Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:345/21.6BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:12/15/2021
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:PRESCRIÇÃO. EFEITO INTERRUPTIVO DA CITAÇÃO.
Sumário:A citação tem efeito interruptivo duradouro do prazo de prescrição nos termos do artigo 327.º, n.º 1, do Código Civil.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acórdão
I- Relatório
R……… …………………… apresentou reclamação, ao abrigo do preceituado nos artigos 276º e ss do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), contra o despacho da Chefe do Serviço de Finanças de Sintra – 4 (Queluz), datado de 03.11.2020, que lhe indeferiu o pedido de reconhecimento da prescrição da quantia exequenda, formulado no âmbito do processo de execução fiscal nº ………………… e apensos, contra si foi revertidos, depois de originariamente instaurados contra a sociedade E ------------------------------, Lda, por dívidas de IVA, IRS (retenção na fonte e IRC, do exercício de 2011.
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, por sentença proferida a fls. 387 e ss. (numeração em formato digital – sitaf), datada de 23 de Setembro de 2021, julgou procedente a presente reclamação.
Inconformada com a decisão, a Fazenda Pública recorreu para este Tribunal Central Administrativo Sul, encerrando as suas alegações de fls. 410 e ss (numeração em formato digital – sitaf), com o seguinte quadro conclusivo:
«I Visa o presente recurso reagir contra a douta Sentença que julgou a reclamação de actos do órgão de execução fiscal procedente, considerando, em conformidade, as dívidas em cobrança coerciva no processo executivo nº --------------------- e apensos, como prescritas, por entender que aos factos interruptivos consistentes nas citações operadas nas “datas compreendidas entre 19/09/2011 e 20/11/2012”, apenas lhes pode ser atribuído um efeito interruptivo instantâneo e não cumulativamente um efeito suspensivo duradouro.
Assim, no caso concreto, com a citação perdeu-se todo o prazo de prescrição até aí decorrido e iniciou-se a contagem de novo prazo de oito anos, o qual, na presente data, mostra-se completo.
II Dissentindo do entendimento perfilhado na douta sentença a quo, dirá esta RFP que, relativamente às dívidas em causa, as mesmas não se poderiam declarar como prescritas, dado que no cômputo do respetivo prazo não foram tidas em consideração algumas causas suspensivas, as quais decorreram dos pedidos de pagamento em prestações (devedora originária e responsável subsidiária) e da declaração de insolvência da sociedade devedora originária.
III E de igual forma, não foi considerado o fato interruptivo consistente na citação da Reclamante para os termos da reversão, ocorrida em 2014-01-10 (cfr. págs. 20 e 37 do SITAF).
IV E quanto aos efeitos dos fatos traduzidos nas citações da sociedade devedora originária, ocorridos nas “datas compreendidas entre 19/09/2011 e 20/11/2012”, não podia a douta Sentença a quo ter desatendido à jurisprudência consolidada no STA no sentido de que a interrupção decorrente da citação do executado inutiliza todo o tempo decorrido até à data em que se verificou o facto interruptivo e obsta ao início da contagem do novo prazo enquanto o processo executivo não findar.
V Com efeito, se até à alteração introduzida no art.º 49º da LGT pela Lei nº 53-A/2006, de 29/12, se previa (no respetivo nº 2) que o efeito da interrupção cessava se o processo que constituía a causa interruptiva ficasse parado mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte, após aquela alteração, o citado regime desapareceu e deixou de haver norma a definir os efeitos dos actos interruptivos da prescrição relativamente a obrigações tributárias. E daí, a aplicação nestes casos, do disposto no art.º 326º do C. Civil.
VI E aplicada esta corrente jurisprudencial ao caso concreto, as dívidas não podem considerar-se como prescritas, dado que não se opera a contagem de novo prazo enquanto o processo executivo não findar.
VII Do exposto, resulta que não andou bem o Tribunal a quo neste âmbito, ao proferir a sua decisão baseada na errada interpretação dos factos e do direito aplicável, violando assim o disposto nos artigos 48º e 49º da LGT e bem assim o art.º 327.º do C. Civil, motivo pelo qual não se pode manter na ordem jurídica.
Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por Acórdão que declare a Reclamação improcedente.
X
A recorrida contra-alegou, conforme requerimento de fls.439 e ss. (numeração em formato digital – sitaf), expendendo, expendendo a final o seguinte quadro conclusivo:
«1- Merece inteiro aplauso a decisão proferida em 24.09.2021, que julgou procedente a reclamação apresentada por entender que já haviam decorrido mais de 8 anos relativamente a todos os factos interruptivos e que, por consequência, a dívida exequenda encontra-se prescrita.
2- Esta douta decisão considerou, em suma, que o disposto no artigo 327.º, n.º 1 do Código Civil, que constitui Lei Geral, não se pode sobrepor ao disposto na alínea b), do n.º 4 do artigo 49.º da LGT, que constitui Lei Especial.
3- Só nos casos em que é feito o uso dos meios contenciosos ou graciosos, identificados na alínea b), do n.º 4, do artigo 49.º da LGT, é que haverá lugar ao efeito suspensivo, a que alude o artigo 327.º, n.º 1 do Código Civil, pois que, outro entendimento, conduziria à violação do referido preceito da LGT.
4- Não havendo, assim, lugar à suspensão do prazo da prescrição pela simples pendência do processo de execução fiscal.
5- Nenhum dos factos invocados pelo Reclamado vai o encontro do disposto na alínea b), do n.º 4, do artigo 49.º da LGT, porquanto não estão em causa o uso de meios contenciosos ou graciosos por parte da Reclamante, esses sim determinantes da suspensão do prazo de prescrição, pelo que, salvo melhor entendimento, não pode a Reclamante acompanhar a posição do aqui Reclamado.
6- A Reclamante concorda na íntegra com a douta decisão proferida em 24.09.2021, para a qual remete e, por uma questão de economia processual, dá por reproduzido de forma integral todo o seu conteúdo, assim como reitera todo o conteúdo da sua reclamação ora apresentada.
7- A norma contida no Artigo 327.º, n.º 1, do Código Civil é uma norma excecional, não devendo a mesma ser aplicável no plano tributário, porquanto a prescrição é matéria de garantias dos contribuintes, sujeita ao princípio da legalidade tributária, conforme Artigos 103.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa e 8.º da LGT.
8- De notar que, a citação é um ato instantâneo e não um “processo” que tenha o efeito duradouro pretendido sobre a interrupção do prazo de prescrição.
9- Acresce que, nos termos do Artigo 176.º do CPPT, ao processo de execução fiscal apenas pode ser posto termo em caso de pagamento da quantia exequenda ou em caso de anulação da dívida.
10- Pelo que, extinto o processo por uma das razões elencadas supra, não se vislumbra como possa ser reiniciado o prazo de prescrição para os efeitos do disposto no Artigo 327.º, n.º 1, do Código Civil.
11- Uma vez posto termo ao processo de execução fiscal, a dívida não pode mais ser exigida, nem cobrada coercivamente.
12- Assim, de nada servirá o reinício do prazo nos termos do Artigo 327.º, n.º 1, do Código Civil, sendo que já não existe prazo algum a reiniciar-se, deixando pura e simplesmente de existir a dívida.
13- A aplicação da norma do Artigo 327.º, n.º 1, do Código Civil às dívidas tributárias levaria não a um efeito duradouro da interrupção ocasionada pela citação, mas sim a uma eternização dessa interrupção e, por sua vez, da exigibilidade do crédito.
14- Ora, o efeito interruptivo da prescrição operado pela citação deve ser apenas, e tão-somente, instantâneo, até porque já se inutiliza o prazo decorrido anteriormente, devendo o mesmo reiniciar-se logo após a citação.
15- Aplicar-se aquela norma seria conduzir à existência de um direito ilimitado e absoluto do credor tributário, sem qualquer limite temporal para a sua preclusão, violando de forma direta os princípios fundamentais de um Estado de direito, bem como as garantias dos contribuintes.
16- Parece-nos, por fim, inconstitucional a aplicação da norma do Artigo 327.º, n.º 1, do Código Civil às dívidas tributárias, por violação do princípio da segurança e da confiança jurídica (Artigo 2.º), da garantia fundamental do direito de defesa e proteção jurisdicional efetiva (Artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4) e dos princípios constitucionais da justiça, igualdade, proporcionalidade e interesse público (Artigo 266.º, n.º 2).
