Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:5841/12.3BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:05/26/2022
Relator:ANA CRISTINA DE CARVALHO
Descritores:IRC
PROVISÕES
RISCO DE INCOBRABILIDADE
Sumário:Constituem custos com relevância fiscal as provisões que tiverem por fim a cobertura de crédito resultantes da actividade normal relativamente aos quais no fim do exercício ocorra risco de incobrabilidade e sejam evidenciados como tal na contabilidade.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

l - RELATÓRIO

A Fazenda Pública, inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a impugnação judicial que E…, S.A, melhor identificada nos autos, deduziu contra a liquidação adicional de IRC, referente ao exercício de 1994, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional.

Em sede de alegações, concluiu a Recorrente do seguinte modo:

« I. Salvo o devido respeito, que é muito, entendemos que a douta sentença recorrida fez uma errada interpretação quer dos factos dados como provados, atentos os elementos probatórios constantes dos autos, quer do direito aplicável, o que consubstancia erro de julgamento.

II. Os fundamentos do acto tributário impugnando são os que constam no quadro 22 do Mapa de Apuramento Mod. DC - 22 e que se traduz no seguinte: "Q 20 L 7 - Não acresceu o montante de 30.954.399$00 referente a provisões para créditos de cobrança duvidosa para além dos limites referidos no n° 2 do art° 34º do CIRC (anexos 14 a 17)";

III. Pelo que, os factos constantes do anexo 14 constituem também fundamento do acto tributário, constando deste anexo que: "A empresa (impugnante) constituiu em 1994 uma provisão de 30.954.399 referente a créditos sobre aquela entidade, a saber:

9.733.803$00X0%= $00

20.039.045$50X25%= 5.009.761$00
40.553.057$00 X 50% = 20.276.529$00

7.557.479$00 X 75%= 5.668.109$00
77.883.385$00 30.954.399$00

Em 22/09/94 a E… reclama junto do cliente apenas um valor a receber no montante de 4.260.669$00, que resulta de um encontro de contas entre os valores a pagar e a receber da S… (ver diligências - anexos 15 a 17). Refira-se que a S… é simultaneamente Fornecedor e Cliente.

Saliente-se também que o valor reclamado de 4.260.669$70 tem já em conta o Aviso de Lançamento n°47.011 na importância de 9.121.004$00, de 31/08/94, crédito que estando em mora há menos de 6 meses não foi considerado pela empresa como de cobrança duvidosa para efeitos do calculo da provisão, de acordo com o n°1 do art°34° do CIRC.

Assim, se aos créditos da E… sobre a S…, reclamados, no montante de 69.647.891$00 retirarmos o valor daquele aviso de lançamento no montante de 9.121.004$00, os mesmos são inferiores aos débitos da E… à S… (no montante de 65.387.221$30), pelo que não havendo qualquer risco de incobrabilidade, não podem ser considerados de cobrança duvidosa (n°1 do artº34° do CIRC).

Assim, o valor da provisão constituída neste exercício, no montante de 30.954.399$00, não pode ser aceite como custo para efeitos fiscais nos termos dos art°33° e 34° do CIRC."

IV. Assim, contrariamente ao que se conclui na douta sentença recorrida, não resulta que as correcções efectuadas tivessem como suporte quer de facto, quer de direito, que a existência de um consórcio impedia a constituição da provisão.

V. A decisão proferida em sede de Reclamação Graciosa apenas teve em consideração os factos que fundamentaram a correcção e que constam da fundamentação contemporânea ao mesmo, tendo-se concluído na mesma após análise dos factos alegados pela reclamante, ora impugnante que: «Da análise da reclamação somos a concluir que bem esteve a DSPIT ao introduzir as ditas correcções ao lucro tributável declarado, porque nada está alterado, como se disse, em termos de matéria de facto.

Salvo melhor opinião, a Reclamação deve ser considerada improcedente. (...).».

VI. Entende a douta sentença recorrida que no caso em apreço não havia lugar ao direito de retenção e como tal não pode acolher o entendimento da Administração Fiscal quando faz assentar, a inexistência de qualquer risco de incobrabilidade, nas relações existentes entre a impugnante e a S…, no que concerne aos créditos e débitos existentes entre elas;

VII. Tal como na sentença recorrida, entendemos que no caso em apreço não havia lugar ao direito de retenção, até porque, não se encontram reunidos os requisitos dos art°754° e ss. do Código Civil, no entanto, não podemos concordar com a conclusão que a douta sentença recorrida extrai desse facto;

VIII. Na verdade, atentos os factos dados como provados e os fundamentos que serviram de base ao facto tributário, verificamos que a impugnante lançou mão da figura jurídica da compensação prevista nos art°s 847° e ss. do Código Civil;

IX. Tendo dessa forma procedido ao acerto de contas entre o deve e o haver por parte da S…, sendo que tal realidade se encontra devidamente comprovada através do fax dirigido pela impugnante E… à sua credora/devedora S…, al. J) do probatório;

X. Pelo que, atento o disposto no artº848° do Código Civil a compensação/acerto de contas tornou-se efectiva com o envio e recepção da referida carta, em Novembro de 1994;

XI. Ora, verificando-se que de acordo com a compensação efectuada a impugnante apenas tinha a haver da S… o montante de 4.260.669$00, em Novembro de 1994. Não podia a mesma em 31 de Dezembro de 1994, ter constituído uma provisão para créditos de cobrança duvidosa no montante de 30.954.399$00.

