Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:82/13.5BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:01/14/2021
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:IRC.
SOCIEDADE INSOLVENTE.
Sumário:Até ao termo do processo de insolvência a sociedade insolvente mantém a personalidade jurídica tributária, pelo que o seu representante legal deve cumprir com as obrigações declarativas em IRC. A omissão do cumprimento de tais obrigações não justifica só por si a liquidação oficiosa do imposto.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão



I- Relatório

Massa Falida de I......., S.A., representada por J......., Liquidatário Judicial, veio deduzir impugnação judicial contra a liquidação de IRC n° ....... e respectivos juros compensatórios, referente ao exercício de 2011, no montante de € 18.413,93. O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença proferida a fls. 196 e ss. (numeração do SITAF), datada de 20 de abril de 2020, julgou improcedente a Impugnação apresentada. A impugnante interpôs recurso contra a sentença, conforme requerimento de fls. 207 e ss. (numeração do SITAF), tendo formulado as seguintes conclusões:

«I. A presente impugnação funda-se nos termos do disposto no art.° 99. °, alíneas a), c) e d) do CPPT, quer por força da errónea qualificação dos factos tributários, já que a pretendida liquidação ocorre após na persistência do processo de falência, quer por força da ilegitimidade e nulidade daquela liquidação, já que a Massa Falida não está sujeita a IRC, nem o seu liquidatário obrigado a entregas declarativas.

II. Para tanto, não deu como provado, embora também não tenha dado como não provada, o que por si só determina a NULIDADE DA SENTENÇA que cautelarmente se invoca, a inexistência de actividade pela Impugnante no período a que respeita a Liquidação Oficiosa impugnada.

III. Acresce que, a decisão recorrida, de FACTO e de DIREITO aceita uma confundibilidade entre a FALIDA e a MASSA FALIDA, entidade que não se confundem.

IV. APENAS POR LAPSO se percebe que o Tribunal a quo tenha inferido das funções do Administrador da Insolvência a atribuição de deveres que não lhe assistem. Assim;

V. Encontramo-nos perante a nulidade, num caso, decorrente da falta de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão e, noutro, a contradição/oposição entre a fundamentação e a decisão, previstas no art.° 615.° n.° 1 alíneas b) e c) do CPCivil, a qual se invoca para os legais efeitos.

VI. Pelo exposto, a sentença ora recorrida, por força da contradição que encerra, é NULA - nulidade essa invocável em sede de recurso;

VII. Pelo que, deve ser a sentença ora recorrida ser declarada NULA, e em consequência ser determinada a substituição por outra que, por força do restante acto recursal infra desenvolvido, determine a procedência da impugnação.

VIII. Cautelarmente e ainda que se entenda que daí deveria resultar que não resultou provada a inexistência de actividade pela Impugnante no período a que respeita a Liquidação Oficiosa impugnada, a decisão recorrida nunca poderia ter dado como NÃO PROVADA essa inexistência de actividade pela Impugnante no período a que respeita a Liquidação Oficiosa impugnada, na medida em que a impugnante é a MASSA FALIDA e não a própria falida;

IX. A sociedade I......., S.A. foi declarada falida no âmbito do Processo de Falência n.° 341/1999, a correr termos no 2.° Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa, o que ocorreu por sentença datada de 04.12.2000.

X. Deste modo, em função daquela data, não pode a recorrente conformar-se com a decisão proferida pois que, com o devido respeito:

a. a FALIDA deixa de ter qualquer actividade, prosseguindo para a sua liquidação e;

b. a MASSA FALIDA e o Liquidatário Judicial não tem seguramente qualquer actividade comercial, nem estão obrigados a proceder à entrega de quaisquer declarações periódicas, uma vez que o seu escopo se destina unicamente à liquidação do património da devedora e o pagamento aos credores.

XI. Aliás, a tal respeito veio finalmente a mais recente Instrução de Serviço da DSGCT n.° 60198/2019 - Série I - INSOLVÊNCIAS, datada de 30.10.2019.