17- Pelo que, face a todo o supra exposto, o efeito da interrupção deverá ser meramente instantâneo, no sentido em que apenas inutiliza o prazo decorrido anteriormente até à citação, devendo o mesmo reiniciar-se logo após este facto.
18- E, nesses termos, deverá a dívida tributária alocada aos processos de execução fiscal em causa considerar-se prescrita, uma vez decorridos os oito anos previstos no Artigo 48.º, n.º 1, da LGT, mesmo após a data da citação de reversão, não ficando, pois, suspenso na sequência da interposição de qualquer dos meios graciosos ou contenciosos previstos na alínea b), do n.º 4 do artigo 49.º da LGT, porque não verificados.
19- Devendo, nessa sequência, a sentença proferida manter-se na íntegra por se revelar justa e equitativa ao caso concreto, declarando-se os processos executivos extintos, por ultrapassados os prazos máximos legalmente previstos de prescrição.
Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, dever-se-á manter a Sentença ora recorrida, nos precisos termos nela consignados.
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O Digno Magistrado do M.P. regularmente notificado emitiu parecer no sentido de se conceder procedência ao recurso, com a revogação da decisão da douta decisão sob recurso e a sua substituição “por outra que julgue a presente reclamação improcedente”.
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II- Fundamentação
1. De Facto.
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:
«a) Em 12/09/2011, foi instaurado à sociedade E ………………………. S.A., pelo serviço de finanças de Sintra-4, o processo de execução fiscal n.º ………………….., para cobrança coerciva de dívidas de IRS (retenção na fonte relativas ao período 07/2011), no montante global de € 176,00 (cento e setenta e seis euros) - certidão integral do PEF, apenso aos autos, em suporte físico;
b) A dívida exequenda, cobrada em sede do processo identificado na alínea antecedente, foi revertida contra a ora Oponente na qualidade de devedora subsidiária, que foi regularmente citada para os termos do processo de execução em 19/09/2011 - citada certidão integral do PEF;
c) Em 14/09/2011 foi instaurado à sociedade E……………….. S.A., pelo serviço de finanças de Sintra-4, o processo de execução fiscal n.º …………………, para cobrança coerciva de dívidas de IVA, relativas ao período 2011/06T, no montante global de € 2.000,00 (dois mil euros) – citada certidão integral do PEF;
d) A dívida exequenda, cobrada em sede do processo identificado na alínea antecedente, foi revertida contra a ora Oponente na qualidade de devedora subsidiária, que foi regularmente citada para os termos do processo de execução em 19/09/2011 – citada certidão integral do PEF;
e) Em 11/10/2011 foi instaurado, pelo serviço de finanças de Sintra-4, contra a sociedade E ………………………… Ld.ª, o processo de execução fiscal n.º ……………………., para cobrança coerciva de dívidas de IRS (retenção na fonte relativas a período 2011/08), perfazendo a quantia exequenda o montante global de 174,48 (cento e setenta e quatro euros e quarenta e oito cêntimos) – citada certidão integral do PEF;
f) A dívida exequenda, cobrada em sede do processo identificado na alínea antecedente, foi revertida contra a ora Oponente na qualidade de devedora subsidiária, que foi regularmente citada para os termos do processo de execução em 17/10/2011 - citada certidão integral do PEF;
g) Em 20/11/2011, foi instaurado, pelo serviço de finanças de Sintra-4, contra a sociedade E ………………………. Ld.ª, o processo de execução fiscal n.º …………………., para cobrança coerciva de dívidas de IRS (retenção na fonte relativas a período 2011/09), perfazendo a quantia exequenda o montante de 174,48 (cento e setenta e quatro euros e quarenta e oito cêntimos) - citada certidão integral do PEF;
h) A dívida exequenda, cobrada em sede do processo, identificado na alínea antecedente, foi revertida contra a ora Oponente, na qualidade de devedora subsidiária, que foi regularmente citada para os termos do processo de execução em 21/11/2011 - citada certidão integral do PEF;
