Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:335/21.9BELLE
Secção:CA
Data do Acordão:01/06/2022
Relator: ANA CRISTINA LAMEIRA
Descritores:ANULAÇÃO ADMINISTRATIVA;
ARTÍFICIO FRAUDULENTO (ART. 168º, Nº 1, AL. A) DO CPA);
CONTRA-INTERESSADO NO PROCESSO CAUTELAR;
FUMUS BONI IURIS;
LICENÇA DE UTILIZAÇÃO PRIVATIVA DO DOMÍNIO PÚBLICO MARÍTIMO
Sumário:I - A questão do interesse directo na manutenção ou anulação dos actos de transmissão das licenças, podendo ser relevante para a acção principal, nos termos do citado art. 57º do CPTA (contra-interessado), não tem idêntico peso no processo cautelar, atento o disposto no art. 114º nº 3, al. d) do CPTA.

II – É impossível dissociar as licenças nºs 8... e 1... de exploração de viveiros de ostras das instalações onde as mesmas são usadas.

III – Quando foi requerida a transmissão das licenças – que integravam os bens comuns do casal e constava do lote dos bens a partilhar - não só o requerente /transmitente não dispunha de poderes de oneração ou alienação das mesmas, mas somente de mera gestão, como cabeça de casal, como sabia que existia já uma sentença – que ainda não transitada em julgado – integrava tais bens no património da sua ex-mulher.

IV- Não é, pois, possível ignorar que o ex-cônjuge marido, transmitente e requerente dos actos autorizativos, foi também beneficiário do acto de autorização da transmissão dos estabelecimentos e, nessa medida, usou de um artifício ilegítimo, omitindo informação relevante quanto à situação da partilha dos bens. O que configura o pressuposto do art. 168º, nº 4, alínea a) do CPA, para a respectiva anulação administrativa.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

I. RELATÓRIO

M...e P... - Unipessoal, lda, intentaram no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé o presente processo cautelar contra APA – Agência Portuguesa do Ambiente, Administração da Região Hidrográfica do Algarve (doravante APA), cujo pedido consistia no decretamento da providência cautelar de(…) suspensão da eficácia dos atos administrativos vertido nos despachos vertidos nos despachos do Diretor Regional da Administração da Região Hidrográfica do Algarve, datados de 22/02/2021 e de 20/05/2021, que, respetivamente, anulou os atos de autorização da transmissão das licenças nºs … e 1…, de 09/02/2018, e determinou o averbamento das referidas licenças em nome de ... ”.
Indicaram como contra-interessados: D... (D) e F... ... (F... )
A sentença recorrida proferida em 17.09.2021 decidiu julgar:
i. improcedente a excepção de ilegitimidade ativa;
ii. procedente a exceção de ilegitimidade passiva, relativamente ao 2.º Contra-interessado F... ... , absolvendo o mesmo da instância;
iii. improcedente a presente acção, recusando-se a adoção da providência cautelar de suspensão requerida.

Inconformados, os Requerentes, ora Recorrentes, vieram interpor o presente recurso para este TCA Sul, retirando-se das Alegações recursivas as conclusões que, de seguida, se transcrevem:
“a) A douta sentença recorrida, no facto provado sob a alínea F), omitiu que os autos de inventário transitaram em julgado em 10/05/2019, facto este fundamental para se interpretar o efeito da decisão homologatória da partilha proferida a 15/02/2017.
b) Deve pois ser declarado assente que o inventário judicial, e consequentemente, a homologação da partilha entre D... e M... apenas ocorreu a 10/05/2019 – tal como consta da certidão judicial junta aos autos como documento nº 11 que instrui o requerimento inicial, exatamente o mesmo documento que serviu de base à prova do facto levado à alínea F) da sentença.
c) A douta sentença também omitiu a matéria relativa aos elevados prejuízos que os recorrentes sofrem por consequência da anulação das licenças de viveiros em causa, matéria fundamental para apurar da necessidade de suspensão da decisão administrativa recorrida.
d) Consequentemente, deve declarar-se que interessam à boa decisão da causa os factos alegados nos arts. 27 a 44 do requerimento inicial, que versam sobre a instalação e produção dos viveiros, suas causas, custos e prejuízos.
e) Estando tais factos controvertidos, deve remeter-se os autos à primeira instância, para julgamento.
f) A douta sentença recorrida – omitindo os supra indicados factos, devidamente alegados – incorreu em nulidade, por omissão de pronúncia, com violação do disposto nos arts 94, nº 3, e 95, nº 1, do CPTA, bem como do art. 615, nº 1, d), do CPC.
g) Como disposto no art. 94, nº 3 do CPTA, a sentença deve discriminar os factos que julgue provados.
h) A douta sentença declara provado o teor de comunicações, requerimentos e pareceres, quando deveria apenas dar por provado que tais atos foram praticados
i) considera provadas as conclusões ou excertos de requerimentos – como sucede designadamente a fls. 58 a 68 da sentença, em que os argumentos expendidos nos pareceres e requerimentos são levados à fundamentação enquanto factos;
j) Consequentemente, devem eliminar-se os factos declarados provados que contêm meros argumentos das partes, designadamente os factos M, P, S, U, W, Z e BB, na parte em que reproduzem o teor de textos de pareceres, requerimentos e decisões, por serem ilegais, nos termos do citado art. 94, nº 3, do CPTA.
k) A douta sentença incorre em dualidade de critérios quando, por um lado, declara que F... praticou um artifício fraudulento na transmissão das licenças para M... e, por outro, o declara parte ilegítima, na medida em que a decisão a tomar não o afeta.
l) F... é pessoal e diretamente afetado pela decisão que o refere como potencial criminoso, como violador do direito substantivo e como fraudulento relativamente à Administração, pelo que deve beneficiar do direito ao contraditório e do direito de defesa nos próprios autos em que tais questões são debatidas.
m) Ora, pelos motivos supra alinhavados, atento o disposto no art. 57 do CPTA, F... deve ser declarado parte legítima, por ter interesse direto na manutenção ou não anulação dos atos de transmissão das licenças.
n) Na fase administrativa, a APA teve dualidade de critérios: primeiro, como consta do facto provado na alínea P) da sentença, entendeu que a falta de trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha impedia a pretensão de D... à anulação da transmissão dos viverios de F... para M... ; subsequentemente, veio a expender os considerandos que a sentença recorrida reproduz para determinar a mesma anulação das transmissões de licenças.
o) Se é certo que com o divórcio cessam os poderes de administração dos cônjuges (como citado pela APA e pela sentença), não menos certo é que, pelo inventário, os poderes de administração dos bens comuns cabem ao cabeça-de-casal, no caso F... , por ser mais velho – nos termos do art. 1404 do CPC em vigor em 2011, pelo que F... tinha poderes de administração dos viveiros – como aliás resulta dos factos provados A) a E).
p) Como decorre dos factos provados A), B) e C), apenas F... era detentor de 3 licenças para manutenção de estabelecimentos de culturas de bivalves, sendo direitos pessoais, fora do comércio incomunicáveis pelo regime de bens do casamento, porquanto se enquadram no disposto no art. 1733, nº 1, c), do Código Civil.
q) Portanto, F... transmitiu as licenças em causa nos autos, nos termos impostos pelo ponto 9 dos títulos (Alíneas A), B e C)), que determina que se deve sujeitar a transmissão a prévia aprovação da autoridade administrativa – e sendo ele mesmo o titular, agiu no convencimento desse direito.
r) A transmissão a favor de D... dá-se por decisão judicial – como ressuma dos factos provados – a qual apenas transitou em julgado em 2019 e, nesta data, já F... havia transmitido as licenças a M... – vide factos provados I), J) e K) – a transmissão para M... ocorreu por decisão da APA proferida a 09/08/2018.
s) A sentença recorrida comete o erro de ignorar a data do trânsito em julgado da decisão do inventário e, mais, duplica-o, quando considera que o que transita em julgado é a sentença homologatória de 2017.
t) A sentença não transitada não tem eficácia externa e não faz caso julgado material, não é oponível a APA ou a qualquer outra entidade, salvo mediante execução ou outra medida conservatória, sendo certo que não é a sentença confirmada em recurso que adquire foros de caso julgado, mas sim o acórdão final (vide CPC Anotado, III, pp. 380-382, reimpressão, 1984), entendimento está espelhado na certidão judicial (doc. 11 do requerimento inicial), que fixa a data do trânsito dos autos e não da sentença inicial.
u) Consequentemente, mui erradamente julgou a douta sentença recorrida, violando o disposto no art. 619, nº 1 do CPC, ao aplicar ao caso dos autos decisão que, à data da transmissão das licenças de F... para M... , não estava transitada em julgado.
v) Não há pois artifício fraudulento: a APA não exigiu a F... declaração alguma sobre o seu estado civil, não ordenou sequer a identificação do cônjuge, simplesmente aceitou a transmissão porquanto era ele o titular das licenças – e assim deve ser.
w) Como ensina a nossa jurisprudência, o silêncio, a omissão tem de ser operante, o que se traduz num aproveitamento do erro em que o enganado já se encontra (Ac. STJ de 29/02/1996 (Processo 046740, consultável em www.dgsi.pt). No caso, não se verifica tal pressuposto: a APA não está em erro, simplesmente não precisa de saber do estado civil do transmitente.
x) A sentença homologatória de partilha não tem efeito algum para a transmissão das licenças, pois não foi submetida à autorização da APA – e como não estava transitada não teve efeito material, real, de transmissão dos estabelecimentos (salvo um ano depois da transmissão da licença para o recorrente).
y) Alheio a tais questões do inventário e de partilha estava o aqui recorrente M... , que julgou acreditar na validade das licenças e na certificação da APA, quando esta entidade decidiu autorizar a transmissão dos viveiros. O recorrente estava e está de boa fé – que não é questionada por qualquer interveniente.
z) Supondo que F... não podia transmitir os viveiros, não se conclui de imediato pela nulidade do negócio e pela destruição dos seus efeitos: estando o comprador de boa fé, está o vendedor obrigado a convalidar o contrato (art. 897 do CC). E, tendo o vendedor a posse dos viveiros (vide factos provados A) a E)), a alienação das licenças não pode ser anulada, por força do disposto no art. 2076, estando como está o transmissário de boa fé.
aa) Certo é que o beneficiário da transmissão foi o recorrente M... , que estava de boa fé. Portanto, não se lhe pode aplicar uma norma que visa punir o beneficiário de má fé.
bb) Mal andou a douta sentença ao declarar F... , o transmitente, beneficiário do ato de transmissão dos viveiros. E mal andou ao desconsiderar a boa fé e a violação do princípio da confiança relativamente ao recorrente M... , pelo que se violou o disposto no art. 163ª do CPA quanto a anulação administrativa, que como tal deve ser revogada”.