XII. Como tal, NUNCA poderia o Tribunal a quo ter dado como não provado a demonstração da inexistência de actividade pela impugnante, uma vez que tal constitui um FACTO NOTÓRIO dispensado de prova, nos termos do disposto no art.° 514.°, n.° 2 do CPCivil, o qual carece assim de prova;

XIII. Pelo que deverá ser alterada a resposta à matéria de facto dada como NÃO PROVADA, dando-se como PROVADA a inexistência de actividade pela Impugnante no período a que respeita a Liquidação Oficiosa impugnada.

XIV. Ainda que assim não se entendesse, sempre salvo melhor opinião, verifica- se que a liquidação operada assenta num vício originário que faz desabar os fundamentos e pretensões da mesma, isto é, a inexistência de lucro tributável,

XV. já que o art.° 17.° n.° 1 do CIRC estabelece que uma das componentes do lucro tributável é o resultado líquido do exercício expresso na contabilidade, sendo este resultado uma síntese de elementos positivos (proveitos ou ganhos) e elementos negativos (custos ou perdas), razão pela qual o que releva como pressuposto básico da tributação do rendimento da pessoa colectiva é a real natureza da actividade exercida pelo sujeito passivo de IRC, incidindo este imposto sobre os lucros das sociedades comerciais que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola.

XVI. Neste contexto, o pressuposto ou razão da existência de tal tributação, é a prática de uma actividade bem caracterizada geradora de rendimento, sendo da conjugação desse facto que a lei faz depender o surgimento da relação jurídica do imposto;

XVII.   é que o lucro, na definição legal contida no art.° 3.°, n.° 2 do CIRC consiste na diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas no CIRC, pelo que é abrangente de todos e quaisquer ganhos que traduzam um acréscimo de valor patrimonial e não apenas o fluxo regular de rendimentos ligados às categorias tradicionais da distribuição funcional.

XVIII.  A massa falida prova facilmente que, nos períodos de exercício subsequentes à declaração da falência, não têm qualquer actividade e, consequentemente qualquer lucro susceptível de tributação em sede de IRC razão pela qual, inexistindo rendimento tributável - leia-se, lucro ou facto tributário -, a liquidação, ainda que oficiosa, não pode manter-se na ordem jurídica;

XIX. Deste modo, qualquer exigência de declaração fiscal ou posterior liquidação oficiosa de tributos por parte da máquina fiscal não podem subsistir já que, demonstrada a inexistência de facto tributário, não pode manter-se uma situação tributária com base em matéria colectável que se demonstra não ser real, sob pena de violação do princípio contido no artigo 104.°, n.° 2 da CRPortuguesa.

XX. Concluindo, no âmbito do Processo de Falência e sua liquidação, salvo melhor opinião, NÃO HÁ ACTOS SUBMETIDOS A IRC que possam ser tributáveis e cujo ónus da prova incumbia à Administração Fiscal, pelo que a liquidação de IRC ora impugnada, por se reportar a data posterior à declaração de falência, é legalmente inadmissível e fundamentalmente errónea.

XXI. Assim, sempre se dirá que, a Massa Falida e o Liquidatário Judicial não estão obrigados a proceder à entrega de quaisquer declarações periódicas. Assim;

XXII. Sufraga a sentneça ora recorrida o entendimento da Administração Fiscal de que o Liquidatário Judicial / massa falida procedesse à entrega de declaração de IRC, orginando, pela sua falta, a liquidação oficiosa que se impugna. Porém,

XXIII.  o Liquidatário Judicial NÃO É REPRESENTANTE da sociedade falida nos termos e para os efeitos consignados no art.° 109.° do CIRC.

