Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:341/20.0BELLE
Secção:CA
Data do Acordão:08/04/2021
Relator:PEDRO NUNO FIGUEIREDO
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR; NOVO ATO
Sumário:A apresentação de um novo pedido de providência cautelar, relativo a ato distinto daquele que foi visado em anterior providência, a par do pedido da ação principal prosseguir contra o novo ato, impõe a instauração de nova providência cautelar visando a suspensão deste.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul
I. RELATÓRIO
J..... requereu a suspensão da eficácia do ato praticado pelo Município de Loulé no dia 05/04/2021, através do qual revogou a decisão de 13/08/2020, cuja eficácia havia sido suspendida por sentença do TAF de Loulé e mantida pelo acórdão deste TCAS de 18/03/2021.
Por sentença de 22/04/2021, o TAF de Loulé antecipou a decisão da causa principal e declarou a nulidade do referido ato, por violação do caso julgado.
Inconformado, o Município de Loulé interpôs recurso daquela decisão, terminando as alegações com a formulação das conclusões que seguidamente se transcrevem:
A – É evidente a impropriedade do meio processual utilizado pelo Requerente, ora Recorrido, que deveria(á), caso assim o entendesse, servir-se dos mecanismos previstos no CPTA em sede de execução, sendo, também evidente o erro de aplicação e interpretação de que enferma a posição adotada na sentença Recorrida, ao suportar a sua posição nos termos do artigo 124º do CPTA, e, citando ainda em favor da sua conclusão, a conjugação dos artigos 36.º, n.º 4, 64.º, n.º 1 e 5 e 65.º, n.º 1 CPTA
B - O erro na forma do processo, constitui exceção dilatória que determina a anulação de todo o processo e a absolvição do Requerido da instância, nos casos em que a petição inicial não possa ser aproveitada para a forma de processo adequada ( cfr. arts. 193.º, n.º 1, 278.º, n.º 1, al. b), 576.º, n.º 2, e 577.º al. b), do CPC ), o que é o caso, e se requer.
C – Sem conceder, resulta, inequivocamente, dos autos, que o Acordão do TCAS foi notificado às Partes no dia 19.03.2021, daí que na data da prática do novo ato pela Entidade Requerida ( 05.04.2021) não tinha, ainda, transitado em julgado, ao invés do, injustificada e conclusivamente, assumido na sentença recorrida, não estando verificado, portanto, o fundamento nela acolhido no sentido da nulidade com fundamento no disposto no art. 161º, nº1, al d) do CPA, sendo notório o erro de julgamento.
D - Entende-se que, independentemente, da qualificação jurídica do novo ato de 05.04.2021, é incontrovertida a existência de previsão legal para a sua prática, seja para a sua revogação, anulação ou substituição, por sua vez, em contraposição, ao Recorrido assiste o direito conferido pelo disposto no nº 5 do art. 164 do CPA e 64º do CPTA, que consagram mecanismos de modificação objetiva da instância.
E - Ao invés da posição adotada na sentença recorrida, um ato jurisdicionalmente suspenso não é, por si só, insuscetível de revogação ou anulação administrativas, sob pena de nulidade, desde logo, porque os atos suspensos não constam da enumeração constante do número 1 do artigo 166.º do CPA, sem prejuízo, naturalmente, das limitações impostas pela lei substantiva à anulação administrativa de atos jurisdicionalmente impugnados, a qual, nos termos do número 3 do artigo 168.º do CPA,( só ) pode ter lugar até ao encerramento da discussão.
F - O entendimento perfilhado na douta sentença recorrida, contém dois erros de base, o 1º, porque conclui que à data de 05.04.2021 ( data da prática do novo ato ) o Acordão do TCAS tinha transitado em julgado, o que não é correcto, depois, o 2º erro, porque os atos suspensos não constam do elenco consagrado no art.166º do CPA, ou seja, não são insuscetíveis de revogação ou anulação administrativas.
G - Com o ato proferido no dia 05.04.2021, o ora Recorrente, teve como único intuito a prossecução do interesse público, balizado e suportado no entendimento perfilhado do Acordão do TCAS, que, percute-se, prescinde, expressamente, do requisito do consentimento do Requerente, bastando-se com a verificação dos pressupostos contidos no art. 30º, nº 3 e 4 da Lei da Droga, daí que a questão da culpa do agente possa ( deva ) ser ponderada no âmbito da aplicação do principio da proporcionalidade.
