Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:469/09.8BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:01/14/2021
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:IRC
FACTURAS FALSAS
Sumário:I. A 1.ª parte do n.º 1, do art. 59.º do CIRC, à época, estabelecia a regra de que não são dedutíveis em sede de IRC os montantes pagos, a qualquer título, a residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável;
II. Na 2.ª parte daquele preceito legal estabelece-se uma exceção à regra, nomeadamente, se o sujeito passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e que não têm um carácter anormal ou um montante exagerado, então, nesse caso, poderá efetuar a dedução, e, portanto, esses requisitos são cumulativos, cabendo a prova dos mesmos ao contribuinte;
III. A AT não necessita de demonstrar a falsidade das faturas, basta-lhe evidenciar a consistência daquele juízo, invocando factos que traduzam uma probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade (art. 75.º da LGT);
IV. A AT pode lançar mão de elementos obtidos através de fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, porém, não se pode bastar com esses elementos (indícios externos), tem necessariamente de obter alguns indícios junto do contribuinte (indícios internos) que, ainda que conjugado com aqueles outros, conduzam à elevada probabilidade de que as faturas não correspondem a operações efetivas;
V. Considerando o princípio do inquisitório consagrando no art. 58.º do mesmo diploma, é um poder-dever o previsto no art. 63.º da LGT, o nomeadamente o dever da AT de desenvolver todas as diligências necessárias ao apuramento da situação tributária dos contribuintes.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

l – RELATÓRIO

“T...., S. A.” deduziu impugnação judicial contra o ato de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) e respetivos juros compensatórios n.º 2008 83….., bem como da respetiva demonstração de acerto de contas identificada com o n.°s 2008 00….. e ainda do ato de liquidação adicional n.º 2008 64……, todos referentes ao exercício de 2004.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra julgou parcialmente procedente a impugnação judicial.

Inconformadas, “T...., S. A.” e FAZENDA PÚBLICA, vieram recorrer contra a referida decisão.

Deste modo, “T...., S. A.”, apresentou as suas alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:

«i) Vem o presente recurso interposto da Sentença proferida, em 21 de março de 2018, que julgou, parcialmente, procedente a Impugnação Judicial apresentada pela ora Recorrente contra o ato de liquidação adicional de IRC e respetivos Juros Compensatórios n.º 2008 83….., bem como da respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2008 00….. e ainda a liquidação adicional n.º 2008 64….., todos referentes ao exercício de 2004, na proporção de 3/4 e improcedente na proporção de 1/4, parte relativamente à qual a ora Recorrente interpõe o presente recurso;

ii) O presente recurso centra-se na correção relativa a custos suportados por faturas indiciadas como falsas referentes aos subcontratos por prestação de serviços da firma B..... & T...., Lda.;

iii) Com efeito, a Sentença considerou que a Recorrente não logrou demonstrar a efetividade do custo correspondente à faturação indiciada de falsa;

iv) No entanto, a decisão quanto à matéria de facto não poderá ser mantida, impondo-se a sua alteração, na medida em que a ora Recorrente logrou demonstrar que os serviços foram, efetivamente, prestados à Recorrente pela sociedade B..... & T...., Lda. à ora Recorrente;

v) Com efeito, a ora Recorrente logrou juntar as faturas, as quais se encontram devidamente registadas na contabilidade e das quais resulta a discriminação do serviço prestado e a obra a que se refere;

vi) A ora Recorrente juntou aos autos os cheques comprovativos do pagamento das faturas, as quais foram sacadas sobre o M...., B…., B…. e S…..;

vii) A ora Recorrente logrou, aliás, demonstrar que em 16 de março de 2005 e 25 de agosto de 2008 a sociedade B..... & T....., Lda. encontrava-se registada no cadastro de contribuintes da Direção Geral dos Impostos com o NIF 505….., com enquadramento em IR no regime geral por opção (cf. documento junto a fls. 347 e segs);

viii) Todos os factos foram cabalmente confirmados pela prova testemunhal produzida nos autos, nomeadamente, pela testemunha A...., Diretora Financeira da Impugnante ora Recorrente à data dos factos, a qual tendo tido contacto direto com os factos objeto do presente julgamento confirmou i) que a B..... & T...., Lda. prestava regularmente serviços de calceteiro à ora Recorrente, emitindo faturas que eram registadas na contabilidade da ora Recorrente, tendo, inclusivamente, identificado a obra em causa e que a mesma foi realizada na zona da Rua da Madalena; ii) que a Recorrente controlava a inscrição dos seus fornecedores junto da então Direção-Geral dos Impostos para efeitos de IR, acedendo á informação que tinha disponível no Portal das Finanças, tendo confirmado que aquela sociedade estava regularmente inscrita;

ix) Assim sendo, não existe qualquer dúvidas de que este douto Tribunal de recurso deverá, por força do artigo 662.º do CPC ex vi artigo 662.º do CPC, integrar nos factos assentes que: i) as faturas emitidas pela sociedade “B..... & T...., Lda.” à sociedade T....., SA, que se encontram junto aos autos, estão corretamente registadas na contabilidade da Recorrente e foram pagas através cheques sacados sobre o M...., o Banco E…., o Banco P….. e o Banco S…. para pagamento dos mesmos; ii) a sociedade T....., SA logrou demonstrar a efetividade do custo associado às faturas emitidas pela sociedade “B..... & T...., Lda.” à sociedade T....., SA para efeitos do disposto no artigo 23.º do CIRC;

x) Consequentemente, deverá, dar-se como não provado o seguinte facto: os Serviços de Inspeção Tributária não lograram demonstrar ou apresentar indícios concretos de que as faturas emitidas à sociedade T....., SA e registadas na sua contabilidade sejam falsas.

xi) Não pode, pois, em face da prova produzida, aceitar-se, como fez a Sentença recorrida, que as faturas emitidas pela sociedade B..... & T...., Lda. não sejam aceites como verdadeiras e, consequentemente, contribuam para a determinação do lucro tributável e sejam aceites, ao abrigo do artigo 23.º do CIRC, como gastos suportados pelo sujeito passivo para obter e garantir os rendimentos sujeitos a IRC;

xii) Desde logo, porque a ora Recorrente logrou demonstrar que os serviços de calceteiro, aaos quais a ora Recorrente recorria regularmente, foram efetivamente prestados pela sociedade B..... & T...., Lda. tendo, através da prova testemunhal produzida, demonstrado inclusivamente que o serviço subjacente às faturas foi prestado na zona da Rua da Madalena e que os serviços foram faturados à Recorrente e os serviços pagos através de cheques sacados sobre os bancos M...., B…, P…. e S….;

xiii) Ficou, ainda, demonstrado que a ora Recorrente diligenciou no sentido de assegurar que o seu fornecedor se encontrava registado em sede de IR;

xiv) Com efeito, é o próprio Tribunal a quo que reconhece na Sentença recorrida que “Em 16 de Março de 2005 e 25 de Agosto de 2008, a sociedade “B..... & T...., Lda.”, encontrava-se registada no cadastro de contribuintes da Direção Geral dos Impostos com o NIF 505…., com enquadramento em IR” (alínea S. dos factos assentes);

xv) Ou seja, demonstrou que os serviços prestados por aquela sociedade eram aptos à manutenção da fonte de produção da ora Recorrente e consequentemente enquadráveis no artigo 23.º do CIRC;

xvi) Sobre esta matéria esclarece a doutrina que o modelo inverso de depositar, em regra, o ónus da prova da veracidade das operações sobre o contribuinte redundaria num sistema verdadeiramente diabólico de prova negativa, uma vez que o sujeito passivo ver-se-ia confrontado com a necessidade de demonstrar que todos os custos registados foram efectivamente suportados. (cf. Tomás Maria Cantista de Castro Tavares in Ciência e Técnica Fiscal, n.º 396, Out-Dez 1999);

xvii) Retira-se, pois, da citada doutrina que tendo a ora Recorrente logrado demonstrar - o que nem sequer é questionado pela própria Administração Tributária - que os gastos suportados nas faturas emitidas pela sociedade B..... & T...., Lda. se enquadram no seio dos gastos dedutíveis previstos no artigo 23.º, n.º 2, alínea a), do CIRC;

xviii) Centremo-nos, pois, no artigo 75.º, n.º 2, alínea a), da LGT, o qual dispõe que “A presunção referida no número anterior não se verifica quando: a) As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo;”;

xix) Ora, contrariamente ao decidido na Sentença recorrida, a contabilidade da ora Recorrente não merece qualquer reparo, nem consequentemente a desconsideração como gasto das faturas emitidas pelo seu fornecedor – a sociedade B..... & T...., Lda. - uma vez que a Administração Tributária se limitou a alegar, sem nunca demonstrar os factos ou até mesmo indícios de que as faturas emitidas por aquela sociedade e contabilizadas pela Recorrente como gasto são na verdade falsas;

xx) Deverá, pois, concluir-se que a Administração Tributária alegou, no Relatório de Inspeção Tributária, que a sociedade em causa emitia faturas falsas, mas nunca demonstrou qualquer facto concreto que suportasse esta afirmação ou que levantasse qualquer suspeição sobre as faturas registadas pela ora Recorrente relativamente à sociedade B..... & T...., Lda., o que significa que esta não cumpriu com o ónus da prova que recaia sobre esta a coberto do artigo 74.º da LGT;

xxi) Acresce que, mesmo que as faturas emitidas por aquela sociedade à ora Recorrente deveriam ser desconsideradas porque, ainda que as mesmas tivessem sido corretamente inscritas na contabilidade da ora Recorrente as mesmas não tinham subjacentes efetivos serviços prestados por aquela sociedade, o que permitia afastar a veracidade da sua contabilidade e desconsiderar o gasto suportado naquelas faturas;

xxii) A ora Recorrente logrou demonstrar que a sociedade B..... & T...., Lda. prestou efetivamente serviços aptos à manutenção da fonte de produção da ora Recorrente, suportados em faturas que foram emitidas por aquela sociedade à Recorrente, as quais foram pagas através de cheques sacados sobre os bancos M...., B…., P… e S….;

xxiii) Acresce que, como demonstrado (facto S. da matéria de facto dada como provada) a ora Recorrente até diligenciou no sentido de apurar se a sociedade B..... & T...., Lda. se encontrava registada para efeitos de IR junto da Administração Tributária, tendo confirmado que a mesma estava enquadrada em IR no regime geral por opção;

xxiv) Como é do conhecimento público e resulta da própria Sentença recorrida só em 2005 foi possível à ora Recorrente tomar conhecimento desta informação, pelo que não pode a Administração Tributária, reportando-se a 2004, exigir que a ora Recorrente tivesse conhecimento de que aquela sociedade era emissora de faturas falsas;

