Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:569/16.8BESNT
Secção:CA
Data do Acordão:07/04/2019
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:ARGUIÇÃO DE NULIDADES NO ÂMBITO DE RECURSO DE REVISTA.
OMISSÃO DE PRONÚNCIA.
Sumário:I)-Importa não confundir a nulidade por falta ou excesso de conhecimento com o erro de julgamento, que se verifica quando o juiz não decide acertadamente, por decidir «contra legem» ou contra os factos apurados.

II) -No caso em apreciação, o tribunal recorrido conheceu de questão de que devia conhecer em termos que geraram a impossibilidade de conhecer de todas as demais questões suscitadas nos autos.

III) -Independentemente da maior ou menor validade da argumentação seguida no aresto reclamado, o certo é que não se está em presença de omissão de pronúncia mas apenas em face do desenvolvimento de um raciocínio no âmbito da ponderação de determinada questão, no caso a atinente à prescrição do direito como se vê claramente do discurso jurídico do acórdão reclamado.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 1ª SECÇÃO DO 2º JUÍZO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


1.- ALCINDO ........... e HELENA ..........., AA. e Recorrentes nos presentes autos, com os sinais dos mesmos, inconformados com o Acórdão que neste TCA negou provimento ao recurso que interpuseram, vieram interpor recurso de revista para o S.T.A. nos termos do artº 150º do CPTA, arguindo a nulidade do acórdão por omissão de pronúncia nos termos da al. d) do nº1 do artº 615º do CPC.

Contra essa arguição se manifestaram os recorridos.