H - Desta forma, ainda que o Acordão do TCAS, à data da emissão do ato de 05.04.2021 tivesse transitado em julgado, entende-se que jamais estaria verificada a nulidade consistente na violação de decisão judicial transitada em julgado, porquanto o ora Recorrente cumpriu ou visou cumprir os comandos decorrentes do entendimento nele plasmado, não tendo desrespeitado a autoridade de caso julgado.
I – A leitura do despacho de 05.04.2021, impõe a conclusão de que está devidamente fundamentado, quer de facto, quer de direito, não podendo o tribunal, em regra, substituir-se à administração na ponderação de valorações que se integram na margem da discricionariedade que lhe assiste, como deflui da conjugação entre o disposto no art. 268.º, n.º 4, da CRP e no art. 3.º do CPTA, entendendo-se que a decisão de encerramento do estabelecimento pelo prazo de 1 ano, insere-se dentro do exercício dos poderes discricionários do Recorrente, alicerçada em informações das autoridades policiais competentes, e, legitimada e enquadrada em entendimento perfilhado no Acordão do TCAS.”
Não foram apresentadas contra-alegações.

Perante as conclusões das alegações do recorrente, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre aferir:
- da impropriedade do meio processual utilizado pelo recorrido;
- do erro de julgamento da sentença recorrida, ao declarar a nulidade do novo ato de 05/04/2021.

Dispensados os vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.
*
II. FUNDAMENTOS
II.1 DECISÃO DE FACTO
Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
“A) O ora Requerente explora um estabelecimento de Snack-bar, denominado “B.....” sito na .....,
B) Para a exploração do estabelecimento em causa foi concedido o Alvará de Licença de Utilização n.º ....., emitido pela Câmara Municipal de Loulé em 22 de Abril de 1999 (conforme doc. n.º 2 junto com o r.i.);
C) Desde a data da atribuição do referido alvará que o Requerente explora ininterruptamente o aludido snack-bar (conforme declarações de parte e depoimento de testemunhas)
D) A exploração do estabelecimento comercial referido na alínea A) é o único trabalho e a única fonte de rendimentos do Requerente (cfr. declarações de IRS juntas aos autos, doc. 11 junto com o r.i., declarações de parte e depoimento de testemunhas);
E) O Requerente é divorciado, tem 56 anos de idade, porquanto nasceu no dia 13/11/1964 e tem como habilitações literárias o 9.º ano de escolaridade (cfr. doc n.º 10 junto com o r.i. e declarações de parte);
F) O Requerente vive sozinho com a sua mãe, que tem 86 anos, na casa desta e que está dependente terceiros, sendo aquele a fazer as compras para a casa ao fim-de-semana e cuida da mãe durante a noite (cfr. depoimento de testemunhas e declarações de parte);
G) Nos dias 7 de Outubro de 2019 e 11 de Novembro de 2019, no decorrer de operações de fiscalização efetuadas pela Guarda Nacional Republicana ao estabelecimento comercial explorado pelo Requerente, foram feitas “apreensões de plantas, substâncias ou preparações incluídas nas tabelas I a IV do Decreto- Lei 15/93 de 22.01” (cfr. doc. 3 junto com o r.i.);
H) O Requerente investiu €1.782,00, que ainda se encontra a pagar, na instalação de um sistema de videovigilância com o intuito de dissuadir/afastar todos e quaisquer indivíduos que pretendessem frequentar o seu snack-bar na posse de substâncias ilícitas (cfr. doc. 5 junto com o r.i., declarações de parte e depoimento de testemunhas);
I) Desde inícios de 2020 que a afluência de pessoas na zona exterior do estabelecimento “B.....” diminuiu cerca de 95 %, a rua está mais calma, naquela zona (cfr. depoimento das testemunhas);
J) O estabelecimento comercial apenas tem mesas e cadeiras no interior, assim como 2 televisões, sendo que são visíveis da rua (cfr. depoimento de testemunhas e declarações de parte);
K) No estabelecimento comercial, apenas trabalha o Requerente (cfr. declarações de parte e depoimento de testemunhas);