xxv) Ora, cada agente económico e no caso a ora Recorrente apenas dispunham à data dos factos – ano de 2004 - de meios para demonstrar que as operações em que participam são reais e correspondem a serviços efetivamente prestados, não lhes sendo exigível ou até mesmo possível assegurar que as entidades em causa cumprem com as suas obrigações fiscais perante a Administração Tributária ou que em operações junto de outras entidades praticam atos ilegais ou, como alega a Administração Tributária, emitem faturas falsas com vista a obter vantagens fiscais indevidas;

xxvi) Não pode, pois, aceitar-se que a Administração Tributária se limite, como fez, a extrapolar, a partir de alegados indícios de emissão de faturas falsas por parte de um agente económico, que todas as faturas emitidas por esse agente económico são falsas ainda que formalmente aptas, nos termos do artigo 23.º do CIRC, à manutenção da fonte de produção de produção da sociedade adquirente dos seus serviços;

xxvii) Aceitar-se este entendimento, no que não se concede, então estaríamos perante uma prova impossível (diabólica probatio) na medida em que se tornaria impossível para a ora Recorrente demonstrar que o serviço em causa foi efetivamente prestado, uma vez que não foi apresentado qualquer elemento de prova dos alegados indícios de “emissão de facturas falsa”;

xxviii) Como esclarece a jurisprudência dos Tribunais Superiores “1. No caso de facturas falsas, compete à AT fazer a prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação correctiva e, só caso o faça, passa a recair sobre o contribuinte o ónus da prova da existência e dimensão dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito à dedução do imposto;2. A AT só cumpre o ónus que lhe compete se recolher elementos factuais que pela sua objectividade, solidez e consistência consubstanciem claros e convincentes indícios de que as facturas desconsideradas para efeitos de dedutibilidade em sede imposto de rendimento não titulam reais e efectivas operações.” (cf. Acórdão proferido, em 30 de setembro de 2015, no processo n.º 01763/08.0 BEBRG);

xxix) Não restam, pois, quaisquer dúvidas de que os serviços foram efetivamente prestados pela sociedade B..... & T...., Lda. e que em contrapartida dos serviços prestados a ora Recorrente emitiu cheques para proceder aos pagamentos dos serviços prestados, razão pela qual se deverá concluir que a ora Recorrente logrou afastar os, alegados, indícios da faturação falsa;

xxx) Importa, ainda, sublinhar que, de acordo com b), do n.º 1, do artigo 87.º da LGT no caso de impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto, deverá a Administração Tributária determinar a matéria coletável através do recurso a métodos indiretos;

xxxi) Se a Administração Tributária considerava que a contabilidade, ainda que formalmente organizada, não merecia credibilidade e que se impunha a correção da mesma não deveria ter-se limitado a recorrer a correções meramente aritméticas, mas antes recorrido à determinação da matéria coletável através de métodos indiretos;

xxxii) Ou seja, ou a Administração Tributária aceita a contabilidade da ora Recorrente e nesse caso procede a correções aritméticas ou se considera que a Recorrente emitiu faturas falsas e, nesse caso, teria, necessariamente, que concluir que a sua contabilidade, afinal, não merece crédito, mas nesse caso teria de ter recorrido aos métodos indiretos, previstos no artigo 87.º e seguintes da LGT, o que não fez;

xxxiii) Como esclarece a jurisprudência, em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação (artigo 74.º, n.º 3 da LGT);

xxxiv) Deverá, pois, concluir-se que a correção relativa aos custos suportados com faturas indiciadas como falsas deverá ser anulada, uma vez que se a contabilidade da ora Recorrente não merecia credibilidade, por alegadamente, terem sido registadas faturas falsas, a Administração Tributária estava legalmente obrigada a determinar a matéria coletável através do recurso a métodos indiretos, o que não fez;

xxxv) Assim sendo, a Sentença recorrida ao aceitar que esta correção fosse efetuada através de correções meramente aritméticas enferma de manifesto erro de julgamento da matéria de direito que não poderá ser mantido em sede de recurso.

NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, DEVERÁ O PRESENTE RECURSO MERECER PROVIMENTO E, EM CONSEQUÊNCIA, SER REVOGADA A SENTENÇA RECORRIDA, NA PARTE EM QUE JULGOU IMPROCEDENTE A IMPUGNAÇÃO JUDICIAL APRESENTADA, E SUBSTITUÍDA A MESMA POR UMA DECISÃO QUE DÊ TOTAL PROVIMENTO À PRETENSÃO DO RECORRENTE, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, NOMEADAMENTE, A ANULAÇÃO TOTAL DO ATO DE LIQUIDAÇÃO ADICIONAL DE IRC E RESPETIVOS JUROS COMPENSATÓRIOS N.º 2008 83….., BEM COM A RESPETIVA DEMONSTRAÇÃO DE ACERTO DE CONTAS N.º 2008 00…. E AINDA DO ATO DE LIQUIDAÇÃO ADICIONAL N.º 2008 64…...»


*

A FAZENDA PÚBLICA, apresentou as suas alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:

«I) Entendeu a douta sentença recorrida julgar procedente a impugnação judicial em dois segmentos da correcção: 1 - Rendas pagas, por aplicação do art. 59º, do CIRC – no montante de € 323.385,00 (Instalações pagas a entidades submetidas a um regime fiscal mais favorável; 2 - Juros de mora devidos pelo atraso no pagamento – no montante de € 306.678,21 (omitidos a clientes empresa não residentes e sem estabelecimento estável – S…..; C…. e Z…..
II) Nos termos do art. 59º do CIRC, as importâncias pagas a pessoas residentes fora do território nacional e aí submetidas a um regime tributário claramente mais favorável não são dedutíveis, salvo se, o sujeito passivo provar que tais encargos resultam de operações efetivamente realizadas, sem caráter anormal ou montante exagerado.
III) A douta sentença afirma que o motivo pelo qual a AT rejeitou a dedutibilidade fiscal deste segmento fundou-se apenas na circunstância das rendas serem de montante exagerado, facto que se mostra perfeitamente contrariado pela fundamentação do próprio RIT
IV) As solicitações como as que são realizadas à Impugnante no sentido de juntar documentação comprovativa de importâncias pagas a título de rendas às sociedades T.....e T..... LLC foram-no no sentido de aquilatar da verificação dos pressupostos do art. 59º, do CIRC – não se cingindo apenas ao montante exagerado
V) A resposta dada pela Impugnante logo em sede inspetiva verifica-se sem grandes dificuldades que o objetivo foi sempre abordar apenas o pressuposto atinente ao montante exagerado, passando ao largo da natureza anormal do encargo.
VI) É inegável que foi nesses termos que foi solicitada a documentação, e é inegável que foi a Impugnante quem se dispensou de apresentar documentação e prestar esclarecimentos relativos ao caráter anormal do encargo.
VII) É líquido, até pela resposta que é dada pela Impugnante que, tratando-se da evidência de uma variação que o pressuposto que aqui estava a ser discutido não era de facto o montante exagerado mas a anormalidade da redução do encargo sem motivo aparente.
VIII) No que respeita ao ponto B – Rendas e Alugueres – Rendas de Instalação – T..... (p. 26 a 27 do RIT), a questão assume um contorno mais restrito, porque a resenha histórica dá conta de um conjunto de operações, que vão ao encontro do gasto anormal, independentemente do montante exagerado que ali pudesse estar em causa.
IX) Enunciou-se um conjunto de factos (contratos, operações de capital e participações sociais) e ligações especiais societárias entre as várias sociedades, entre os seus administradores/gerentes; participações sociais de cada uma nas demais – cuja discussão nem gira em torno do montante exagerado mas da variação das rendas e de factos difíceis de explicar (e que até ao fim nunca foram explicados) como haver sociedades com ligações especiais que sem pagar rendas usufruíam da fração B
X) Quando se afirma que desde 2003 a fração B foi arrendada por um montante de € 17.457,93 à sociedade G....., apesar da Impugnante continuar a suportar o mesmo montante, no valor de € 26.948,75, que o que se está a discutir não é o montante exagerado mas a circunstância de estarmos perante uma vicissitude anormal que impunha forçosamente uma alteração do valor da renda não tendo sequer sido aduzida uma razão plausível (quanto mais a prova) que rebatesse essa evidência
XI) Verifica-se, de resto, que em 2000 pelo arrendamento do artigo 2057 (que deu origem às frações A e B do artigo 5033) foi fixado um montante de € 24.939,89 e que passados 3 anos, só a fração B foi arrendada por duas entidades (G..... e TO), cujos administradores são comuns, por um montante de € 17.457,93 e € 26.948,75, sendo evidente que independentemente do montante exagerado o que aqui está em causa é a alteração de circunstância e condições e que as mesmas constituem um claro indício da natureza anormal do gasto
XII) A Circunstância da empresa G..... não suportar nenhuma importância a título de rendas, sem qualquer razão aparente, não obstante utilizar a fração B do artigo 5033 como sede da empresa é um indício manifesto da anormalidade do valor da renda, pois que coloca em causa a sua própria efectividade, e não se é exagerado ou não. Se usufrui das instalações deve pagar pelo serviço se não paga algo de anormal se passa.
XIII) Quando se enuncia que uma sociedade sem sinais de actividade vai para 10 anos (G..... II), a qual tem a sede fiscal na fração B, sublocada à G..... e à TO, isto é uma discussão obviamente sobre um indício que contende com a anormalidade do gasto.
XIV) A existência de um contrato de leasing imobiliário cuja livrança subscrita pela locatária G..... II foi avalizada pela Impugnante constitui manifesto indício do carater anormal do gasto
XV) Nova notificação foi empreendida para apresentar Documentos comprovativos de que as importâncias pagas a título de rendas às entidades T.....- NIPC 980 …… e T.....– NIPC 980…. correspondem a operações efectivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou exagerado (p. 29 do RIT)
XVI) Retira-se do RIT: “A notificação efetuada tinha por objetivo que a TO apresentasse provas que permitissem aferir em primeiro lugar a existência de operações, depois o seu carater normal e de seguida que o seu montante não era exagerado. Todavia em função da resposta obtida e dos elementos apurados no decurso da ação inspetiva, verifica-se que os requisitos estabelecidos não se encontram reunidos quanto ao imóvel propriedade da T.....
Assim, julgamos que após os factos relatados, relativamente aos montantes, às condições e forma de estabelecer os acordos e mesmo à utilização dos imóveis, se pode aferir, sem margem para dúvidas, da falta de razoabilidade, bem como da evidente anormalidade.
XVII) Porquanto, sem prejuízo de outro tipo de investigação que aos casos relatados pode caber, nos termos do nº 1 do art. 59º, do CIRC não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável as importância pagas ou devidas a qualquer título, uma vez que o sujeito passivo não provou que tais encargos correspondem a operações efectivamente realizadas, não têm caráter anormal e um montante exagerado, razão pelo qual se acresce ao lucro tributável o montante de € 323.385,00, referente ao imóvel da T......
XVIII) Ou há um erro de apreciação evidente de não se ter analisado a verdadeira fundamentação que está na base da correcção deste segmento, ou, para o tribunal a quo a fundamentação do Relatório de Inspeção Tributária cinge-se ao próprio direito de audição, sendo que, em ambas as situações há erro de julgamento.
XIX) Nem a remissão dada na resposta ao direito de audição para o ponto III.1.6 do RIT suscitou a curiosidade ao tribunal a quo de analisar a fundamentação que lá se expendia (P. 54 do RIT)
XX) As considerações que são feitas no âmbito do direito de audição incidem essencialmente sobre o montante exagerado porque a AT está vinculada a responder aos temas que foram trazidos pela ora Impugnante, mas isso não afasta nem a mesma prescinde, naturalmente, dos fundamentos desde logo invocados no RIT e que da parte da Impugnante não obtiveram eco sabendo, como sabia, que o ónus da prova lhe incumbe à luz do art. 59º do CIRC o qual prevê uma norma específica anti-abuso.
XXI) O que se devia estar a discutir não era o motivo pelo qual a AT apenas se suportou num dos pressupostos porque é que a Impugnante optou por dirigir a sua atenção apenas sobre o montante exagerado e relativamente à variação da renda, que é um corolário do carater anormal do encargo (não estamos a discutir o valor absoluto do custo) no lugar de juntar documentação como o impõe o art. 59º do CIRC, limitando-se a alegar.
XXII) Os factos dados por provados (I e J) reforçam a matéria indiciária referente aos fundamentos deste segmento da correcção.
XXIII) No final do direito de audição, afirma-se o seguinte: “Em face do exposto, verifica-se que o sujeito passivo não logrou justificar todos os requisitos legais estabelecidos no art. 59º do CIRC, designadamente, que o montante não é exagerado, pelo que se mantém as correcções propostas (…)
XXIV) Pelo que contrariamente à posição da sentença recorrida, neste particular, é manifesto que foi com base na anormalidade do gasto e dos elementos indiciadores recolhidos que a AT suportou a sua correcção a qual não logrou ser colocada em crise, pois que a Impugnante para além de nada ter alegado de forma convincente não logrou trazer aos autos elementos probatórios que demonstrassem o carater normal dos encargos.
XXV) Sendo manifesto e obrigatório ao tribunal a quo, que de um ponto de vista legal à semelhança com o que sucedeu relativamente ao segmento da dita faturação falsa, fosse dado por provado que a AT logrou trazer à correcção indícios da anormalidade do encargos suportados com as rendas, impondo-se à Impugnante o ónus de provar os pressupostos previstos no art. 59º, do CIRC, o que não fez – pelo que deve o seu incumprimento contra si reverter.
XXVI) É verdade que os juros de mora se têm por omitidos aos clientes não residentes e sem estabelecimento estável – S.....; C..... e Z....., mas pressupor, apesar da AT não o afirmar expressamente, que a fundamentação que se retira do RIT reporta-se à utilização da clausula anti- abuso, é uma expressão que simplesmente não tem aderência ao que foi a fundamentação do RIT e entra em notória contradição com o juízo crítico de exigir que a AT despoletasse um procedimento próprio para aplicação da mencionada Clausula Anti- Abuso aplicando-a sem ter desencadeado tal procedimento
XXVII) Decorre das faturas recolhidas a aposição de um carimbo o qual dá conta da possibilidade de se aplicar a taxa de juros legal devida pelo atraso de pagamento, e a própria Impugnante reconhece que como utilizava a taxa de 4% para pequenos mútuos, resolveu em acordo com os clientes, aplicar semelhante taxa no atraso de pagamento
XXVIII) Não é controvertido a existência dos factos que estão na base da aplicação dos juros de mora, que como se afirmou repetidamente, não se mostra baseada em qualquer presunção – simplesmente constatou-se a existência de proveitos não reconhecidos no exercício de 2004, que em virtude das obrigações contratuais ou legais era devido contabilizar
XXIX) Se o que estava em causa era apurar a regularidade das operações, afigura-se-nos pertinente que para além do envio das justificações para o débito bancário ou pagamento das despesas da entidade terceira pela ora Impugnante e dos intermediários que as representaram nas negociações com a ora Impugnante, fossem remetidos os contratos de empreitada das sociedades S.....; C..... e Z....., dos quais efetivamente só um foi apresentado.
XXX) A AT deparou-se, pois, com declarações prestadas e com a ausência dos contratos de empreitada que não permitem determinar a natureza do acordado no qual os juros de mora se mostram inseridos, mas não é facto impugnado que os mesmos respeitam a juros pelo atraso no pagamento e não há dúvida que o regime previsto no art. 102º, do Código Comercial se pode mostrar aplicável nestes casos.
XXXI) E se a falta de identificação do tipo de negócio pode trazer constrangimentos à aplicação do normativo legal definido pelos SIT, é importante não esquecer que foi a Impugnante quem se colocou nessa situação, não apresentando os contratos que lograriam trazer luz sobre o assunto
XXXII) É certo que a transposição da Diretiva nº 2000/35/CE, do parlamento Europeu e do Conselho de 29 de junho transposta pelo DL 32/2003 de 17 de fevereiro veio disciplinar empreendendo medidas de combate ao atraso nos pagamentos em transacções comerciais mas é a própria sentença quem dá conta que os juros comerciais previstos na legislação portuguesa não se aplicam a todas as situações cobertas no âmbito da diretiva, pelo que é justo que a fim de evitar a duplicação de regimes se opte por sujeitar as transacções ao regime ao referido limite mínimo previsto no Código Comercial.
XXXIII) Os factos dados por provado T a W, num evidente erro de julgamento imputável á sentença ora recorrida exigiam a sua concretização circunstanciada. Pois que, senão, não podem ser dados por provados
XXXIV) Afirmar-se, como faz o tribunal a quo, e dar por provado que de um modo geral os clientes da impugnante eram entidades públicas e que, mais uma vez, de um modo geral, era prática corrente não se exigirem juros – é simplesmente inadmissível á luz do juízo crítico que o tribunal deve fazer e que o logrem convencer no sentido de dar por provados os factos aqui em apreciação
XXXV) O que permite levar um facto ao probatório é que prove efetivamente que naquele caso foi assim, naquela data. E se não foi não pode ser dado por provado.
XXXVI) Afirmar que em 2004 houve situações (Quais? Respeitam á correção?) em que foram praticados juros à taxa de 4%, valor que cobria mais ou menos os custos do financiamento não são factos – São suposições, sem certeza do que se afirma. Cobria mais ou menos? Mas cobria ou não cobria?
XXXVII) A AT nem precisava de se deter sobre os depoimentos. Basta constatar que os factos T a W levados ao probatório não tem o nível de certeza e concretização que lhes permite dar por provados
XXXVIII) Não está em causa a efetivação daquelas operações e consequentemente dos juros devidos pelo não pagamento, omitidos na contabilidade. Pelo que, não se podendo dar por provados os factos T a W, pelas razões já enunciadas e que são clamorosas, o recurso ao normativo previsto no art. 102º, do Código Comercial mostra-se legal e assertivo.
XXXIX) Se entendia, porém, a douta sentença que a natureza e as condições dos contratos e bem assim que a natureza das partes contratantes ditaria solução jurídica diferente relativamente à quantificação dos juros operada pelos SIT, impunha-se, aí sim, à Impugnante que dela viesse fazer prova logrando colocar em crise os fundamentos da correção – pois que tendo sido solicitados nunca a Impugnante os logrou esclarecer nem juntou a prova documental desde sempre pedida pela AT, no que configura evidente falta de colaboração a que está adstrita, nos termos do art. 59º, da LGT.

XL) A douta sentença enferma, assim, nos seguintes erros de julgamento:
- Má apreciação dos factos dados por provados pois que é manifesto que os SIT suportaram-se relativamente aos pressupostos previstos no art. 59º do CIRC, não no montante exagerado do gasto, mas na sua anormalidade, enunciando indícios mais do que suficientes para suportar os fundamentos da correcção, sem que relativamente a esta questão a Impugnante tivesse sequer alegado de forma convincente, mas, sobretudo provasse que os montantes da rendas não eram anormais, pois que o ónus sobre si impende nos termos do normativo legal indicado supra.
XLI) - Má apreciação dos factos tendo levado ao probatório factos (T a W) que expressamente reconhece não terem sido suportados em depoimentos testemunhais circunstanciados e concretos
– donde não se pode retirar a certeza jurídica de que resulta a convicção do julgador.
XLII) - Má apreciação dos factos dados por provados pois que não está em causa a existência das operações de que resultam os juros de mora pelo atraso no pagamento, não havendo dúvidas que o regime previsto no art. 102º, do Código Comercial se pode mostrar aplicável nestes casos, e que só poderia ser contrariado se a Impugnante viesse aos autos prestar esclarecimentos e juntar a documentação que não logrou fazer em sede inspetiva apesar de solicitado, ousando assim destruir o ónus que foi cumprido pela AT relativamente aos pressupostos da correcção.
XLIII) Está em causa, pois, a violação ao art. 59º, do CIRC; e aos arts. 74º e 32º, nº 2, e 59º, todos da LGT e art. 102º do Código Comercial, impondo-se a sua revogação e a prolação de acórdão que julgando procedente o presente recurso, julgue totalmente improcedente a presente impugnação judicial.
Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o recurso, revogada a douta sentença recorrida confirmando-se a legalidade das correções em causa, julgue totalmente improcedente a presente impugnação judicial, como é de Direito e Justiça.»