i) Em 13/12/2011, foi instaurado, pelo serviço de finanças de Sintra-4, contra a sociedade E ………………………… Ld.ª, o processo de execução fiscal n.º ……………………, para cobrança coerciva de dívidas de IRS (retenção na fonte relativas a período 2011/10), perfazendo a quantia exequenda o montante de 327,12 (trezentos e vinte e sete euros e doze cêntimos) - citada certidão integral do PEF;
j) A dívida exequenda cobrada em sede do processo identificado na alínea antecedente, foi revertida contra a ora Oponente na qualidade de devedora subsidiária, que foi regularmente citada para os termos do processo de execução em 19/12/2011 - citada certidão integral do PEF;
k) Em 14/12/2011, foi instaurado, pelo serviço de finanças de Sintra-4, contra a sociedade E ……………………….. Ld.ª, o processo de execução fiscal n.º ………………….., para cobrança coerciva de dívidas de IVA, relativas ao período 2011/09T, perfazendo a quantia exequenda o montante de € 1.094,01 (mil e noventa e quatro euros e um cêntimo) - citada certidão integral do PEF;
l) A dívida exequenda, cobrada em sede do processo identificado na alínea antecedente, foi revertida contra a ora Oponente na qualidade de devedora subsidiária, que foi regularmente citada para os termos do processo de execução em 19/12/2011 - citada certidão integral do PEF;
m) Em 16/12/2011, foi instaurado, pelo serviço de finanças de Sintra-4, contra a sociedade E ………………………… Ld.ª, o processo de execução fiscal n.º ………………….., para cobrança coerciva de dívidas de IRS (retenções na fonte), relativas ao período 2011/11, perfazendo a quantia exequenda o montante de € 218,18 (duzentos e dezoito euros e dezoito cêntimos) - citada certidão integral do PEF;
n) A dívida exequenda, cobrada em sede do processo identificado na alínea antecedente, foi revertida contra a ora Oponente, na qualidade de devedora subsidiária, que foi regularmente citada para os termos do processo de execução em 16/01/2012 - citada certidão integral do PEF
o) Em 13/02/2012, foi instaurado, pelo serviço de finanças de Sintra-4, contra a sociedade E …………….. Ld.ª, o processo de execução fiscal n.º …………………………, para cobrança coerciva de dívidas de IRS (retenções na fonte), relativas ao período 2011/12, perfazendo a quantia exequenda o montante de € 327,12 (trezentos e vinte e sete euros e doze cêntimos) - citada certidão integral do PEF;
p) A dívida exequenda, cobrada em sede do processo, identificado na alínea antecedente, foi revertida contra a ora Oponente, na qualidade de devedora subsidiária, que foi regularmente citada para os termos do processo de execução em 20/02/2012 - citada certidão integral do PEF;
q) Em 01/06/2012, foi instaurado, pelo serviço de finanças de Sintra-4, contra a sociedade E ……………………… Ld.ª, o processo de execução fiscal n.º ……………………., para cobrança coerciva de dívidas de IRS (retenções na fonte), relativas ao período 2011/11, perfazendo a quantia exequenda o montante de € 186,29 (cento e oitenta e seis euros e vinte e nove cêntimos) - citada certidão integral do PEF;
r) A dívida exequenda, cobrada em sede do processo, identificado na alínea antecedente, foi revertida contra a ora Oponente na qualidade de devedora que foi regularmente citada para os termos do processo de execução em 11/06/2012- citada certidão integral do PEF;
s) Em 09/03/2012, foi instaurado, pelo serviço de finanças de Sintra-4, contra a sociedade E ………………………. Ld.ª, o processo de execução fiscal n.º ……………………….., para cobrança coerciva de dívidas de IVA, relativas ao período 2011/12, perfazendo a quantia exequenda o montante de € 126,25 (cento e vinte e seis euros e vinte e cinco cêntimos) - citada certidão integral do PEF;
t) A dívida exequenda, cobrada em sede do processo, identificado na alínea antecedente, foi revertida contra a ora Oponente na qualidade de devedora subsidiária, que foi regularmente citada para os termos do processo de execução em 19/03/2012 – citada certidão integral do PEF;
