
40. Conclui ainda conforme alegado na parte C desta exposição cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
Por todo o exposto, a douta sentença recorrida enferma de erro de julgamento em matéria de direito e de facto, por erro de interpretação e determinação das normas jurídicas aplicáveis, pelo que deverá ser revogada e substituída por Acórdão que julgue a impugnação procedente, por provada e, consequentemente, determine a anulação das liquidações impugnadas, por ilegalidade, conforme peticionado.
V. Exas., porém, melhor decidirão, julgando conforme for de JUSTIÇA!»

A recorrida não apresentou contra-alegações.

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer concluindo pela improcedência do recurso.

Com dispensa dos vistos legais dado que as questões factuais e jurídicas a dirimir já foram repetidamente tratadas na jurisprudência dos Tribunais Centrais Administrativos e do Supremo Tribunal Administrativo, vêm os autos à conferência para decisão.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, analisadas as conclusões das alegações do recurso, a questão central que importa apreciar reconduz-se ao erro de julgamento, de facto e de direito, apontado à sentença ao validar as correcções de IVA e de IRC assentes na desconsideração para efeitos de dedutibilidade das facturas de determinados emitentes contabilizadas pela impugnante, sem olvidar as questões da falta de fundamentação dos actos e do reenvio para o TJUE por interpretação sancionada para afastar o direito à dedução do IVA mencionado em facturas de determinados emitentes violar a Sexta Directiva.

III. FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS
Consta da sentença recorrida em sede factual:
«
Factos Provados:
Com interesse para a apreciação do mérito da causa, dão-se como provados os seguintes factos:
1) M…, LDA., ora impugnante, iniciou a sua atividade no dia 8 de setembro de 1998 e desenvolve a atividade de “Comércio por grosso de madeira” a que corresponde o CAE 46731 – cfr. Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”), constante de fls. 15 e 16 do processo administrativo (“PA”);
2) A impugnante forneceu madeiras à empresa V…, S.A., que se dedica à indústria pesada de fibras de madeira e outros produtos de avançada tecnologia – cfr. depoimentos das testemunhas J…e M…e relatório de fls. 13 a 16 do PA de reclamação graciosa;
3) A V…, S.A. é uma empresa que consome elevados volumes de matérias-primas e, por isso, tem necessidade de recorrer a fornecedores (como a impugnante) com maior capacidade organizativa e de oferta, a quem paga bónus que lhe permitam ter garantida a sua normal laboração - cfr. depoimentos das testemunhas J...e M...e relatório de fls. 13 a 16 do PA de reclamação graciosa;
4) Semanalmente, a empresa V..., S.A. enviava à impugnante um “espelho – Mapa de Matrículas” de todos os fornecimentos efetuados nessa semana para o contrato da empresa – cfr. depoimentos das testemunhas J...e M...e relatório de fls. 13 a 16 do PA de reclamação graciosa;
5) Com base nesse “espelho-Mapa de matrículas”, a impugnante emitia a correspondente fatura e enviava à V..., S.A. - cfr. depoimentos das testemunhas J...e M...e relatório de fls. 13 a 16 do PA de reclamação graciosa;
6) É prática comum no sector da madeira, os pequenos comerciantes transportarem madeira até ao destinatário, sendo certo que esta madeira é faturada ao fornecedor contratado desse destinatário - cfr. depoimento da testemunha J...e relatório de fls. 13 a 16 do PA de reclamação graciosa;
7) Não possuindo meios humanos e materiais suficientes para o cumprimento do contrato de fornecimento celebrado com a V..., S.A., a impugnante acordou com terceiros (empresas/empresários) o abate, corte e transporte para o cliente final - cfr. depoimento da testemunha J...e relatório de fls. 13 a 16 do PA de reclamação graciosa;
8) Tais empresas/empresários faturam à impugnante a madeira colocada no cliente final - cfr. depoimento da testemunha J...e relatório de fls. 13 a 16 do PA de reclamação graciosa;
9) Tais empresas/empresários podem não ter equipamento em nome próprio e contratar máquinas, transporte e mão-de-obra a terceiro - cfr. depoimento da testemunha João Fernandes Pedrosa;
10) Tais empresas/empresários podem atuar como meros intermediários/comissionistas no negócio de fornecimento da madeira - cfr. depoimento da testemunha J...e relatório de fls. 13 a 16 do PA de reclamação graciosa;
11) A impugnante contratou fornecimentos de madeira junto das fornecedoras D... e V... - cfr. depoimento das testemunhas J...e M...e relatório de fls. 13 a 16 do PA de reclamação graciosa;
12) A impugnante verificou no portal das finanças que D... e V... eram sujeitos passivos, com atividade iniciada e declarada perante a Administração Tributária - cfr. depoimentos das testemunhas J...e M...e relatório de fls. 13 a 16 do PA de reclamação graciosa;
13) A impugnante só pagava a D... e a V...quando estas lhe apresentavam a prova de que tinham entregue a madeira (um “espelho” com identificação da “guia de entrada” e quantidade de madeira fornecida) devidamente homologada pela empresa que recebia a madeira - cfr. depoimento das testemunhas J...e M...e relatório de fls. 13 a 16 do PA de reclamação graciosa;
14) No dia 31 de dezembro de 2012, a empresa M…, Lda. emitiu uma fatura à impugnante pela venda de madeira de um pinhal, na zona de Pombal, perto da autoestrada 1 e da central de betão do Pinheirinho do Barroco, com cerca de 2,5 hectares, por um montante total de € 121.155,00 (€ 98.500,00, acrescido de IVA no montante de € 22.655,00) – cfr. fatura n.º 108, datada de 31 de dezembro de 2012, constante de fls. 24 do PA e depoimento das testemunhas A…, C… e M…;
15) O pinhal era composto por árvores de grande porte e altura, com muitos anos – cfr. depoimento das testemunhas J…, A…, H…, C… e M…;
16) Na sequência do negócio referido na alínea precedente, a impugnante procedeu ao corte e transporte das árvores que existiam no referido pinhal – cfr. depoimento das testemunhas A… e C…;
17) A coberto da ordem de serviço n.º OI2013…, a impugnante foi objeto de uma ação de inspeção tributária externa, de âmbito geral, com incidência nos anos de 2011 e 2012 – cfr. documento de fls. 15 (verso) do PA;
18) A referida ordem de serviço foi aberta na sequência da informação recolhida na OI2013… em que constava que a impugnante era adquirente de bens e/ou serviços (de valor relevante) junto de “D..., NIF 227 …, sujeito passivo não declarante e sem estrutura para exercer a atividade de exploração florestal” – cfr. informação do relatório de inspeção tributária, de fls. 15 (verso) do PA;
19) No dia 15 de maio de 2015, foi elaborado o projeto de relatório de inspeção tributária, do qual constam as seguintes correções e fundamentos:







(IMAGEM NO ORIGINAL)
(IMAGEM NO ORIGINAL)
(IMAGEM NO ORIGINAL)
(IMAGEM NO ORIGINAL)














(...)”
- cfr. documento de fls. 13 a 27 do PA e depoimento das testemunhas L… e P…;
20) Através do ofício n.º 003017, de 14.05.2015, da Direção de Finanças de Leiria, a impugnante foi notificada do projeto de relatório de inspeção tributária e para, querendo, exercer o direito de audição – cfr. documento de fls. 11 e seguintes do PA;
21) No dia 11 de junho de 2015, a impugnante exerceu o direito de audição por escrito – cfr. documento de fls. 69 a 73 do PA;
22) Através do ofício 3893, de 2 de julho de 2015, a impugnante foi notificada do relatório final de inspeção tributária que manteve, entre outras, as correções em sede de IVA apresentadas no projeto de relatório referido em 19) – cfr. documento de fls. 74 a 143 do PA;
23) Na sequência do relatório final de inspeção tributária, a Administração Tributária emitiu liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios, com referência aos anos de 2011 e 2012, no montante total de € 139.676,24 – cfr. documentos de fls. 264 a 311 da paginação eletrónica;
24) No dia 4 de janeiro de 2016, a ora impugnante apresentou reclamação graciosa contra as liquidações de IVA e juros compensatórios, referidas na alínea precedente– cfr. documento de fls. 2 a 27 do PA de reclamação graciosa;
25) No dia 22 de fevereiro de 2016, no âmbito da análise à reclamação graciosa, a Direção de Finanças de Leiria emitiu “INFORMAÇÃO”, da qual se extrai o seguinte:





(IMAGEM NO ORIGINAL)
(IMAGEM NO ORIGINAL)





- cfr. documento de fls. 61 a 84 do PA de reclamação graciosa e depoimentos das testemunhas L…e P…;
26) Com base na informação referida na alínea precedente, a Direção de Finanças de Leiria redigiu o “PROJETO DE DECISÃO”, concluindo pelo indeferimento da reclamação graciosa – cfr. documento de fls. 90 do PA da reclamação graciosa;
27) No dia 26 de fevereiro de 2016, o Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Leiria proferiu despacho nos seguintes termos:
“Notifique-se o reclamante para, querendo, exercer o direito de audição, nos termos do artigo 60.º da LGT”
- cfr. documento de fls. 90 do PA de reclamação graciosa;
28) Através do ofício n.º 228 de 26 de fevereiro de 2016, a impugnante foi notificada do projeto de indeferimento da reclamação graciosa e para, querendo, exercer por escrito o direito de audição – cfr. documento de fls. 92 do PA de reclamação graciosa;
29) A impugnante não exerceu o direito de audição – cfr. informação constante de fls. 94 do PA de reclamação graciosa;
30) No dia 20 de abril de 2016, o Chefe de Divisão de Justiça Tributária – Contencioso da Direção de Finanças de Leiria proferiu despacho de indeferimento da reclamação graciosa – cfr. documento de fls. 94 do PA de reclamação graciosa;
31) Através dos ofícios n.º 436 e 437 de 22.04.2016, a impugnante foi notificada da decisão final de indeferimento da reclamação graciosa – cfr. documentos de fls. 96 a 99 do PA da reclamação graciosa;
32) No dia 19 de julho de 2016, a impugnante deduziu a presente impugnação judicial - cfr. documento de fls. 1 da paginação eletrónica.
*
Factos não provados:
Com relevância para a decisão de mérito, não se provou que:
A) D... (NIF 227 …), nos anos de 2011 e 2012, forneceu madeira à impugnante nos valores totais de € 368.192,76 e de € 66.791,09, respetivamente;
B) V...(NIF 267 …), no ano de 2011, forneceu madeira à impugnante, no valor total de € 106.981,80;
C) Maderiv, Lda. (NIPC 510 …) vendeu à impugnante madeira extraída de um pinhal, por € 98.500,00, acrescido de IVA no montante de € 22.655,00.