XII. Acresce que, tendo o acerto de contas sido efectuado em Novembro de 1994 e no mesmo constarem créditos constituídos apenas em Setembro de 1994, conforme resulta dos documentos que constituem os anexos 14 a 17 do Mapa de Apuramento Mod. DC - 22, no montante de 9.121.004$00, os quais em Dezembro de 1994 ainda não reuniam os requisitos da al. c) do n°1 do artº34° do CIRC, não se verificava, tal como concluíram os Serviços de Inspecção Tributária, a existência de risco de incobrabilidade.

XIII. Salvo o devido respeito, não podemos concordar com a douta sentença recorrida, quando considera que os referidos créditos se encontravam evidenciados na contabilidade e que tal facto foi reconhecido pela Administração Fiscal.

XIV. Na verdade, embora a Administração Fiscal tenha verificado que os referidos créditos se encontravam descritos no balancete que constitui o anexo 17 do Mapa de Apuramento Mod. DC - 22 e se a tais créditos aplicarmos as taxas a que se refere o art°34° do CIRC, teremos uma provisão no montante indicado. No entanto, conforme se verifica através da análise ao mapa resumo das provisões, com referencia a Dezembro de 2004, o qual constitui o anexo 16 do Mapa de Apuramento Mod. DC - 22, tais valores não se encontram evidenciados.

XV. Não se encontrando também evidenciados na conta de clientes de cobrança duvidosa (conta 218), atento o alegado pela impugnante nos artigos 50 e 51 da p.i..

XVI. Face ao exposto verifica-se que a douta sentença recorrida, incorreu em erro de julgamento, tendo violado o disposto nos arts 33° e 34°, ambos do CIRC, pelo que deve a mesma ser revogada».

A Recorrida, E…, S.A contra-alegou apresentando as seguintes conclusões:

«A sentença recorrida julgou totalmente procedente a impugnação judicial deduzida contra o ato tributário consubstanciado na liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n°1997 8310014274, datada de 3.07.1997, respeitante ao exercício de 1994, dando por provada, contrariamente ao alegado pela administração tributária, a verificação dos requisitos legais previstos nos artigos 33.° e 34.° do Código do IRC (atuais artigos 35.° e 36.°), para a dedução como custo fiscal de uma provisão respeitante a créditos de cobrança duvidosa, no montante de 30.954.399$00 (€ 154.399,89), constituída pela Recorrida para fazer face ao risco de incobrabilidade dos créditos detidos sobre a S…;

2.a Improcede o presente recurso, em virtude de se não verificar qualquer erro de julgamento no que toca à prova da verificação dos requisitos em apreço dos quais depende a dedutibilidade como custo fiscal da provisão para créditos de cobrança duvidosa constituída pela Recorrida no exercício de 1994, quais sejam, a existência de risco de incobrabilidade e a evidência contabilística dos créditos provisionados;

Invocando, desde logo, a Ilustre Representante da Fazenda Pública que o Tribunal a quo fez uma errada interpretação dos factos dados como provados no caso em apreço, porque "(...) não resulta que as correcções efectuadas tivessem como suporte (...) que a existência de um consórcio impedia a constituição da provisão (...)", não se descortina qualquer erro de julgamento de facto em que tenha incorrido o Tribunal recorrido, porquanto a sentença sob análise teve bem presentes os fundamentos invocados pela administração tributária para proceder à correcção à matéria colectável em crise nos autos;

4.a Arguindo-se nas doutas alegações de recurso que incorreu a sentença a quo em erro de julgamento de facto e de direito por não ter levado em consideração a circunstância de ter alegadamente operado a compensação entre os créditos provisionados e os débitos da Recorrida à S…, por força da qual se verificaria a inexistência do risco de incobrabilidade, resulta evidente não se verificar qualquer erro de julgamento, na medida em que a correcção em crise não se fundou sequer na verificação de tal compensação, mas na mera existência de contra crédito, a que acresce o facto de a aludida compensação não ter operado, por não se encontrarem reunidos os respectivos pressupostos legais estabelecidos no artigo 847° do Código Civil;

5.a Com efeito, considerou o Tribunal recorrido, e bem, não se verificar reciprocidade entre os créditos da Recorrida e da S…, o que impede a compensação entre os mesmos, porquanto resulta dos artigos 6°, n°4, alínea e) e 9.°, ambos do contrato de consórcio celebrado entre aquelas entidades, que o crédito da Recorrida sobre a S… decorria da relação contratual e da facturação ao cliente dono da obra, razão pela qual o responsável pelo cumprimento do crédito em causa era uma entidade terceira;

6.a No que respeita à evidência contabilística dos créditos provisionados, não se compreende a motivação do recurso ao considerar incorrer a sentença recorrida em erro de julgamento pelo facto de, não obstante os créditos em crise se encontrarem descritos no balancete que constitui o anexo 17 do Mapa de Apuramento da Modelo DC - 22, não constarem do mapa resumo das provisões que constitui o Anexo 16 daquele mapa, assim como por não se encontrarem evidenciados na conta de clientes de cobrança duvidosa (conta 218);

7.ª Na verdade, contrariamente ao afirmado pela Ilustre Representante da Fazenda Pública, a evidência dos créditos consta precisamente e explicitamente do Anexo 16 ao documento de correcção, ou seja, o balancete por antiguidade de saldos que foi analisado pela administração tributária e se encontra junto aos autos, mais não exigindo o artigo 33° do Código do IRC (actual artigo 35.°) que os créditos considerados de cobrança duvidosa "sejam evidenciados na contabilidade ";