XXIV. Por outro lado e em primeiro lugar, a declaração de falência opera a DISSOLUÇÃO IMEDIATA DA SOCIEDADE - cfr. art.° 141.°, alínea e) do CSComerciais -, embora se mantenha a personalidade jurídica e

XXV.   em segundo lugar, seria muito estranho que a Massa Falida apresentasse actividade sujeita a tributação!

XXVI. Da mesma forma, as contas da agora Massa Falida NÃO PODEM SER FISCALIZADAS PELA ADMINISTRAÇÃO FISCAL, designadamente, ao nível da apresentação ou não das declarações tributária,

XXVII. Assim, a liquidação ora recorrida, são actos ABSURDOS e ILEGAIS como infra se demonstra; a actividade tributária agora dirigida contra a recorrente constitui, ainda, uma violação de princípios fundamentais da relação tributária, designadamente, O PRINCÍPIO DO PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO, PRINCÍPIO DA DECISÃO, PRINCÍPIO DA COLABORAÇÃO e da BOA FÉ, previstos nos art.°s 55.°, 56.° e 59.°, n.°s 1 a 3 da LGTributária. É que,

XXVIII. Os deveres e obrigações do liquidatário social do CSComerciais - cfr. Artigos 147.° a 150.° e 152.° a 161.° do CSComerciais - não se confundem com a figura do Liquidatário Judicial - cfr. Artigos 52 ° a 65 ° do CIRE e Lei n.° 32/2004; 

XXIX. nos termos do disposto na conjugação do disposto nos art.°s 1.° e 46.°, n.° 1 do CIRE e em situação análogo à do CPEREF, a Massa Insolvente/Falida administrada pelo AI/LJ deve fazer reverter o produto da liquidação em condições especificamente definidas no CIRE/CPEREF para todos os credores e tal obrigação compreende não só o que é apreendido mas igualmente TUDO QUANTO SURJA, EM TERMOS DE BENS E DIREITOS, NA PENDÊNCIA DO PROCESSO, seja a título do produto da actividade da empresa falida se o estabelecimento se mantiver aberto, seja a título do produto da liquidação do já apreendido.

XXX.  Deveras, revelador da razão que assiste à recorrente é que, desconhecendo-se com o que fundamentos ou a que título, foi entregue uma declaração de Modelo 22, relativa a IRC do ano de 2005, pelo legal representante da sociedade falida. Assim sendo,

XXXI. Com a declaração de falência, opera-se a “morte” da sociedade, pois que a mesma não pode ser prefigurada nos mesmos moldes que a dissolução de sociedade, como pretende a Administração Tributária;

XXXII. Tal questão encontra-se jurisprudencialmente assente, no ACÓRDÃO do Supremo Tribunal Administrativo n.° 01107/12, datado de 09.07.2014, que UNIFORMIZOU JURISPRUDÊNCIA no sentido de que

Sumário: Constituindo a declaração de insolvência um dos fundamentos da dissolução das sociedades e equivalendo, para efeitos fiscais, essa dissolução à morte do infractor, de harmonia com o disposto nos arts. 61° e 62° do RGIT e art. 176°, n° 2, al. a) do CPPT, daí decorre a extinção da obrigação do pagamento de coimas e da execução fiscal instaurada tendente à sua cobrança coerciva.

XXXIII. Ou seja, se a sociedade MORRE/EXTINGUE-SE para efeitos de procedimento contraordenacional, tembém deverá extinguir-se, designadamente quanto à INEXISTÊNCIA DE ACTIVIDADE sujeita a tributação, para efeitos de IRC.

XXXIV. Dito de outra forma, o escopo do Liquidatário Judicial é, exclusivamente, a atribuição de valor aos credores, por via da liquidação do património da massa falida, não podendo assumir os deveres funcionais do T.O.C.;

XXXV. a responsabilidade pelo eventual incumprimento de declarações fiscais ou outras deve ser assacada ao devedor principal (falida) e, se for o caso, ao R.O.C. ou T.O.C. em cuja actuação se subsume o incumprimento das declarações fiscais ou outras infracções, por incumprimento dos deveres de fiscalização e regularização técnica nas áreas contabilística e fiscal ou de assinatura de declarações fiscais, demonstrações financeiras e seus anexos;

XXXVI. Sendo que, após a declaração de falência, os únicos responsáveis pelos cumprimentos das declarações de imposto são quem tem competência legal para tal, designadamente, em regra, os T.O.C. que, deixam de existir, na prática, na massa falida, não sendo substituídos na sua função por qualquer outro profissional.