A Contra-interessada, ora Recorrida, nas suas contra-alegações formulou as seguintes conclusões:
“1ª O Recurso sobre a matéria de facto é claramente improcedente, não enfermando a douta sentença recorrida da nulidade que lhe é assacada pelos recorrentes.
2ª E o recurso sobre a matéria de direito é também manifestamente improcedente, não enfermando a douta, e bem fundamentada sentença do erro de julgamento que lhe é assacado pelos recorrentes.
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A Entidade Requerida, APA, ora Recorrida, nas suas Contra-Alegações formulou as seguintes Conclusões:
A) Contrariamente ao alegado pelos Recorrentes, a Douta Sentença deu por provado que os autos de inventário e partilha entre os contrainteressados D... e M... transitaram em julgado a 10/05/2019 (alínea R) do probatório).
B) Julgado não preenchido o requisito fumus boni iuris, mostram-se irrelevantes para a boa decisão da causa os factos atinentes ao critério periculum in mora e ao critério da proporcionalidade e adequação da providência, nem o requerido aditamento ao probatório conduziria a uma decisão diversa nos autos, pelo que não merecem acolhimento as conclusões dos Recorrentes c), d) e e).
C) Pela mesma razão e face ao disposto no artigo 608º, n.º2 do CPC, não merece igualmente acolhimento a conclusão f) das alegações de recurso.
D) Improcedem também as conclusões das alegações vertidas em h) a j), porquanto:
E) Os factos relevam essencialmente pelo seu conteúdo, que não só por terem simplesmente ocorrido;
F) O Tribunal a quo transcreveu os trechos de alguns dos documentos ínsitos no PA que entendeu melhor refletirem o percurso, fundamentos e processo silogístico das decisões questionadas nos autos, em ordem a aquilatar a sua conformação ao Direito aplicável, máxime, a alínea a), do nº 4 do artigo 168º e nº 3 do artigo 172º do CPA;
G) Através de excertos de documentos ínsitos no PA o Tribunal a quo mais não fez do que, numa análise crítica, patentear o preenchimento de pressupostos de aplicação de disposições normativas, e/ou assumir como idóneos e fazendo seus argumentos plasmados nas informações-fundamento dos atos suspendendos e (como o Tribunal a quo não deixou de repetidamente sublinhar) deles parte integrante.
H) Ainda que, por hipótese, vingasse a tese do erro de julgamento no que toca à ilegitimidade do contrainteressado F... , tal não lhe afetaria o direito ao contraditório e defesa nos autos porquanto essa decisão não lhe veda a faculdade dela recorrer.
I) Não é verdade que, tanto o Tribunal a quo, como a ora Recorrida, tenham aplicado ao caso dos autos decisão que, à data da transmissão das licenças de F... para M... , não estava transitada em julgado
J) Tal Sentença (homologatória de partilhas) foi invocada como fundamento pela ora Recorrida apenas no ato que determinou o averbamento das licenças números 8... e 1 ... em nome de D... .
K) F... foi o beneficiário direto atos de autorização para transmissão das licenças números 8... V08, ... e ... , visto que foram por ele requeridos e a ele concedidos.
L) Não obstante, a ora Recorrida ponderou devidamente o justo equilíbrio entre a necessidade de reintegração da legalidade e da boa administração e as garantias de estabilidade, segurança e previsibilidade da atuação administrativa.
M) Ponderação que foi avaliada e levada em consideração na Sentença sob escrutínio.
N) Não se verificam assim os erros de julgamento invocados na conclusão bb) das alegações.
O) Quanto aos demais vícios e erros de julgamento apontados nas alegações dos Recorrentes, a prova dos autos e o teor da Sentença ora questionada, bem fundamentada, quer quanto à decisão de facto, quer quanto à sua subsunção jurídica, infirmarão os fundamentos do recurso.
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O DMMP notificado nos termos e para os efeitos do artigo 146º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), não emitiu pronúncia.

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Por despacho de 03.11.2021, o Tribunal a quo atribuiu efeito meramente devolutivo ao presente recurso, que decorre directamente da Lei (cfr. artigo 143.º, n.º 2, alínea b) do CPTA), indeferindo as medidas requeridas pelos Recorrentes.

Deste despacho vieram os Recorrentes apresentar Reclamação, a qual não foi admitida pelo Tribunal a quo (vide despacho de 19.11.2021), justificando, no essencial, de que cabe ao Tribunal ad quem fixar definitivamente os efeitos do recurso.
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Dispensados os vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.
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II – Das questões a decidir:
Nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC), é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
As questões que importa resolver incidem sobre:
i) a alteração dos efeitos do recurso (questão prévia);
ii) a nulidade da decisão recorrida por erro e omissão da matéria de facto;
iii) o erro de julgamento quanto à procedência da excepção de ilegitimidade passiva de F... ;
iv) o erro de julgamento de direito (vícios do acto suspendendo).

Ø Da questão prévia: dos efeitos do recurso jurisdicional
Com o presente recurso apresentaram os Recorrentes o requerimento de atribuição de efeito suspensivo ao presente recurso, assim como que ao abrigo do disposto no artigo 143.º, n.º 4 do CPTA, sejam adoptadas providências adequadas a evitar ou minorar os danos, impondo-se a prestação de caução pela interessada D... e pela Autoridade recorrida em montante que se estima de €250.000,00, destinado a acautelar o prejuízo da destruição das estruturas e da produção dos viveiros em causa.
O que foi indeferido pelo Tribunal a quo conforme supra indicado, assim como não foi admitida a Reclamação do sobredito despacho.
Apreciando;
O artigo 143.º, n.º 1, do CPTA, impõe como regra geral terem os recursos ordinários efeito suspensivo da decisão recorrida.
Excepcionam-se no respectivo n.º 2 os recursos interpostos de intimações para protecção de direitos, liberdades e garantias, decisões respeitantes a processos cautelares e respectivos incidentes, e decisões proferidas por antecipação do juízo sobre a causa principal no âmbito de processos cautelares, que têm efeito devolutivo.
O n.º 3 prevê a possibilidade de ser requerido efeito devolutivo ao recurso, quando a suspensão dos efeitos da sentença seja passível de originar situações de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação para a parte vencedora ou para os interesses, públicos ou privados, por ela prosseguidos. Ao passo que o n.º 4 prevê, no caso da atribuição de efeito devolutivo ao recurso poder causar danos, que o tribunal determina a adopção de providências adequadas a evitar ou minorar esses danos e impor a prestação de garantia destinada a responder pelos mesmos.
Em complemento, prevê o n.º 5 que deve ser recusada a atribuição de efeito devolutivo ao recurso quando os danos que dela resultariam se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua não atribuição, sem que a lesão possa ser evitada ou atenuada pela adoção de providências adequadas a evitar ou minorar esses danos.
Como se afigura evidente, do citado n.º 2 do artigo 143.º expressamente resulta solução legal contrária à propugnada pelos Recorrentes, posto que aí se prevê que têm efeito devolutivo os recursos interpostos de decisões respeitantes a processos cautelares, sem distinguir se está em causa a recusa ou aceitação da providência.
Ora, dos normativos que norteiam a actividade interpretativa da lei, constantes do artigo 9.º do Código Civil, resulta a regra geral de que onde a lei não distingue não deve o intérprete distinguir (ubi lex non distinguit, non distinguere debemus), sendo certo que, no caso vertente, não se vislumbra qualquer fundamento para disputar o acerto da solução consagrada, cf. n.º 3 do citado artigo.
Quanto à invocação do n.º 5 do artigo 143.º do CPTA, para sustentar a atribuição de efeito suspensivo ao recurso, igualmente não procede.
É que este normativo apenas se reporta aos casos em que foi requerida a atribuição de efeito devolutivo ao recurso, prevista no n.º 3, prevendo-se em seguida, e sequencialmente, os casos em que os danos decorrentes dessa atribuição se mostrem inferiores (n.º 4) ou superiores àqueles que podem resultar da sua não atribuição (n.º 5).
Neste sentido, observam Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha que “[a]s previsões dos nºs 4 e 5 pressupõem que tenha sido requerida a atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso, nos termos do nº 3. Não são, por isso, aplicáveis às situações de efeito devolutivo por determinação da lei, que directamnete decorre do disposto no nº 2, sem dependência de requerimento, e não são, por isso, passíveis de decisão de atribuição ou recusa por parte do juiz. Por outro lado, a lei não prevê a possibilidade, nos casos em que o recurso tem efeito meramente devolutivo, nos termos do n.º 2, de ser requerida ao juiz a substituição desse efeito por um efeito suspensivo”, pois a atribuição do efeito meramente devolutivo ao recurso decorre das “razões de especial urgência que estão na base da utilização dos meios processuais em causa (…) e, no que se refere às decisões respeitantes a processos cautelares, também pelo facto de o juiz já ter procedido, no âmbito desses processos, à ponderação de interesses de que os n.ºs 4 e 5 do presente artigo fazem depender a decisão do juiz de alterar os efeitos do recurso” (in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 5ª edição, 2021, p. 1156).
Vejam-se ainda, decidindo neste sentido, os acórdãos do STA de 30/10/2014, proc. n.º 0681/14, de 17/09/2015, proc. n.º 0622/15, de 03/12/2015, proc. n.º 0550/15, de 13/10/2016, proc. n.º 0 8... 5/16, e do TCAN de 18/06/2009, proc. n.º 1411/08.9BEBRG-A, de 16/09/2011, proc. n.º 973/11.8BEPRT, e de 26/07/2019, proc. n.º 109/19.7BEMDL, disponíveis em http://www.dgsi.pt ).
Pelo exposto, confirma-se o indeferimento do pedido de atribuição de efeito suspensivo ao recurso interposto nos presentes autos pelos Recorrentes.
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1 DE FACTO
O Tribunal a quo considerou provada a seguinte factualidade que se reproduz na íntegra:

A. Em abril de 2008, o Vice-Presidente do Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade, I.P, subscreveu documento intitulado “Licença”, com o n.º 0.., no âmbito do processo n.º 8.1.1140, do qual consta, designadamente, o seguinte:
«Imagem no original»

(…)”, cfr. documento n.º 1 junto com o requerimento inicial e fls. 83 do processo administrativo PA24.02.05.00078.2012_Viveiro 8... _Vol. I a fls. 160 (paginação eletrónica).
B. Em abril de 2008, o Vice-Presidente do Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade, I.P, subscreveu documento intitulado “Licença”, com o n.º 1…, no âmbito do processo n.º 8.1.1140, do qual consta, designadamente, o seguinte:
Imagem no original»
(…)”, cfr. documento n.º 2 junto com o requerimento inicial e fls. 102 do processo administrativo PA24.02.05.00974.2012_Viveiro 1038_Vol. I a fls. 398 (paginação eletrónica).
C. Em abril de 2008, o Vice-Presidente do Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade, I.P, subscreveu documento intitulado “Licença”, com o n.º ... no âmbito do processo n.º 8.1.1140, do qual consta, designadamente, o seguinte:
Imagem no original»
(…)”, cfr. documento n.º 3 junto com o requerimento inicial.
D. Em 09.07.2012 o 2.º Contrainteressado dirigiu ao Presidente da Administração da Região Hidrográfica do Algarve requerimento sob o assunto “Reclamação relativa ao viveiro … e viveiro …” da qual consta, designadamente, o seguinte:
“Tive conhecimento que no dia 08/07/2012 D... e mais quatro pessoas estiveram nos viveiros em cima mencionados fazer apanha de bivalves sem a minha autorização estando a decorrer em tribunal o processo de partilhas, sendo eu o responsável pelos viveiros e não dando autorização a essas pessoas para a apanha junto documento. (…)”, cfr. fls. 95 do processo administrativo PA24.02.05.00974.2012_Viveiro …_Vol. a fls. 398 (paginação eletrónica) e documento a fls. 655 (paginação eletrónica).
E. Em 10.10.2014 o 2.º Contrainteressado F... ... dirigiu ao Presidente da Administração da Região Hidrográfica do Algarve requerimento sob o assunto “Atraso no pagamento das TRH dos F... ... viveiros com licenças em nome de F... ... identificados com os n.ºs 1038, 107 e 8... , localizados na Fuzeta e Voltas.da qual consta, designadamente, o seguinte:
“Venho desta forma dar-vos a conhecer que ainda não liquidei as Taxas de Recursos hídricos relativas a estas licenças porque me encontro em processo de divórcio que ainda não está concluído. Mesmo assim, de forma a não arrastar esta situação por muito mais tempo, iniciarei o pagamento do valor em dívida muito em breve. (…)”, cfr fls. 89 do processo administrativo PA24.02.05.00974.2012_Viveiro 1…_Vol. a fls. 398 (paginação eletrónica) e documento a fls. 656 (paginação eletrónica).
F. Em 15.02.2017 foi proferida sentença homologatória de partilha, no âmbito do processo n.º 117/11.6TMFAR-C do Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo de Família e Menores de Faro – Juiz 3, constando da mesma, designadamente, o seguinte:
“Nos presentes autos de inventário a que se procedeu para a partilha dos bens comuns do extinto casal composto por ... e F... ... , em que desempenhou as funções de cabeça –de-casal o ex-cônjuge marido, homologo por sentença a partilha a que se reporta o mapa de fls. 647 a 649, adjudicando aos interessados os bens correspondentes ao respectivo quinhão. (…)”, cfr. documento n.º 11 junto com o requerimento inicial e fls. 57 do processo administrativo PA24.02.05.00078.2012_Viveiro 8... _Vol. I a fls. 160 (paginação eletróncia).
G. Da relação de bens apresentada no âmbito do processo a que alude a alínea precedente, consta, designadamente, o seguinte:
“(…)
Imagem no original»

(…)”, cfr. documento n.º 11 junto com o requerimento inicial e fls. 24 a 27 do processo administrativo PA24.02.05.00078.2012_Viveiro 8…Vol. I a fls. 160 (paginação eletróncia).
H. Do mapa a que se refere a alínea D), consta, designadamente, o seguinte:
“(…)
Imagem no original»

(…)”, cfr. documento n.º 11 junto com o requerimento inicial e fls. 57 do processo administrativo PA24.02.05.00078.2012_Viveiro 8... _Vol. I a fls. 160 (paginação eletróncia).
I. Em 15.11.2017 o 1.º Contrainteressado F... ... dirigiu ao Diretor Regional da Administração da Região Hidrográfica do Algarve, I.P. comunicação intitulada “PEDIDO DE TRANSMISSÃO DE VIVEIRO”, da qual consta, designadamente, o seguinte:
“(…)
Imagem no original»

(…)”, cfr. fls. 75 do processo administrativo PA24.02.05.00078.2012_Viveiro 8... _Vol. I a fls. 160 (paginação eletrónica).
J. Na mesma data (15.11.2017) o 1.º Contrainteressado F... ... dirigiu ao Diretor Regional da Administração da Região Hidrográfica do Algarve, I.P. comunicação intitulada “PEDIDO DE TRANSMISSÃO DE VIVEIRO”, relativamente aos viveiros com as licenças n.º ... e 1038V8, cfr. facto não impugnado e fls. 106 do processo administrativo PA24.02.05.00974.2012_Viveiro 1…_Vol. II a fls. 505 (paginação eletrónica).
K. Os pedidos de transmissão a que se referem as alíneas I) e J) foram autorizados por despacho de 09.02.2018, com averbamento em março de 2018, tendo sido transferida também a titularidade das licenças de exploração -cfr. fls. 74 e 67 do processo administrativo PA nº 24.02.05.00078.2012, Vol. I a fls. 160 (paginação eletrónica) e fls. 66 e 60 do processo administrativo nº PA24.02.05.00974.2012, Vol. I a fls. 398 (paginação eletrónica).
L. Em 13.03.2018 o Diretor Regional da Administração da Região Hidrográfica do Algarve dirigiu comunicação ao 1.º Requerente, M.., sob o assunto “Transmissão da titularidade das licenças de moluscos bivalves n.º 8…, n.º 1,… e n.º 1…, concelho de Olhão. Envio de averbamentos”, da qual consta, designadamente, o seguinte:
“(…)
Imagem no original»

(…)”, cfr. documento n.º 6 junto com o requerimento inicial.
M. Em 23.04.2018 a IL. Mandatária da 1.ª Contrainteressada ... dirigiu à entidade Requerida comunicação via email sob o assunto “CONCESSÃO – VIVEIROS BIVALVES – F... – D... ”, da qual consta, designadamente, o seguinte:

“(…) – a referida Sra. D... é a ex-mulher de F... ... , sendo este titular das licenças de exploração de viveiros bivalves números 00 8... V08, ... e 0 ... (Fuzeta);
Estas três concessões foram relacionadas na relação de bens junta ao inventário para partilha após divórcio de ambos, no Processo n.º 117/11.6TMFAR-C do Juízo de Família de Faro – Juiz 3 (verbas 7, 8 e 9 do activo).
- EM EMAIL SEMPARADO vou enviar-vos cópia do requerimento de junção da referida relação de bens, em que os viveiros estão relacionados sob as verbas 7, 8 e 9 do activo (doc. 1);
- na conferência de licitações das várias verbas do património do ex-casal, o sr. M... arrematou os três viveiros (irei enviar-vos cópia da ACTA da conferência de licitações – doc. 2);
- posteriormente, como o Sr. M... não pagou as tornas devidas à Sra. D... , requeri que fossem adjudicados a esta os três viveiros aqui em causa (como resulta doc. 3 a enviar em email separado);
- o Juiz adjudicou à Sra. D... os três viveiros, em lugar, ou em pagamento, das tornas em dinheiro devidas pelo Sr. M... àquela (doc. 4, que irie enviar-vos);
- foi depois elaborado o mapa de partilha de que também anexo cópia (doc. 5, que irei enviar-vos);
- finalmente foi proferida sentença de partilha (doc. 6, que irei enviar-vos), de que resulta que os viveiros em causa estão adjudicados à Sra. D... ;
- todavia, como ainda não é possível obter certidão do transito em julgado desta sentença de partilha, a Sra. D... não pode ainda pedir-vos o averbamento de titularidade da concessão para seu nome;
- comunicaram-lhe, no entanto, que o seu ex-marido, Sr. M... , havia “vendido” a concessão de um dos viveiros.
Pelo que acima se expõe, agradeço o favor de não ser emitida por vós a transmissão da concessão nem o respectivo averbamento a favor de terceiros, em vista do processo de inventário para partilha entre ex-cônjuges acima referido e em vista do facto de os três viveiros estarem adjudicados, por sentença de partilha, à Sra. D... . (…)”, cfr. fls. 17 e seguintes do processo administrativo PA24.02.05.00078.2012_Viveiro 8... _Vol. I a fls. 160 (paginação eletrónica).
N. Em 14.02.2019 o 1.º Requerente, M...dirigiu ao Diretor Regional da Administração da Região Hidrográfica do Algarve, I.P. comunicação intitulada “PEDIDO DE TRANSMISSÃO DE VIVEIRO”, da qual consta, designadamente, o seguinte:
Imagem no original»

(…)”, cfr. documento n.º 7 junto com o requerimento inicial e fls. 1 do processo administrativo PA24.02.05.00078.2012_Viveiro 8... _Vol. I a fls. 160 (paginação eletrónica).