L) Desde há cerca de 3 / 4 anos, que a rua começou a sofrer diversos ajuntamentos de pessoas que traziam bebidas e colocavam-se num terreno em frente ao estabelecimento explorado pelo Requerente e desde que houve mais rusgas e câmara de vigilância, deixou de acontecer (cfr. depoimento de testemunhas);
M) A maioria dos clientes do estabelecimento comercial são trabalhadores das obras, jardineiros que trabalham na zona de Vale do Lobo (cfr. depoimento das testemunhas);
N) Em 18 de Fevereiro de 2020 foi o Requerente notificado pela Câmara Municipal de Loulé do projecto de decisão relativo à cessação da utilização da exploração do referido estabelecimento comercial e consequente encerramento do mesmo pelo prazo de 5 anos para o exercício de audiência prévia (cfr. doc. 3 junto com o r.i.);
O) O Requerente apresentou requerimento no qual solicitou diligências instrutórias, nomeadamente, a audição de testemunhas, que foram indeferidas pela Entidade Requerida (cfr. doc. 4 junto com o r.i.), que solicitou a colaboração do Destacamento Territorial da GNR de Loulé no sentido de verificar a veracidade dos factos alegados (cfr. doc. 1 junto com o r.i.).; - [alterado, conforme decisão sobre a impugnação da decisão de facto]
P) Por despacho do Vice-Presidente da Câmara Municipal de Loulé, com base na informação veiculada e constatada pelo Destacamento Territorial da GNR de Loulé, foi determinada a conversão do projecto de decisão e determinado o encerramento do estabelecimento comercial designado Snack Bar B.....”, explorado pelo Requerente, pelo prazo de 5 anos (cfr. p.a. e doc. 1 junto com o r.i.). (cfr. p.a.); - [alterado, conforme decisão sobre a impugnação da decisão de facto]
Q) O Requerente paga €118,90 /mês relativo à prestação do contrato de locação financeira que celebrou com o Banco BPI para aquisição da viatura automóvel (cfr. doc. n.º 12 junto com o r.i.);
R) O Requerente paga trimestralmente o valor de €107,90 pelo seguro de responsabilidade civil obrigatório do supra referido veículo (cfr. doc. n.º 13 junto com o r.i.);
S) O Requerente liquida semestralmente o valor de €161,19, relativo ao seguro do ramo AT empresários (cfr. doc. n.º 14 junto com o r.i.);
T) O Requerente liquida o valor mensal de €373,03 a título de renda pela exploração do snack bar “B.....” (cfr. doc. n.º 15 junto com a p.i.);
U) O Requerente paga €89,58/mês pela prestação relativa à aquisição do sistema de videovigilância Sistema de CCTV+Intrusão+Lig. Central, (cfr. doc n.º 16 junto com o r.i.);
V) Pelo fornecimento de energia eléctrica no estabelecimento, o Requerente paga em média o valor mensal de €222,29 (cfr. doc n.º 17 junto com o r.i.);
W) Pelo abastecimento de água do snack-bar, o Requerente paga mensalmente cerca de €32,39 (cfr. doc. n.º 18 junto com o r.i.);
X) Pela avença relativa aos serviços de contabilidade paga mensalmente o valor de €143,08 (cfr. doc. n.º 19 junto com o r.i.);
Y) O Requerente paga mensalmente a título de contribuições enquanto trabalhador independente para a Segurança Social a quantia de €165,87, (cfr. doc. n.º 20 junto com a p.i.);
Z) Pelos serviços de comunicações (tv+internet +telemóvel) o Requerente paga a quantia mensal de €121,54 (cfr. doc. n.º 21 junto com a p.i.);
AA) Pelo seguro de vida, o Requerente paga trimestralmente o valor de €81,78 (cfr. doc. n.º 22 junto com o r.i.);
BB) O Requerente paga o valor mensal de €169,23 /mês relativo { utilização do Cartão Oney Auchan (cfr. doc. n.º 23 junto com o r.i.);
CC) O Requerente paga mensalmente o montante de €249,13 para amortização do Crédito Pessoal Oney no valor de €15.000,00, celebrado em 20/08/2018 a liquidar em 108 prestações (cfr. doc n.º 24 junto com o r.i.);
DD) O Estabelecimento comercial explorado pelo Requerente não está conotado na vizinhança como tendo uma frequência de clientes “drogados ou traficantes” (cfr. depoimento de testemunhas).”