XXXVII. Por seu lado, a empresa, declarada falida, não deixa de ser representada neste processo, para efeitos tributários, pelo seu legal representante E NÃO o Liquidatário Judicial;

XXXVIII. É este o princípio que releva claramente do disposto no art.° 82.°, n.° 1 do CIRE. Assim sendo,

XXXIX. Tenta a Administração Fiscal obter dividendos de tributação e, no rateio/distribuição do produto da liquidação, ainda obter pagamentos preferenciais constituiria um duplo ónus que recairia sobre os restantes credores em benefício apenas de uma entidade;

XL. Significando: revelar-se-ia manifestamente desproporcional que o processo de falência fosse colocado em pé de igualdade com uma mera execução fiscal, servindo apenas para a Fazenda Nacional actuar na mera posição de reclamante dos seus créditos, mais a mais privilegiados, sem atender à particular condição dos demais credores e da falência.

XLI. Pelo que, por tudo quanto resulta supra exposto, deverá ser julgado procedente o presente recurso, revogando-se a decisão recorrida.

XLII. Nestes termos, pugna-se pelo exarar de decisão que, avalizando os argumentos ora expostos, já que a pretendida liquidação ocorre após na persistência do processo de falência, quer por força da ilegitimidade e nulidade daquela liquidação, já que a Massa Falida não está sujeita a IRC, determine a :

a. A invalidade do acto de liquidação, por inexistência de lucro tributável imputável à Massa Falida após a declaração de falência, porquanto, com a declaração de falência, opera-se a “morte” da sociedade;

b. Subsidiariamente, a ilegitimidade do Liquidatário Judicial, já que a empresa, declarada falida, não deixa de ser representada neste processo, para efeitos tributários, pelo seu legal representante E NÃO o Liquidatário Judicial, nos termos do disposto no art.° 82.°, n.° 1 do CIRE;

c. Procedendo assim integralmente a presente impugnação; …».

X
A Fazenda Pública não contra-alegou.
X

O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal, notificado para o efeito, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

X

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

X

II- Fundamentação.

A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes:

«A) Por sentença proferida em 04.12.2000, no processo n° 341/1999, que correu termos no Tribunal de Comércio de Lisboa, a Impugnante foi declarada falida (cfr. doc. 2 junto com a p.i.);

B) Em 20.11.2012, foi emitida a liquidação de IRC n° ......., e respectivos juros compensatórios, referente ao exercício de 2011, no montante de € 18.413,93 (cfr. doc. 1 junto com a p.i.);

C) A presente Impugnação foi remetida, via e-mail, ao Serviço de Finanças de Lisboa 11 em 24.12.2012 (cfr. fls. 4 dos autos).


*

Inexistem factos não provados com interesse para a decisão da causa.

*

MOTIVAÇÃO:

Quanto aos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se na análise crítica da prova documental, não impugnada, constante dos autos e processo administrativo apenso, conforme especificado em cada uma das alíneas supra».

Ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC adita-se a seguinte matéria de facto.
D) Por meio de ofício de 27-03-2015, o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, onde corre o P. 7642/14.5T8LSB, antigo P. 341/99, Falência de I......., S.A., informou que «os autos supra identificados não se encontram findos, tendo nesta data sido proferido despacho de encerramento da liquidação e determinada a remessa à conta para elaboração de rateio final. // Mais se informa nos termos requeridos pelo Senhor Liquidatário Judicial que a empresa supra identificada está numa situação de falência conforme sentença que se anexa, inexistindo estabelecimento ou o exercício de qualquer actividade económica há mais de 15 anos, pelo que se requer a V. Exa. proceder ao encerramento da falida em ternos fiscais» - junto com o requerimento de 02.05.2020.
E) A liquidação de IRC referida em B) foi efectuada na sequência da falta de apresentação da declaração modelo 22 por parte da contribuinte – acordo.