u) Em 30/10/2012, foi instaurado, pelo serviço de finanças de Sintra-4, contra a sociedade E …………………………… Ld.ª, o processo de execução fiscal n.º ………………………, para cobrança coerciva de dívidas de IRC, relativas ao período de 2011 perfazendo a quantia exequenda o montante de € 426,47 (quatrocentos e vinte e seis euros e quarenta e sete cêntimos) - citada certidão integral do PEF;
v) A dívida exequenda, cobrada em sede do processo, identificado na alínea antecedente, foi revertida contra a ora Oponente na qualidade de devedora subsidiária, que foi regularmente citada para os termos do processo de execução em 20/11/2012 - citada certidão integral do PEF;
w) Todos os PEFs, identificados nas alíneas antecedentes, encontram-se apensados ao processo de execução fiscal principal n.º ………………………., perfazendo a quantia exequenda revertida contra a ora Reclamante o montante global de € 5.230,30 (cinco mil, duzentos e trinta euros e trinta cêntimos) - citada certidão integral do PEF;
x) Em 01/10/2019 e 22/01/2020, a ora Reclamante apresentou dois requerimentos ao OEF, solicitando-lhe que apreciasse e declarasse a prescrição ocorrida em sede do processo de execução principal e dos seus apensos - facto admitido por acordo das partes.
y) Em 25/02/2021, o OEF, proferiu despacho, individualizando a situação de cada um dos PEFs, considerando que a divida exequenda se não encontrava prescrita em nenhum dos processos de execução fiscal, identificados nas alíneas a) a v) - despachos juntos de fls. 40 a fls. 47 verso dos autos, em suporte físico;
z) Concretamente, é a seguinte a fundamentação dos despachos, ora em crise, que indeferiram o peticionado, pela Reclamante:
“A citação do executado ocorreu em 19/09/2011 (ou em outras datas, conforme o processo em causa), configurando o facto interruptivo da prescrição e, tenho o efeito instantâneo de inutilizar para a prescrição todo o tempo decorrido até a facto interruptivo (n.º 1 do artigo 326.º do CC) e também o efeito duradouro de obstar ao início da contagem de novo prazo de prescrição, enquanto o processo não findar (n.º1 do artigo 327.º do C). Na execução fiscal em apreço, não ocorreu causa de suspensão prevista no n.º 4 do artigo 49.º da LGT. Deste modo, não ocorreu a prescrição da dívida. Notifique (…)”.
MAIS SE PROVOU QUE:
aa) Não foi deduzida reclamação graciosa, impugnação judicial, oposição judicial ou outro meio contencioso ou gracioso, sindicando as dívidas subjacentes aos PEFs identificados nas alíneas antecedentes - facto admitido expressamente por ambas as partes.
bb) Na execução fiscal em apreço, não ocorreu causa de suspensão prevista no n.º4 do artigo 49.º da LGT – informação do Orgão de Execução Fiscal.
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FACTOS NÃO PROVADOS//Inexistem, com relevância para as questões de que cumpre apreciar. //
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CONVICÇÃO DO TRIBUNAL //Resultou a convicção do Tribunal, quanto aos factos provados, da análise crítica dos documentos juntos aos autos e ao PEF, a estes apenso, supra ids., a propósito de cada uma das alíneas do probatório, cujo conteúdo não foi impugnado por qualquer das partes. //
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cc) Em15.09.2011, no âmbito do processo de execução fiscal n.º………………………., a sociedade devedora originária solicitou o pagamento em 12 prestações das dívidas exequendas, o que foi deferido pela Chefe de Finanças Adjunta, na mesma data – fls. 7 do pef.
dd) Em 15.05.2015, foi deferido pedido de pagamento em 23 prestações, formulado pela reclamante, no âmbito do processo de execução fiscal n.º …………………………– fls. 18 do pef.
X
No corpo das alegações, a recorrente requer o aditamento ao probatório de um conjunto de elementos que discrimina, com vista ao que considera ser o correcto cômputo da prescrição das dívidas exequendas.