8.a Conclui-se, pois, que bem andou o Tribunal a quo ao considerar encontrar-se provada a evidência contabilística dos créditos, na medida em que "(...) Do balancete enviado, constata-se que a S… tinha para com a E…, em 31 Dez 1994, o seguinte valor de créditos em mora Esc: 77.883.385$00, aos quais corresponde uma provisão de 30 954 399$00 aplicadas as taxas conformes. (...) ", conforme, aliás, expressamente reconhece a administração tributária na decisão que recaiu sobre a reclamação graciosa apresentada contra o ato tributário em crise nos autos;

Em face da verificação dos requisitos legais que permitem deduzir fiscalmente como custos fiscais as provisões para créditos de cobrança duvidosa impõe-se manter a sentença recorrida e julgar improcedente o recurso da Fazenda Pública, com as demais consequências legais».

Neste Tribunal Central a Exma Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no qual se pronunciou, a final, no sentido da procedência do recurso.

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.


II - OBJECTO DO RECURSO


Como é sabido, sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remate a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida – cf. n.° 1, do artigo 690.° do CPC) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem.

Assim, e pese embora na falta de especificação no requerimento de interposição se deva entender que este abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 684°, n°2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n° 3 do mesmo artigo 684.°), razão pela qual todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, devem considerar-se definitivamente decididas e, consequentemente, delas não pode conhecer o Tribunal de recurso.

Acresce que, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo a já mencionada situação de questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, constituem questões a decidir no presente recurso saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito por errada interpretação dos factos provados e do direito quanto aos fundamentos das correcções efectuadas; quanto aos requisitos da verificação do risco de cobrabilidade, quanto à evidenciação na contabilidade dos créditos em risco de cobrança duvidosa e no que se refere ao montante dos créditos provisionados.


*

Ill – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO


Na sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra objecto deste recurso foi dada como provada e com relevo para a apreciação do mérito dos autos, a seguinte matéria de facto:

«A) Em 24.07.1990, entre a impugnante e a sociedade S… S.A. foi celebrado um contrato de consórcio externo com vista à construção do complexo turístico das praias da Barreirinha e Santiago. (Doc. n°1 junto à p.i.)

B) Destaca-se, do clausulado corporizado no contrato referido na al.A) o seguinte:


CHEFE DO CONSÓRCIO


O Chefe do Consórcio (adiante designado por Chefe) é a Empresa S… S.A
(...)

4- Compete, desde já e designadamente ao Chefe do Consórcio:

(...)

e) receber os pagamentos do Dono da Obra e distribuí-los em função dos trabalhos facturados pelos Membros



As empresas facturarão ao Dono da Obra e receberão deste, os correspondentes pagamentos separadamente, sem prejuízo do disposto na alínea e) do nº4 do art.6°.

11º

ENCARGOS DOS MEMBROS


1.(...)

2. Os encargos emergentes de necessidades comuns ao Consórcio designadamente garantias bancárias ou despesas necessárias ao objecto do Consórcio, são suportadas pelos dois Membros em partes iguais.

3. Durante a execução da "obra" qualquer encargo comum resultante do Consórcio será suportado por cada Membro na proporção definida no ponto 2. " (Doc. n°1 junto à p.i.)

C) No âmbito do convénio a que alude a al. B) do probatório, a «S…, S.A.» detinha a posição de Chefe do consórcio, recebendo o dinheiro do cliente e após distribuía pela Impugnante. (Doc. n°1 junto à p.i. e depoimento prestado pela testemunha C…)

D) Entre a Impugnante e a «S…, S.A.» os débitos eram com frequência de um lado e de outro e em cerca de um mês, um mês, um mês e tal as contas eram resolvidas. (Depoimento prestado pela testemunha C…)

E) Os contactos estabelecidos entre a Impugnante e a «S…, S.A.» eram efectuados via telefónica, devido à relação entre as duas empresas. (Depoimento prestado pela testemunha C…)

F) A Impugnante solicitou à «S…, S.A.» por diversas vezes, via telefónica o pagamento dos créditos que detinha sobre aquela. (Depoimento prestado pela testemunha C…)

G) Durante o ano de 1994, a Impugnante tomou conhecimento que a «S…, S.A» se deparava com problemas financeiros o que não lhe permitia cumprir as suas obrigações. (Depoimento prestado pela testemunha C…)

H) A partir do ano de 1994, devido aos problemas financeiros da «S…, S.A.» a Impugnante passou, para além dos contactos telefónicos a contacta-la mediante faxes e cartas. (Depoimento prestado pela testemunha C…)

I) Em 31.12.1994, o balancete da conta de clientes da Impugnante evidenciava que a «S… S.A.» tinha para com a Impugnante créditos em mora no montante de 77 883 385$00, ao qual correspondia uma provisão de 30 954 399$00. (Doc. fls.30 dos autos e fls. 31 do pat apenso)

J) Em 16.11.1994, a Impugnante enviou à «S… S.A.» um fax, no qual se pode ler:

" SUJECT: Obra 828 - Complexo Balnear da Barreirinha -Funchal

(...)