X

2.2. Direito

2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre os alegados vícios da sentença seguintes:

(i) Nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão;

(ii) Nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão.

(iii) Erro de julgamento, por erro na aplicação do direito ao caso concreto.

2.2.2. A sentença julgou improcedente a impugnação. Para tanto estruturou, em síntese, a argumentação seguinte:
«(…) o facto de uma sociedade ter sido declarada falida e haver entrado em fase de liquidação, não obsta a que, nos termos dos artigos 231.° e seguintes do CPEREF, se possa assistir ao término do seu processo de falência e ao reiniciar da sua normal actividade. (...). O que significa que, relativamente às sociedades em liquidação em processo de falência, não é o facto de se tratar de uma execução universal de bens e de se estar em presença de uma situação económica deficitária que impede que se possam verificar ganhos fortuitos e inesperados, vendas de bens por valores que podem não só solver todas as dívidas como gerar sobras, incrementos patrimoniais esses para os quais nenhuma razão subsiste para se furtarem a tributação em sede de IRC. // (...) Por tudo o que fica exposto se conclui que, mesmo que em processo de gestão ou liquidação da massa falida, a sociedade continua a ter de cumprir, através do respectivo liquidatário, com obrigações fiscais declarativas (...)". (…) // Ora, embora não desvalorizando que se trata de prova de facto negativo (inexistência de rendimentos) - que sempre teria como corolário, por força do princípio da proporcionalidade, uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, dando relevo a provas menos convincentes do que as exigidas para prova de factos positivos -, a verdade é que, no caso sub judice, não foi feita, nem sequer minimamente, qualquer prova desse facto. // Assim, forçoso é concluir que a Impugnante não logrou fazer prova - cujo ónus inequivocamente lhe competia - da inexistência de facto tributário resultante da alegada inactividade da sociedade».

2.2.3. Antes de entrarmos no mérito do recurso, importa aferir da admissibilidade da junção de três documentos por parte da recorrente, juntamente com as alegações.

A recorrente juntou cópia da ordem de serviço da DGCI relativa às insolvências, emitida em 30.10.2019, cópia de despacho proferido pelo Tribunal de Comércio no processo de insolvência referido na alínea A), do probatório e cópia do ofício do Tribunal de Comércio, de 27/03/2015, dirigido ao Serviço de Finanças – 3 (Oeiras), relativo à situação do processo de insolvência.

No que respeita à cópia da ordem de serviço, a mesma não constitui elemento de prova a ponderar pelo tribunal, uma vez que está em causa liquidação de IRC de 2011. Pelo que a sua junção é desnecessária, devendo ser rejeitada. No que respeita à cópia do despacho proferido pelo Tribunal de Comércio no processo de insolvência em causa, atendendo a que o mesmo foi proferido em 28/11/2000, o mesmo não é de admitir, porquanto não se trata de elementos que apenas podiam ser juntos em momento posterior à interposição do recurso, (artigos 651.º/1 e 425.º do CPC).

No que respeita ao ofício do Tribunal de Comércio, de 27/03/2015, dirigido ao Serviço de Finanças – 3 (Oeiras), relativo à situação do processo de insolvência, do mesmo consta «que a empresa supra identificada está numa situação de falência conforme sentença que se anexa, inexistindo estabelecimento ou o exercício de qualquer actividade económica há mais de 15 anos, pelo que se requer a V. Exa. proceder ao encerramento da falida em ternos fiscais». Ao abrigo do disposto no artigo 114.º do CPPT (“Diligências de prova”), os elementos em causa relevam para o correcto enquadramento jurídico da causa, pelo que a sua junção aos autos é determinada por este Tribunal.