*




Nesse seguimento, “T...., S. A.”, apresentou as suas contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:


«i. Através de sentença proferida, em 21 de março de 2018, no processo de impugnação judicial n.º 469/09.8 BESNT, que correu termos junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, foi julgada, parcialmente, procedente a impugnação judicial apresentada contra o ato de liquidação de IRC e respetivos Juros Compensatórios n.º 2008 83…., bem como da demonstração de acerto de contas n.º 2008 00….. e ainda o ato de liquidação adicional n.º 20086….., todos referentes ao exercício de 2004, fixando-se a procedência em 3/4 e a improcedência nos restantes 1/4;


ii. Assim sendo, a douta Sentença julgou procedente a impugnação judicial relativamente i) à correção relativa aos custos com as rendas pagas (aplicação do artigo 59.º do CIRC) de instalações pagas a entidades submetidas a um regime claramente mais favorável; ii) à correção relativa a juros de mora alegadamente omitidos a clientes - empresas não residentes e sem estabelecimento estável – S....., C..... e Z..... e iii) correção relativa a juros de mora alegadamente omitidos a clientes da empreitada S.....;


iii. Relativamente à primeira correção, a douta sentença recorrida integrou na matéria de facto provada o contrato de arrendamento celebrado entre a sociedade T....., Ltd. e a Recorrida em 22 de dezembro de 2009, o qual teve por objeto as instalações sitas na Rua J..., n.º…., 2780-……. Paço de Arcos (facto R. da matéria de facto dada como provada); que naquela morada funcionam todos os serviços da ora Recorrida (depoimento das testemunhas e alínea J. da matéria de facto dada como provada); a informação do L....., de dezembro de 2004 e o relatório de avaliação imobiliária de outubro de 2008 do qual resultava que os valores pagos pela renda do referido imóvel se integral dentro dos valores de referência atenta a área do imóvel e a sua localização (cf. alíneas K. e L. da matéria de facto dada como provada);


iv. Atenta a prova produzida concluiu, e bem, a douta Sentença recorrida que foi demonstrado o preenchimento dos requisitos legais previstos no artigo 59.º do CIRC para que os gastos suportados com as rendas daquele imóvel fossem considerados dedutíveis;


v. Com efeito, o Tribunal a quo concluiu, ao analisar a fundamentação da Administração Tributária para desconsiderar a dedutibilidade daquele gasto que a sua desconsideração apenas assentava no facto de as rendas em causa serem exageradas, desfasamento este que, contra todas as evidências e elementos de prova apresentados pela Recorrida e que integram a matéria de facto dada como provada, se baseava, exclusivamente, no valor de alienação do imóvel;


vi. Sendo que, como bem refere a douta sentença recorrida, a ora Recorrida logrou demonstrar, logo no procedimento de inspeção, que os encargos com as rendas não são anormais e que o seu valor não é desproporcional;


vii. Aliás, a douta sentença recorrida refere, e bem, que a argumentação expendida pela Administração Tributária não assenta sequer no caráter anormal dos pagamentos efetuados, mas antes na convicção, por parte da Administração Tributária, da existência e consistência das operações realizadas;


viii. Ora, quanto a esta última questão concluiu e bem o Tribunal a quo que o eventual planeamento fiscal não foi censurado pela Administração Tributária pelas vias procedimentais adequadas, designadamente, através da demonstração da violação dos preços de transferência ou da verificação dos requisitos de aplicação da cláusula geral anti-abuso do artigo 38.º, n.º 2, da LGT;


ix. Assim, determinou a douta Sentença recorrida, relativamente a esta correção que não era procedente o alegado fundamento do valor exagerado das rendas e, consequentemente, que as correções efetuadas no valor de € 323.385,00 e a tributação autónoma no valor de € 113.184,75, padecem de vício de lei, por erro sobre os pressupostos fáctico-jurídicos, determinando a sua anulação;


x. Já relativamente à correção relativa a juros de mora alegadamente omitidos a clientes – empresas não residentes e sem estabelecimento estável – S....., C..... e Z....., sublinha, desde logo, que a fundamentação da Administração Tributária relativamente a esta correção assenta, no essencial, em considerações tributárias da cláusula geral anti-abuso prevista no artigo 38.º, n.º 2, da LGT;


xi. Ora, relativamente a esta correção, a douta Sentença deu como provado que i) de um modo geral os clientes da Recorrida eram entidades públicas, sendo prática corrente não se exigirem juros, dadas as condições de mercado (cf. depoimentos das testemunhas e facto. T. da matéria de facto dada como provada) e, bem assim, que, ii) em 2004, houve situações em que foram praticados juros à taxa de 4%, valor que cobria mais ou menos os custos de financiamento (cf. depoimentos das testemunhas e facto U. da matéria de facto dada como provada);


xii. Assente nestes factos, concluiu a douta Sentença recorrida que sendo a maioria dos clientes da ora Recorrida entidades públicas e sendo prática comum não se exigirem juros pelo atraso no pagamento dadas as condições no mercado, houve situações, excecionais, nos quais se incluem as sociedades acima identificadas relativamente às quais foram exigidos juros de mora à taxa de 4%;


xiii. Ora, relativamente a esta correção e após sublinhar que por força da liberdade contratual consagrada no artigo 405.º do CC, entre o devedor e o credor pode ficar, ou não, acordado que são devidos juros e que estes devem ser reconhecidos utilizando o método do juro efetivo, concluiu a Sentença recorrida que para legalmente operar as correções impunha-se que a Administração Tributária tivesse desencadeado o procedimento próprio de aplicação da cláusula geral anti-abuso, o que não fez, razão pela qual não poderia ser mantida esta correção;


xiv. Do mesmo modo, e relativamente à correção relativa aos juros de mora alegadamente omitidos aos clientes da empreitada designada de S....., concluiu também o Tribunal a quo, assente nos mesmos fundamentos que deveria ser determinada a anulação daquela correção;


xv. Nas suas alegações de recurso a Administração Tributária procura, em síntese, e relativamente à primeira correção que a ora Recorrida não logrou demonstrar que os gastos em causa não configuravam, para efeitos do disposto no artigo 59.º do CIRC, um encargo anormal;


xvi. Argumento este que repousa, essencialmente, e ainda que ignorando todos os elementos de prova apresentados pela Recorrida e dados como provados pela douta Sentença recorrida, no facto de na sede onde funcionam todos os serviços da ora Recorrida ser também a morada de outras 28 sociedades, mantendo algumas delas relações comerciais com a Recorrida;


xvii. Contrariamente ao que procura sustentar a ora Recorrente nas suas alegações de recurso, a ora Recorrida teve já oportunidade de demonstrar que na situação em apreço se encontram reunidos todos os pressupostos legais, previstos no artigo 59.º do CIRC, para que os encargos com a renda sejam aceites como dedutíveis;


xviii. Com efeito, a ora Recorrida logrou apresentar elementos de prova de que: i) existe um contrato de arrendamento validamente celebrado entre a Recorrida e a sociedade T....., Limited; ii) o mesmo permite colmatar as necessidades da ora Recorrida, pois, é neste edifício que funcionam todos os seus serviços; iii) o montante suportado pela renda é o adequado como demonstrado através dos estudos apresentados da L..... e do Relatório de Avaliação Imobiliária elaborado pela J....., Lda; iv), as rendas foram pagas pelos meios adequados para o efeito, tendo sido emitidos os recibos respetivos à ora Recorrida;


xix. Contra estes elementos de prova que demonstram que se encontram reunidos todos os pressupostos legais de que depende a dedutibilidade do gasto, a Recorrente tenta agora complementar o Relatório de Inspeção Tributária, aduzindo um novo argumento: o que é colocado em causa pela Administração Tributária afinal não é o montante exagerado da renda, mas o caráter anormal do encargo, ou seja, os Serviços de Inspeção Tributária não souberem fundamentar corretamente o Relatório Inspeção Tributária, entendendo a Recorrente que este é o momento para o fazer;


xx. Colocam-se, contudo, dois impedimentos a essa intenção: i) as correções apenas podem ser fundadas no Relatório de Inspeção Tributária; ii) a ora Recorrida logrou, através dos elementos de prova apresentar, demonstrar que os encargos suportados não têm caráter anormal ou um valor exagerado;


xxi. Ora, como ficou demonstrado em primeira instância o alegado montante exagerado das rendas assentava em meras especulações assentes no valor de transação do imóvel, insusceptíveis, evidentemente, de demonstrar que o valor pago a título de renda fosse exagerado para efeitos do artigo 59.º, n.º 1, do CIRC;


xxii. Já relativamente aos estudos, esses sim, alicerçados em elementos concretos e suscetíveis de análise comparativa apresentados pela ora Recorrida (cf. alíneas K. e L. da matéria de facto dada como provada) e que permitiram afastar quaisquer especulações quanto ao alegado valor exagerados das rendas, nenhum elemento de prova foi apresentado, como bem sublinhou a douta Sentença recorrida;


xxiii. Em face do exposto, não restam quaisquer dúvidas de que a ora Recorrida logrou demonstrar que as rendas suportadas por referência à sua sede e onde funcionam todos os seus serviços se encontra suportada num contrato celebrado com a T....., Limited, como os encargos suportados não assumem um caráter anormal ou um valor exagerado;


xxiv. Aliás, a própria Recorrente reconhece que não é colocada em causa a realidade dos factos a demonstrar para efeitos do artigo 59.º, n.º 1, do CIRC, nomeadamente, o contrato celebrado, os estudos técnicos que demonstram que o valor da renda contratualmente fixado se enquadra nos valores normais para a zona e tipo de imóvel em questão e que as rendas foram pagas, conforme resulta dos recibos;


xxv. Como demonstrado nos autos, o que choca a Recorrente é que no imóvel objeto do contrato de arrendamento têm morada 28 sociedades e que apenas utilizam esta morada para efeitos de correspondência, facto este que a ora Recorrente considera demonstrar a anormalidade dos encargos suportados;


xxvi. No entanto, contrariamente ao que sustenta, agora, a Recorrente, este facto não foi relevado pelos Serviços de Inspeção Tributária no Relatório de Inspeção Tributária pelo simples facto de que nada demonstra para efeitos do artigo 59.º, n.º1, do CIRC;


xxvii. Na verdade, este facto integra a matéria de facto provada, mas não tem qualquer relevância na apreciação da normalidade dos encargos suportados, uma vez que o contrato de arrendamento foi celebrado apenas e tão somente com a Recorrida, estando estas instalações afetas ao funcionamento de todo os seus serviços, pelo que o facto de 28 sociedades terem sede na mesma morada da ora Recorrida nada demonstra sobre a anormalidade do encargo da renda (relativamente à Recorrida que suporta o encargo), facto este que, aliás, é usual na vida empresarial;


xxviii. Ora, como bem sublinha a douta Sentença recorrida se a ora Recorrente pretendia colocar em causa uma eventual violação das regras dos preços de transferência deveria então ter-se socorrido das regras dos preços de transferência ou através do recurso à cláusula geral anti- abuso prevista prevista no artigo 38.º, n.º 2, da LGT, não tendo os Serviços de Inspeção Tributária fundado a correção nestes procedimetos ou sequer invocado estas regras;


xxix. Resta, pois, concluir que improcedem, relativamente a esta correção, por completo, as alegações da ora Recorrente, razão pela qual deverá relativamente à correção referente aos custos de rendas de instalações pagas a entidades submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, ser mantida a douta Sentença recorrida, com a consequente anulação da correção e da tributação autónoma;


xxx. No que respeita à segunda correção – juros de mora devidos pelo atraso no pagamento – S.....; C..... e Z..... – improcedem também, em absoluto, as alegações da Recorrente;