Reproduzimos em anexo cópia da nossa carta TES/94/9….. de 22.09.94 através da qual solicitamos o pagamento do saldo a nosso factor de 4.260.669$00, respeitante à regularização dos débitos relativos à obra em epígrafe. " ( Doc. n°3 junto à p.i.).

L) A fls. 212 dos autos, consta um documento titulado por " ENCONTRO DE CONTAS COM A S…, S.A."do qual constam três rubricas " DÉBITOS DA E…" (valor 69.647 891.00) e "DÉBITOS DA S…” (valor 65 387 221 30) e "VALOR A RECEBER" (4.260.669.70), que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

M) A Impugnante apresentou, no dia 30.05.1995, a Declaração Modelo 22 do IRC relativa ao exercício de 1994, conforme documentos de fls. 20 a 23 dos autos em apenso.

N) Em 1996, a Impugnante instaurou contra a «S… S.A.» a acção especial de recuperação de empresa que se encontra registada mediante Ap.33/960719. (Doc. a fls. 68 a 91 dos autos)

O) A Direcção de Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária procedeu à análise interna da declaração Modelo 22 relativa ao exercício de 1994, no âmbito da qual apurou que a «S… S.A.» tinha para com a impugnante, em 31.12.1994, o valor de créditos em mora de 77.883.385$00. (Doc. a fls. 31 dos autos em apenso)

P) Em consequência de exame à escrita da Impugnante efectuado pela Direcção de Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária, resultou entre outras correcções à matéria colectável por si apurada na Declaração a que alude a al. M) do probatório, um acréscimo de 30.954.399$00 correspondente à não aceitação, como custo fiscal, da provisão para créditos de cobrança duvidosa.

Q) Na sequência do exame à escrita a que alude a al.Q) do probatório foi elaborado o Modelo DC-22 que sob a epigrafe "Fundamentação das Correcções" consta:

«Q 20 L 7 - Não acresceu o montante de 30.954.399$00 referente a provisões para créditos de cobrança duvidosa para além dos limites referidos no n.°2 do art. 34° do CIRC. (anexos 14 a 17).» ( Doc. fl.s 193/211 dos autos)

R) A Impugnante foi notificada da liquidação adicional de IRC nº8310……. emitida a 03.07.1997 na qual se apurou, o montante de 40.837.031$00, a pagar a título de imposto. (Doc. a fls. 25 dos autos em apenso)

S) Em 15.10.1997, a Impugnante deduziu reclamação graciosa contra a liquidação adicional de IRC n.° 831……. (Doc. a fls. 2 dos autos em apenso)

T) Em 15.10.1997, a Impugnante procedeu ao pagamento parcial da liquidação no montante de 25.446.867$00. (Doc. a fls 24 dos autos em apenso)

U) Na reclamação graciosa a que se faz alusão na precedente al. S) foi prestada, pela DSPIT, em 1999ABR09, a informação documentada de fls. 30 a 33, inclusive, do PAT apenso onde se refere, designadamente, o seguinte:

«3.(...)

1º- No âmbito da análise interna da declaração modelo 22 solicitou-se à E… que remetesse balancete por antiguidade de saldos que fosse justificativo das diligências efectuadas para recebimento das maiores importâncias, de entre as quais a da S…, à qual tal correcção se reporta;

2º - No balancete enviado, constata-se que a S… tinha, para com a E…, em 31 Dez.94, o seguinte valor de créditos em mora: Esc: 77 883 385$00, aos quais corresponde uma provisão de 30 954 399$00 aplicadas as taxas conformes;

3º - A DSPIT entendeu que tal quantia devia ter sido incluída na linha 7 do quadro 17 da declaração modelo 22, além de que a E… apenas reclamara junto da S… a quantia de 4 260 699$70, não tendo inclusivamente evidenciado na sua contabilidade de quaisquer créditos de cobrança duvidosa relativamente à devedora, concluindo pela ausência de riscos de incobrabilidade dos créditos, porque inferiores aos débitos da E… à S….

4. A E… vem opor-se à correcção, referindo que;

a)- A argumentação da DSPIT carece de fundamento (...);

b)- A menção quanto à ausência de riscos de incobrabilidade traduz um completo desconhecimento dos f actos e do contexto (...);

c)- A reclamante havia celebrado, antes, um contrato de consórcio externo com a S… (...);

d)- No final de cada exercício elabora mapas-resumo para onde transporta os saldos totais das dívidas de clientes, de conformidade com as suas antiguidades, aos quais deduz os créditos não provisionáveis ou que, por razões económicas não se justifica provisionar (...)

5. Em termos de matéria de facto com relevância aparente para a causa, a circunstância, a notícia de ter sido constituído consórcio externo com a S…, com o qual a correcção está relacionada, ou seja, a empreitada de construção do complexo turístico da Barreirinha, no Funchal, nos termos do qual as comerciantes suportariam, em partes iguais, os encargos emergentes das necessidades comuns ao consórcio, enquanto este vigorasse (...).

6. Sobre a figura do consórcio, a que a E… atribui primordial importância para o caso, somos a recordar que o contrato em questão foi celebrado na vigência do DL 231/81, de 28 de Julho, dado ter sido celebrado em 24 Jul.90.

Com base nesse diploma, é sabido que constitui característica essencial do contrato de consórcio o exercício individualizado, ainda que concertado, da actividade. Aonde cada consorciante desenvolve (...) uma actividade própria, de per si, não em comum.