Em face do exposto, impõe-se determinar a devolução ao apresentante da cópia da ordem de serviço e da cópia do despacho do Tribunal de Comércio.

Custas pelo incidente, pelo mínimo legal.

Notifique.

2.2.4. No que respeita à invocada nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão, cumpre referir o seguinte. «É nula a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão» (artigo 615.º/1/b), do CPC). Compulsados os autos, verifica-se que a sentença contem a fundamentação fáctica e normativa necessária à conclusão alcançada no âmbito da economia da decisão, pelo que a mesma não enferma da imputada nulidade.

Motivo porque se julga improcedente a presente imputação.

2.2.5. A recorrente assaca à sentença o desvalor da nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão.  

«É nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão» (artigo 615.º/1/c), do CPC). «A oposição (entre os fundamentos e a decisão) referida [artigo 615.º/1/c)] do Código do Processo Civil só existe quando há contradição real entre os fundamentos e a decisão e não às hipóteses de contradição aparente, ou seja, quando existe um vício real no raciocínio do julgador: a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente»[1]. «O vício de nulidade a que se reporta [o artigo 615.º/1/c)] do Código de Processo Civil é o que ocorre quanto os fundamentos de facto e de direito invocados conduzirem logicamente ao resultado oposto àquele que integra o respectivo segmento decisório»[2].

No caso em exame, consta da fundamentação da sentença a motivação que leva ao juízo de improcedência da impugnação. Não existe, pois, qualquer contradição lógica entre os fundamentos e a decisão. Pelo que o apontado vício não se verifica.

Motivo porque se julga improcedente a presente imputação.

2.2.6. No que respeita ao alegado erro de julgamento quanto ao direito aplicável.

As questões suscitadas nos autos consistem no seguinte:
(i) saber se a sociedade declarada insolvente mantém as obrigações declarativas em sede de IRC;
(ii) saber se no caso é legal a liquidação oficiosa de IRC de 2011.

2.2.6.1. Apreciação. A este propósito, constitui jurisprudência fiscal assente a seguinte.

a) «A sociedade dissolvida na sequência de processo falimentar continua a existir enquanto sujeito passivo de IRC até à data do encerramento da liquidação, ficando sujeita, com as necessárias adaptações e em tudo o que não for incompatível com o regime processual da massa falida, às disposições previstas no CIRC para a tributação do lucro tributável das sociedades em liquidação, mantendo-se vinculada a obrigações fiscais declarativas»[3].

b) «A sociedade declarada falida não se considera extinta - «A falência sendo uma causa de dissolução das sociedades comerciais, não extingue a personalidade jurídica da sociedade declarada falida, que se mantém, apenas se considerando a sociedade extinta pelo registo do encerramento da liquidação – arts. 160º, nº2, e 146º, nº 2, do CSC»[4].

c) «São realidades distintas, sujeitas a regimes igualmente distintos, a dissolução e liquidação da sociedade e a sua extinção. // Dissolvida a sociedade, esta entra em liquidação, mantendo ainda a sua personalidade jurídica, sendo os seus administradores os liquidatários, salvo disposição estatutária ou deliberação noutro sentido. // Com a extinção – que só se verifica com a inscrição, no registo, do encerramento da liquidação – deixa de existir a pessoa colectiva, que perde a sua personalidade jurídica e judiciária, mas as relações jurídicas de que a sociedade era titular não se extinguem»[5].