xxxi. Desde logo, ficou cabalmente demonstrado nos presentes autos que a esmagadora maioria dos clientes da ora Recorrida são entidades públicas, facto este que resultou, cabalmente, demonstrado através da prova testemunhal produzida e que resulta do próprio Relatório de Inspeção;


xxxii. Evidentemente que é absolutamente improcedente o entendimento de que o Tribunal apenas poderia dar este facto como provado se as testemunhas tivesse concretizado (em que termos?) a proporção de clientes do setor público, as situações concretas em que foram cobrados juros pelos atrasos nos pagamentos e se os 4% dos juros cobriam efetivamente e na totalidade os custos de financiamento;


xxxiii. Como é evidente, o entendimento da Recorrente não tem qualquer suporte na realidade e tornariam impossível (inútil) a produção de prova testemunhal, a qual teria de ser substituída por máquinas que debitassem factos de forma exata e matemática, sob pena de serem desconsiderados;


xxxiv. Não restam, pois, quaisquer dúvidas de que a douta Sentença efetuou uma correta valoração da prova testemunhal produzida nos autos relativamente a esta segunda correção, ao concluir que a maioria dos clientes da Recorrida eram entidades públicas; que em regra não eram cobrados juros pelos atrasos no pagamento e que, quando aplicados, os mesmos não excediam os 4%, valor este que permitia, grosso modo, cobrir os custos de financiamento;


xxxv. Ora, conforme já referido e demonstrado em primeira instância, os juros exigidos pela Recorrida não são obrigatórios, nem poderiam ser, podendo ser ajustados livremente pelas partes mediante adequada justificação (cf. artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 52/2005), como existiu no caso vertente;


xxxvi. Outra interpretação contraria a lei, como próprio princípio da liberdade contratual, decorrente do artigo 61.º da Constituição da República Portuguesa;


xxxvii. Ficou, pois, demonstrado nos autos que a regra da ora Recorrida sempre foi não aplicar juros pelos atrasos nos pagamentos. Sendo que, por estar reduzido a escrito nos contratos de mútuo (pequenos empréstimos para pequenas despesas) que aos mesmos se aplicaria uma taxa de 4%, a Recorrida decidiu, com a concordância dos clientes, utilizar a mesma taxa para débitos por atrasos de pagamento;


xxxviii. Foi precisamente o que aconteceu relativamente às sociedades S.....; C..... e Z....., relativamente às quais excecionalmente foram debitados juros à taxa de 4%, pelo que não se aceita que sejam presumidos outros valores de juros, não acordados e aplicados aos referidos clientes, ou seja, não correspondentes à prova produzida nos autos;


xxxix. O mesmo se diga relativamente à correção relativa à sociedade S....., pois, conforme resulta dos factos dados como provados na douta Sentença na empreitada S....., houve um encontro de contas que se deveu a uma expectativa de eventuais regularizações relacionadas com o contrato (cf. depoimentos das testemunhas, facto T. da matéria de facto dada como provada);


xl. Com efeito, a ora Recorrida também se insurgiu relativamente à aplicação de juros por atrasos de pagamento por parte das entidades residentes e não residentes envolvidas na empreitada S....., não aceitando que também neste caso fosse aplicada uma presunção de juros que ultrapassasse os 4%, uma vez que também este foi uma das raras situações em que a ora Recorrida debitou juros a clientes com saldos por regularizar;


xli. Como resulta também da resposta a um pedido de esclarecimentos da Administração Tributária, a expetativa prendia-se com uma pretensão das seis sociedades envolvidas na empreitada em causa de que se procedesse a uma exata repartição dos custos da mesma, uma vez que a grelha anteriormente utilizada seria diferente da real,


xlii. Assim, e conforme explicado na petição inicial de impugnação judicial, correspondendo a tal solicitação foram apurados os custos reais em cada um dos lotes constantes da empreitada (seis, sendo um de cada cliente), tendo-se verificado, de acordo com o relatório técnico, existirem desvios significativos relativamente à repartição efetuados nos dois primeiros autos de medição. Assim, e como demonstrado já em primeira instância existiam saldos nas várias sociedades que não correspondiam aos reais, e que apenas ficaram corretos com a emissão de três faturas e notas de crédito em simultâneo;


xliii. Não restam, pois, quaisquer dúvidas de que também relativamente às correções relacionadas com os juros pelo atraso no pagamento aplicadas às sociedades S....., C....., Z..... e S..... são ilegais, uma vez que não existiam quaisquer fundamentos legais para a aplicação de presunções de juros;


xliv. Aliás, como bem sublinhou a douta Sentença para que estas correções pudessem legalmente operar impunha-se que a Administração Tributária tivesse desencadeado o procedimento próprio de aplicação da cláusula geral anti-abuso, sendo ilegal proceder-se à correção com os fundamentos constantes do Relatório de Inspeção Tributária;


xlv. Do mesmo modo, não sendo procedentes os fundamentos referentes à taxa supletiva de juros considerada pela Administração Tributária também a correção aos juros de mora aos clientes da empreitada S..... não ilegais;


xlvi. Deverá, pois, concluir-se que também relativamente a estas correções, a douta Sentença recorrida não merece qualquer reparo, devendo a mesma manter-se nos seus exatos, com a consequentemente anulação das correções no valor de € 139.260,57 e de € 167.417,64, respetivamente, por erro sobre os pressupostos fáctico-jurídicos.


TERMOS EM QUE NÃO DEVE SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, EM CONSEQUÊNCIA, DEVE A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA SER MANTIDA, NA PARTE EM QUE JULGOU PROCEDENTE A IMPUGNAÇÃO JUDICIAL APRESENTADA CONTRA OS ATOS DE LIQUIDAÇÃO DE IRC E DE JUROS COMPENSATÓRIOS, REFERENTES AO EXERCÍCIO DE 2004, DEVENDO SER PROFERIDO ACÓRDÃO QUE JULGUE TOTALMENTE IMPROCEDENTE O RECURSO INTERPOSTO.»



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O Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido do provimento do recurso apresentado pela Fazenda Pública.

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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.



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A questão a decidir consiste em aferir do erro de julgamento de facto e de direito da sentença recorrida, considerando as questões colocadas em cada um dos recursos interpostos.

A Recorrente Fazenda Pública não se conforma com a sentença recorrida, invocando erro de julgamento na parte em que julgou procedente a impugnação relativamente às seguintes correções: aplicação da cláusula antiabuso (art. 59.º do CIRC) tendo por objeto rendas pagas e consequentemente anulou a tributação autónoma na parte em que desconsiderou as rendas pagas a não residentes (art. 81.º, n.º 8 do CIRC); e correção quanto aos juros de mora devidos pelo atraso no pagamento.

No que diz respeito à Recorrente Impugnante invoca erro de julgamento da matéria de facto, na medida em que a Impugnante logrou demonstrar que os serviços subjacentes às faturas, e, por outro lado, a sua contabilidade não merece qualquer reparo, não logrando a AT demonstrar indícios de que as faturas emitidas são falsas, sendo ainda certo que a AT deveria ter determinado a matéria tributável por métodos indiretos nos termos do art. 87.º, n.º 1, alínea b) da LGT.

II – FUNDAMENTAÇÃO


A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«

A. A Impugnante é uma sociedade que exerce a actividade de “Construção Geral de Edifícios e Engenharia Civil” – CAE 045210 – desde 1970 e encontra-se enquadrada no regime geral de determinação do lucro tributável (cf. doc. 3, junto com a p. i. a fls. 58 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

B. A Impugnante foi alvo de uma acção de inspecção em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI200704147, de 21 de Junho de 2007, tendo sido elaborado o respectivo Relatório de inspecção tributária (RIT), do qual consta, entre o mais, o seguinte (cf. doc. 3, junto com a p. i. a fls. 58 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido):



(…)

“(texto integral no original; imagem)”




“(texto integral no original; imagem)”



“(texto integral no original; imagem)”















“(texto integral no original; imagem)”



D. Dá-se por integralmente reproduzido o teor dos anexos I a XXVIII ao RIT, constantes de fls. 204 e segs. do PAT apenso, designadamente dos Anexos IX, XVI e XVII a XX;

E. Em 9 de Dezembro de 2008, foi proferido despacho através do qual o Chefe de Divisão sancionou o parecer emitido sobre o RIT, nos termos constantes de fls. 138 e 139 do PAT apenso, cujo teor se dá integralmente reproduzido;

F. Em 18 de Dezembro de 2008, a Impugnante foi notificada do acto de liquidação adicional de IRC e respectivos juros compensatórios n.º 2008 64….., referente às retenções na fonte efectuadas no exercício de 2004, no montante global de € 71.366,43, com a indicação da data limite de pagamento de 19 de Janeiro de 2009 (cf. doc. 1, junto com a p. i. a fls. 53 e 54, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e fls. 123 e segs. do PAT apenso, cujo teor se dá integralmente reproduzido);

G. Em 24 de Dezembro de 2008, a Impugnante foi notificada do acto de liquidação adicional de IRC e respectivos juros compensatórios n.º 2008 83….., referente ao exercício de 2004, bem como da respectiva demonstração de acerto de contas identificada com o n.º 2008 00….., com a indicação da data limite de pagamento de 26 de Janeiro de 2009 (cf. doc. 2, junto com a p. i., a fls. 55 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido e fls. 123 e segs. do PAT apenso, cujo teor se dá integralmente reproduzido);

H. Em 20 de Abril de 2009, foi enviada a juízo, via correio registado, a p. i. da presente impugnação (cf. fl. 124, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

I. Dá-se por integralmente reproduzido o teor do doc. 5, junto a fls. 131 e segs., que se consubstancia em recibos de rendas pagas pela Impugnante pelo arrendamento das instalações sitas na Rua J..., n.º….., 2780-….. Paço de Arcos, relativamente aos meses de Fevereiro a Dezembro de 2004;

J. É nessa morada que funcionam todos os serviços da empresa (cf. depoimento das testemunhas inquiridas);

K. Dá-se por integralmente reproduzido o teor do doc. 6, junto a fls. 155 e segs., que se consubstancia em informação da L....., de Dezembro de 2004;

L. Dá-se por integralmente reproduzido o teor do doc. 7, junto a fls. 160 e segs., que se consubstancia em relatório de avaliação imobiliária, de Outubro de 2008;

M. Dá-se por integralmente reproduzido o teor do doc. 8, junto a fls. 180 e segs., que se consubstancia, entre o mais, em ordem de pagamento ao fornecedor 2212520 (G.....), do valor de € 85.503,24, em 4 de Junho de 2003;