O. Em 14.02.2019 o 1.º Requerente, M...dirigiu ao Diretor Regional da Administração da Região Hidrográfica do Algarve, I.P. comunicação intitulada “PEDIDO DE TRANSMISSÃO DE VIVEIRO”, da qual consta, designadamente, o seguinte:
Imagem no original»


(…)”, cfr. documento n.º 8 junto com o requerimento inicial e fls. 106 do processo administrativo PA24.02.05.00974.2012_Viveiro 1038_Vol. II a fls. 505 (paginação eletrónica).
P. Em 23.04.2019 os Serviços da entidade Requerida subscreveram documento intitulado “Parecer Técnico”, do qual consta, designadamente, o seguinte:
Imagem no original»

(…)”, cfr. documento n.º 9 junto com o requerimento inicial e fls. 102 do processo administrativo PA24.02.05.00974.2012_Viveiro 1038_Vol. II a fls. 505 (paginação eletrónica).
Q. Sobre o documento referido na alínea precedente recaiu despacho do Chefe de Divisão de Gestão do Litoral com o seguinte teor:
“Visto. Concordo com o proposto pelo que se submete à consideração superior a transmitir nos termos referidos.” cfr. documento n.º 9 junto com o requerimento inicial e fls. 102 do processo administrativo PA24.02.05.00974.2012_Viveiro 1038_Vol. II a fls. 505 (paginação eletrónica).

R. A decisão referida na alínea F) transitou em julgado em 10.05.2019, cfr. documento n.º 11 junto com o requerimento inicial.

S. Em 31.05.2019 a Il. Mandatária da 1.ª Contrainteressada ... dirigiu à Entidade Requerida comunicação via email sob o assunto “LICENÇAS EXPLORAÇÃO BIVALVES – 00…, 1… E 01…”, da qual consta, designadamente, o seguinte:

“(…) – encontram-se atribuídas licenças de exploração de bivalves números 00 8... V08, ... e ... a F... ... , à data da concessão, casado no regime da comunhão de adquiridos com ... ;
- após divórcio do identificado casal, as referidas concessões foram incluídas na relação de bens junta ao processo de inventário para partilha de bens, processo distribuído com o número 117/11.6TMFAR-C do Juízo de Família de Faro – Juiz 3 (verbas 7, 8 e 9 do activo), como resulta de folhas 2 verso a 4 verso da certidão de sentença de partilha com certificação de trânsito em julgado, que vai em anexo;
Na conferência de licitações o Sr. M... licitou os citados três viveiros, mas como não pagou as tornas que devia à ex-mulher, esta requereu que os três viveiros (conceções) lhe fossem adjudicados, em lugar das tornas não pagas, o que foi deferido, tendo sido adjudicados à ex-mulher, como resulta de folhas 8 e 8 verso da referida certidão da sentença de partilha;
- foi depois elaborado o mapa de partilha, que está a folhas 5, 6 e 7 da certidão da sentença de partilha anexa;
- a sentença de partilha encontra-se a folhas 9 da certidão anexa e na folha de rostos, folha 1, da certidão, vem certificado que transitou em julgado no dia 10/05/2019;
- D... é actualmente divorciada, tem o NIF 1…, e reside em Rua…, , 8005-556 Faro.
Nestes termos, peço o averbamento da titularidade da concessão dos três viveiros à referida ... . (…)”, cfr. fls. 80 do processo administrativo PA24.02.05.00974.2012_Viveiro 1038_Vol. II a fls. 505 (paginação eletrónica).
T. Por despacho de 18.06.2019, foi autorizada a transmissão da licença nº ... cfr. acordo.

U. Em 22.11.2019, os Serviços da Entidade Requerida elaboraram documento intitulado “Informação n.º: I017190-201911-ARHALG.DAF”, sob o assunto “Transmissão da titularidade de licença de utilização privativa de parcela do DPM na Fuzeta, Concelho de Olhão. Viveiro n.º …” do qual consta, designadamente, o seguinte:

«Imagem no original»

(…)”, cfr. documento n.º 10 junto com o requerimento inicial e fls. do processo administrativo.
V. Sobre o documento referido na alínea precedente recaiu despacho do Diretor Regional da Administração da Região Hidrográfica do Algarve, I.P, datado de 27.11.2019, com o seguinte teor:
“Visto.
Concordo.
Manifeste-se a intenção de indeferir o pedido de transmissão do título de utilização privativa da parcela de terreno do Domínio Público marítimo identificado como “viveiro n.º …”, na Ilha da Fuzeta, nos termos e com os fundamentos constantes na presente informação.
Proceda-se à audiência de interessados conforme disposto no art.º 121.º do Código de Procedimento Administrativo concedendo-se o prazo de dez dias úteis para, querendo, se pronunciar por escrito sobre o presente despacho e informação. (…)”, cfr. documento n.º 10 junto com o requerimento inicial.
W. Em 31.08.2020, os Serviços da Entidade Requerida elaboraram documento intitulado “Informação n.º: I010245ARHALG.DAF”, sob o assunto “Transmissão da titularidade de licença de utilização privativa de parcela do DPM na Fuzeta, Concelho de Olhão.” do qual consta, designadamente, o seguinte:
Imagem no original»

(…)
Imagem no original»

(…)
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, cfr. fls. 49 a 59 do processo administrativo PA nº 24.02.05.00078.2012, Vol. II a fls. 268 (paginação eletrónica).
X. Em 26.10.2020 2.ª Requerente P... - UNIPESSOAL, LDA. dirigiu requerimento ao Diretor Regional da Administração da Região Hidrográfica do Algarve, requerimento cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual consta, designadamente, o seguinte:

“(…) P... - Unipessoal, lda, NIPC 510759777, com sede atual no Parque Industrial e Comercial de Loulé, Lotes 3/B-4/B, 8100 - 272 Loulé, notificada para se pronunciar sobre a proposta de decisão constante da informação nº I010245-ARHALG.DAF, vem, no âmbito do direito de audiência prévia, responder o seguinte:
(…)
Atento o exposto, roga a V. Ex.ª se digne dar sem efeito a proposta de anulação a que se responde e, concomitantemente, deve autorizar-se a transmissão das licenças para a ora respondente, por se mostrarem reunidos todos os requisitos legais para o efeito.
Mais se requer a decisão urgente do procedimento, de modo a obstar ao impasse penoso que afeta a exploração e a produção, e impede a realização de novos investimentos, causando sérios
prejuízos económicos à ora respondente (…)”, cfr. documento n.º 12 junto com o requerimento inicial e fls. 24 a 37 do processo administrativo PA24.02.05.00078.2012_Viveiro 8... _Vol. II a fls. 268 (paginação eletrónica).

Y. Em 27.10.2020 o 2.º Contrainteressado F... ... dirigiu requerimento ao Diretor Regional da Administração da Região Hidrográfica do Algarve, requerimento cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, peticionado a final que “(…) deverá V. Exa. atender ao ora invocado e consequentemente não usar da anulação administrativa proposta, em obediência à segurança jurídica, princípios da boa-fé, protecção da igualdade e da confiança jurídica. (…)”, cfr. fls. 38 a 45 do processo administrativo PA24.02.05.00078.2012_Viveiro 8... _Vol. II a fls. 268 (paginação eletrónica).

Z. Em 11.01.2021, os Serviços da Entidade Requerida elaboraram documento intitulado “Informação n.º: I000337-ARHALG.DAF”, sob o assunto “Transmissão da titularidade de licença de utilização privativa de parcela do DPM na Fuzeta, Concelho de Olhão. Viveiro n.º 8... ” do qual consta, designadamente, o seguinte:
“(…)
«Imagem no original»

(…)”, cfr. documento n.º junto com o requerimento inicial e fls. 11 a 23 do processo administrativo PA24.02.05.00078.2012_Viveiro .._Vol. II a fls. 268 (paginação eletrónica).
AA. Sobre o documento referido na alínea precedente, recaiu despacho de concordância de 25.02.2021, do Administrador da Administração da Região Hidrográfica do Algarve, cfr. documento n.º e fls. 11 do processo administrativo PA24.02.05.00078.2012_Viveiro .._Vol. II a fls. 268 (paginação eletrónica).

BB. Em 20.05.2021 os Serviços da Entidade Requerida elaboraram documento intitulado “Informação n.º I006308-ARHALG.DAF”, sob o assunto “Transmissão da titularidade de licenças de utilização privativa de parcelas do DPM na Fuzeta, Concelho de Olhão”, do qual consta, designadamente, o seguinte:
“(…)
«Imagem no original»

(…)”, cfr. fls. 6 a 10 do processo administrativo PA24.02.05.00078.2012_Viveiro 8…_Vol. II a fls. 268 (paginação eletrónica).
CC. Sobre o documento referido na alínea precedente, recaiu despacho da mesma data (20.05.2021), do Diretor Regional da Administração da Região Hidrográfica do Algarve, com o seguinte teor:

“Visto. Proceda-se em conformidade com o proposto na presente informação, com a notificação da decisão ás partes interessadas, nos termos e fundamentos plasmados na presente informação.”,
cfr. fls. 6 a 10 do processo administrativo PA24.02.05.00078.2012_Viveiro …_Vol. II a fls. 268 (paginação eletrónica).
DD. O Diretor Regional da Administração da Região Hidrográfica do Algarve dirigiu ao 1.º Requerente M…, comunicação datada de 21.05.2021, remetendo-lhe cópia dos despachos de 25.02.2021 e de 20.05.2021, respetivamente lavrados nas Informações n.º I006038- ARHALG.DAF de 20.05.2021 e n.º I000337-ARHALG.DAF, de 11.01.2021, a que se referem as alíneas BB) e Z), cfr. fls. 2 do processo administrativo PA24.02.05.00078.2012_Viveiro 8... _Vol. II a fls. 268 (paginação eletrónica).