Assim sendo, afigura-se que a legislação reguladora do consórcio não favorece a tese defendida pela Reclamante, antes a prejudica, segundo a qual as consorciantes suportariam, em partes iguais, os encargos emergentes das necessidades comuns (...).

7. Assim sendo, não fazia sentido constituir, face à lei, provisões para créditos de cobrança duvidosa relativamente à situação concreta em apreço.

Nestes termos, e em termos de matéria de facto, não nos parece que com a Reclamação tenha sido carreado para o processo qualquer elemento novo relevante.

8. CONCLUSÃO

Da análise da reclamação somos a concluir que bem esteve a DSPIT ao introduzir as ditas correcções ao lucro tributável declarado, porque nada está alterado, como se disse, em termos de matéria de facto.

Salvo melhor opinião, a Reclamação deve ser considerada improcedente. (...)".

V) Com referência à informação mencionada na alínea que antecede veio a recair, em 1999SET1O, o despacho do CRFinanças propondo o indeferimento da reclamação graciosa aludida, com suporte no teor dos pontos 4 a 8 da mesma informação e acima transcritos (cfr.fls. 41 do PAT apenso que, aqui, se dão por reproduzidas para todos os efeitos legais).

X) Em 1999NOV08, a Divisão de Justiça Administrativa da 1, a Direcção de Finanças de Lisboa prestou a informação documentada de fls. 58 a 60, inclusive, do PA T apenso e que, aqui, se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais, na qual e em sede de "apreciação da reclamação", depois de se transcreverem os pontos 5 a 8, inclusive, nos precisos termos atrás transcritos na precedente alínea U).

Z) Sobre tal informação recaiu, em 2000JAN06, despacho do Director de Finanças do seguinte teor;

«Concordo com o projecto de decisão no sentido do indeferimento com os fundamentos expostos. Notifique-se nos termos do artº60° da Lei Geral Tributária.» (cfr. fls. 58 do PAT apenso)

AA) Através do oficio n°01152, remetido pelo correio sob registo em 2000JAN1-1. a impugnante foi notificada do projecto de decisão a que se alude em Z) para, querendo e em dez dias, exercer o seu direito de audição, nos termos do art° 60 da LGT (cfr. fls. 61 do PAT apenso e talão de registo a elas apenso)

AB) A Divisão de Justiça Administrativa da 1a Direcção de Finanças de Lisboa, com data de 2000FEV10, prestou a informação documentada de fls. 63 a 65 que aqui, se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais a qual, para além da referência ao não exercício do direito de audição, por parte da impugnante, é uma reprodução fiel da informação mencionada na al. U) do probatório.

AC) Na sequência da informação referida na alínea que antecede, foi proferido, pelo Director de Finanças, em 2000FEVN, o despacho documentado a fls. 63 do PAT apenso do seguinte teor:

«Concordo. Decorrido o prazo de audição nos termos do artº60° da Lei Geral Tributária converto em definitivo o projecto de decisão notificado e em consequência, com fundamento nas informações oficiais indefiro o pedido.».

AD) Em 24.02.2000, a Impugnante foi notificada da decisão a que alude a al. AC) do probatório. (Doc. a fls. 66 dos autos em apenso)

AE) Em 20.09.2000, a impugnante procedeu ao pagamento da liquidação objecto da presente impugnação. (Doc. a fls. 92 dos autos em apenso)

AF) Entre a Impugnante e a S… para alem da execução da obra a que alude a al. A) do probatório, havia outras, entre elas a referente à construção do Hospital de Leiria (Depoimento da testemunha C…)

AG) Em 10.03.2000, a impugnante deduziu a presente impugnação (cfr. carimbo aposto na Fls 2 dos autos)».

Aí ficou consignado que a convicção do Tribunal assentou no ”... exame dos documentos e informações, não impugnados que dos autos constam e depoimento prestado pela testemunha C… tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório...” e que não se provaram quaisquer outros factos, com relevância para a decisão da causa, que importe registar .


*


III – 2. Apreciação do recurso

O facto constante da alínea N) da matéria de facto, não corresponde ao que na realidade se extrai do documento existente nos autos, pelo que, se procede à sua correcção nos seguintes termos:

N) Em 1996, a S… S.A. instaurou acção especial de recuperação de empresa, que se encontra registada mediante Ap. 33/960719, requerendo a sua reestruturação financeira de. (Doc. a fls. 68 a 91 dos autos).


*

Por se entender relevante para a decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada, adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:

AH) O anexo 14 mencionado no Modelo A correcção identificada no ponto Q) tem o seguinte teor: anexo que: «A empresa constituiu em 1994 uma provisão de 30.954.399$00 referente a créditos sobre aquela entidade, a saber:

9.733.803$00X0%= $00

20.039.045$50 X25%= 5.009.761$00

40.553.057$00 X 50% = 20.276.529$00

7.557.479$00 X 75% = 5.668.109$00

77.883.385$00 30.954.399$00

Em 22/09/94 a E… reclama junto do cliente apenas um valor a receber no montante de 4.260.669$70, que resulta de um encontro de contas entre os valores a pagar e a receber da S… (ver diligências - anexos 15 a 17). Refira-se que a S… é simultaneamente Fornecedor e Cliente.