N. Dá-se por integralmente reproduzido o teor do doc. 12, junto a fls. 281 e segs.;

O. Dá-se por integralmente reproduzido o teor do doc. 9, junto a fls. 184 e segs., que se consubstancia, entre o mais, em recibo de pagamento, pela G..... à Impugnante, do valor de € 255.795,83, em 23 de Julho de 2004;


P. Dá-se por integralmente reproduzido o teor do doc. 10, junto a fls. 186 e segs., que se consubstancia, entre o mais, em nota de crédito emitida pela G....., no valor de € 57.000,00;

Q. Dá-se por integralmente reproduzido o teor do doc. 11, junto a fls. 267 e segs.,

R. Dá-se por integralmente reproduzido o teor do doc. 4, junto a fls. 263 e segs., que se consubstancia em contrato de arrendamento comercial celebrado entre a T....., Ltd. e a Impugnante em 22 de Dezembro de 1999;

S. Em 16 de Março de 2005 e 25 de Agosto de 2008, a sociedade “B..... & T...., Lda.”, encontrava-se registada no cadastro de contribuintes da Direção Geral dos Impostos com o NIF 505….., com enquadramento em IR no regime geral por opção (cf. doc. junto a fls. 347 e segs., que se consubstancia em documentos);

T. De um modo geral, os clientes da Impugnante eram entidades públicas, sendo prática corrente não se exigirem juros, dadas as condições do mercado (cf. depoimentos das testemunhas inquiridas);

U. Em 2004, houve situações em que foram praticados juros à taxa de 4%, valor que cobria mais ou menos os custos do financiamento (cf. depoimentos das testemunhas inquiridas);

V. Na empreitada S....., houve um encontro de contas que se deveu a uma expectativa de eventuais regularizações relacionadas com o contrato (cf. depoimentos das testemunhas inquiridas);

W. Em relação à obra que decorreu em 2002, 2003, no acesso ao aeroporto de Lisboa, houve também um encontro de contas com a sociedade G..... (cf. depoimentos das testemunhas inquiridas).


Com interesse para a decisão a proferir, nada mais se provou.


Não se provou, designadamente, a efectividade do custo correspondente à facturação “indiciada” de falsidade e a consequente determinação do seu concreto montante.


As testemunhas inquiridas não deram nota, de forma clara e precisa, dos concretos serviços prestados pela sociedade emitente das facturas em questão, em que condições contratuais e quais os locais e datas da sua realização.

Sendo que, nenhuma das testemunhas inquiridas acompanhou a negociação, contratação ou execução dos trabalhos subjacentes à facturação “indiciada” de falsidade, o que decorre, aliás, da própria natureza das funções que cada uma delas exercia no seio da empresa. O único conhecimento que revelaram sobre a sociedade emitente das facturas “falsas” foi o que ouviram dizer e/ou resulta das próprias facturas que circulavam na empresa e se encontravam lançadas na sua contabilidade. Apenas a primeira das testemunhas inquiridas referiu que conhecia a pessoa que representava essa sociedade, por vê-la nas instalações da empresa quando ia entregar as facturas.

Ora, impunha-se que tivesse resultado, dos depoimentos prestados e da sua conjugação com os documentos constantes dos autos e do PAT apenso, com um grau de convicção suficiente, um nexo de causalidade adequada entre os pagamentos efectuados e os concretos serviços prestados, em que obras e em que dias, prova que competia à Impugnante, para abalar os indícios de facturação “falsa” recolhidos pela Administração Tributária e que resultam do RIT, não bastando para tal a primeira das testemunhas inquiridas referir que se recorda que a pessoa em causa realizou trabalhos de calceteiro na obra para a Câmara Municipal de Lisboa na zona da Rua da Madalena.»



*


Com base na fundamentação supra transcrita, a Meritíssima Juíza do TAF de Sintra julgou parcialmente procedente a presente impugnação judicial.

Quer a Fazenda Pública, quer a Impugnante não se conformam com o decidido, cada uma na parte em que a decisão lhe foi desfavorável.


Vejamos.


A Recorrente Fazenda Pública não se conforma com a sentença recorrida, invocando erro de julgamento na parte em que julgou procedente a impugnação relativamente às seguintes correções: aplicação da cláusula antiabuso (art. 59.º do CIRC) tendo por objeto rendas pagas e consequentemente anulou a tributação autónoma na parte em que desconsiderou as rendas pagas a não residentes (art. 81.º, n.º 8 do CIRC); e correção quanto aos juros de mora devidos pelo atraso no pagamento.


Vejamos, cada uma das correções.


Relativamente às correções às rendas efetuadas nos termos do art. 59.º do CIRC, entende a recorrente Fazenda Pública que a sentença enferma de erro de julgamento, porquanto foi com base na anormalidade do gasto e dos elementos indiciadores recolhidos que a AT suportou a sua correção, não tendo a Impugnante logrado provar a normalidade dos encargos, ou seja os pressupostos do art. 59.º do CIRC - cf. conclusões I) a XXV, XL, XLIII das alegações de recurso.


Apreciando.


Nesta parte, a fundamentação da sentença recorrida é a seguinte:


O segundo vício que a Impugnante assaca aos actos de liquidação impugnados respeita à correcção relativa aos custos de rendas pagas (aplicação do artigo 59.º do CIRC) (De instalações pagas a entidades submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável e que não são aceites na totalidade e ainda agravados com tributação autónoma)

Está em causa a aplicação do regime constante do artigo 59.º do CIRC, que regula os pagamentos a entidades não residentes sujeitas a um regime fiscal privilegiado, porquanto a beneficiária dos pagamentos das rendas tinha sede em Gibraltar e depois nos EUA, do que resultou um encargo mensal de € 26.948,75 e uma renda anual de € 323.385,00 (cf. letra B do probatório).

Nos termos da referida norma, as importâncias pagas a pessoas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime tributário claramente mais favorável, não são dedutíveis, a não ser que o sujeito passivo prove que tais encargos correspondem a operações efectivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado. Esta dupla prova implicará, então, para o sujeito passivo o seguinte: i) em primeiro lugar, o contribuinte tem de demonstrar que os gastos em questão correspondem a operações reais, dotadas de existência jurídica e material, e ii) em segundo lugar, o contribuinte tem de provar que esses gastos não possuem carácter anormal ou excessivo, para o que se lhe impõe, via de regra referir-se a situações comparáveis no mercado, definindo o padrão normal do mercado.

No caso vertente, a razão aduzida pela Administração Tributária para rejeitar a respectiva dedutibilidade fiscal concerne estritamente ao facto de as rendas serem de montante exagerado, tendo fundado esta conclusão nos seguintes termos (cf. Letra B do probatório):

(…)

Sucede que, o eventual planeamento fiscal não foi censurado pela Autoridade Tributária por qualquer das vias procedimentalmente adequadas, designadamente demonstração de violação de regras sobre preços de transferência ou de verificação dos requisitos de aplicação da cláusula geral anti-abuso prevista no artigo 38.º, n.º 2, da LGT.

Não sendo procedente o fundamento referente ao montante exagerado das rendas pagas, conclui-se pela ilegalidade das correcções efectuadas no valor de € 323.385,00 e da correspondente tributação autónoma no valor de € 113.184,75, na medida em que padecem de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos fáctico-jurídicos, determinando a sua anulação.”


Vejamos.


Dispunha o art. 59.º do CIRC “1 - Não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável as importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou colectivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efectivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado. (…)” (destaque nosso).


Portanto, a 1.ª parte do n.º 1 do art. 59.º do CIRC, à época, estabelecia a regra de que não são dedutíveis em sede de IRC os montantes pagos, a qualquer título, a residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável.


Não obstante, na 2.ª parte do preceito legal estabelece-se uma exceção à regra, nomeadamente, se o sujeito passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e que não têm um carácter anormal ou um montante exagerado, então, nesse caso, poderá efetuar a dedução.


Portanto, a dedutibilidade dos encargos incorridos naquelas circunstâncias fica dependente de prova a efetuar pelo sujeito passivo dos dois requisitos legais que são cumulativos:

i) Que os encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e;

ii) Que os encargos não têm um carácter anormal ou não têm um montante exagerado.

Ora, a pedido dos serviços de inspeção, e para efeitos da prova dos requisitos exigidos pela 2.ª parte do n.º 1 do art. 59.º do CIRC, a Impugnante juntou em sede de ação de inspeção os contratos de arrendamento em causa.


Por outro lado, resulta do relatório de inspeção que a Impugnante utiliza efetivamente vários prédios que foram objeto de contratos de arrendamento, um deles é a sua sede em Paço de Arcos (encargo mensal de 26.948,75€ - prédio da T..... – em 2004 um total anual de renda no valor de 323.385,00€), e outros são utilizados como estaleiro em Loures (2.500€ - prédios da T.....), tendo a Impugnante pago efetivamente aqueles valores a título de renda efetuando a respetiva retenção na fonte em sede de IRC.


A Impugnante também juntou, em sede de ação de inspeção, para provar que as rendas pagas não são de montante exagerado, uma informação da L..... coligida em 2004, onde faz referência aos valores utilizados durante este ano em arrendamentos na zona em causa, e ainda um relatório de avaliação imobiliária.


Resulta do ponto III.1.6. do relatório de inspeção que os serviços de inspeção, após a prova efetuada pela Impugnante, concluíram que “em função da resposta obtida e dos elementos apurados no decurso da ação inspetiva, verifica-se que os requisitos estabelecidos não se encontram reunidos, quanto ao imóvel propriedade da T...... Assim, julgamos que após os factos relatados, relativamente aos montantes, às condições e forma de estabelecer os acordos e mesmo à utilização dos imóveis, se pode aferir, sem margem para dúvidas, da falta de razoabilidade, bem como da evidente anormalidade.” Com este fundamento entenderam os serviços de inspeção, não serem dedutíveis nos termos do n.º 1, do art. 59.º do CIRC, o montante de 323.385,00€. Por outro lado, também se entendeu tributar autonomamente aquele montante, a uma taxa de 35%, ao abrigo do art. 81.º, n.º 8 do CIRC, apurando imposto no valor de 113.184,75€.


Portanto, nos presentes autos de impugnação judicial apenas está em causa as rendas pagas pela Impugnante referentes a sua sede em Paço de Arcos, que constituía um encargo mensal em 2004 de 26.948,75€ (prédio da T.....), num total anual de renda no valor de 323.385,00€) que não foi aceite como encargo dedutível ao abrigo da 2.ª parte do n.º 1 do art. 59.º do CIRC, porque a AT entendeu que dos “factos relatados, relativamente aos montantes, às condições e forma de estabelecer os acordos e mesmo à utilização dos imóveis, se pode aferir, sem margem para dúvidas, da falta de razoabilidade, bem como da evidente anormalidade”.