Motivação e análise crítica da prova produzida
Na determinação do elenco dos factos considerados provados, o Tribunal considerou e analisou, de modo crítico e conjugado, os documentos e informações constantes não só dos presentes autos, mas também dos Processos Administrativos de inspeção tributária e de reclamação graciosa, conforme o especificado nas várias alíneas da factualidade dada como provada, documentos esses que não foram impugnados e que, pela sua natureza e qualidade, mereceram total credibilidade por parte do Tribunal.
A documentação em questão não foi objeto de impugnação nem sequer de reparo por quaisquer das partes, não existindo motivo para duvidar da sua fidedignidade, segundo, por isso, aqui aplicável o disposto o disposto no art.º 76.º, n.º 1, da LGT, segundo o qual “[a]s informações prestadas pela inspeção tributária fazem fé quando fundamentadas e se basearem em critérios objetivos, nos termos da lei”.
O tribunal considerou ainda, i) o depoimento das testemunhas arroladas pela impugnante: J...(contabilista certificado, gerente de um gabinete de contabilidade que presta serviços de contabilidade à impugnante), A… (colaborador de R…, antigo proprietário do pinhal que consta na descrição da fatura emitida pela M…, Lda. à impugnante), H… (secretário-geral da associação PINEA – Associação Florestal Litoral e da Associação de Regantes e Beneficiários do Vale do Lis), C… (encarregado da impugnante e que interveio nos trabalhos de corte e transporte da madeira faturada pela M…, Lda. à impugnante), M...(gestora, trabalha na impugnante desde 1999); bem como ii) o depoimento das testemunhas arroladas pela Fazenda Pública: L… (inspetor tributário que interveio na inspeção realizada à impugnante) e P… (inspetor tributário que interveio na análise da reclamação graciosa apresentada pela impugnante e que, no âmbito da mesma, deslocou-se ao pinhal a que faz referência a fatura emitida pela M…, Lda. à impugnante).
Vejamos o que foi possível extrair destes depoimentos.
A testemunha J…, após explicar a sua razão de ciência (conforme se deixou dito), afirmou que, à data dos factos, já se encontrava na empresa que presta serviços de contabilidade à impugnante, mas que não era a pessoa responsável por tais serviços.
E acrescentou que o conhecimento da situação advém dos documentos que a impugnante lhe entregou para que pudesse analisar e elaborar o relatório que foi junto à reclamação graciosa, no intuito de demonstrar que os fornecimentos faturados por D… e V...eram reais e foram efetivamente prestados.
Relativamente a estas faturas, a testemunha fez um enquadramento da situação, referindo que a impugnante fornece madeira à V... e que, no âmbito desse acordo, foi necessário recorrer a outros fornecedores (como é o caso de D… e V…), para conseguir fornecer àquela empresa toda a quantidade de madeira de que ela necessitava. No final de cada quinzena, a V... emitia um documento “Mapa de matrículas” e mandava à impugnante que, por sua vez, emitia as correspondentes faturas, numa base semanal ou quinzenal.
Acrescentou ainda que, no sector da madeira, é normal a existência de fornecedores, sem qualquer estrutura, que atuam como meros comissionistas, como é o caso das fornecedoras D… e V…. No seu entendimento, o importante e, que na sua opinião, ficou demonstrado no relatório que elaborou, é que estas fornecedoras venderam e entregaram efetivamente madeira à impugnante (e aos clientes desta), sem qualquer duplicação de faturas/fornecimentos.
Afirmou também que verificou no portal das finanças a situação fiscal destas fornecedoras e constatou que ambas estavam registadas, com atividade declarada perante a Administração Tributária, pelo que, em momento algum, suspeitou de qualquer irregularidade/ilícito.
E concluiu dizendo que as divergências que encontrou na sua análise às faturas emitidas por estas duas fornecedoras eram apenas erros fáceis de justificar e perfeitamente normais, no âmbito da atividade de comercialização da madeira.
Confrontado com a operação que subjaz à fatura emitida pela M…, Lda. à impugnante, relatou que não tem conhecimento direto dos factos e que só sabe o que consta no descritivo daquele documento e das correções empreendidas pela Administração Tributária relativamente ao mesmo, no âmbito da ação de inspeção tributária que foi realizada à impugnante.
No que concerne ao alegado exagero do valor faturado, a testemunha inquirida invocou a sua experiência pessoal e familiar na área da madeira, para concluir que o preço da madeira oscila bastante e está dependente de várias condicionantes, por exemplo, a qualidade, tipo, altura e idade da madeira vendida, o destino que se pretende dar à madeira, o tipo de vendedor/comprador que intervém no negócio, etc.
A testemunha apresentou um depoimento isento, objetivo, coerente, fluído e claro sobre o modus operandi do negócio de compra e venda de madeira entre a impugnante e os seus clientes, razão pela qual foi valorado na fixação dos factos provados descritos em 2), 3), 4), 5), 6), 7), 8), 9), 10), 11), 12), 13) e 14). Todavia e com interesse para a descoberta da verdade material, o seu depoimento revelou-se demasiado genérico e conclusivo sobre a atividade da impugnante e sobre as relações profissionais que esta mantinha com D…, V...e M…, Lda., sendo certo que o seu conhecimento sobre as operações sub judice é indireto e resume-se ao processamento contabilístico dos documentos que lhe são/foram apresentados pela impugnante. Destarte, não foi possível extrair do seu depoimento quaisquer factos concretos (para além do processamento de documentos que a impugnante lhe remete) que permitam concluir pela realidade das operações e montantes expressos nas faturas em referência nos autos.
Por sua vez, do depoimento da testemunha A… foi possível extrair que conhece o pinhal a que se faz referência na fatura emitida pela M…, Lda. à impugnante, após um acordo alcançado com o então proprietário R… .
Mais referiu que foi a impugnante quem cortou a madeira existente no referido pinhal, de modo pacífico e sem qualquer oposição por parte do primitivo proprietário e respetiva família.
Recordou ainda, que, em conversa com o antigo proprietário, este lhe confidenciou que aquele pinhal tinha grande valor económico e que, em caso de necessidade, sempre teria ali uma solução para realizar um bom encaixe financeiro.