d) «A circunstância de se estar em presença de uma situação jurídica de falência e de liquidação do património não impede que se possam verificar ganhos fortuitos e inesperados, vendas de bens por valores que podem não só solver todas as dívidas como gerar sobras, incrementos patrimoniais esses para os quais nenhuma razão subsiste para se furtarem a tributação em sede de IRC. // Por conseguinte, se na sociedade falida ocorrer actividade económica geradora de rendimentos sujeitos a IRC, tais rendimentos encontram-se sujeitos às regras de tributação previstas nos arts. 73º e segs. do CIRC; todavia, se não ocorrer actividade económica não pode haver lugar a tributação, por inexistência de facto tributário, não sendo aplicável à liquidação de bens da massa insolvente as regras do art.º 73º e segs. do Código do IRC»[6].

e) «A declaração de falência e a entrada em período de liquidação da massa falida não determina, por si só, a abolição de imposto sobre o rendimento, o que se compreende na medida em que durante o período de cessação progressiva da existência da sociedade ou período de liquidação pode existir alguma actividade económica geradora de rendimentos sujeitos a IRC. // Dado como provado que, pela falida, foi apresentada mod 22 de IRC de 2005, a liquidação de IRC de 2005 resultou da apresentação de tal declaração»[7].

Mais se refere que o preceito do artigo 79.º do CIRC[8] estabelece o regime de quantificação da matéria colectável, em IRC, das sociedades em liquidação, como sucede com a sociedade insolvente, em apreço, dado que não existe notícia nos autos do encerramento da sua actividade. Apenas em momento posterior à declaração da insolvência, em sede de assembleia de credores, pode a actividade da sociedade insolvente ser encerrada (ou não, V. artigo 156.º/2, do CIRE[9]). Mais estabelece o artigo 117.º/10, do CIRC, que «[r]elativamente às sociedades ou outras entidades em liquidação, as obrigações declarativas que ocorram posteriormente à dissolução são da responsabilidade dos respectivos liquidatários ou do administrador da falência». Por outro lado, nos termos do disposto no artigo 55.º do CIRE, «cabe ao administrador da insolvência, com a cooperação e sob a fiscalização da comissão e credores, se existir: // a) Preparar o pagamento das dívidas do insolvente à custa das quantias em dinheiro existentes na massa insolvente, designadamente das que constituem produto da alienação que lhe incumbe promover, dos bens que a integram; // b) Prover, no entretanto, à conservação e frutificação dos direitos do insolvente e à continuação da exploração da empresa, se for o caso evitando quanto possível o agravamento da sua situação económica». Havendo que distinguir entre as dívidas do insolvente (artigo 47.º do CIRE[10]) e as dívidas da massa insolvente (artigo 51.º do CIRE[11]).

Feito o presente enquadramento, importa analisar o bem fundado da liquidação in judicio.

2.2.6.2. Com base no presente enquadramento, a sentença entendeu que a liquidação oficiosa de IRC de 2011, em causa, é de manter, dado que a recorrente não entregou a declaração modelo 22, nem fez prova da inexistência de rendimentos no exercício em referência.

Sem embargo, o presente entendimento não se pode manter. É certo que o processo falimentar não contende com a existência e com o exercício da actividade da sociedade falida, pelo que a mesma não deixa de ser sujeito passivo do IRC, sujeita às normais obrigações declarativas, cujo cumprimento, em nome da massa insolvente, compete ao administrador da insolvência – artigo 117.º/10, do CIRC. Mas, a liquidação oficiosa de imposto (artigo 90.º/1/b), do CIRC[12]) não pode subsistir sempre que a mesma tenha apenas por base a omissão declarativa do administrador da massa insolvente, sem atender à situação concreta desta última. No caso, seja na data em que foi emitida a liquidação (2012), seja no exercício a que a mesma respeita (2011), mostra-se comprovada a inactividade da sociedade em causa[13]. Perante a comprovação da inactividade da empresa, dir-se-á que a liquidação oficiosa de IRC do exercício de 2011 em exame não tem por base elementos que comprovem a ocorrência do facto tributário (o lucro tributável), nem se vê como tal possa suceder perante uma sociedade sem qualquer actividade. O ónus da prova recai sobre a parte que alega o direito, ou seja, a AT (artigos 74.º/1 da LGT). Ónus que no caso não foi observado.