Por outro lado, resulta da pronúncia dos serviços de inspeção sobre o exercício do direito de audição da Impugnante que os elementos juntos pela Impugnante não são suficientes para que se pudesse concluir que foi demonstrado o carácter não exagerado das rendas, para efeitos do n.º 1 do art. 59.º do CIRC. Como resulta daquela pronúncia dos serviços de inspeção esse entendimento assentou, por um lado, no elevado fator de capitalização de renda suportada, e por outro lado, no entendimento de que para aquela zona específica, para o mesmo tipo de arrendamento, os valores médios por m2 são de 12€ a 13€, e os “Prime-Rent” são de 15€ a 16€, tendo por base a análise publicada na revista “Vida Imobiliária” n.º 85, de dezembro de 2004.


Portanto, o que resulta do relatório de inspeção é que, numa primeira fase, se coloca em causa, em termos gerais, a dedutibilidade dos encargos com rendas porque importava que a Impugnante fizesse prova dos requisitos do n.º 1 do art. 59.º do CIRC, já numa segunda fase, não se aceita os encargos referente ao prédio onde a Impugnante tem a sede (aceitando-se os encargos referente aos estaleiros), com o fundamento na anormalidade do encargo, e numa terceira fase, em sede de pronúncia sobre o direito de audição exercido pela Impugnante, os serviços de inspeção afastam a prova da Impugnante que alega ter demonstrado o carácter não excessivo do encargo.


Portanto, sendo esta a fundamentação do ato tributário, temos então que a correção assentou quer no entendimento de não prova do carácter não anormal do encargo e do carácter não excessivo desse mesmo encargo, para efeitos da aplicação da exceção prevista na 2.º parte do n.º 1 do art. 59.º do CIRC.


Ora, a respeito da aplicação do n.º 1 do art. 59.º do CIRC, no acórdão do TCAS de 19/02/2015, proc. n.º 08126/14, entendeu-se, na parte com relevo para a decisão do recurso, o seguinte:


“Estamos perante norma anti-abuso específica, criada com o objectivo de combater a fraude e evasão fiscal, dada a sua cada vez maior dimensão internacional, resultante da crescente internacionalização das empresas, da maior mobilidade das pessoas e dos capitais e do próprio desenvolvimento das técnicas utilizadas para o efeito, tudo conforme se retira do exame do preâmbulo do dec.lei 37/95, de 14/2, diploma que introduziu este normativo no ordenamento jurídico português, para o efeito se invertendo o ónus da prova que passa a onerar o sujeito passivo nos termos do nº.1 do preceito (cfr.artº.344, do C.Civil; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.5555/12; Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, O controlo e combate às práticas tributárias nocivas, C.T.F. nº.409/410, pág.119 e seg.; J. L. Saldanha Sanches, Os limites do planeamento fiscal, Coimbra Editora, 2006, pág.202 e seg.).

No seu nº.2, o preceito consagra índices ou pressupostos que à Administração Fiscal cumpre demonstrar querendo accionar a norma (cfr.artº.74, nº.1, da L.G.T.): quando o território de residência da pessoa singular ou colectiva constar da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças ou quando aquela aí não for tributada em imposto sobre o rendimento idêntico ou análogo ao IRS ou ao IRC, ou quando, relativamente às importâncias pagas ou devidas mencionadas no número anterior, o montante de imposto pago for igual ou inferior a 60% do imposto que seria devido se a referida entidade fosse considerada residente em território português (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 15/3/2006, rec. 1078/05; ac.S.T.A-2ª.Secção, 28/5/2008, rec.188/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 21/4/2009, proc.2892/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.5555/12).

(…)

Aqui chegados, haverá que saber se a sociedade impugnante/recorrida cumpriu com o ónus da prova que lhe incumbia nos termos do nº.1, do preceito.

A introdução da solução da inversão do ónus da prova ora em exame foi adoptada por inspiração do artº.238-A, do Côde Géneral des Impôts francês. Trata-se da aplicação da regra de não aceitação de encargos dedutíveis quando em causa estão pagamentos efectuados a pessoas singulares ou sociedades instaladas em paraísos fiscais, a menos que o sujeito passivo faça prova dos vectores supra identificados:

1-Estarmos perante operações efectivamente realizadas;
2-Que não têm um carácter anormal ou que o montante em causa não é exagerado.
Desde logo, se deverá referir que não exige a lei qualquer formalismo nestas provas, assim vigorando quanto às mesmas o sistema da prova livre e podendo socorrer-se o sujeito passivo de todos os meios de prova permitidos pela lei (cfr.v.g.artº.352 e seg. do C.Civil).

No que diz respeito à prova da veracidade da operação não bastará a exibição de documentos escritos, nomeadamente contratos celebrados entre as partes, já que estes se presumem simulados, nem a demonstração do pagamento do preço, pois tal não é posto em causa. O que deve ser objecto de prova é antes a efectiva prestação de serviços, ou o recebimento de um empréstimo, ou seja, o facto comercial que esteve na origem do pagamento do mesmo preço que surge como custo a deduzir em sede de I.R.C.

Já quanto à prova da inexistência do carácter anormal ou exagerado das despesas esta deve passar pela demonstração de que o contrato, cuja veracidade se provou, se apresenta equilibrado. Para esse efeito, o sujeito passivo deverá demonstrar qual a importância real das vantagens auferidas pelo contrato em causa, tal como fazer prova que os encargos estabelecidos constituem a justa remuneração dessas vantagens, mormente, por comparação com os custos de serviços análogos no mercado (cfr.Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, O controlo e combate às práticas tributárias nocivas, C.T.F. nº.409/410, pág.125 e 126; Gustavo Lopes Courinha, A Cláusula Geral Anti-Abuso no Direito Tributário - Contributos Para a Sua Compreensão, Almedina, 2004, pág.92 e 93).”


Portanto, a questão que se coloca é a de saber se a Impugnante provou os requisitos previstos na 2.ª parte, do n.º 1 do art. 59.º do CIRC no qual assenta a fundamentação do ato tributário, nomeadamente, se provou que os encargos com as rendas da sua sede não têm um carácter anormal ou um montante exagerado.


Ora, como refere a recorrente Fazenda Pública, a sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao partir do ponto de fundamentação do ato tributário restringindo-se à fundamentação que consta da pronúncia dos serviços de inspeção após o exercício do direito de audição pela Impugnante.


Como resulta da exposição supra, importava considerar o ponto III.1.6. do relatório de inspeção, no qual se enumeram, relativamente às rendas da sede, pagas à T....., diversos factos que se subsumem a uma situação de carácter anormal do encargo, pois o n.º 1, do art. 59.º do CIRC é uma norma antiabuso especial, sendo que o regime previsto no art. 38.º, n.º 2 da LGT a que a sentença faz referência é o da cláusula geral antiabuso. Ora, aquela norma antiabuso especial também visa combater o planeamento fiscal abusivo, e nessa medida, ao contrário do que se decidiu, devem ser considerados os elementos coligidos pela AT que evidenciam a existência desse tipo de planeamento.


Como escreve GUSTAVO LOPES COURINHA, in A Cláusula Geral Anti-Abuso no Direito Tributário – Contributos para a sua compreensão, Almedina, abril 2004, página 93, este regime “(…) contempla nitidamente situações de manifesta simulação fiscal – “operações efetivamente realizadas” – e outras de planeamento abusivo – “operações (com) carácter anormal ou um montante exagerado”. No primeiro dos casos, visam-se operações não reais ou falsas, cuja veracidade seria sempre de difícil contestação ao nível da prova pela Administração Fiscal; no segundo, operações reais pretendidas pelas partes, embora por vezes estruturadas de modo a obter uma vantagem fiscal indevida. Sendo que, para ambos os casos se determinou como sanção a não dedução de tais quantias para efeitos de determinação do lucro tributável, salvo demonstração em contrário da previsão pelo contribuinte (inversão do ónus da prova).” (destaques nossos).


Portanto, considerando todos os indícios elencados no ponto III.1.6. do relatório de inspeção, aos quais a Impugnante não dirigiu a sua prova, importa concluir que a prova efetuada pela Impugnante, que se situou tão-somente no âmbito do carácter não excessivo do encargo, não é suficiente para provar que o encargo não tem carácter anormal, pois ainda que esteja em causa uma operação de arrendamento real, em que os pagamentos das rendas sejam efetivos, tal operação poderá estar estruturada de modo a obter uma vantagem fiscal indevida, sendo esse o resultado que o normativo visa combater, e portanto, era essa a prova que in casu cabia fazer pela Impugnante, o que não logrou fazer, e nessa medida a correção com os encargos com rendas relativas à sede da impugnante deverá ser mantida.


Face ao exposto, e nesta parte, procede o recurso da Fazenda Pública, devendo a correção ser mantida, e a sentença, que assim não decidiu, também nesta parte, ser revogada. Por outro lado, revogada a sentença nessa parte, e tendo a mesma dado origem a anulação da respetiva correção em sede de tributação autónoma ao abrigo do art. 81.º, n.º 8 do CIRC, deve, de igual modo, ser revogada a sentença recorrida nessa parte em que anulou a correção referente à tributação autónoma.


Prosseguindo com o recurso da Fazenda Pública.


Relativamente aos juros de mora devidos por alegadamente omitidos a clientes não residentes, invoca a recorrente Fazenda Pública, em síntese, que a sentença enferma de erro de julgamento, porquanto em momento algum a correção assentou na cláusula geral antiabuso prevista no art. 38.º, n.º 2 da LGT, e o regime do art. 102.º do Código Comercial aplica-se nestes casos, mais se impugnando a matéria de facto dada como provada nas alíneas T) a W) – conclusões XXVI a XXXIX, e XLI a XLIII.


Vejamos.


Relativamente à impugnação da matéria de facto importa referir que a recorrente cumpriu o ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto e que se encontra previsto no art. 640.º do CPC.


Pretende, então, que se eliminem as alíneas T) a W) dos factos provados, alegando, em síntese, que face ao seu carácter não concretizado e incerto não podem ser dados como provados.


Ora, tais factos impugnados foram dados como provados com base nos depoimentos das testemunhas ouvidas, e ainda que não tenham um grau de concretização elevado, ainda assim é suficiente para que dos mesmos, em conjunto, se possam extrair ilações, sendo relevantes para a decisão.


Por outro lado, encontram-se alicerçados, efetivamente, no depoimento da testemunha que o sustenta, não se verificando o erro de julgamento de facto apontado pela recorrente no que se refere ao depoimento da Diretora Financeira, como aponta a recorrente Fazenda Pública. Com efeito, esta testemunha afirmou que a Impugnante trabalha, de um modo geral, com as autarquias, e que não aplicam juros porque se o fizessem perderiam esses clientes, face à grande concorrência, mais detalhou a razão pela qual vão progressivamente aplicando juros, mas são situações raras, a 4%, e dizem respeito ao privado, consubstanciando uma forma de pressionar o pagamento e cobrir os custos de financiamento. Em suma, não se verifica o erro de julgamento de facto assacado pela Fazenda Pública.