Concluiu o seu depoimento descrevendo o pinhal com madeira de boa qualidade, composto por árvores antigas, de grande porte e robustez, pouco comum naquela zona, sendo distinto dos prédios contíguos.
Este depoimento não se revelou pertinente para a descoberta da verdade material dos factos, desde logo porque o conhecimento da testemunha circunscreve-se à localização e características genéricas do pinhal de onde foi cortada e transportada a madeira a que alude a fatura emitida pela M…., Lda., nada concretizando, porém sobre a veracidade das quantidades/preço faturado entre as partes nem sobre os contornos do negócio que entre si celebraram.
E, por essa razão, o depoimento apenas foi valorado na fixação dos factos provados elencados nas alíneas 14), 15) e 16).
A testemunha H… , conforme ficou acima descrito, apresentou-se na qualidade de secretário-geral da PINEA – Associação Florestal Litoral (da qual a impugnante é associada), associação esta que emitiu o parecer que a impugnante juntou, em sede de reclamação graciosa, no intuito de justificar o valor faturado pela M…, Lda.
A testemunha inquirida esclareceu que não tem nenhum conhecimento dos fornecimentos de madeira em referência nos autos e que apenas participou no inventário post mortem requerido pelo gerente da impugnante (A… ), para efeitos de cálculo da quantidade de madeira que estaria no pinhal antes do corte de madeira.
Recordava-se que se tratava de um pinhal muito velho, com mais de 90 anos, com um povoamento e natureza distinta dos prédios contíguos, pelo que não se poderia recorrer ao método comparativo na respetiva inventariação
Este depoimento foi ponderado e valorado, no entanto do mesmo não resultou a prova de qualquer facto relevante para a apreciação do mérito da causa, tendo, por isso, sido valorado apenas no que toca à fixação do facto provado descrito em 15), relativo às características do pinhal de onde foi extraída a madeira faturada à impugnante pela M…, Lda.
Por seu turno, a testemunha C… afirmou que é funcionário da impugnante há 18 anos (no início era operador de máquinas e nos últimos 6 anos e meio era encarregado na orientação dos trabalhos de máquinas e camiões de corte e transporte de madeira) e que interveio no corte de madeira no pinhal sito em Pombal, perto da autoestrada 1 e da central de betão do Pinheirinho, com uma superfície de cerca de 2,5 hectares.
Recordava-se que foi cortada e transportada uma grande quantidade de madeira, proveniente de árvores de grande porte e de muito boa qualidade, mas não sabia qual foi o preço acordado na compra da mesma.
Neste circunstancialismo, este depoimento nada de relevante aportou (face aos depoimentos anteriores) para a prova dos factos, apenas tendo confirmado o abate de árvores e transporte de madeira daquele pinhal, razão pela qual só foi valorado na fixação dos factos provados elencados nas alíneas 14), 15) e 16).
Foi também inquirida a testemunha M… , que trabalha na impugnante desde 1999.
Afirmou que nunca foi ao pinhal de onde foi extraída a madeira faturada pela M…, Lda. à impugnante e que apenas se lembrava que houve uma altura em que A… (gerente da impugnante) lhe comentou que tinha em vista um negócio com madeira muito boa e que precisava de vigas de 12 metros, sem nós, pelo que associa esta lembrança à transação titulada na fatura emitida pela M… , Lda. à impugnante.
Revelou que conhecia as fornecedoras D… e V...e que estas entregavam a madeira na V..., sendo que o respetivo pagamento era processado quando tais fornecedoras apresentavam os talões de pesagem e o documento comprovativo da entrega da madeira.
À semelhança do depoimento de J… , também esta testemunha confirmou que aquelas fornecedoras constavam no portal das finanças, com atividade aberta, e que desconhecia qualquer situação de irregularidade fiscal das mesmas. O seu depoimento foi valorado na fixação dos factos provados descritos nas alíneas 11), 12), 13) e 14).
Por fim, depuseram as testemunhas arroladas pela Fazenda Pública, os inspetores L… e P….
Por razões de economia e evitando repetir a descrição dos factos vertidos em cada um dos depoimentos destas testemunhas, por eles se mostrarem consentâneos e sem quaisquer divergências/discrepâncias, vejamos o que dos mesmos foi possível extrair.
As testemunhas esclareceram que no âmbito das diligências empreendidas, quer em sede de inspeção quer em sede de reclamação graciosa, identificaram o local do pinhal com cerca de 2,5 hectares a que alude a fatura emitida pela M…, Lda. à impugnante e que, pelas averiguações realizadas (que incluíram uma deslocação ao local), o montante faturado é manifestamente exagerado, desproporcionado e inverosímil.
Relataram que o referido pinhal se situa numa zona homogénea e uniforme e que, com base nos estudos feitos e relatos de proprietários de terrenos contíguos, o preço do hectare faturado está completamente desfasado da realidade, mesmo tendo em consideração que o preço da madeira tem várias oscilações e condicionantes. Concretizando, afirmaram que o preço máximo do hectare, naquela localização, poderá rondar os € 10.000,00, o que é totalmente diferente dos cerca de € 39.000,00/hectare faturados pela M…, Lda. à impugnante.
Afirmaram ainda que o parecer da Associação PINEA, apresentado pela impugnante em sede de reclamação graciosa, não é minimamente credível e que tudo aponta para que os resultados/conclusões ali obtidos tenham sido previamente acordados com a impugnante, sendo certo que, na deslocação ao local, os técnicos não conseguiram demonstrar os valores apontados no parecer da Associação PINEA.
Relativamente às transações faturadas por D… e V…, do depoimento das testemunhas inquiridas foi possível extrair que tudo indica que se tratam de operações simuladas, atenta a inexistência de qualquer estrutura, experiência e know-how que lhes permitissem realizar tais fornecimentos de madeira.
A tudo isto acresce o facto de ter sido constatada a utilização de matrículas falsas nos fornecimentos de madeira o que vem reforçar a convicção sobre a irregularidade destas transações.
O depoimento das duas testemunhas foi prestado de forma objetiva, fluída, consentânea e corroborou na íntegra as informações e conclusões apresentadas pela Administração Tributária no relatório de inspeção e na informação que sustentou o indeferimento da reclamação graciosa apresentada pela impugnante, motivo pelo qual foi valorado na fixação dos factos provados descritos nas alíneas 19) e 25).