EE) No dia 21/07/2020, na sequência de uma operação levada a efeito no estabelecimento, solicitada pelos Serviços do réu na sequencia do exercício de direito de audiência prévia do autor, foi detectado diverso produto estupefaciente no interior do estabelecimento, indiciando que se destinava ao tráfico atenta à forma de acondicionamento;
FF) Na sequência dessa operação de fiscalização a Guarda Nacional Republicana, tendo por base os factos descritos, comunicou ao réu que entendia que o explorador não tomou as medidas necessárias e adequadas para evitar que o estabelecimento que explora fosse utilizado para o tráfico e consumo de estupefacientes.
“GG) Em 05 de Abril de 2021, o Presidente da Câmara Municipal de Loulé exarou
despacho cujo teor abaixo se reproduz:
Considerando que:
- Em 24 de Janeiro de 2020, foi proferido projeto de decisão de encerramento do ‘Snack Bar B....., pelo prazo de 5 anos, por terem sido constatados e apurados por esta Câmara Municipal, com base na comunicação expressa do Destacamento Territorial de Loulé da Guarda Nacional Republicana, no Estabelecimento Comercial, sito na ..... explorado pelo Sr. J....., a ocorrência dos seguintes factos:
- No dia 7 de Outubro de 2019 “no decorrer de operação de fiscalização efetuada peta Guarda Nacional Republicana foram feitas apreensões de plantas, substâncias ou preparações incluídas nas tabelas I a IV que pelas quantidades de produtos estupefacientes apreendidos e a forma como os mesmo se apresentavam se destinavam ao Tráfico de produtos Estupefacientes”, e que deu origem ao processo-crime com o NUIPC 575/19.0GELLE, e
- No dia 11 de Novembro de 2019 no decorrer de outra operação de fiscalização efetuada pela Guarda Nacional Republicana foram feitas apreensões de plantas, substâncias ou preparações incluídas nas tabelas I a IV se destinavam igualmente ao Tráfico de produtos Estupefacientes, e que deu origem ao Auto de Notícia e processo-crime com o NUIPC 1187/19.4GBLLE.
- No dia 12 de Novembro de 2019 foi notificado pessoalmente, pela segunda vez num período de um mês, o titular do Alvará Licença de Utilização e explorador do Estabelecimento Comercial, Sr. J....., para "todo o conteúdo do Artigo 30°. do Decreto-Lei 15/93 de 22.01”, notificação pessoal que o mesmo assinou e que foi feita peio Destacamento Territorial de Loulé da Guarda Nacional Republicana, com especial enfoque para o plasmado nos números 3 e 4 do referido artigo 30°, visto ser a segunda notificação em menos de um ano, concretamente até num período de cerca de um mês, "o que demonstra que não tomou as mediadas adequadas e necessárias para evitar que o estabelecimento que explora fosse utilizado para o tráfico e consumo de estupefacientes" conforme toda a comunicação.
- Se constatou que no período de um (1) mês e 4 dias no interior do Estabelecimento comercial Snack Bar B.....” foram realizadas em duas ocasiões diferentes, duas (2) apreensões de plantas, substâncias ou preparações incluídas nas Tabelas I a IV, realizadas pelo Departamento da Guarda Nacional Republicana, que elaborou os respetivos Autos de Noticia e que deu origem aos 2 processos crimes NUIPC 575/19.0GELLE e 1187/19.4GBLLE, pelo crime de Tráfico de produtos estupefacientes, tendo o supra referido Titular do Estabelecimento Comercial s.do expressamente advertido e notificado para o previsto na Lei de Combate à Droga de que caso se verifiquem as condições e requisitos definidos no Artigo 30° n". 3, 4, 5 do D.L. n° 15/93 de 22.01 que o seu Estabelecimento Comercial podia ter ordem de Encerramento neta autoridade administrativa que autorizou o seu funcionamento, ou seja, pela Câmara Municipal de Loulé, nos termos previstos nos nºs 2 e 3 do Artigo 34º e nos termos expressos no nº. 5 do Artigo 30º. Do D.L. n.º 15/93, de 22.01.