EE. O Diretor Regional da Administração da Região Hidrográfica do Algarve dirigiu ao Representante Legal da 2.ª Requerente, P... -LDA. comunicação datada de 21.05.2021, remetendo-lhe cópia do despacho de 20.05.2021, lavrado na Informação n.º I006038-ARHALG.DAF de 20.05.2021, a que se refere a alínea BB), cfr. documento n.º 13 e fls. 11 a 23 do processo administrativo PA24.02.05.00078.2012_Viveiro 8... _Vol. II a fls. 268 (paginação eletrónica).

FF. A 28.05.2021 a 2.ª Requerente, P... -LDA. registou Balancete analítico com o seguinte teor:

«Imagem no original»

(…)”, cfr. documento n.º 15 junto com o requerimento inicial.
GG. Em 09.06.2021 a 2.ª Requerente, P... -LDA. através do seu I. Mandatário requereu a consulta dos processos administrativos dos viveiros sitos na Fuseta, nº ... -T1 e nº 8... . V08-T, cfr. documento n.º 14 junto com o requerimento inicial e fls. 1 do processo administrativo PA24.02.05.00078.2012_Viveiro 8... _Vol. II a fls. 268 (paginação eletrónica).

HH. A 2.ª Requerente, P... -LDA. é titular das Licenças de uso privativo de sete parcelas de terreno do Domínio Público Marítimo, localizadas na Ilha da Fuseta, Ria Formosa, nºs … cfr. documentos 1 a 7 juntos com a oposição da Entidade Requerida.

II. O requerimento da presente providência cautelar foi apresentado no dia 15.06.2021, cfr. fls. 5 (paginação eletrónica).
JJ. Em 19.07.2021 foi instaurada a ação principal correspondente aos presentes autos, a que coube o n.º 410/21.0BELLE, cfr. consulta Sitaf.
*

II.2 Das questões a decidir / Do objecto do Recurso

Conforme já enunciado, importa apreciar e decidir sobre as seguintes questões:
a) da nulidade da decisão recorrida (por omissão) e erro de julgamento de facto;
b) do erro de julgamento de direito quanto à procedência da excepção de ilegitimidade passiva de F... ;
c) do erro de julgamento de direito (vícios do acto suspendendo).

a) Da nulidade da sentença (por omissão) e erro de julgamento de facto
Invocam os Recorrentes que a sentença omitiu a matéria relativa aos elevados prejuízos que sofrem por consequência da anulação das licenças de viveiros em causa, designadamente os factos alegados nos artigos 22º a 44 do requerimento inicial. O que a faz incorrer em nulidade, por omissão de pronúncia, com violação do disposto nos arts. 94º, nº 3, e 95º, nº 1, do CPTA, bem como do art. 615º, nº 1, al. d), do CPC.
Os arts. 94º e 95º do CPTA regem os termos do processo da acção administrativa que não está em causa nos presentes autos, mas sim um processo cautelar.
Em todo o caso, sendo aplicável o art. 615º do CPC ex vi art. 1º do CPTA, o certo é que não ocorre a alegada nulidade.
Dispõe o art.º 615.º do Código de Processo Civil que são causa de nulidade da sentença, para o que aqui interessa:
“1 - É nula a sentença quando:
(…)d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
In casu, o Tribunal a quo após julgar não verificado o requisito relativo ao fumus boni iuiris decidiu que “[c]onsiderando que estão em causa requisitos de natureza cumulativa, fica naturalmente prejudicado o conhecimento dos requisitos do periculum in mora e da ponderação de interesses, respetivamente previstos no n.º 1 e 2 do artigo 120.º do CPTA”.
Como pode ler-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 17/12/2018, Proc. n.º 1 8... 7/14.0TBBCL-F.G1, disponível em www.dgsi.pt :
Os vícios a que se reporta este preceito – omissão e excesso de pronúncia - encontram-se em consonância com o comando do n.º 2 do art. 608º do CPC, em que se prescreve que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”.
Em face do juízo adoptado no sentido da não verificação do requisito fumus boni iuris, comprometendo assim irremediavelmente o decretamento da providência cautelar sem necessidade de ponderar os demais pressupostos previstos no nº 1 (2ª parte) e nº 2 do artigo 120º do CPTA, sempre seriam irrelevantes para a boa decisão da causa os factos atinentes ao critério periculum in mora e ao critério da proporcionalidade e adequação da providência.
Nesse caso o Tribunal a quo considerou prejudicado o conhecimento do alegado quanto ao periculum in mora e ponderação de prejuízos. Se o Tribunal errou no alegado juízo é erro de julgamento e não nulidade por omissão de pronúncia, tanto mais que essa matéria é controvertida, como reconhecem os Recorrentes e o Tribunal a quo em despacho prévio à sentença dispensou a realização de qualquer outra prova, designadamente declarações de parte por suficiência da prova constante dos autos para a decisão.
Pelo que improcede nesta parte.

Vieram ainda os Recorrentes /Requerentes invocar que a sentença errou na decisão da matéria de facto, ao não dar como provado a data de trânsito em julgado da sentença indicada em F) do probatório.
Alegação que ocorre por mero lapso, uma vez que se deu por provado que os autos de inventário e partilha entre os contra-interessados D... e M... transitaram em julgado a 10/05/2019 (alínea R) do probatório).
Aludem também que a sentença declarou provado o teor de comunicações, requerimentos e pareceres, quando deveria apenas dar por provado que tais actos foram praticados. Introduzindo, daquele modo, como factos inquestionáveis meros argumentos das partes ou meros entendimentos da entidade recorrida. Donde devem ser eliminados os factos constantes das alíneas M), P), S), U), W), Z) e BB), na parte em que reproduzem o teor de textos de pareceres, requerimentos e decisões, por contrariar o disposto no art. 94, nº 3, do CPTA.
Ora, a emissão de informações, pareceres e despachos são efectivamente factos na medida em que reflectem o iter e o sucedido nos procedimentos administrativos em causa, seja de concessão / transmissão das licenças seja de anulação administrativa e são relevantes para apuramento dos alegados vícios invocados pelos Recorrentes.
O Tribunal a quo transcreveu os trechos de alguns dos documentos ínsitos no PA que entendeu melhor reflectirem o percurso, fundamentos e processo silogístico das decisões questionadas nos autos, em ordem a aquilatar a sua conformação ao Direito aplicável, máxime, a alínea a), do nº 4 do artigo 168º e nº 3 do artigo 172º do CPA.
Acresce que os mesmos constam dos artigos 1º a 15º da Oposição da APA.
Pelo que também aqui falecem de razão os Recorrentes.

b) do erro de julgamento de direito quanto à improcedência da exceção de ilegitimidade passiva de F...

A este propósito, apresentam os Recorrentes/Requerentes, em síntese, o seguinte argumentário:
- atento o disposto no art. 57 do CPTA, é evidente que F... tem interesse directo na manutenção ou não anulação dos actos de transmissão das licenças – e como tal deve ser declarado parte legítima;
– pois, da anulação resultam consequências graves de responsabilização administrativa (em ulteriores casos), cível e criminal.
Vejamos;
O 2.º Contra-interessado, F... ... alegou a sua ilegitimidade passiva, defendendo que não se verificam os pressupostos para que possa assumir a posição de contra-interessado nos presentes autos, pois não tem interesse em contradizer a acção interposta pelos Requerentes, uma vez que em 15.11.2017 solicitou a transmissão das licenças de exploração para o ora Requerente M…, devendo ser absolvido da instância, por ilegitimidade passiva, nos termos do disposto nos artigos 10.º, n.º 1, 58.º e 89.º, n.º 4, al. e) do CPTA.
A decisão recorrida, nesta parte, teve o seguinte discurso fundamentador:
“Vejamos.
De acordo com o artigo 57.º do CPTA, “Para além da entidade autora do ato impugnado, são obrigatoriamente demandados os contrainteressados a quem o provimento do processo impugnatório possa diretamente prejudicar ou que tenham legítimo interesse na manutenção do ato impugnado e que possam ser identificados em função da relação material em causa ou dos documentos contidos no processo administrativo.”
No caso dos autos, resulta provado que em abril de 2008 foram concedidas ao 2.º Contrainteressado F... ... as licenças de utilização do domínio hídrico n.º …, … e …, relativamente aos estabelecimentos de culturas de bivalves denominados “Viveiro n.º …”, bem como ao “Viveiro n.º ..” e ao “Viveiro n.º …” [cfr. Factos Provados A) a C)]. Resulta também provado que, por sentença homologatória de partilha, no âmbito do processo n.º 117/11.6TMFAR-C do Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo de Família e Menores de Faro – Juiz 3,
Como se referiu, de acordo com o artigo 57.º do CPTA são contrainteressados aqueles “a quem o provimento do processo impugnatório possa diretamente prejudicar ou que tenham legítimo interesse na manutenção do ato impugnado” e, face à transmissão das referidas licenças, F... ... deixou de integrar a relação jurídico administrativa. Com efeito, desde 09.02.2018 que o aqui 2.º Contrainteressado não integra a relação jurídico-administrativa, na medida em que transferiu as licenças em causa para o 1.º Requerente M…. Deste modo, deixando de figurar na relação jurídico-administrativa, não poderá integrar os autos na qualidade de contrainteressado, pois que, em sede administrativa, nenhuma consequência ou prejuízo resultará dessa relação.
Importa aqui ressalvar que, qualquer responsabilidade que eventualmente lhe possa vir a ser assacada, não decorre da relação jurídica administrativa em si (e da qual deixou de fazer parte com a transmissão autorizadas das licenças par ao 1.º Requerente M…). É que as consequências jurídicas resultantes da causa que este poderá vir a sofrer, correspondem, no fundo, a eventual responsabilidade, a qual nunca assumirá a natureza administrativa, mas antes judicial, dado estar em causa uma relação jurídica entre particulares e da qual aqui não cabe cuidar.
Pelo exposto, verifica-se a alegada exceção de ilegitimidade passiva quanto ao 2.º Contrainteressado F... ... , razão pela qual deverá o mesmo ser absolvido da instância (cfr. artigo 89.º, n.º 2 e n.º 4, alínea e) do CPTA), o que se determinará a final.”
Desde já se adianta que será de manter o juízo de ilegitimidade passiva de F... , mas por razões distintas.
Desde logo, estamos em sede de processo cautelar e a este propósito o legislador consagrou no art. 114º nº 3, al. d) do CPTA que no requerimento cautelar devem os requerentes “indicar a identidade e a residência dos contrainteressados a quem a adopção da providência possa directamente prejudicar”.
A questão do interesse a que aludem os Recorrentes sustentada no interesse directo na manutenção ou anulação dos actos de transmissão das licenças, podendo ser relevante para a acção principal, nos termos do citado art. 57º do CPTA, não tem idêntico peso neste processo cautelar. Uma vez que não se vislumbra como possa ser directamente prejudicado com o decretamento da providência, detendo antes um interesse paralelo aos dos Requerentes já que foi quem transmitiu as licenças ao 1º Recorrente e, portanto, ser-lhe-á conveniente que se “paralisem” os efeitos da anulação administrativa suspendenda dos respectivos actos licenciadores, tal como peticionado pelos Recorrentes/Requerentes.
Donde, não tem qualquer aplicação nesta sede, como desenvolvem os citados autores, em anotação ao artº 113º do CPTA”[a] alínea em referência utiliza um conceito de contrainteressado menos amplo do que o que resulta dos artigos 57º e 68º, nº 2, aplicáveis à acão administrativa, o que significa que, dado o carácter provisório da providência cautelar, o legislador entende não ser necessário estender o contraditório a todos os titulares de interesses contrapostos aos do autor no processo principal, na medida em que eles não sejam directamente prejudicados pela adopção de uma providência cautelar” – obra citada p. 989.
Pelo que improcede.