Saliente-se também que o valor reclamado no montante de 4.260.669$70 tem já em conta o Aviso de Lançamento n° 47.011 na importância de 9.121.004$00, de 31/08/94, crédito que estando em mora há menos de 6 meses não foi considerado pela empresa como de cobrança duvidosa para efeitos do calculo da provisão, de acordo com o n° 1 do art° 34° do CIRC.

Assim, se aos créditos da E… sobre a S…, reclamados, no montante de 69.647.891$00 retirarmos o valor daquele aviso de lançamento no montante de 9.121.004$00, os mesmos são inferiores aos débitos da E… à S… (no montante de 65.387.221$30), pelo que não havendo qualquer risco de incobrabilidade, não podem ser considerados de cobrança duvidosa (n° 1 do artº 34° do CIRC).

Assim, o valor da provisão constituída neste exercício, no montante de 30.954.399$00, não pode ser aceite como custo para efeitos fiscais nos termos dos art° 33° e 34° do CIRC.» - cf. documento de fls. 210 dos autos;

AI) O anexo 16 mencionado no Modelo A correcção identificada no ponto Q) é composto por dois documentos: um mapa resumo de provisões por referência a Dezembro de 1994 contendo uma listagem de clientes tempo decorrido em mora e o montante das provisões, não constando da listagem a S… provisões clientes;

AJ) O segundo documento que compõe o anexo 16 ao Modelo A, constitui o balancete de clientes por idade de saldos, nele constando na conta 2111, o saldo de 77.883.385$00;

AK) Em 08/07/1996 foi proferido despacho de prosseguimento da acção referida em N), tendo a providência de reestruturação financeira sido convertida em medida de gestão controlada cujo averbado no registo comercial da requerente da acção teve lugar em 04/04/1997 – cf. documento de fls. 68 dos autos.


*

IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Na sequência da análise interna à declaração modelo 22 relativa ao exercício de 1994, os serviços de inspecção tributária procederam a várias correcções, de entre as quais se conta a correcção da dedução como custo fiscal efectuada pela recorrida, respeitante a provisão para fazer face ao risco de incobrabilidade, entre outros, dos créditos detidos sobre a sociedade S…, no montante de 30 954 399$00, a que correspondem € 154 399,89.

Para efeitos de IRC, consideram-se custos ou perdas «os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora» entre os quais se contam as provisões, nos termos do artigo 23.º n.º 1, alínea h) CIRC, na sua redacção vigente à data dos factos (cf. Decreto-Lei n.º 420/93, de 28/12).

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 33.º do CIRC podem ser deduzidas, para efeitos fiscais, as provisões «que tiverem por fim a cobertura de crédito resultantes da actividade normal que no fim do exercício possam ser considerados de cobertura duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade.»

O conceito de créditos de cobrança duvidosa, para efeitos de constituição de provisão é nos dado nas diversas alíneas do n.º 1 do artigo 34.º do mesmo código.

São créditos de cobrança duvidosa aqueles em que o risco de incobrabilidade se considere devidamente justificado quando «o devedor tenha pendente processo espacial de recuperação de empresa e protecção de credores ou processo de execução, falência ou insolvência» (cf. al a)); «os créditos tenham sido reclamados judicialmente» (cf. al b)); «os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respectivo vencimento e existam provas de terem sido efectuadas diligências para o seu recebimento» (cf. al c)).

A sua delimitação quantitativa está consagrada no n.º 2 e a delimitação negativa está prevista no n.º 3 da referida norma, contudo, esta última vertente negativa não está aqui em causa.

Resulta assim, das citadas normas e tendo em conta o caso dos autos, que a dedutibilidade como custo fiscal de uma provisão para créditos de cobrança duvidosa depende dos seguintes requisitos:

i) tratar-se de cobertura de dívidas a receber resultantes da actividade normal;

ii) devem estar em causa dívidas consideradas de risco de incobrabilidade;

iii) que estejam evidenciadas como tal na contabilidade;

iv) verificando-se o risco de incobrabilidade quando ocorram alguma das situações previstas no n.º 1 do artigo 34.º do CIRC:

v) os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respectivo vencimento;

vi) e existam provas de terem sido efectuadas diligências para o seu recebimento.

No caso dos autos, a correcção em causa suportou-se em dois fundamentos, ambos julgados sem base legal pelo tribunal recorrido, conduzindo à procedência da impugnação.

O primeiro fundamento da correcção consistiu na inexistência de qualquer risco de incobrabilidade porquanto, «se aos créditos da E… sobre a S…, reclamados, no montante de 69.647.891$00 retirarmos o valor daquele aviso de lançamento no montante de 9.121.004$00, os mesmos são inferiores aos débitos da E… à S… (no montante de 65.387.221$30)», ou seja, subtraindo o crédito em mora há menos de 6 meses, estamos em presença de um crédito constituído sobre uma sociedade que dispõe de um crédito sobre a impugnante superior ao seu débito.

A sentença ora recorrida fundou-se no entendimento de que, não se verificando os requisitos do direito de retenção relativamente ao crédito provisionado, não pode concluir-se pela ausência do risco de incobrabilidade, sem mais.

A recorrente não se conforma com o assim decidido, imputando-lhe a verificação de erro de julgamento, por errada interpretação dos factos dados como provados, atentos os elementos probatórios constantes dos autos (conclusões I a V).

Alega a recorrente que, contrariamente ao que se conclui na sentença recorrida, as correcções efectuadas não tiveram como suporte de facto ou de direito, a existência de um consórcio, tiveram sim, como fundamentos os que constam no quadro 22 do Mapa de Apuramento Mod. DC – 22 e os factos constantes do anexo 14.