Quanto aos factos não provados
Da prova testemunhal e documental junta aos autos, não foi possível concluir pela identificação e quantificação concreta dos serviços faturados, nos anos de 2011 e 2012, à impugnante pelas fornecedoras D…, V...e M…, Lda.
Os depoimentos prestados foram demasiado genéricos, não tendo sido referidos quaisquer factos concretos quanto ao conteúdo das faturas e à prova de que houve transação de mercadorias entre as empresas que correspondesse a essas faturas e não relevando, assim, para a prova de qualquer factualidade, mormente dos factos dados como não assentes (artigos 341.º e 396.º do Código Civil).
Apesar dos factos poderem ser comprovados por prova testemunhal (artigo 393.º do Código Civil), os depoimentos devem revelar-se coerentes, assertivos e credíveis ao ponto de corroborarem os factos alegados pelas partes e que, no caso da impugnante, se destinavam a contrariar fortes indícios de faturação falsa e a demonstrar que as relações materiais subjacentes, tituladas por tais documentos, correspondiam efetivamente a transações reais.
Nestes casos, o nível de exigibilidade da verosimilhança dos depoimentos das testemunhas nestes casos tem de ser mais exigente e detalhado porque têm de confirmar a veracidade de documentos cuja validade foi colocada em causa pela Administração Tributária no quadro de legalidade das suas competências.
No caso em apreço, a coerência e assertividade dos depoimentos não foi suficiente para o Tribunal poder julgar provada a matéria de facto alegada pela impugnante, designadamente os factos dados como não provados, como se referiu, sendo certo que aqui não estão em causa as compras de madeira pela impugnante, mas sim que estas tenham sido efetuadas junto daqueles fornecedores em concreto, de acordo com o expresso (maxime, quantidades e valores) nas faturas emitidas e questionadas pela Administração Tributária.
Assim, face à ausência de qualquer evidência quanto à realidade das quantidades/montantes em análise, faturados pelos fornecedores D…, V...e M…, Lda. à impugnante, o tribunal teve de concluir pela sua não verificação, razão pela qual se deram como não provados os factos das alíneas A), B) e C) da factualidade dada como não provada.»


