Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1354/10.6BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:01/14/2021
Relator:ANA PINHOL
Descritores:IVA;
DECLARAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO.
Sumário:I. Se nas declarações iniciais foram inscritos valores que originaram para o contribuinte créditos de IVA e se nas declarações de substituição os valores indicados originaram um diferencial, impõe-se a reposição do crédito indevidamente usado.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO


I.RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA interpôs o presente recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou procedente a impugnação deduzida por U.........., contra o indeferimento da reclamação graciosa, com vista à anulação das liquidações adicionais de IVA dos períodos 0512T, 0603T, 0606T, 0609T, 0612T, 0703T, 0706T, 0709T, 0712T, 0803T, 0806T, 0809T, 0812T, 0903T, acrescidas de juros compensatórios, no valor global de 232.436,26 euros.

A recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«A-A discordância que aqui se exterioriza com o aresto recorrido funda-se em erro na determinação da norma aplicável dado que foi considerado, pela Meritíssima Juíza, que as liquidações adicionais não tinham justificação legal para serem emitidas.

B-Discordamos da douta sentença porquanto, dos factos provados, resulta que o contribuinte declarou e reportou um crédito que não dispunha e, posteriormente, veio a reconhecer esse facto mediante a entrega de declarações periódicas de substituição, referidas na alínea C) dos factos provados.

C-Assim, durante o período em que as primeiras declarações estiveram vigentes, o contribuinte esteve a utilizar um crédito de que não dispunha, em clara violação do n.° 4 do artigo 22.° do CIVA.

D-Se nas declarações iniciais foram inscritos valores que originaram para o contribuinte créditos de IVA reportados para os períodos de tributação seguintes e se, nas declarações periódicas de substituição, os valores indicados geraram um diferencial, então havia que repor o crédito indevidamente usado e pagar o débito evidenciado.

E-Tal foi o desiderato das liquidações impugnadas que, nos termos do artigo 87.° do CIVA, foram emitidas em resultado do processamento da declaração de substituição e relativamente a um período de imposto para o qual já tinha sido enviada anteriormente Declaração Periódica.

F-Que da causalidade entre uma atuação - entrega de declarações de substituição - e o seu resultado necessário - liquidações adicionais - surja um domínio factual desconforme às (alegadas) expetativas do contribuinte, não implica que se possa retirar de tal circunstância um qualquer juízo invalidante, quer quanto à regularidade quer quanto à conformidade, da estrita adesão dos atos tributários sindicados aos normativos legais aplicáveis.

G-O reconhecimento de um valor de “IVA dedutível” no montante de 7.784,04 euros nas declarações de substituição, conforme consta da alínea C) dos factos provados, não implica que não se tenham de emitir liquidações adicionais no sentido de repor o excesso de crédito que tinha vindo até então a ser usado sucessivamente, de modo indevido, durante todos os períodos anteriores.

H-Esse crédito tem de ser comparado com a situação declarativa anterior, pois é assim que funcionam as contas correntes de IVA.

I-O valor de 220.420,33 euros, correspondente ao valor inicial do crédito na conta corrente do IVA, foi atendido em compensação com as liquidações adicionais posteriores, em sede de processo de execução fiscal.

J-Essa compensação, efetuada em sede de processo de execução fiscal, levou a que ficasse em dívida, no referido processo, apenas o valor diferencial, que inclui uma parte de imposto e outra de juros compensatórios, juros de mora e custas.

K-Atendendo ao acima exposto, concluímos que a AT praticou legal e fundamentadamente as liquidações impugnadas.

Nestes termos e nos melhores de Direito que o insigne Coletivo entender suprir, propugna a Representação da Fazenda Pública que seja reconhecida a procedência deste recurso jurisdicional, sendo revogada a sentença do Tribunal a quo, de que se recorre na totalidade, com o que se fará a costumada e desejada Justiça!»



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Não foram apresentadas contra-alegações.

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Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público que se pronunciou pelo provimento do recurso.
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Colhidos os vistos legais dos Exmos Juízes Desembargadores adjuntos, cumpre apreciar e decidir.
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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Assim, vistas as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que, no caso concreto, a questão a decidir é a de saber se a sentença recorrida fez ou não correcto julgamento na determinação da norma aplicável perante a factualidade dada como assente.