- Face ã tomada de conhecimento pela Câmara Municipal de Loulé dos factos supra descritas e verificadas as condições referidas nos n.°s 3 e 4 do art.° 30.° do Decreto-Lei n.° 15/93 de 22 de Janeiro, decidiu o encerramento do estabelecimento comercial pelo prazo de 5 anos;
- Em 18 de Fevereiro de 2020, foi o Sr. J..... notificado do projeto de decisão de encerramento do estabelecimento comercial “Snack Bar B.....";
- Em 03 de Março de 2020, o Sr. J....., apresentou pronúncia, em sede de audiência prévia, alegando que tinha adotado as medidas adequadas e necessárias para evitar/dissuadir que o estabelecimento que explora fosse utilizado para o tráfico de estupefacientes;
Em 13 de Março de 2020, foi solicitado ao Destacamento Territorial da GNR de Loulé
elaboração para confirmar a veracidade dos factos alegados pelo interessado;
Em 10 de Agosto de 2020, foi a Câmara Municipal de Loulé notificada da resposta ao pedido de colaboração pelo Destacamento Territorial da GNR de Loulé, nomeadamente, foi informada de que " (...) no dia 21 de Julho de 2020, no decorrer de uma operação levada a cabo pelo destacamento territorial da GNR de Loulé, foi efetuada uma ação de fiscalização ao estabelecimento “Snack Bar B..... " " A fiscalização tinha como objetivo o combate à criminalidade organizada e especialmente violenta visando fundamentalmente o tráfico e consumo de estupefacientes”; “No decorrer da referida fiscalização foi detetado diverso produto estupefaciente no interior do estabelecimento na posse de um cliente, indiciando que se destinava a tráfico, atenta à forma de acondicionamento que não evidenciavam que as mesmas se destinassem ao consumo de uma única pessoa, mas sim que o seu detentor se encontrava naquele local com o intuito de transacionar tais substâncias”; “(…) Tendo por base os factos supra descritos, demonstra o explorador dos estabelecimentos, salvo diferente entendimento, não tomou as medidas adequadas e necessárias para evitar que o estabelecimento que explora fosse utilizado para tráfico e consumo de estupefacientes”;
- Após, conhecimento dos factos, em 13 de Agosto de 2020, foi proferido ato administrativo de conversão do projeto de decisão de encerramento do estabelecimento comercial pelo prazo de 5 anos em decisão definitiva, com base nos fundamentos supra mencionados e nos termos do art.º 30.º do D.L. n.º 15/93 de 22 de janeiro;
Com a notificação da conversão do despacho de projeto de decisão de encerramento pelo prazo de 5 anos em decisão definitiva, o Sr. J....., interpôs providência cautelar para suspensão da eficácia do ato administrativo proferido em 13 de Agosto de 2020;
- Por Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul de 18 de Março de 2021 foi decidido manter a decisão de procedência da providência cautelar e suspensão do ato visado, com a fundamentação de que:
“ (…) decorre do artigo 7.º do CPA, que incumbia ao município, ora recorrente, adotar os comportamentos adequados aos fins prosseguidos, no n.º 1, e que as suas decisões que colidam com direitos subjetivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afetar essas posições na medida do necessário e em termos proporcionais aos objetivos a realizar.
(…) Atendendo ao específico contexto da situação, incumbia ao município adequar o período de encerramento do estabelecimento aos factos a que tinha acesso. E segundo decorre do processo administrativo, sendo certo que foi instaurado processo crime pela prática da infração prevista no artigo 30.º, inexiste factualidade que aponte no sentido do recorrido consentir na utilização do estabelecimento para o tráfico ou o uso ilício de estupefacientes.
(…) Daí que, neste contexto específico, se afigura claramente excessiva a aplicação do período máximo de encerramento do estabelecimento, ainda para mais sem que do ato administrativo conste qualquer justificação que fundamente tal opção.
(…) Perante o que, no tocante à violação do princípio da proporcionalidade, deve ter-se por verificado o requisito do fumus boni iuris.
(…) O encerramento do estabelecimento por cinco anos configura, como já se viu, uma solução desproporcional. (…)”
Assim, e como forma de agir perante o flagelo social de prevenção e repressão do consumo e tráfico de droga, atendendo aos factos verificados e comprovados em três ações de fiscalização pelo Destacamento Territorial da GNR de Loulé, é necessário proceder a uma adequação proporcional da medida exigida.
Caso, assim não ocorra, o dano para o interesse público consubstanciar-se-á num sentimento de impunidade por parte dos agentes e um estímulo à continuação das atuações ilícitas.