Os factos pretendidos aditar são os seguintes:
i) A declaração de insolvência da sociedade devedora originária, ao abrigo do processo ……………...5T2SNT, datada de 21.05.2012 e cujo encerramento ocorreu em 23-11-2012.
ii) No âmbito do processo executivo ………………., foi pedido o pagamento em prestações em 2011-11-28 por parte da devedora originária, o qual foi interrompido em 2012-07-18 (neste período suspensivo temos que acrescentar 8 meses a data da prescrição das dívidas).
iii) A Reclamante ter sido citada para os termos da reversão em 2014-01-10 (cfr. págs. 20 e 37 do SITAF), o que constitui mais um fato interruptivo do decurso do prazo prescricional.
iv) A Reclamante, enquanto executada por reversão, ter requerido o pagamento em prestações das dívidas, solicitado em 2015.05.15, tendo efetuado o pagamento de 4 prestações, a que correspondem outros tantos meses de suspensão do prazo de prescrição.
Vejamos.
A questão da prescrição das dívidas exequendas é de conhecimento oficioso do tribunal (artigo 175.º do CPPT). Tal significa que: «[o] tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer» (artigo 99.º/1, da LGT); «Aos juízes dos tribunais tributários incumbe a direcção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer» (artigo 13.º/1, do CPPT).
Pelo que se impõe apurar os factos invocados que sejam relevantes para o cômputo do prazo de prescrição em apreço.
A declaração de insolvência não se inclui na categoria de tais factos, porquanto: «[o] Tribunal Constitucional decidiu «declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 100.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, interpretada no sentido de que a declaração de insolvência aí prevista suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis ao responsável subsidiário no âmbito do processo tributário, por violação do artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa» (1).
Pelo que tal facto não será aditado ao probatório.
O facto de a reclamante/recorrida ter sido alegadamente citada para os termos da execução em apreço em 10.01.2014, também não releva para o cômputo da prescrição, porquanto, como se refere na sentença recorrida, «em datas compreendidas entre 19/09/2011 e 20/11/2012, foi a Reclamante citada para os termos dos vários processos de execução fiscal». De forma que a invocada segunda citação da reclamante para os termos de execução em apreço, para a qual havia sido citada em momento anterior, mostra-se inócua no que concerne ao cômputo do prazo de prescrição das dívidas exequendas. Pelo que tal facto não será aditado.
Dos elementos coligidos nos autos, impõe-se deferir o requerido no que respeita aos elementos seguintes, os quais são inseridos no local próprio:
i) Em15.09.2011, no âmbito do processo de execução fiscal n. …………………….., a sociedade devedora originária solicitou o pagamento em 12 prestações das dívidas exequendas, o que foi deferido pela Chefe de Finanças Adjunta, na mesma data – fls. 7 do pef.
ii) Em 15.05.2015, foi deferido pedido de pagamento em 23 prestações, formulado pela reclamante, no âmbito do processo de execução fiscal n.º ……………………… – fls. 18 do pef.
Termos em que se julga parcialmente procedente a presente imputação.
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2.2. De Direito.
2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre os alegados erros de julgamento em que incorreu a sentença seguintes:
i) Erro de julgamento na determinação da matéria de facto, porquanto existem quesitos cujo aditamento ao probatório se impõe, em nome do correcto apuramento dos factos relevantes [apreciado supra].
ii) Erro de julgamento quanto ao enquadramento jurídico da causa, porquanto, ao considerar que «o efeito interruptivo da citação nos vários processos, ocorrido entre 19/09/2011 e 20/11/2012», apenas tem efeito instantâneo e não duradouro, a sentença incorreu em erro de direito.

2.2.2. A sentença julgou procedente a presente reclamação, declarando a prescrição das dívidas exequendas. Para tanto, considerou, em síntese, que «só nos casos em que o Reclamante faz uso dos meios contenciosos ou graciosos, identificados na alínea b), do n.º 4, do artigo 49.º da LGT, haverá lugar ao efeito suspensivo, a que alude o artigo 327.º, n.º 1 do Código Civil, pois que, outra interpretação conduzirá à violação do citado preceito da LGT. // (…) // Ora, em sede dos autos, não é controvertido que não ocorre qualquer das causas de suspensão, a que alude o n.º 4 do artigo 49.º da LGT. // Pelo exposto, tendo o prazo da prescrição sido interrompido pela citação da Reclamante, o referido prazo recomeçou a correr no dia seguinte ao da sua interrupção (pois que, não ficou suspenso na sequência da interposição de qualquer dos meios graciosos ou contenciosos previstos na alínea b), do n.º 4 do artigo 49.º da LGT)».