B) DE DIREITO

Como enunciamos já, a recorrente impugna a decisão de facto, pretendendo que sejam dados como provados os factos que a sentença julgou «não provados».
A alteração da decisão de facto no sentido propugnado pela recorrente apenas assume pertinência se na aplicação do regime legal de repartição do ónus de prova em matéria de facturação falsa se concluir que à recorrente cabe fazer a demonstração da realidade que a sentença não deu por demonstrada.

Assim, e para já, vamos sobrestar na análise da impugnação da decisão de facto, porquanto a necessidade e pertinência da sua apreciação só ficará evidenciada caso se conclua que o ónus de prova da realidade das operações facturadas recai sobre a recorrente, o que passa por indagar, a montante, se a actuação correctiva da Administração tributária se mostra legítima.

Prosseguindo,

Como ressalta do probatório e dos autos, o sujeito passivo impugnante, aqui recorrente, foi sujeito a uma acção inspectiva de âmbito geral, referenciada aos exercícios de 2011 e 2012, de que resultaram correcções em sede de IVA e IRC.

No que respeita ao IVA, a AT não aceitou a dedução do imposto mencionado nas facturas contabilizadas dos emitentes D..., V... e “M…, Lda.”, no entendimento de que não reflectiam reais e efectivas operações económicas, situação que enquadrou, de jure, no art.º 19.º n.º 3 do CIVA, segundo o qual, «Não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente».
Como tem sido realçado, reiterada e uniformemente, pela jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, nomeadamente por este Tribunal Central Administrativo, quando a Administração tributária desconsidera as facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do art.º74.º da LGT, competindo à Administração fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que as operações constantes das facturas não correspondem à realidade. Feita esta prova, e só então, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção – vd., entre muitos outros, os acórdãos do STA, de 20/11/2002, proc.º 01483/02 e do TCA Norte de 24-01-2008, processo n.º 01834/04 Viseu, de 24-01-2008, processo n.º 2887/04 Viseu, de 27-01-2011, processo n.º 455/05.7BEPNF e de 18-03-2011, processo n.º 456/05BEPNF.

Assim sendo, importa analisar se a Administração tributária fez a prova que lhe competia da verificação de indícios que permitem concluir que às facturas contabilizadas pelo impugnante, aqui recorrido, não subjazem as operações que, alegadamente, teriam implicado a respectiva emissão.

Tenha-se em conta, como também é aceite, que não é imperioso que a Administração efectue uma prova directa da simulação. Como em muitos outros casos, haverá que recorrer à prova indirecta, a “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova” – cfr. Alberto Xavier, “Conceito e Natureza do Acto Tributário”, pág. 154; também neste sentido, entre outros, o acórdão do TCAN, de 26/04/12 (processo nº 00964/06.0 BEPRT).

Ou seja, a Administração Tributária não tem que demonstrar a falsidade das facturas, bastando-lhe evidenciar a consistência desse juízo (Acórdão do STA de 27/10/04, Processo 810/04), invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada de as operações referidas nas facturas serem simuladas, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade – artigos 78.º do CPT e 75º da LGT.

Os indícios são definidos por João de Castro Mendes como aqueles factos que “permitem concluir pela verificação ou não verificação de outros factos, em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência” - citado por Saldanha Sanches, “A Quantificação da Obrigação Tributária”, 2ª edição, pág. 311.

Nesta tarefa e como é salientado no Acórdão do TCA Norte de 28/02/2013, proferido no proc.º00383/08.4BEBRG, poderá a Administração Tributária lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios, pelo que tais indicadores de falsidade das facturas não têm necessariamente que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado, revelando-se, até, a fiscalização cruzada, um procedimento crucial no combate à fraude e evasão fiscais.

Não perdendo de vista os enunciados considerandos de jurisprudência e doutrina, regressemos aos autos.

Para desconsiderar as facturas dos emitentes D... e V..., refere a Administração tributária, nomeadamente: falta de estrutura empresarial para efectuar transmissões de madeira; os montantes recebidos eram depositados e, de seguida, levantados; rotação de emitentes (primeiro D… e depois, V…) de facturação referenciadas às transacções negociadas entre a impugnante e o Sr. F…., que alegadamente utilizaria aquelas emitentes como “fachada”; guias de remessa e de entrada de madeira na “V... – Fibras de Madeira, S.A.” (de quem a impugnante era contratualmente a fornecedora) referenciadas a facturas emitidas à impugnante quer por as referidas D… e V…, quer por outros sujeitos passivos.