c) Do(s) erro(s) de julgamento de direito

Apreciando as conclusões dos Recorrentes, as questões relativas ao erro de julgamento quanto às ilegalidades apontadas aos actos suspedendos terão uma apreciação conjunta, na medida em que se fundem umas nas outras.
Como decorre dos factos provados, das alíneas A), B) e C), as respectivas licenças estavam em nome de F... para manutenção de estabelecimentos de culturas de bivalves. Após o divórcio da contra-interessada D..., as mesmas licenças passaram a constar dos bens comuns a partilhar, tendo a sentença de homologação da partilha (alínea F) do probatório) atribuído as mesmas à ex-cônjuge mulher. Antes do trânsito em julgado da aludida sentença (alínea R) do probatório) o contra-interessado transmitiu as mesmas ao 1º Recorrente.
Neste contexto, foram proferidos pela Entidade Recorrida /Requerida, os actos suspendendos de 25.02.2021 e de 20.05.2021, ao abrigo do artigo 168.º, n.º 4, alínea a), do Código de Procedimento Administrativo, segundo a qual “[s]alvo se a lei ou o direito da União Europeia prescreverem prazo diferente, os atos constitutivos de direitos podem ser objeto de anulação administrativa no prazo de cinco anos, a contar da data da respetiva emissão, nas seguintes circunstâncias:
a) Quando o respetivo beneficiário tenha utilizado artifício fraudulento com vista à obtenção da sua prática” (realce nosso).
A utilização desse artifício não pode configurar a prática de um crime, porque, desse modo seria aplicável o artigo 161.º, n.º 1, alínea c), do CPA, cominando ao acto o desvalor da nulidade e não da anulabilidade.
Confrontando a disposição do artigo 161.º, n.º 1, alínea c), com a disposição do artigo 168.º, n.º 4, alínea a), ambos do CPA, ALEXANDRE SOUSA PINHEIRO, TIAGO SERRÃO, MARCO CALDEIRA e JOSÉ DUARTE COIMBRA referem que “a única via de compatibilizar as duas disposições (que, tomadas à letra, podem, de facto, ser parcialmente conflituantes) passa por interpretar restritivamente (ou teleologicamente) a alínea a) do n.º 4 do artigo 168.º e entender que, quando o legislador fala aí de ‹‹artifício fraudulento››, não está a empregar uma linguagem técnico-juridicamente rigorosa e não está, portanto, a reportar-se à fraude, em qualquer uma das suas modalidades legalmente tipificadas em sede penal, referindo-se antes a ‹‹artifício fraudulento›› em sentido figurado, enquanto ardil do interessado para induzir a Administração Pública em erro e obter um resultado que, de outro modo, não lhe seria possível alcançar” - Questões fundamentais para a aplicação do CPA, Coimbra, Almedina, 2016, pp. 250-251.
Não é, por isso, irrelevante apurar se a comunhão dos estabelecimentos inclui as licenças de exploração, ao contrário do que alegam os Recorrentes, uma vez que esse é o cerne do litígio.
Para os Recorrentes as licenças são bens pessoais e independentes do estabelecimento.
Porém, conforme consta do mapa de partilhas tais licenças integravam o estabelecimento e como tal o património comum do casal a partilhar.
Em causa está somente as licenças 8... e 1 ... (alíneas A) e B) do probatório), uma vez que quanto à 1… foi indeferida a passagem de titularidade para a contra-interessada D... , de acordo com o princípio da ponderação de interesses e ainda da tutela da confiança – vide alíneas BB) e CC) do probatório.
Por outro lado, independentemente do negócio jurídico particular quanto aos estabelecimentos em que são utilizadas as respectivas licenças, o certo é que a co-Recorrente P… não é titular de qualquer das licenças 8... e 1 ..., uma vez que face ao disposto no artº 2º-A, nº 1 do DL 46/2016, de 18 de Agosto, na redação actual, o estabelecimento de exploração de viveiros em domínio público marítimo não se transmite por acto privado, pois carece sempre de prévia autorização administrativa", sob cominação de nulidade.
É o título que permite o funcionamento do estabelecimento em DPH que carece de autorização. O estabelecimento transmite-se por acto, contrato ou determinação legal ou judicial no domínio civil.
A este propósito alude-se na sentença recorrida:
“(…) Não podemos deixar de fazer notar que, se por um lado os Requerentes se insurgem contra a sentença homologatória de partilha referindo designadamente que
“Não há transmissão das licenças por ato ou contrato civil e, por conseguinte, não a há por decisão judicial cível comum.” (cfr. artigo 72.º do requerimento inicial), não se compreende como depois pretendem dela retirar o efeito de que há um reconhecimento da inexistência de estabelecimentos, quando tal como referido nas informações em que se baseiam os atos suspendendo, a mesma não tratou dessa matéria.
Acontece, porém, que independentemente dessa classificação, a verdade é que tal sentença determinou a atribuição das verbas 7, 8 e 9 a D... correspondentes às licenças n.º 8…, 1… e 1…, respetivamente [cfr. Factos Provados F), G) e H)], tendo transitado em julgado [cfr. Facto Provado R)], e que, tomando disso conhecimento, a Administração, obrigada ao cumprimento do princípio da legalidade, decidiu atuar para reposição e reintegração da legalidade.
Não se afigura aqui de relevar o entendimento defendido pelos Requerentes, no sentido de que tal partilha, inserida no âmbito de relações particulares, mormente entre D... e F... , não deve relevar para efeitos administrativos. Com efeito, do que se trata é de um procedimento de autorização expressamente previsto pelo artigo 72.º da Lei n.º 58/2005, de 29 de dezembro, mas como é evidente, a atuação da Administração face aos pedidos dos administrados deve compaginar-se com as demais regras de direito privado. Isto para dizer que, face à prolação e conhecimento da sentença homologatória de partilha bem andou a Administração ao analisar os procedimentos até então realizados e a intervir, no caso, através da anulação administrativa.
Diga-se, ainda que, quanto à alegação de que a “Administração não pode anular o ato oficiosamente, por falta absoluta de interesse: trata-se de mera questão privada, consubstanciada no eventual direito de propriedade de M… a um hipotético estabelecimento de cultura marinha. E não pode anular por via de procedimento, porque não foi instaurado” (cfr. artigo 74.º do requerimento inicial), também não se afigura existir razão aos Requerentes. O que a Administração logrou fazer foi a coordenação entre a sua atuação e a realidade jurídica dos administrados, concretamente em face do conhecimento da existência de sentença homologatória de partilha, respeitante às licenças n.º 8…, 1… e 1.. e, desde, logo porque se encontra obrigada pelo princípio da legalidade (cfr. artigo 3.º do CPA e artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa) e não por atuar a seu belo prazer ou no interesse particular de um dos administrados.
Mas aduzem ainda os Requerentes que ainda que existisse estabelecimento, jamais seria a anulação a solução de direito pois quando se dá a transmissão para M…, F... ... era o proprietário ou titular inscrito dos estabelecimentos, na medida em que o inventário não havia transitado em julgado.
Todavia, mais uma vez sem razão. É que, tal como consignado no projeto de decisão, consubstanciado na Informação n.º: I010245ARHALG.DAF de 31.08.2020 [cfr. Facto Provado W)]:
“(…) Com o decretamento do divórcio cessam os poderes de administração conferidos pelo artº 1682º, nº 2 do C.C., passando a aplicar-se, com as devidas adaptações, o seu Capítulo VIII e, supletivamente, o regime da compropriedade (C.C., artigos 1788º, 1789º-1 e 1404º).
Com exceção das situações previstas no artº 2090º do C.C., ao administrador do património indiviso que resulta da dissolução do casamento está vedada a prática de atos de oneração ou disposição sobre bens comuns sem o consentimento do ex-cônjuge (C.C., artºs 1788º e 2091º-1), designadamente e no que ao caso interessa os direitos conferidos pelas licenças nº 8... V08, nº 0 ... e nº ... , sob pena de nulidade do negócio jurídico (C.C., artºs 1404º, 1408º-2 e 892º).
Trata-se da nulidade do(s) ato(s) jurídico(s) firmado(s) entre o cedente e o cessionário e não do(s) acto(s) administrativo(s) que o(s) autorizou(aram), mas que não deixa de neste(s) se reflectir.
À data em que foram apresentados os requerimentos para transmissão dos TUPDPM já se encontrada dissolvida há vários anos a relação matrimonial entre F... ... e ... e, inclusivamente, já haviam a esta sido atribuídos os viveiros 8... , 107 e 1038 por Sentença homologatória de 16/2/2017 em processo de inventário e partilham então ainda não transitado em julgado.
F... ... submeteu os requerimentos de autorização para a transmissão dos TUPDPM sonegando à entidade administrativa aquelas informações sobre a alteração do seu estado civil e regime patrimonial, mormente no que aos viveiros respeita, determinantes para o sentido do acto a proferir, visando a obtenção de um resultado que, de outro modo, não alcançaria.
(…)
No caso em apreço, na ausência de poderes de disposição do titular originário da licença n.º 00 8... V08, poder-se-ia, quanto muito, questionar a licitude do acto que autorizou a transmissão, por não ter conteúdo legalmente impossível, mas por falta de legitimidade de pedir do concessionário.
Todavia,
Com efeito, estivesse a APA a par daqueles factos e não teria deferido os pedidos sem autorização do ex-cônjuge de F... ... , por falta de legitimidade do requerente para, per si, solicitar a transmissão. (…)” (destaque nosso).
Ademais, no mesmo sentido e como consta da informação em que assenta a decisão suspendenda de 25.02.2021:
“(…) Decretado o divórcio, todos os bens (que não sejam exceptuados por lei), corpóreos e imateriais, adquiridos na pendência do casamento passam a pertencer ao património indiviso dos ex-cônjuges (Código Civil, 1724.º), inter alia, os estabelecimentos de cultura biogenéticas (viveiros n.º 8..., n.º ... e n.º 1...).
O estabelecimento carateriza-se por uma universalidade de facto e de direito organizada em ordem a uma actividade económica e destino comercial, industrial ou agrícola, de prestação de serviço, ou outro fim empresarial ilícito.
Não obstante constituir uma universalidade, com uma individualidade económica própria no seu conjunto, as coisas singulares que integram o estabelecimento podem ser individualmente objecto de relações jurídicas próprias.
É o caso das licenças de utilização privativa de DPM (e demais licenças administrativas) que, enquanto elementos essenciais da sua estrutura orgânica e funcional, sem as quais não poderão funcionar, integram os estabelecimentos em causa.
Para além do acto ou contrato quanto à transmissão do estabelecimento ou algum dos seus elementos, segundo as regras de direito privado, a transmissão da licença exige um acto, sob a égide do direito público, que promova a alteração da relação jurídica estabelecida entre a Administração e o titular, a cargo da entidade administrativa que tutele o DPM.
É assim bem de ver que a transmissão do estabelecimento não engloba automaticamente a transmissão da licença e, bem assim, que a transmissão da licença, agregada ou não à transmissão do estabelecimento, é um processo que envolve actos cumulativos de natureza e regimes diversos. (destaque nosso).
Ora, como bem notou a P... -o acervo patrimonial comum do ex-casal manteve-se em comum e indiviso até ao trânsito em julgado da sentença homologatória de partilha, pelo que, nessa circunstância, à data dos factos nenhum dos ex-cônjuges detinha poderes para, sem o consentimento do outro, praticar actos de dissolução sobre qualquer um dos bens comuns (Código Civil, art.ºs 1788.º e 2091.º-1), sob pena de nulidade do negócio jurídico (Código civil, art.ºs 1404.º, 1408.º-2 e 892.º).
Designadamente e no que ao caso interessa, poderes de disposição sobre as licenças de uso privativo das parcelas de terreno do DPM, identificadas por viveiros nº 8... , nº 0 ... e nº ... , que, se bem que sujeitas a regime substantivo e procedimental diverso, não perdem por isso a natureza de bens patrimoniais, nem deixam de integrar os respetivos estabelecimentos.
E que, se adquiridos na pendência do casamento, passaram, no caso concreto e após o divórcio, a integrar o acervo patrimonial indiviso do dissolvido casal, ficando sujeitos, como os demais bens comuns, ao regime de administração conjunta previsto no Código Civil.
É que as licenças de uso privativo em apreço não foram concedidas intuitu personae; não se encontra no respetivo regime qualquer referência a um especial estatuto ou qualidade subjetiva do titular de que dependa a sua atribuição.
Atenta a situação de indivisão dos bens do dissolvido casal à data dos requerimentos que formulou, Francisco Gomes M... não detinha legitimidade para, per si, requerer e obter autorização para a transmissão das licenças em referência em face do disposto nos artigos 1788º, 2091º, 1404º e 1408º do Código Civil e artº 68º do CPA.
O que inquina todo o procedimento ab initio.
Motivo que levou à proposta de decisão de anulação administrativa dos actos de autorização de transmissão das licenças de utilização privativa do Domínio Público Marítimo n.º 8... V.., n.º 0 ... e n.º ... praticados em 09/02/2018, ao abrigo da alínea a), do n.º 4 do artigo 168.º-1 do CPA (…)” [cfr. Facto Provado Z)].
Deste modo, tal como resulta das informações em que assenta a decisão suspendenda, datada de 25.02.2021, no sentido da anulação dos atos que autorizaram a transmissão das licenças n.º 8... V08 e n.º ... , de F... para M... , datados de 09.02.2018, mesmo antes do trânsito em julgado da aludida sentença homologatória de partilha, a verdade é que à data do pedido de transmissão (cfr. 15.11.2017) bem como à data de autorização da transmissão de licenças (09.02.2018), sempre aquelas integravam património indiviso do casal [já atribuído a D... , desde 15.02.2017, ainda que tal decisão não tivesse transitado em julgado – cfr. Factos Provados F), I), J) e K)] pelo que o que verdadeiramente o que está em causa é a legitimidade para a transmissão.
Como expressa a Entidade Requerida, “Estivesse a APA a par daqueles factos e não teria deferido os pedidos sem autorização do ex-cônjuge de F... ... , por falta de legitimidade do requerente para, per si, solicitar a transmissão, já que a ilegitimidade procedimental do requerente, por falta de capacidade dispositiva para obter o ato peticionado, obsta à tomada de decisão sobre o objeto do pedido (CPA, art.º 109º).” [cfr. Facto Provado Z)].
(…)
Ainda assim, acontece que 3 (três) anos após (15.11.2017), este realiza pedido de transmissão das licenças para M... , bem sabendo que já havia sido proferida sentença homologatória de partilha que as incluía e atribuía a D... , datada de 15.02.2017 (embora a essa data ainda não transitada) e sem que disso desse conhecimento à Administração, mormente quanto ao desfecho do alegado dissídio. Por outro lado, se a Administração poderia ter sido mais diligente quanto a este aspeto, a verdade é que não se afigura que se trate de elemento que a lei imponha analisar para deferimento dos pedidos em causa, com o que se mostra razoável o recurso à figura da anulação administrativa, nos termos do artigo 163.º, n.º 4, alínea a) do CPA para a reposição da legalidade, designadamente em conformidade com a sentença homologatória de partilha, transitada em julgado em 10.05.2019.
Alegam ainda os Requerentes que só há nulidade, sob convalidação, se o vendedor não tiver legitimidade para fazer o negócio (cfr. artigo 892.º do Código Civil) e que, no caso, F... era o titular das licenças, enquanto tal reconhecido pela Entidade Requerida. Porém, como vimos, face ao conhecimento, por parte da Entidade Requerida da sentença homologatória de partilha e dos seus termos, impunha-se a atuação administrativa para reintegração da legalidade, sendo certo que a aferição dos litígios e responsabilidades decorrentes das transmissões entre as partes, não caberá, como já se referiu, nesta sede.
Assim, e em suma, considerando que a Entidade Requerida atuou para reintegração da legalidade e nos moldes acima analisados, não se vislumbra, ainda que de forma indiciária e perfunctória, a probabilidade da procedência dos vícios imputados pelos Requerentes aos atos suspendendos, concluindo-se pela não verificação do requisito do fumus boni iuris previsto no artigo 120.º, n.º 1 do CPTA.”