A recorrida contra-alega dizendo que não se verifica qualquer erro de julgamento, já que, tal facto não foi dado como comprovado, e, por outro, a sentença teve bem presente os fundamentos da correcção.

Vejamos se a sentença incorreu no invocado vício.

Do discurso fundamentador da sentença extrai-se o seguinte: «[t]emos assim, que foram dois os fundamentos que produziram a correcção, a saber: da inexistência de qualquer risco de incobrabilidade por se tratar de um credito constituído sobre uma empresa que dispõe de um crédito sobre a impugnante superior ao seu débito e a não evidência na contabilidade dos créditos de cobrança duvidosa relativos à S…».

Mais se refere que, o procedimento gracioso foi indeferido «com base nos pontos 4 a 8 constantes da informação a que alude a al. U) do probatório, por considerar ilegal a constituição da provisão, na medida em que entre a Impugnante e a S… fora constituído um consórcio externo com a qual a correcção está relacionada.

No que concerne à ilegalidade da constituição da provisão, temos assim, que quer a fundamentação da correcção aposta no DC-22 quer aquela que suportou a decisão da reclamação graciosa vão no mesmo sentido, i.é, a existência do consórcio impedia a constituição da provisão.

A questão que se coloca é a de saber, se a provisão constituída pela Impugnante de um crédito sobre a S… S.A. é ilegal, por se tratar, de um crédito constituído sobre uma sociedade que dispõe de um crédito sobre a Impugnante superior ao seu débito.»

Citando o Acórdão prolatado por este Tribunal em 15/05/2010, no recurso n.º 3976/10, sobre a questão da verificação dos pressupostos do direito de retensão e em adesão à sua fundamentação prossegue a sentença recorrida concluindo que, no caso vertente, aqueles requisitos não se verificam e, assim sendo, a posição da Administração fiscal não merece acolhimento.

Tendo em conta o que se deixou transcrito, podemos concluir que o tribunal recorrido procedeu à correcta interpretação dos fundamentos da correcção. Posteriormente a existência de um consórcio foi identificada na sentença, num primeiro momento, como motivação do acto de indeferimento da reclamação graciosa Contudo, depois extrai a conclusão de que na fundamentação da correcção também está em causa a existência do consórcio conclusão que retirou da interpretação que efectuou da conjugação do teor da decisão da reclamação graciosa com a fundamentação do acto correctivo em jeito de resumo mais abrangente, sem que daí tenha retirado consequências invalidantes, para além dessa afirmação, sendo inócua.

Na realidade, a referência na decisão da reclamação graciosa à existência do consórcio surge na sequência da sua invocação pela ora recorrida no âmbito da petição de reclamação, apreciando os argumentos esgrimidos nessa sede.

Ora, relendo a fundamentação da sentença, a única referência que nela é feita à fundamentação a posteriori constitui a referência à alegação no articulado pré sentencial, apresentado pela Fazenda Pública nos termos do artigo 120.º do CPPT, de que apenas foram reclamados Esc. 4 260 669$70, alegação da qual pretendia extrair a insuficiência de prova das diligências efectuadas pela impugnante para cobrança dos créditos em mora (cf. artigo 10.º das alegações), o que é bem diferente de considerar que na reclamação graciosa se efectou a fundamentação a posteriori como parece inferir a recorrente.

Com efeito, na medida em que a fundamentação da correcção é identificada correctamente como tendo sido a «inexistência de qualquer risco de incobrabilidade por se tratar de um credito constituído sobre uma empresa que dispõe de um crédito sobre a impugnante superior ao seu débito e a não evidência na contabilidade dos créditos de cobrança duvidosa relativos à S…» a sentença recorrida interpretou bem a factualidade apurada, sendo o que releva e importa averiguar é se o tribunal extraiu as consequências devidas da factualidade e se efectuou correcta aplicação do direito ao que procederá adiante.

Assim se concluindo pela improcedência das conclusões apreciadas.


*

Nas concussões VI a XII a recorrente manifesta concordância com o decidido no que respeita a não haver lugar a retensão (conclusão VII), no entanto, não concorda com a solução que na sentença recorrida se extrai desse facto.

Alega que a sentença errou no julgamento de facto e de direito, porquanto não obstante não haver lugar ao direito de retenção, a impugnante lançou mão da compensação de créditos prevista nos artigos 847.° e ss. do Código Civil. Tendo dessa forma procedido ao acerto de contas que se tornou efectiva com o envio e recepção da referida carta, em Novembro de 1994. Donde conclui que a recorrida apenas tinha a receber da S… o montante de 4.260.669$00 pelo que, por força da compensação de créditos ocorria a inexistência do risco de incobrabilidade e, assim sendo, não podia constituir a provisão no montante de 30 954 399$00.

Alega ainda que, tendo o acerto de contas sido efectuado em Novembro de 1994, incluindo o montante de 9 121 004$00, o qual em Dezembro de 1994 ainda não reunia os requisitos previstos na al. c) do n.º 1 do artigo 34.º do CIRC, não se verificava o risco de incobrabilidade.