No caso de “M…, Lda.” é referido que é sociedade relacionada com S… (sujeito de vários processos-crime de natureza fiscal) e está referenciada por vários ilícitos de natureza fiscal; a sua sede não passa de um receptáculo de correspondência; o valor facturado à impugnante de €98.500,00 indicaria que a madeira em causa seria extraída de prédio rústico com vários milhares de árvores…sendo que em visita ao local indicado pela impugnante como de proveniência da madeira de pinhal se constatou tratar-se de zona de predominância de eucalipto e de baixa densidade arbórea.

Como a jurisprudência também não deixa de referir, a valia dos indícios não pode ser sopesada de forma atomística, antes devendo sê-lo de forma articulada e concatenada.

Mas isso assente, será que a factualidade relatada pela AT permite concluir por uma elevada probabilidade de que as facturas desconsideradas não têm subjacente reais e efectivas operações económicas? Olhemos mais de perto, não sem antes realçar que a interpretação do declarado no relatório de inspecção se deve pautar pelo critério objectivista enunciado no art.º 236.º, n.º 1, do Código Civil.

Ora, como ressalta do RIT, a inspecção levada a efeito à impugnante, aqui recorrente, teve origem num outro procedimento em que se constatou que a impugnante efectuara aquisições de bens e/ou serviços à referida D…, emitente utilizada como fachada pelo Sr. F…, com histórico de actividade no sector da madeira, tendo dívidas fiscais de avultado montante. E que naquele outro procedimento, não se detectou que a D… ou o dito F… tivessem estrutura financeira e operacional para efectuar transmissões de madeira e que “os montantes recebidos eram depositados e, de seguida, levantados “o que poderia indiciar que seriam entregues a terceiros”.

No mais, e na concreta relação estabelecida com a impugnante, é referida a rotação dos emitentes de fachada do Sr. F…., primeiro a D… e depois, a V…, e que, pontualmente, se detectou que haveriam guias de remessa e de entrada no cliente “V... – Fibras de Madeira, S.A.” referenciadas a facturas emitidas quer pelas ditas D… e V…, quer por outros sujeitos passivos.

Ora, tratando-se o circuito do dinheiro de um indicador muito credível da realidade ou falsidade das operações facturadas, a verdade é que a AT se demitiu de averiguar como as coisas se passaram em matéria de pagamentos, se há cheques conciliáveis com as facturas emitidas, à ordem de quem foram passados e se há qualquer indicador de que o seu montante (ou parte) tenha retornado à impugnante ou sujeitos com ela relacionados.

A ausência de estrutura empresarial das emitentes D… e V… – ambas colectadas para a actividade facturada, note-se – sendo embora um indicador a ter em conta, não pode ser sobrepesado, sobretudo para dele concluir pelo comprometimento da impugnante nas operações fictícias com o propósito de obter vantagens fiscais indevidas. É bom lembrar que, conforme relatado, aquelas emitentes teriam sido apresentadas à impugnante pelo Sr. F…, que a própria AT afirma “com histórico de actividade no sector da madeira”, ou seja, uma pessoa do meio, o que afasta prima facie a percepção do seu afirmado descrédito como fornecedoras de madeira.

Vem justamente de encontro ao que dizemos a factualidade (não impugnada pela parte interessada), que a sentença deu como provada nos pontos 2 a 13 do probatório.
Por último, as relatadas situações de duplicação de facturação referenciada às mesmas guias de remessa/ entrega, consubstanciando fornecimentos de madeira facturados quer por D… e V…, quer por outros sujeitos passivos), não estão devidamente substanciadas, tanto mais que a impugnante em audição prévia sobre o projecto de conclusões do relatório levou a AT a assumir no relatório final ter incorrido em lapso na indicação dos emitentes das facturas pretensamente em duplicado, nem, por outro lado, são concretizadas, para efeitos de conciliação pelo tribunal, as facturas das emitentes D… e V… que reproduzem as quantidades de entrega de madeira reflectidas nas guias de remessa ou entrega pretensamente já facturadas por outros fornecedores à impugnante.

De qualquer modo, estas situações pontuais per si nunca teriam virtualidade, à mingua de outros indicadores ponderosos de falsidade, para conduzir à não aceitação generalizada da dedução do imposto liquidado na globalidade das facturas das identificadas emitentes, D… e V….

A ser assim, fica sem indicadores sérios e credíveis a base indiciária em que assentou a conclusão da AT de que as facturas das emitentes D… e V… não têm subjacentes operações reais consubstanciando antes operações fictícias levadas a efeito com o conluio da impugnante.

Ou seja, e rematando, a AT não cumpriu os pressupostos legitimadores da sua actuação correctiva, traduzidos na recolha de factualidade que suporte um juízo de elevada probabilidade (que não de mera possibilidade) de que as facturas daquelas duas emitentes não reflectem reais e efectivas operações económicas.

No que em particular concerne ao emitente “M…, Lda.”, é ainda maior a parcimónia da factualidade relatada indiciadora de falsidade.