O assim decidido é de manter.
Como decorre do artigo 120.º, n.º 1, do CPTA, as providências cautelares são adoptadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.
Para adopção da providência, como se vê, impõe-se a verificação, cumulativa, dos requisitos do periculum in mora e do fumus boni iuris, traduzidos no referido fundado receio, e na formulação de um juízo de probabilidade de procedência da pretensão de fundo, formulada ou a formular no processo principal.
Caso se verifiquem estes dois requisitos, o tribunal terá ainda de proceder ao juízo relativo à ponderação dos interesses públicos e privados em presença, previsto no artigo 120.º, n.º 2, do CPTA, que poderá determinar a recusa da providência quando, num juízo de proporcionalidade, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências.
No caso, o Tribunal a quo considerou que não estava verificado o fumus boni iuris, o que levou ao indeferimento da tutela cautelar.
Contra o assim decidido, se insurgem os Recorrentes designadamente por entenderem que a sentença recorrida violou o disposto no art. 619, nº 1 do CPC/ao aplicar ao caso dos autos decisão que, à data da transmissão das licenças de F... para M... , não estava transitada em julgado. Justificando que a sentença de homologação da partilha, datada de 2017, apenas transitou em julgado em 2019 e, nesta data, já F... havia transmitido as licenças a M... – vide factos provados I), J) e K) – a transmissão para M... ocorreu por decisão proferida a 09/08/2018.
Acontece que ao processo judicial em causa aplicam-se normas específicas como seja a do artigo 1384.º (na versão do CPC precedente à Lei nº 41/2012):
Entrega de bens antes de a sentença passar em julgado
1 - Se algum dos interessados quiser receber os bens que lhe tenham cabido em partilha, antes de a sentença passar em julgado, observar-se-á o seguinte:
a) No título que se passe para o registo e posse dos bens imóveis declarar-se-á que a sentença não passou em julgado, não podendo o conservador registar a transmissão sem mencionar essa circunstância;
b) Os papéis de crédito sujeitos a averbamento são averbados pela entidade competente com a declaração de que o interessado não pode dispor deles enquanto a sentença não passar em julgado;
c) Quaisquer outros bens só são entregues se o interessado prestar caução, que não compreende os rendimentos, juros e dividendos.