Mostrando-se insuficientes as medidas adotadas pelo Sr. J....., e atendendo que incumbia ao município adequar o período de encerramento do estabelecimento aos factos a que tinha acesso para que pudesse tomar a decisão de encerramento em observância ao princípio da proporcionalidade, por efetivamente se verificarem os requisitos e pressupostos do art.º 30 do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro.
O presente despacho consiste numa revogação por substituição do ato administrativo de 13/08/2020, proferido pelo Sr. Vice-Presidente, e uma vez que o interessado Sr. J..... se pronunciou, em sede de audiência de interessado, nos termos do art.º 122.° do CPA, em 03 de Março de 2020, sobre as questões que importam á decisão e sobre as provas produzidas, dispensa-se a concessão de prazo para pronúncia em sede audiência de interessado, nos termos do art.º 124.°, n.º 1, alínea a) do CPA.
Face a todo o exposto determino que seja revogado por substituição o despacho de decisão de encerramento do estabelecimento comercial “Snack Bar B....." proferido em 13/06/2020, pelo prazo de 5 anos, nos termos do art.° 173 ° do CPA, e que:
- Seja encerrado, pelo prazo da 1 ano, o estabelecimento comercial ‘Snack Bar B....., sito na ....., explorado por J....., nos termos do art. 30 ° n.º 3, 4 e 5 e artigo 34.°, n.° 2 e 3 do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro na sua actual redação;”
Não ficou indiciariamente provado que o Requerente consentia que o Snack-bar que explorava fosse utilizado para o tráfico ou uso ilícito de plantas, substâncias ou preparações incluídas nas tabelas I a IV.
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II.2 APRECIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

Conforme supra enunciado, as questões a decidir cingem-se a saber se:
- é impróprio o meio processual utilizado pelo recorrido;
- ocorre erro de julgamento da sentença recorrida, ao declarar a nulidade do novo ato de 05/04/2021.

Vejamos a primeira questão, tendo presente a seguinte cronologia, relevante para a sua decisão.
Em 14/08/2020, o recorrente emitiu decisão de encerramento do estabelecimento do recorrido pelo período de 5 anos.
Interposta pelo recorrido providência cautelar visando a suspensão da eficácia deste ato, o TAF de Loulé julgou a mesma procedente por sentença de 24/11/2020.
Após recurso, esta decisão foi mantida por este TCAS através de acórdão datado de 18/03/2021, que transitou em julgado no dia 06/04/2021.
No dia anterior ao referido trânsito, o recorrente procedeu ao que denominou ‘revogação por substituição’ do ato de 14/08/2020, alterando o período de encerramento do estabelecimento para um ano.
Nos presentes autos de providência cautelar veio então o recorrido requerer, nos termos dos artigos 63.º, 64.º e 65.º do CPTA, a ampliação da instância com pedido de decretamento provisório, tendo já requerido a ampliação da instância relativamente ao objeto da ação principal, com prosseguimento desta providência relativamente aos novos atos, o revogatório e o que regulamentou novamente a situação, decretando-se a suspensão da sua eficácia e condenando-se a autoridade administrativa a abster-se de praticar qualquer ato ou adotar qualquer comportamento que ponha em causa a abertura do estabelecimento explorado pelo requerente.
Na sentença objeto de recurso, o TAF de Loulé conheceu deste requerimento nos presentes autos, invocando o disposto nos artigos 36.º, n.º 4, 64.º, n.º 1 e n.º 5, 65.º, n.º 1, 113.º, n.º 4, e 124.º, do CPTA, e entendeu que, com a prolação do novo ato, a entidade requerida violou a extensão objetiva e subjetiva do caso julgado, pelo que o mesmo é nulo, mais antecipando o juízo sobre a causa principal quanto à legalidade do ato e declarou a sua nulidade.
Antes do mais, três notas prévias se impõem quanto ao decidido.
Em primeiro lugar, a antecipação do juízo sobre a causa principal, nos termos do artigo 121.º, n.º 1, do CPTA, pressupõe a audição das partes quanto a tal intenção, o que não foi feito.
Em segundo, a sentença parte da premissa que o novo ato foi praticado após o trânsito em julgado da decisão da providência cautelar, o que, conforme decorre do supra descrito, não corresponde à realidade.