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III. FUNDAMENTAÇÃO

A.DOS FACTOS

Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:

«A) Em 15.08.2009 a Impugnante solicitou reembolso de IVA junto da Autoridade Tributária, relativo ao período 0906T, no montante de 220.420,33 euros - conforme documento a folhas 12 a 22 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

B) O pedido de reembolso a que se alude em A) deu origem a uma ação externa de consulta, recolha e cruzamento de elementos respeitantes à Impugnante - conforme documento a folhas 12 a 22 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

C) Em 17.11.2009 foram recebidas pela Autoridade Tributária "declarações periódicas de IVA de substituição", relativas aos períodos 0503T, 0506T, 0509T, 0512T, 0603T, 0606T, 0609T, 0612T, 0703T, 0706T, 0709T, 0712T, 0803T, 0806T, 0809T, 0812T, 0903T e 0906T, das quais resulta um valor total de "IVA dedutível" de 7.784,04 euros - conforme documento a folhas 12 a 22 do P.A. e documentos a folhas 93 a 141 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;

D) Em 24.11.2009 foi prestada, no âmbito da ação de controlo a que se alude em B), informação da Divisão de Inspeção Tributária II, da Direção de Finanças de Santarém, da qual consta conforme segue:

«(...)


«imagens no original»




(...)» - conforme documento a folhas 12 a 22 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
E) Sobre a informação a que se alude em D) foi exarado parecer da coordenadora da Divisão de Inspeção Tributária II, datado de 25.11.2009, do qual consta conforme segue:
«Visto.
O S.P. regularizou as deduções indevidas efectuadas de 2005 a 2009 inclusive, repondo a realidade fiscal, com a entrega de declarações de substituição.
O reembolso é informado autonomamente na aplicação "Reembolsos de IVA" com proposta de deferimento total.
Propõe-se o encerramento destes despachos sem mais diligências.
(...)» - conforme documento a folhas 12 a 22 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
F) Sobre o parecer a que se alude em E) foi exarado despacho do chefe de divisão, datado de 27.11.2009, do qual consta conforme segue:
«Visto.
Concordo.» - conforme documento a folhas 12 a 22 do P.A., cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
G) A Autoridade Tributária emitiu em nome da Impugnante liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios respeitantes aos períodos a que se alude em C), das quais resulta um valor global a pagar de 232.166,26 euros - conforme documentos a folhas 9 a 33 do P.A.1, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
H) Em 02.02.2010 foi recebida no Serviço de Finanças da Chamusca, "reclamação graciosa" em nome da Impugnante, contra as liquidações a que se alude em G) - conforme documentos a folhas 2 a 33 do P.A.1, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
I) A "reclamação graciosa" a que se alude em H) deu origem à instauração do processo de reclamação graciosa n.° .........., do Serviço de Finanças da Chamusca - conforme folha de autuação inicial do P.A.1, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
J) Em 21.07.2010 foi proferido pela chefe da Divisão de Justiça Tributária, da Direção de Finanças de Santarém, "Projecto de despacho" no âmbito do processo a que se alude em I), do qual consta conforme segue:
«
«imagem no original»


(...)» - conforme documento a folhas 95 do P.A.1, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
K) A Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Santarém remeteu à Impugnante, no âmbito do processo a que se alude em I), ofício datado de 21.07.2010, sob o assunto "Notificação para o exercício do direito de audição - Art°. 60°. DA LGT" - conforme documentos a folhas 96 e 97 do P.A.1, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
L) Em 06.08.2010 foi prestada, no âmbito do processo a que se alude em I), informação da Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Santarém, da qual consta conforme segue:
«(...)


(...)» - conforme documento a folhas 98 do P.A.1, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
M) Em 06.08.2010 foi proferido, no âmbito do processo a que se alude em I), despacho da chefe da Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Santarém, do qual consta conforme segue:
«(...)


(...)» - conforme documento a folhas 99 do P.A.1, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
N) Em 09.08.2010 foi recebido na Divisão de Justiça Tributária, da Direção de Finanças de Santarém, requerimento em nome da Impugnante com vista a exercer o seu "direito de audição", no âmbito do processo a que se alude em I) - conforme documento a folhas 100 e 101 do P.A.1, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
O) Em 09.08.2010 foi prestada, no âmbito do processo a que se alude em I), informação da Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Santarém, da qual consta conforme segue:
«
«imagem no original»


(...)» - conforme documento a folhas 103 do P.A.1, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
P) Em 09.08.2010 foi proferido, no âmbito do processo a que se alude em I), despacho da chefe da Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Santarém, do qual consta conforme segue:
«


(...)» - conforme documento a folhas 104 do P.A.1, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
Q) O Serviço de Finanças da Chamusca remeteu à Impugnante, no âmbito do processo a que se alude em I), ofício datado de 12.08.2010, do qual consta conforme segue:
«
Nos termos do n.° 6 do Art.° 77.° da lei Geral Tributária, fica V. Ex.* por este meio notificado do despacho proferido no processo de reclamação graciosa em epígrafe, cujo teor integral é o constante da fotocópia que se anexa, em que o pedido foi INDEFERIDO TOTALMENTE.
(...)» - conforme documentos constantes da parte final do P.A.1, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
R) A petição inicial da impugnação foi recebida no Serviço de Finanças da Chamusca em 03.09.2010 - conforme carimbo aposto a folhas 1 do processo físico, cujo teor se dá, aqui, por integralmente reproduzido.