2 - Se o inventário prosseguir quanto a alguns bens por se reconhecer desde logo que devem ser relacionados, mas subsistirem dúvidas quanto à falta de bens a conferir, o conferente não recebe os que lhe couberem em partilha sem prestar caução ao valor daqueles a que não terá direito se a questão vier a ser decidida contra ele.
3 - As declarações feitas no registo ou no averbamento produzem o mesmo efeito que o registo das acções. Este efeito subsiste enquanto, por despacho judicial, não for declarado extinto”.

Por outro lado, segundo o artigo 1404.º do mesmo Código:
“Inventário em consequência de separação, divórcio, declaração de nulidade ou anulação de casamento
1 - Decretada a separação judicial de pessoas e bens ou o divórcio, ou declarado nulo ou anulado o casamento, qualquer dos cônjuges pode requerer inventário para partilha dos bens, salvo se o regime de bens do casamento for o de separação.
2 - As funções de cabeça-de-casal incumbem ao cônjuge mais velho.
3 - O inventário corre por apenso ao processo de separação, divórcio, declaração de nulidade ou anulação e segue os termos prescritos nas secções anteriores”.

Da conexão dos citados preceitos há que ter em conta o regime especial, não se podendo confundir os poderes enquanto cabeça de casal com os do titular de bens próprios, já que, ao contrário do que alegam os Recorrentes, não se verifica qualquer das situações da alínea c) do art. 1733º do CC, ou seja, os bens pessoais relativos a usufruto, o uso ou habitação, e demais direitos estritamente pessoais.
Tanto mais que foram elencados nos bens comuns do casal a partilhar como um todo “estabelecimento e licença”.
Se bem que os bens do domínio público possam em condições especifica e legalmente previstas serem usufruídos e titulados por particulares, é certo que como na alínea d) do artigo 688º do Código civil desde há muito dispõe que pode ser hipotecado o “direito resultante de concessões em bens do domínio público, observadas as disposições legais relativas à transmissão dos direitos concedidos, em termos análogos, a alínea d) do n.º 1 do artigo 668º do Código civil prevê a hipoteca do direito de superfície.
No caso em apreço, ao contrário do que pretendem os Recorrentes, é impossível dissociar as licenças nºs 8... e 1 ... de exploração do estabelecimento das instalações onde a mesma é usada, “[r]efira-se ainda que as obras construídas e as instalações fixas que se situem em terreno do domínio público cujo título de utilização seja objeto de transmissão também são transmitidos, visto que são indissociáveis do domínio público e necessários à atividade realizada” - vide Alexandra leitão in https://www.icjp.pt/sites/default/files/media/direito_da_agua_-_a_utilizacao_do_dominio_publico_hidrico_por_particulares.pdf p.21

Como se alude na sentença recorrida o casamento dos contra-interessados foi dissolvido por divórcio (art. 1788º do Código Civil). O divórcio realiza um efeito geral: dissolve o casamento e produz, em princípio, os efeitos correspondentes à morte de um ou de ambos os cônjuges, pois que essa dissolução opera a cessação das relações patrimoniais entre os cônjuges (arts. 1788º e 1688º do Código Civil).
O divórcio, que determina a cessação da generalidade das relações patrimoniais entre os ex-cônjuges, implica a partilha do casal, na qual, em princípio, cada um dos cônjuges recebe os seus bens próprios e a sua meação nos bens comuns, se os houver (art. 1689º, nº 1 do Código Civil).
As relações patrimoniais entre os cônjuges cessam, pois, pela dissolução do casamento ou pela separação judicial de pessoas e bens (arts. 1688º e 1795º-A do Código Civil). Cessadas as relações patrimoniais entre os cônjuges, procede-se à partilha dos bens do casal (art. 1689º, nº 1 do Código Civil).
Cada cônjuge receberá na partilha os bens próprios e a sua meação no património comum, conferindo previamente o que dever a esse património (art. 1689º, nº 1 do Código Civil).
A lei faz retroagir os efeitos do divórcio, no tocante às relações patrimoniais entre os cônjuges, à data da proposição da acção de divórcio ou mesmo à data da cessação da coabitação entre ambos, embora neste último caso, só a requerimento de qualquer dos cônjuges (artº 1789 nºs 1 e 2 do Código Civil).
Com a retroatividade quer-se evitar o prejuízo de um dos cônjuges pelos actos de insensatez, prodigalidade ou de pura vingança que o outro venha a praticar desde a propositura da acção sobre valores do património comum – vide Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Coimbra Editora, 1992, Volume IV, pág. 561.
Ou seja, de forma a evitar o sucedido, na medida em que no ínterim entre a sentença de partilha e o trânsito em julgado da mesma, o contra-interessado F... transmitiu as licenças a M... – vide factos provados I), J) e K) –, cuja transmissão foi autorizada pela Entidade Recorrida por decisão proferida a 09/08/2018.
É, pois, inquestionável que quando F... requereu a transmissão das licenças – que integravam os bens comuns e constava dos lote dos bens a partilhar - não só não dispunha de poderes de oneração ou alienação das mesmas, mas somente de mera gestão, como cabeça de casal, como sabia que existia já uma sentença – que ainda não transitada em julgado – integrava tais bens no património da sua ex-mulher D….
A comunhão conjugal constitui um património de mão comum ou propriedade colectiva. Trata-se de uma situação jurídica que, manifestamente, não cabe na compropriedade dela se distinguindo de forma clara e inequívoca. Essa distinção assenta, além do mais, no facto de os direitos dos contitulares não incidir sobre cada um dos elementos que constituem o património - mas sobre todo ele, como um todo unitário. Aos titulares do património colectivo não pertencem direitos específicos - designadamente uma quota - sobre cada um dos bens que integram o património global, não lhes sendo lícito dispor desses bens ou onerá-los, total ou parcialmente. Na partilha dos bens destinada a pôr fim à comunhão, os respectivos titulares apenas têm direito a uma fracção ideal do conjunto, não podendo exigir que essa fracção seja integrada por determinados bens ou por uma quota em cada bem concreto objecto da partilha. O que bem se compreende, visto que existe um direito único sobre todo o património. Cfr. Pires de Lima, Enciclopédia Verbo, comunhão e Ac. da RP de 19.04.83, CJ VII, II, pág. 259.
Donde, quando o contra-interessado F... requereu a transmissão das licenças relativas aos estabelecimentos constante das alíneas A), B), e C), bem sabia – até porque como consta da decisão recorrida – a adjudicação dos bens à sua ex-mulher ficou a dever-se de este não ter pago as tornas pelos mesmos, logo com a intenção de ficar com esses bens.
Tendo requerido a transmissão já depois da sentença de partilha de bens em que os mesmos foram adjudicados à sua ex-mulher, não podendo desconhecer que tal como constava da relação de bens – este era um bem comum a partilhar e não um bem próprio.
Não é possível ignorar que F... , transmitente e requerente dos actos autorizativos, foi também beneficiário do acto de autorização da transmissão dos estabelecimentos e, nessa medida, usou de um artifício omitindo informação quanto à situação da partilha dos bens.
O que configura o pressuposto do art. 168º, nº 4, alínea a) do CPA.

Invocam ainda os Recorrentes que a APA não estava em erro, porquanto não precisa de saber do estado civil do transmitente, mas precisa de saber se o transmitente o pode fazer.
Ora, foi exactamente por o transmitente F... estar legalmente impossibilitado de transmitir a aludida licença, em conjunto com o estabelecimento que titula, não tendo a APA forma de o saber sem ser ou por denúncia, como fez a contra-interessada, ou informação do próprio, o que não ocorreu.
A valer a tese dos Recorrentes estava encontrada a fórmula para que os titulares de licença pudessem negociar as mesmas e requerer a sua transmissão ainda que não detivessem poderes para tal.
Tudo sopesado, as licenças concedidas inicialmente ao contra-interessado conforme consta do respectivo título destinam-se ao estabelecimento de ostras - vide alíneas A), B) e C do probatório – designação que consta do mapa de partilha de bens comuns, de que F... era o cabeça de casal, devendo administrar e não onerar ou alienar.
Por último, a co-Recorrente P... -não sendo titular de qualquer licença não poderia explorar o aludido estabelecimento. Donde através dos actos suspendendo não foi afectado qualquer direito desta.
O Tribunal a quo não desconsiderou os interesses do Recorrente M... , entendeu somente que os mesmos não poderiam ser protegidos através do presente processo cautelar, aduzindo no final da sentença recorrida:
Por fim, (…) de nada releva a situação da 1.ª Contrainteressada, a quem foram atribuídas as licenças, por decisão judicial já transitada em julgado, sendo que nesta matéria, nada impede que os Requerentes venham a considerar a possibilidade de entendimento com a titular das licenças em causa. Nada impede, igualmente que, se assim o entenderem, venham a defender a sua posição jurídica em sede de responsabilidade civil extracontratual”.
Ou, acrescentamos nós, façam repercutir sobre o contra-interessado, o cedente das respectivas licenças, as devidas responsabilidades e consequências.
Justificam, por fim, os Recorrentes que a sentença recorrida relativamente ao recorrente M... , se violou o disposto no art. 163ª do CPA quanto a anulação administrativa, que como tal deve ser revogada.
O aludido artigo 163º do CPA regula o regime de invalidade dos actos administrativos e as condições em que pode ser judicialmente declarada a nulidade ou anulados os mesmos.
O que não se confunde com o procedimento de anulação administrativa que se rege pelos artigos 166º e segs. do CPA, em específico o artigo 168º do mesmo Código.
Tudo sopesado, carecem os Recorrentes de razão, pelo que ter-se-á de negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
O que se decidirá a final.
*

III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e, em consequência, manter a sentença recorrida.
Custas a cargo dos Recorrentes.
R.N.
Lisboa, 06 de Janeiro de 2022
Ana Cristina Lameira (Relatora)
Ricardo Ferreira Leite
Catarina Jarmela