Do acima exposto impõe-se concluir que o acto tributário em apreço enferma de erro nos pressupostos de facto, o que determina a sua anulação.

Ao decidir em sentido discrepante, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, devendo, por isso, ser revogada e substituída por decisão que julgue procedente a impugnação.

Termos em que se julgam procedentes as presentes conclusões de recurso.


DISPOSITIVO

Face ao exposto, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a impugnação procedente, com a consequente anulação do acto tributário.

Custas pela recorrida, sem prejuízo da dispensa de taxa de justiça, dado não ter apresentado contra-alegações.

Registe.

Notifique.


(Jorge Cortês - Relator)

(1.ª Adjunta)



(2.ª Adjunta)

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[1] Acórdão do STJ, de 06.05.2004, P. 04B1409.

[2] Acórdão do STJ, de 30.09.2004, P. 04B2894.
[3] Acórdão do STA, de 24.02.2011, P. 01145/09

[4] Acórdão do STJ, de 28.02.2012, P. 106/2001.L1.S1
[5] Acórdão do STJ, de 26.08.2008, P. 08B1184
[6] Acórdão do STA, de 08/11/2017, P. 0876/15

[7] Acórdão do TCAN 26/04/2018, P. 01665/05.2BEVIS

[8] «1. Relativamente às sociedades em liquidação, o lucro tributável é determinado com referência a todo o período de liquidação. // 2. Para efeitos do disposto no número anterior, deve observar-se o seguinte: // a) As sociedades que se dissolvam devem encerrar as suas contas com referência à data da dissolução, com vista à determinação do lucro tributável correspondente ao período decorrido desde o início do exercício em que se verificou a dissolução até à data desta; // b) Durante o período em que decorre a liquidação e até ao fim do exercício imediatamente anterior ao encerramento desta, há lugar, anualmente, à determinação do lucro tributável respectivo, que tem a natureza provisória e é corrigido face à determinação do lucro tributável correspondente a todo o período de liquidação; // c) No exercício em que ocorre a dissolução deve determinar-se separadamente o lucro referido na alínea a) e o lucro mencionado na primeira parte da alínea b). // 3. Quando o período de liquidação ultrapasse dois anos, o lucro tributável determinado anualmente, nos termos da alínea b), do número anterior, deixa de ter natureza provisória».
[9] Código de Insolvência e de Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-lei n.º 53/2004, de 18 de Março – versão vigente
[10] «1 - Declarada a insolvência, todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, ou garantidos por bens integrantes da massa insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração, são considerados credores da insolvência, qualquer que seja a sua nacionalidade e domicílio. // 2 - Os créditos referidos no número anterior, bem como os que lhes sejam equiparados, e as dívidas que lhes correspondem, são neste Código denominados, respectivamente, créditos sobre a insolvência e dívidas da insolvência».
[11] «1-Salvo preceito expresso em contrário, são dívidas da massa insolvente, além de outras como tal qualificadas neste Código: // a) As custas do processo de insolvência; / b) As remunerações do administrador da insolvência e as despesas deste e dos membros da comissão de credores; // c) As dívidas emergentes dos actos de administração, liquidação e partilha da massa insolvente; // d) As dívidas resultantes da actuação do administrador da insolvência no exercício das suas funções.  // 2 - Os créditos correspondentes a dívidas da massa insolvente e os titulares desses créditos são neste Código designados, respectivamente, por créditos sobre a massa e credores da massa».
[12] «Na falta de apresentação da declaração a que se refere o artigo 120.º, a liquidação é efectuada até 30 de Novembro do ano seguinte àquele a que respeita ou, no caso previsto no n.º 2 do referido artigo, até ao fim do 6.º mês seguinte ao do termo do prazo para apresentação da declaração aí mencionada e tem por base o valor anual da retribuição mínima mensal ou, quando superior, a totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada».
[13] Alínea D) do probatório.