Lembrando-se o que já acima e a propósito referimos, a AT constatando que o valor de €98.500,00 facturado por este emitente (factura/ recibo 108, a fls.24 do apenso instrutor), pela venda de madeira de pinhal era de montante elevado, implicando uma área rústica de extracção invulgar para o local mencionado na factura (“local de Pinheirinho do Barroco, freguesia e concelho de Pombal”), afirma no projecto de conclusões de relatório (a fls.24v. do apenso), que com base nas coordenadas geográficas solicitadas e fornecidas pela impugnante, “visitamos o local várias vezes e não conseguimos localizar o local onde poderia ter existido o referido pinhal, apesar da sua suposta elevada extensão (implícita no valor da transacção). Trata-se de zona de grande predominância de eucalipto, sendo que a zona assinalada pelo sujeito passivo era de baixa densidade arbórea…”.

No entanto, não lavrou qualquer termo de diligência em que descreva com precisão as circunstâncias concretas de lugar, tempo e modo por que levou a cabo o seu ofício, o que torna muito fluida a informação relatada.

De facto, essa mesma percepção teve a impugnante que se disponibilizou para uma deslocação ao local, o que a AT não aceitou, fornecendo no relatório final de inspecção (a fls.101 do apenso instrutor), justificação pouco consentânea com o que antes havia relatado no projecto. Ora, atente-se: “Quanto à deslocação ao local…, foi considerada pouco prática, por requerer meios técnicos inexistentes neste serviço – para assinalar a delimitação da zona em causa – visto que a prova, neste tipo de processo é, essencialmente, documental. Nada impedia o sujeito passivo, ele próprio, de se deslocar ao local e enviar para o processo documento que identificasse a área em causa. Aliás, poderia esclarecer facilmente a questão – identificando os proprietários do prédio rústico em questão (…)”.

Mas então, se a AT não tem meios técnicos para responder à diligência probatória sugerida pela impugnante (deslocação ao local de onde teria sido extraída a madeira facturada), a que título foram efectuadas as ditas visitas ao local mencionadas no projecto? A título pessoal do Sr. Inspector Tributário Relator?

Este indício apresenta-se muito débil para poder justificar a correcção, por falsidade, do valor facturado pela “M…, Lda.” e, na medida em que nenhuns outros indicadores válidos de falsidade são relatados, haverá que convir que não deixa de ter razão a recorrente quando aponta que a AT terá agido com pré-juízo (opinião antecipada) em relação a este emitente, fundado na circunstância relatada de se tratar de uma sociedade relacionada com S… (este, sujeito de vários processos-crime de natureza fiscal) e estar referenciada por vários ilícitos de natureza fiscal.
Desta feita, e aproximando-nos já das conclusões, não obstante a leitura muito correcta que a sentença fez do regime legal de repartição do ónus da prova em matéria de facturação falsa, não a podemos acompanhar na conclusão a que chegou de que a factualidade relatada pela AT comportava uma probabilidade muito elevada de que as facturas contabilizadas pela impugnante dos emitentes D..., V... e “M…, Lda.”, não tinham subjacente reais e efectivas operações económicas.

O que significa que, a nosso ver, a AT não demonstrou, como lhe competia, os pressupostos de facto legitimadores da sua actuação correctiva do IVA mencionado nas facturas em causa e deduzido pela impugnante, com fundamento na simulação das operações tituladas por tais documentos de despesa.

E, não tendo a administração tributária feito a prova que lhe competia, não ilidindo, assim, a presunção da veracidade de que goza a contabilidade do sujeito passivo (cf. artigo 75º, n.º 1 da LGT), desnecessário se torna analisar se este logrou ou não provar, em tribunal, a existência dos factos tributários que estão subjacentes à dedução de imposto efectuada.

O que vale por dizer que entrar na análise do erro de julgamento apontado à sentença na apreciação e valoração da prova produzida pela impugnante visando demonstrar a existência dos factos tributários que estão subjacentes à dedução de imposto efectuada redundaria numa inutilidade processual.
As liquidações de IVA impugnadas terão que ser anuladas por inquinadas do vício de violação de lei por erro nos pressupostos.

Não subsistindo na ordem jurídica as correcções de IVA assentes na desconsideração das facturas dos identificados emitentes, também não pode subsistir na ordem jurídica, por erro nos pressupostos, a correcção de €12.927,60 à matéria colectável do IRC, correspondente à vantagem patrimonial pretensamente obtida com a duplicação de facturação reportada às mesmas guias de remessa/ entrega de madeira no cliente V... – Fibras de madeira, S.A. (cf. ponto III.2.1 (XXII) do RIT, fls. 25v. do apenso).

A sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, não podendo manter-se na ordem jurídica pelos fundamentos aduzidos.

O recurso merece provimento.

Fica prejudicado o conhecimento das restantes questões do recurso.

IV. DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
i. Conceder provimento ao recurso;
ii. Revogar a sentença recorrida;
iii. Julgar procedente a impugnação judicial e,
iv. Anular as liquidações impugnadas de IVA e de IRC, esta na parte assente em duplicação de facturação.

Condena-se a Recorrida em custas (que não são devidas nesta instância por não ter apresentado contra-alegações).

Lisboa, 26 de Maio de 2022



_______________________________
Vital Lopes




________________________________
Luísa Soares




________________________________
Tânia Meireles da Cunha