Em terceiro, nada se sabe, porquanto solicitação alguma se efetuou nesse sentido, quanto ao destino do(s) processo(s) crime de que terá sido alvo o aqui recorrido (desconhecendo-se mesmo que o tenha sido), quando a eventual manutenção de um encerramento do seu estabelecimento está inelutavelmente dependente da sua condenação criminal, cf. artigo 34.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, legislação de combate à droga.
Isto posto, verifica-se que as normas invocadas pelo TAF de Loulé para conhecer nos presentes autos do requerimento que visa o ato praticado em 05/04/2021, não o consentem.
Tais normativos legais têm o seguinte teor:
“Artigo 36.º
Processos urgentes (…)
4 - Na falta de especificação própria quanto à respetiva tramitação, os processos urgentes previstos em lei especial seguem os termos da ação administrativa, com os prazos reduzidos a metade, regendo-se, quanto ao mais, pelo disposto nos n.os 2 e 3 do presente artigo e, em fase de recurso jurisdicional, pelo disposto no artigo 147.º
Artigo 64.º
Anulação administrativa, sanação e revogação do ato impugnado com efeitos retroativos (…)
1 - Quando, na pendência do processo, o ato impugnado seja objeto de anulação administrativa acompanhada ou sucedida de nova regulação, pode o autor requerer que o processo prossiga contra o novo ato com fundamento na reincidência nas mesmas ilegalidades, sendo aproveitada a prova produzida e dispondo o autor da faculdade de oferecer novos meios de prova. (…)
5 - O disposto nos números anteriores é também aplicável aos casos de revogação do ato com efeitos retroativos.
Artigo 65.º
Revogação do ato impugnado sem efeitos retroativos (…)
1 - Quando na pendência do processo, seja proferido ato revogatório sem efeitos retroativos do ato impugnado, o processo prossegue em relação aos efeitos produzidos.
Artigo 113.º
Relação com a causa principal (…)
4 - Na pendência do processo cautelar, o requerente pode proceder à substituição ou ampliação do pedido, com fundamento em alteração superveniente dos pressupostos de facto ou de direito, com oferecimento de novos meios de prova, de modo a que o juiz possa atender à evolução ocorrida para conceder a providência adequada à situação existente no momento em que se pronuncia.
Artigo 124.º
Alteração e revogação das providências
1 - A decisão de adotar ou recusar providências cautelares pode ser revogada ou alterada, oficiosamente ou mediante requerimento, com fundamento em alteração dos pressupostos de facto e de direito inicialmente existentes.”
O invocado artigo 36.º, n.º 4, constitui norma subsidiária relativa a processos qualificados como urgentes, aqui se impondo que sigam a tramitação própria da ação administrativa, prevista nos artigos 78.º e seguintes do CPTA (cf. Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2017, pág. 244). E como é bom de ver, daí não se retira a aplicação às providências cautelares das normas relativas à impugnação de atos administrativos, designadamente dos invocados artigos 64.º e 65.º, desde logo porque tal desiderato é alheio àquelas providências.
Por outro lado, os artigos 113.º, n.º 4, e 124.º determinam que se atenda à alteração superveniente dos pressupostos de facto ou de direito, revogando-se ou alterando-se a adoção ou recusa da providência cautelar, tendo naturalmente como pressuposto que, em casos como o dos autos, ainda se vise a suspensão do mesmo ato.
Tal aqui não sucede.
Pelo que se impunha, a par do pedido da ação principal prosseguir contra o novo ato, a instauração de nova providência cautelar visando a suspensão do mesmo.
Igualmente se impunha ao Tribunal a quo a correção oficiosa do erro do recorrido, determinando a apensação do novo requerimento e aproveitando-se os atos que não tenham de ser anulados.
Nesta medida, impõe-se conceder provimento ao recurso, anular a sentença recorrida e determinar a autuação por apenso como nova providência cautelar do requerimento constante de fls. 466/484 dos autos (SITAF), seguindo-se os respetivos termos.


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III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, anular a sentença recorrida e ordenar a baixa do processo ao Tribunal a quo para os efeitos supra expostos.
Custas a cargo do recorrido.

Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de maio, o relator consigna e atesta que as Juízas Desembargadoras Ana Cristina Lameira e Luísa Soares têm voto de conformidade com o presente acórdão.

Lisboa, 4 de agosto de 2021

(Pedro Nuno Figueiredo)