2.2.3. A recorrente censura o veredicto que fez vencimento na instância, assacando-lhe erro de julgamento quanto ao direito aplicável.
Apreciação.
Está em causa a questão de saber qual o efeito a atribuir à citação da reclamante, ocorrida, entre 19/09/2011 e 20/11/2012, no quadro do cômputo da prescrição das dívidas exequendas (dívidas de IVA e de IRS, de 2011). A citação tem efeito interruptivo instantâneo ou tem efeito duradouro, subsistindo, «enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo» (artigo 327.º/1, do CC)?
A este propósito cumpre referir que «[a] jurisprudência reconhece à interrupção da prescrição decorrente da citação do executado (n.º 1 do artigo 49.º da Lei Geral Tributária) um duplo efeito: por um lado, a inutilização para a prescrição de todo o tempo até então decorrido (efeito instantâneo, decorrente do n.º 1 do artigo 326.º do Código Civil) e, por outro, o novo prazo de prescrição não voltar a correr enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo (efeito duradouro, decorrente do n.º 1 do artigo 327.º do Código Civil). // O reconhecimento desse efeito duradouro não viola os princípios constitucionais da legalidade, da certeza e da segurança jurídicas nem as garantias dos contribuintes».(2)
Seja por parte da sentença recorrida, seja por parte da ora recorrida, não se vislumbram linhas de argumentação que logrem dissolver a orientação jurisprudencial estabelecida.
Impõe-se reiterar, nesta sede, a orientação fixada no Acórdão do STA, de 13.03.2019, P. 01437/18.4BELRS. Aí se consigna que «[a]inda que relativamente a obrigações tributárias a prescrição só possa ser aceite enquanto prevista nas normas de direito tributário que admitam a sua existência, definam o seu prazo e tipifiquem os seus actos interruptivos e suspensivos, tal não significa que o efeito dos actos interruptivos (instantâneo ou duradouro) não possa ser colhido no Código Civil, atenta a circunstância de, actualmente, inexistir na legislação tributária qualquer previsão ou regulamentação sobre a matéria. Com efeito, embora a LGT fixe, de forma taxativa, os actos interruptivos da prescrição, ela não define nem esclarece se eles têm efeito instantâneo ou duradouro. // É certo que durante muitos anos a legislação tributária continha essa definição – cfr. o art.º 27º do CPCI, o art.º 34º do CPT e o art.º 48º da LGT até à alteração introduzida pela Lei n.º 53-A/2006, de 29/12 – sempre no sentido de conferir efeito duradouro a todos os actos interruptivos, já que a prescrição não corria após esses actos e só voltava a correr caso cessasse esse efeito duradouro por mor da paragem do processo por facto não imputável ao contribuinte. // Contudo, após a alteração introduzida no art.º 49º da LGT pela Lei nº 53-A/2006, de 29/12, esse regime desapareceu, deixando de haver norma a definir os efeitos dos actos interruptivos da prescrição relativamente a obrigações tributárias. Razão por que não há como deixar de aplicar as normas contidas no Código Civil, onde o artigo 326º estabelece que «a interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo, sem prejuízo do disposto nos nºs 1 e 3 do artigo seguinte» e o artigo seguinte dispõe que «1. Se a interrupção resultar de citação, notificação ou ato equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo». // Razão por que, actualmente, o acto interruptivo da citação para a execução fiscal tem efeito duradouro».
E como se refere no Acórdão do STA, de 13.01.2021, P. 02496/19.8BEBRG, «[a] jurisprudência reconhece à interrupção da prescrição decorrente da citação do executado (n.º 1 do art. 49.º da LGT) um duplo efeito: a inutilização para a prescrição de todo o tempo até então decorrido (efeito instantâneo, decorrente do n.º 1 do art. 326.º do CC) e o novo prazo de prescrição não voltar a correr enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo (efeito duradouro, decorrente do n.º 1 do art. 327.º do CC)».