Colhidos os vistos legais, cumpre, pois, aquilatar se procede a arguida nulidade em vista do seu eventual via do suprimento.
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2. É pacífico o entendimento doutrinal e jurisprudencial de que uma vez proferida a sentença (ou acórdão), imediatamente se esgota o poder jurisdicional do Tribunal relativo à matéria sobre que versa (cfr.artº.613º, nº.1, do C. P. Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6). Excepciona-se a possibilidade de reclamação com o objectivo da rectificação de erros materiais, suprimento de alguma nulidade processual, esclarecimento da própria sentença ou a sua reforma quanto a custas ou multa (cfr.artºs.613º, nº.2, e 616, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6).
Tanto a reclamação, como o recurso, passíveis de interpor face a sentença (ou acórdão) emanada de órgão jurisdicional estão, como é óbvio, sujeitos a prazos processuais, findos os quais aqueles se tornam imodificáveis, transitando em julgado. A imodificabilidade da decisão jurisdicional constitui, assim, a pedra de toque do caso julgado (cfr.artºs.619 e 628, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6).
Ora, porque a arguição de nulidade do Acórdão é admissível no âmbito do recurso que foi interposto, impõe-se que o tribunal a quo se pronuncie.
Apreciando:
Quanto à omissão de pronúncia argúem os recorrentes que O recurso interposto e apreciado pelo TCAS tinha como objecto erro na apreciação da prova e da aplicação do direito da decisão que apreciou o direito dos autores a uma indemnização pelos danos causados por duas actuações distintas da ré: uma, relativa aos danos derivados da colocação e instalação do colector de águas residuais no imóvel dos autores, que terá ocorrido entre 29.6.1978 e 31.5.1983 e outra relativa aos danos provocados pelo atraso intencional da ré, de cerca de um ano, para efectuar a ligação dos ramais à rede pública do imóvel dos autores, que ocorreu a 28.5.2013; a outra, tinha por objecto a apreciação da nulidade da sentença, porque o Tribunal foi totalmente omisso na apreciação desta última questão e que respeita à ligação do ramal, não constando da fundamentação de direito da sentença qualquer análise e/ou apreciação destes pedidos, omissão que importaria a nulidade da sentença, nos termos das alíneas b) e d), do n.° 1, do artigo 615.° do C. P. Civil.
Ora, proclamam os recorrentes, da análise do acórdão proferido, e de que ora se recorre, verifica-se que o mesmo apenas apreciou a primeira questão, sendo totalmente omisso na apreciação da segunda situação e dos factos a ela respeitantes, quer quanto à matéria de facto, quer no que respeita à aplicação do direito, bem como, não apreciou a nulidade da sentença suscitada.
Assim, concluem os Recorrentes que, por não se ter pronunciado sobre questões que devia apreciar o acórdão é nulo, nos termos dos artigos 615°, al. d) e 666.° do CPC, aplicável por força do artigo 140.°, n.°3, do CPTA, devendo em consequência ordenar-se a apreciação das questões omitidas pelo tribunal recorrido.
Quid juris?
Sustentam os recorrentes que o acórdão em questão é nulo, em razão do disposto no artigo 615º, n.º 1, d), do CPC, que estatui ser causa de nulidade da sentença em processo judicial a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar.
Aquela regra comporta a excepção prevista no nº 2 do artº 608º do CPC que estipula que «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras». E as questões suscitadas pelas partes e que justificam a pronúncia do Tribunal terão de ser determinadas pelo binómio causa de pedir-pedido. A ser assim e de acordo com a opinião do Prof. J. A. Reis, Anotado, Coimbra, 1984, Vol. V, pág. 58, haverá tantas questões a resolver quantas as causas de pedir indicadas pelo recorrente no requerimento e que fundamentam o pedido.
Os ora Recorrentes alegam a nulidade da sentença por omissão de pronúncia por considerar que nem a sentença, nem o Acórdão se pronunciarem sobre as questões supra identificadas.
Afigura-se-nos que não assiste razão aos Recorrentes como decorre claramente da fundamentação do censurado aresto em que foi decretada a prescrição do direito à indemnização que na acção pretendiam fazer valer o que acarretava a impossibilidade jurídica de conhecer todas as demais questões, incluindo a alegada nulidade, ao ali se expender o seguinte:
“(…)
Como é sabido, na prescrição, o prazo reflecte o período de tempo durante o qual perdura a negligência do credor, que faz presumir a sua vontade de renunciar ao direito ou não ser merecedor da sua tutela, prazo que, por representar o tempo de duração da negligência, deverá, naturalmente, iniciar-se com o vencimento, com exigibilidade, do crédito. É o que se encontra consagrado nos arts. 306º e 307º C. Civil.
Constitui um facto extintivo autónomo do direito do credor, a invocar pelo devedor interessado, facto esse que se traduz na oposição de uma não exigibilidade do crédito reclamado (recusa ou oposição ao exercício), operada pelo decurso do tempo – art. 304º-1 C. Civil.
Sendo a prescrição – diferentemente do que sucede na caducidade, em que se limita o exercício dum direito – uma limitação de exigibilidade, pode acontecer que a mesma não seja contemporânea da formação do direito, pois que apenas se verifica a partir dessa exigibilidade e, portanto, porque a exigibilidade vive associada ao vencimento da obrigação, em momento posterior à formação do direito.
Por isso se diz que a prescrição paralisa um direito exigível por insatisfeito, regendo o prazo de prescrição a exigibilidade de um direito preexistente, actuando em fase posterior ao seu nascimento, na fase ulterior do vencimento (cfr. Aníbal de Castro, “A Caducidade”, 2ª ed., 49, 59 e 103).
Ora, atenta a decisão judicial, julgando verificada a exceção da prescrição, fez bem o Tribunal a quo ao não se debruçar sobre qualquer outra questão.
O que vale por dizer que em relação às questões sub judice foi acertada a decisão proferida, sendo digna de ser confirmada.”
Um dos princípios estruturantes do direito processual civil é o princípio do dispositivo, a que alude o artigo 5º, n.º 1, do CPC, segundo o qual “às partes cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções”.
E a que também se refere o art. 608º, n.º 2, do mesmo CPC, que diz que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outra. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
Conforme este princípio, cabe às partes alegar os factos que integram o direito que pretendem ver salvaguardado, impondo-se ao juiz o dever de fundamentar a sua decisão nesses factos e de resolver todas as questões por aquelas suscitadas, estando obrigado, por regra, a ocupar-se apenas dessas questões.
A sentença ficará afectada de nulidade, quer no caso de o juiz deixar de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, quer quando conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (art. 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC).
Mas importa precisar o que deve entender-se por «questões» cujo conhecimento ou não conhecimento integra nulidade por excesso ou falta de pronúncia.
Como tem sido entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência, apenas as questões em sentido técnico, ou seja, os assuntos que integram o «thema decidendum», ou que dele se afastam, constituem verdadeiras «questões» de que o tribunal tem o dever de conhecer para decisão da causa ou o dever de não conhecer, sob pena de incorrer na nulidade prevista no art. 615º/1/d) do CPC.
Há, assim, que distinguir as verdadeiras questões dos meros “raciocínios, razões, argumentos ou considerações”, invocados pelas partes e de que o tribunal não tenha conhecido ou que o tribunal tenha aduzido sem invocação das partes [Ver Abílio Neto In “Código do Processo Civil”, Anotado, 14.ª ed., pág. 702 e Acórdão da Relação de Lisboa, de 2.07.1969, publicado JR, 15.].
Num caso como no outro não está em causa omissão ou excesso de pronúncia.
No que concerne à falta de pronúncia dizia Alberto dos Reis, que «são na verdade coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão» [In Código de Processo Civil, Anotado, Volume V, pg. 143].
Dentro deste raciocínio do ilustre mestre se poderá acrescentar que quando o tribunal, para decidir as questões postas pelas partes, usar de razões ou fundamentos não invocados pelas mesmas partes mas que, como no caso concreto, são de conhecimento oficioso e prejudicam todas as demais questões colocadas, não está a agir de modo a cometer uma nulidade.
Do que se conclui que apenas as questões essenciais, questões que decidem do mérito do pleito ou, convenhamos, de um problema de natureza processual relativo à validade dos pressupostos da instância, é que constituem os temas de que o julgador tem de conhecer, quando colocados pelas partes, ou não deve conhecer na hipótese inversa, sob pena de a sentença incorrer em nulidade por falta de pronúncia ou excesso de pronúncia.
Obviamente sempre salvaguardadas as situações onde seja admissível o conhecimento oficioso do tribunal, como aconteceu no caso concreto.
Por último importa não confundir a nulidade por falta ou excesso de conhecimento com o erro de julgamento, que se verifica quando o juiz não decide acertadamente, por decidir «contra legem» ou contra os factos apurados [vd A. dos Reis, In “Código de Processo Civil”, Anotado, Volume V, pg. 130].
Ora, no caso em apreciação, o tribunal recorrido conheceu de questão de que devia conhecer em termos que geraram a impossibilidade de conhecer de todas as demais questões suscitadas nos autos.
Independentemente da maior ou menor validade da argumentação seguida no aresto reclamado, o certo é que não se está em presença de omissão de pronúncia mas apenas em face do desenvolvimento de um raciocínio no âmbito da ponderação de determinada questão, no caso a atinente à prescrição do direito como se vê claramente do discurso jurídico do acórdão reclamado e que acima se focou.
Daí, pois, que o acórdão não enferma do vício decisório que lhe vem assacado.
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3. Termos em que se acorda em julgar inverificada a nulidade processual suscitada pela Recorrente, e, em consequência, manter o Acórdão reclamado.
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Notifique e, após, subam os autos ao Venerando Supremo Tribunal Administrativo!

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Lisboa, 04 de Julho de 2019
(José Gomes Correia)
(António Vasconcelos)
(Sofia David)