Discorda a recorrida alegando que a correcção em crise não se fundou sequer na verificação de tal compensação, mas na mera existência de contra crédito. Que a aludida compensação não se operou por não se encontrarem reunidos os respectivos pressupostos legais estabelecidos no artigo 847.° do Código Civil, em concreto por não se verificar reciprocidade entre os créditos da Recorrida e da S…. Concluindo o tribunal que tal impede a compensação entre os mesmos, porquanto resulta dos artigos 6°, n°4, alínea e) e 9.°, ambos do contrato de consórcio celebrado entre aquelas entidades, que o crédito da Recorrida sobre a S… decorria da relação contratual e da facturação ao cliente dono da obra, sendo o responsável pelo cumprimento do crédito em causa uma entidade terceira conclui que não se verifica o imputado erro de julgamento.

Vejamos. O Tribunal recorrido decidiu a questão por remissão para acórdão deste Tribunal em que estava em causa saber se existia o direito de retensão de um crédito.

A recorrida, por sintonia, considera que atenta a semelhança com o caso dos autos, porquanto determinado empreiteiro cujo crédito apenas seria pago pela entidade devedora depois de recebido do dono da obra, também no caso dos presentes autos, não ocorre a reciprocidade dos créditos.

No entanto, a situação dos autos não é a mesma, na medida em que, no caso dos autos, resulta da prova, o facto de, com frequência existirem débitos e créditos entre a recorrida e a S…, que em geral eram resolvidos mensalmente, através de contactos telefónicos, dada a relação existente entre as duas procedendo aos acertos em conta corrente (cf. pontos D) e E)).

Essa mesma realidade resulta do teor dos documentos juntos aos autos em que a recorrida solicita a regularização dos débitos não pela totalidade do montante que lhe é devido, mas antes, pelo acerto final apurado pela diferença entre o que devia à S… e o que lhe era devido, resultando a interpelação para o pagamento do valor de 4.260.669$00 «respeitante à regularização dos débitos relativos à obra em epígrafe.» conforme se extrai do ponto J).

Do mesmo modo, noutro documento que terá sido enviado à S…, a recorrida intitula a missiva «encontro de contas com a S…, SA» (cf. alínea L) dos factos assentes) discriminando os seus créditos e os que a S… detinha sobre si, apurando o saldo no valor de 4.260.669$00.

No caso dos autos, não se coloca a questão de saber se se operou, ou podia operar a compensação em sentido técnico jurídico, cuja aplicação as partes não estão de acordo. O que releva é se, em concreto, as partes operavam o dito acerto de contas, caso em que, não ocorria o risco de incobrabilidade.

Ora, resultando dos factos provados a existência de uma conta corrente e decorrendo dos usos do comércio, que em vez da troca material e efectiva dos montantes em dívida, se procedia ao cumprimento das obrigações respectivas procedendo a um “acerto de contas”, impõe-se concluir que o crédito que a recorrida detinha sobre a S… era o montante reclamado na correspondência remetida pela recorrente àquela sociedade (cf. pontos J) e L) da matéria de facto provada).

Donde se conclui que não se verificava, quanto aos créditos provisionados, o risco da sua incobrabilidade.

No que se refere à inclusão no montante das provisões de quantias que ainda não cumpriam os requisitos legais relativos à mora, sempre se dirá que, sendo o crédito da recorrida de 4 260 669$00 e o crédito em mora há menos de 6 meses, no montante de 9.121.004$00, nem o montante de 4 260 669$00 é provisionável, o significa que não estão reunidos os pressupostos para a constituição da provisão corrigido.

Mostram-se assim procedentes as concussões de recurso apreciadas.


*

Nas conclusões XIV a XVI insurge-se a recorrente contra o segmento da decisão que julgou que os referidos créditos estavam evidenciados na contabilidade.

Não constitui facto controvertido entre as partes que a Impugnante, ora recorrida, não fez constar o montante do crédito a que respeita a provisão na conta de clientes de cobrança duvidosa, nem do mapa resumo de provisões (a fls. 1 do anexo 16, que corresponde a fls. 213 dos autos em suporte físico) e que tal quantia apenas foi incluída no balancete constante de fls. 2 do anexo 16 (fls. 214 dos autos).

No entanto, tendo presente que não se verifica o requisito respeitante ao risco de incobrabilidade, considera-se prejudicada a apreciação das referidas conclusões de recurso, já que, ainda que se considere que o fundamento relativo à falta de evidência na contabilidade dos créditos de cobrança duvidosa não se verifica, a correcção mantém-se por lhe faltar o aludido risco de incobrabilidade, pressuposto sem o qual a provisão em causa não era dedutível.


*


No que se refere às custas, o artigo 527.º do CPC consagra o princípio da causalidade, de acordo com o qual custas são pagas pela parte que lhes deu causa. Vencido na acção, considera-se que foi a recorrente quem deu causa às custas do presente processo (cf. n.º 2), e, portanto, deve ser condenada nas respetivas custas (cf. n.º 1, 1.ª parte).


V- Conclusões


Constituem custos com relevância fiscal as provisões que tiverem por fim a cobertura de crédito resultantes da actividade normal relativamente aos quais no fim do exercício ocorra risco de incobrabilidade e sejam evidenciados como tal na contabilidade.

VI - DECISÃO

Termos em que, acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a impugnação judicial improcedente.

Registe e notifique.

Custas pela recorrida em ambas as instâncias.

Lisboa, 26 de Maio de 2022.



Ana Cristina Carvalho – Relatora

Hélia Gameiro Silva – 1ª Adjunta

Maria Cardoso – 2ª Adjunta