A interpretação da norma do artigo 49.º/1, da LGT, em referência, não enferma de quaisquer inconstitucionalidades, por alegada violação dos princípios da segurança jurídica, da legalidade e da proporcionalidade. Como se decidiu no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 731/2021, de 22.09.2021; aí se consigna que «[a] este respeito são de sufragar as considerações expendidas no Acórdão n.º 6/2014 (cf. o respetivo ponto 7., acima transcrito – cf. o ponto 7.3, supra). Ou seja, importa concluir, tal como no referido aresto, que a “norma” extraída da literalidade do n.º 1 do artigo 49.º da LGT (em conjugação com o artigo 327.º, n.º 1, do Código Civil, aplicado subsidiariamente, nos ternos do artigo 2.º, alínea d) da LCT) não corresponde a uma norma estranha ao sistema tributário, podendo ser extraída, nos termos expostos, por via de interpretação. Tanto mais que não está em questão, ao contrário do sustentado pela recorrente, uma causa de suspensão da prescrição, mas apenas o problema de saber quais os efeitos da interrupção da prescrição. // Com efeito, conforme se refere do Acórdão n.º 6/2014, na redação do artigo 49.º da LGT resultante da Lei n.º 53-A/2006, embora se tenha mantido inalterado o n.º 1 (onde estão previstas as causas de interrupção da prescrição), houve uma alteração do regime anterior. Por um lado, revogou-se o n.º 2 (que permitia a transformação do efeito interruptivo em efeito suspensivo) e, com a nova redação dada ao n.º 3, estabeleceu-se que «a interrupção tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar». Por outro lado, no n.º 4, continuou a prever-se que o prazo de prescrição legal se suspende «em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou enquanto não houver decisão definitiva ou passada em julgado, que puser termo ao processo, nos casos de reclamação, impugnação, recurso ou oposição, quando determinem a suspensão da cobrança da dívida». // Assim, a interrupção do prazo de prescrição, nos termos previstos no n.º 1, tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar (no caso dos autos, com a citação). Por outro lado, ao contrário do que anteriormente se verificava, com a revogação do n.º 2, o efeito interruptivo desencadeado por qualquer dos meios previstos naquele n.º 1 deixa de se transmutar em efeito suspensivo quando se verificasse a situação naquele n.º 2 (a paragem do processo por mais de um ano). // Daí que, estando aqui em causa apenas a questão de saber qual o efeito da interrupção do prazo, é razoável entender que, tendo o legislador tributário previsto expressamente a figura da interrupção da prescrição e admitido a aplicação, às relações jurídico-tributárias, do Código Civil (cf. o artigo 2.º, alínea d) da LGT), a falta de qualquer especificação sobre os efeitos da aludida interrupção, pode legitimamente ser entendida, no âmbito de uma interpretação sistemática da lei, como permitindo uma aplicação subsidiária das disposições da lei civil que regulam os efeitos daquela figura, concretamente, e no que ora particularmente releva, dos artigos 326.º, n.º 1, e 327.º, n.º 1, do Código Civil».
Em face do exposto, a sentença recorrida, ao seguir entendimento discrepante da orientação jurisprudencial referida, incorreu em erro, pelo que deve ser substituída por decisão que, considerando verificado o efeito interruptivo duradouro da citação da reclamante ocorrida nos autos, nos termos do preceito do artigo 327.º/1, do CC, declare não prescritas a dívidas exequendas e, em consequência, julgue improcedente a reclamação.
Termos em que se julgam procedentes as presentes conclusões de recurso.


Dispositivo
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a reclamação.
Custas pela recorrida.
Registe.
Notifique.
(Jorge Cortês - Relator)

(1.ª Adjunta - Hélia Gameiro Silva)

(2.ª Adjunta –Ana Cristina Carvalho)


(1) Acórdão do STA, de 10-03-2021, P.0997/12.8BEBRG 0182/18.
(2) Acórdão do STA, proferido em 12-05-2021, no P. 015/21.5BECTB; no mesmo sentido, v. Acórdão do STA, proferido em 24.11.2021, 0972/21.1BEBRG.