111.2. FACTOS NÃO PROVADOS
Inexistem.

111.3. MOTIVAÇÃO
O Tribunal formou a sua convicção, quanto aos factos provados, com base nos documentos constantes dos autos, acima identificados, os quais não foram impugnados.»

Alteração oficiosa, por ampliação, da decisão sobre a matéria de facto
Por se entender relevante à decisão de mérito a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada, adita-se, a coberto do estatuído no artigo 662, nº.1, do CPC ex vi artigo 281º do CPPT ao probatório, a seguinte factualidade:

S) Consta do teor das liquidações, dado como provado na alínea G) dos factos assentes, o seguinte: “Liquidação adicional efetuada nos termos do artigo 87.º do CIVA em resultado do processamento da declaração corretiva e relativamente a um período de imposto para o qual já tinha sido enviada Declaração Periódica”. (documentos a folhas 9 a 33 do P.A.T.)
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B.DE DIREITO

O presente recurso jurisdicional vem dirigido à sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou procedente impugnação judicial deduzida contra os actos de liquidação adicional de IVA relativa a 14 períodos trimestrais dos anos de 2005 e 2009, e juros compensatórios referentes a 11 daqueles períodos, no entendimento de que as diligências encetadas na sequência da decisão proferida no seio da “acção externa” – liquidações adicionais e deferimento de reembolso no valor inicialmente peticionado – não encontram suporte na decisão concretamente emanada no seio daquela acção, derivando, sim, do tratamento informático (erróneo) ulteriormente desencadeado, determinando por isso a anulação dos actos tributários sindicados.

A Fazenda Pública não se conforma com esta decisão e contrapõe, alegando em síntese que nas declarações iniciais foram inscritos valores que originaram para o contribuinte créditos de IVA reportados para os períodos de tributação trimestral seguintes e se nas declarações de substituição os valores indicados geraram um diferencial, então havia que repor o crédito indevidamente usado e pagar o débito evidenciado.

Adianta-se já que tem toda a razão.

Senão vejamos

Na sequência do pedido de reembolso de IVA apresentado pela recorrida em Agosto de 2009, a Administração Tributária procedeu à análise e verificação dos elementos contabilísticos da recorrida, destina a confirmar os pressupostos legais para o deferimento da respectiva pretensão, apurando que o valor de IVA passível de reembolso ascendia apenas a 10.174,88€.

Com base nas conclusões a que chegou a Inspecção Tributária no âmbito do procedimento levado a efeito, a recorrida em 17.11.2009, entregou 18 declarações de substituição, as quais vieram a originar as liquidações sindicadas efetuadas ao abrigo do artigo 87.º, n.ºs 1 e 2 do CIVA (contemplando a diferença entre o valor da dedução de imposto superior ao devido (mencionado nas declarações originárias/ substituídas) e a dedução de IVA apurado com base nas declarações de substituição).

E tanto assim é que consta do teor das liquidações, dado como provado na alínea G) dos factos assentes, o seguinte: «Liquidação adicional efetuada nos termos do artigo 87.º do CIVA em resultado do processamento da declaração corretiva e relativamente a um período de imposto para o qual já tinha sido enviada Declaração Periódica».

Neste quadro, e contrariamente ao afirmado pelo Tribunal «a quo» as liquidações adicionais sindicadas não derivam de um «tratamento informático (erróneo) ulteriormente desencadeado» mas derivam antes da reposição do excesso de crédito que a recorrida tinha vindo até então a usar de modo indevido.

De facto, como bem refere a recorrente o reconhecimento de um valor de “IVA dedutível” no montante de 7.784,04€ nas declarações de substituição (cfr. alínea C) dos factos provados), não implica que não se tenham de emitir liquidações adicionais no sentido de repor o excesso de crédito.

Destarte e pelo exposto, procede o presente recurso, com a consequente revogação da sentença recorrida.


IV.CONCLUSÕES
I.Se nas declarações iniciais foram inscritos valores que originaram para o contribuinte créditos de IVA e se nas declarações de substituição os valores indicados originaram um diferencial, impõe-se a reposição do crédito indevidamente usado.

V.DECISÃO
Termos em que, acordam os juízes que integram a 1ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, consequentemente, julgar a impugnação judicial improcedente.

Custas pela Recorrida.

Lisboa, 14 de janeiro de 2021.

[Ana Pinhol]

[Isabel Fernandes]

[Jorge Cortês]