Pelo exposto, improcede a impugnação da matéria de facto.


Estabilizada a matéria de facto, vejamos, então, se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento, sendo a seguinte a sua fundamentação no que concerne a esta correção:


O terceiro vício que a Impugnante assaca aos actos de liquidação impugnados respeita à correcção relativa a juros de mora alegadamente omitidos a clientes - empresas não residentes e sem estabelecimento estável - S....., C..... e Z.....

Para operar esta correcção, “tiveram especial atenção os lançamentos relativos às empresas não residentes sem estabelecimento estável (S....., C..... e Z.....), que foram objecto de liquidação de juros de mora devidos pelo atraso no pagamento, conforme evidenciam os saldos das contas de clientes” (cf. letra B do probatório).

Ora, pese embora a Administração Tributária não o diga, esta fundamentação e a que se lhe segue no Relatório de inspecção é claramente tributária das considerações que enformam a cláusula geral anti-abuso prevista no artigo 38.º, n.º 2, da LGT.

Considera depois a Administração Tributária que, “não estando definida a taxa a aplicar no caso de atraso no pagamento” e verificando-se que a Impugnante “considerou indevidamente a taxa de juro de 4%”, era aplicável o regime legal dos juros moratórios comerciais (cf. artigo 102.º do Código Comercial). Assim, a taxa de juro que deveria ser aplicada à mora no pagamento à Impugnante de facturas relativas às empreitadas em causa era, até Setembro de 2004, a fixada em 12% pela Portaria n.° 262/99, de 12 de Abril e, a partir de 1 de Outubro de 2004, a fixada em 9,01%, pelo Aviso n.º 10097/2004 de 16 de Outubro de 2004 conjugado com a Portaria n.º 1105/2004, de 16 de Outubro, Declaração n.º 59/2005, de 15 de Março e Portaria n.º 597/2005, de 19 de Julho.

De harmonia com aquela disposição do Código Comercial, no silêncio das partes, haverá lugar à contagem de juros “sempre que for de direito vencerem-se”, reportando- se às hipóteses em que a lei comum estatui uma obrigação de juros, pelo que, “haverá, assim, lugar à contagem de juros sempre que uma relação jurídico-mercantil se insira ou subsuma numa daquelas situações prevista na lei civil relativamente às quais haja lugar à contagem de juros, tais, como, por exemplo, nas obrigações pecuniárias (art. 806.º do CC)” – Engrácia Antunes: José A. Direito dos Contratos Comerciais. Coimbra: Almedina, 2012, p. 234.

Por outro lado, o Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro, como resulta do seu preâmbulo, veio transpor para o ordenamento interno a Directiva n.º 2000/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Junho, que, por sua vez, estabeleceu medidas de luta contra os atrasos de pagamento em transacções comerciais. Esta directiva regulamenta todas as transacções comerciais, independentemente de terem sido estabelecidas entre pessoas colectivas privadas - a estas se equiparando os profissionais liberais - ou públicas, ou entre empresas e entidades públicas, tendo em conta que estas últimas procedem a um considerável volume de pagamentos às empresas. Por conseguinte, regulamenta todas as transacções comerciais entre os principais adjudicantes e os seus fornecedores e subcontratantes. Nestes termos, estabelece-se um valor mínimo para a taxa de juros legais de mora, por forma a evitar que eventuais baixas tornem financeiramente atraente o incumprimento. Uma vez que os juros comerciais previstos na legislação portuguesa não se aplicam actualmente a todas as situações cobertas pelo âmbito da directiva, e para evitar a duplicação de regimes, opta-se por sujeitar todas estas transacções ao regime comercial, prevendo-se o referido limite mínimo de taxa de juro legal de mora no Código Comercial.

Sucede que, in casu, ficou provado que, de um modo geral, os clientes da Impugnante eram entidades públicas e que era prática corrente não se exigirem juros, dadas as condições do mercado; ficou ainda provado que, em 2004, houve situações em que foram praticados juros à taxa de 4%, valor que cobria mais ou menos os custos do financiamento; e que, na empreitada S....., houve um encontro de contas que se deveu a uma expectativa de eventuais regularizações relacionadas com o contrato (cf. letras T a V do probatório).

Sendo que, da negociação que se estabelece entre o devedor e o credor, pode ficar acordado, ou não, que são devidos juros, por força da liberdade contratual consagrada no artigo 405.º do Código Civil, ao que acresce que a NCRF 20, 30, alínea a), disponível em www.cnc.min-financas.pt/pdf/snc/2016/normas/NCRF_20.pdf, estabelece que os juros devem ser reconhecidos utilizando o método do juro efectivo, ou seja, sendo convencionados juros, a contabilidade só permite que sejam reconhecidos se for provável que irão ser pagos.

De novo (e diga-se, decisivamente), para legalmente operar as correcções, impunha- se que a Administração Tributária tivesse desencadeado o procedimento próprio de aplicação de cláusula anti-abuso, sendo ilegal proceder à correcção, com os fundamentos previstos no Relatório de inspecção (em que, note-se, não consta a inobservância da forma escrita exigida pelo § 1.º do artigo 102.º do Código Comercial), sem ter desencadeado tal procedimento.

Não sendo procedentes os fundamentos referentes à taxa supletiva de juros considerada pela Administração Tributária, também na correcção relativa a juros de mora alegadamente omitidos aos clientes da empreitada designada S..... (em que, do mesmo modo, não se vislumbra onde estará a razão para se aplicar tal taxa; estará no princípio da prevalência da substância económica, consagrado no artigo 11.º, n.º 3, da LGT, subjacente às intenções da Impugnante), conclui-se pela ilegalidade das correcções efectuadas no valor de € 139.260,57 e de € 167.417,64, respectivamente, por erro nos pressupostos fáctico-jurídicos, determinando a sua anulação.”


Ora, considerando a fundamentação supra exposta, importa confirmar a sentença recorrida na íntegra, relativamente a estas correções, remetendo para a sua fundamentação.


Na verdade, ao contrário do que alega a recorrente, a sentença não diz que a correção tem por fundamento o art. 38.º da LGT, mas antes, que os elementos coligidos pela AT poderiam consubstanciar fundamento para a sua aplicação, mas que o não tendo feito, a correção não se poderá manter com a fundamentação que lhe subjaz, nomeadamente que existe a obrigação de juros pelo atraso no pagamento, nos termos do art. 102.º do Código Comercial, porque “na negociação que se estabelece entre o devedor e o credor, pode ficar acordado, ou não, que são devidos juros, por força da liberdade contratual consagrada no artigo 405.º do Código Civil”.


Ou seja, ao contrário do que entenderam os serviços de inspeção, os juros pelo atraso no pagamento não têm forçosamente de existir, pois se encontram no âmbito do princípio da liberdade contratual consagrado no Código Civil, sendo, portanto, de confirmar a sentença recorrida nos seus fundamentos, para os quais se remete.


Pelo exposto, e nesta parte, improcedem os fundamentos do recurso da Fazenda Pública.


Passemos, então, ao recurso da impugnante.


Invoca a recorrente erro de julgamento da matéria de facto, na medida em que a Impugnante logrou demonstrar que os serviços subjacentes às faturas emitidas pela sociedade “B..... & T...., Lda” (cf. conclusões I) a xv e xxix). Por outro lado, contrariamente ao decidido na sentença recorrida a contabilidade da recorrente não merece qualquer reparo, não logrando a AT demonstrar indícios de que as faturas emitidas são falsas, não se podendo extrapolar a falsidade de uma fatura para todas as faturas (conclusões xvi a xx), e xxiv a xxviii). Invoca ainda que a AT deveria ter determinado a matéria tributável por métodos indiretos nos termos do art. 87.º, n.º1, alínea b) da LGT (conclusões xxx a xxxv).


Apreciando.


Está em causa a correção efetuada pela AT à matéria tributável da Impugnante, em sede de ação de inspeção, ao IRC do exercício de 2004, com o fundamento em que determinadas faturas emitidas pela sociedade supra referida não consubstanciam operações verdadeiras.


Na sentença recorrida entendeu-se, em síntese, com base na alínea A) e E) dos factos provados que, por um lado, a AT cumpriu com o seu ónus probatório, uma vez que recolheu indícios consistentes e credíveis de que as operações subjacentes às faturas em causa não são verdadeiras, e por outro lado, a Impugnante não logrou provar a efetividade do custo, conforme lhe competia, considerando que cessou a presunção de veracidade de que beneficiava.


Vejamos, então, nesta parte, se a sentença enferma de erro de julgamento, fazendo referência, antes de mais, ao direito aplicável.


Nas situações em que as faturas (ou documentos equivalentes) são emitidas na forma legal, mas que não correspondem a qualquer realidade, porque as operações que era suposto refletirem não tiveram lugar, é à AT que cabe o ónus da prova da verificação dos respetivos indícios ou pressupostos da tributação, ou seja, dos pressupostos legais da sua atuação, considerando o princípio da legalidade administrativa. Por outro lado, ao contribuinte cabe provar a existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito, ou seja, a efetiva existência das alegadas transações (cf. Acórdãos do STA de 30/04/2003, proc. n.º 0241/03, de 24/04/02, proc. n.º 102/02, de 17/04/02, proc. n.º 26.635, de 09/10/02, proc. n.º 871/02 e de 14/11/01, proc. n.º 26.015).


O art. 75.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT) estabelece uma presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes, bem como dos dados que constam da sua contabilidade e escrita, desde quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.


O que significa que, se a AT não demonstrar a falta de correspondência com a realidade do teor das declarações, contabilidade e da escrita, estas são consideradas verdadeiras (nesse sentido, cf. Diogo Leite de campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária – Anotada e Comentada, 4.ª ed., Vislis, 2012, p. 664).


Para tanto, é suficiente que a AT demonstre a existência de “indícios fundados” (indícios que devem ser objetivos, sólidos e consistentes, que traduzam uma probabilidade elevada de que os documentos não titulam operações reais) para fazer cessar a presunção de veracidade a favor do contribuinte, prevista no art. 75.º da LGT, não se impondo a “prova provada” de que por detrás dos documentos não está a realidade que normalmente reflectem e comprovam.


Por outras palavras, a AT não necessita de demonstrar a falsidade das faturas, basta-lhe evidenciar a consistência daquele juízo, invocando factos que traduzam uma probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade (art. 75.º da LGT).


A AT também não necessita de fazer prova da existência de acordo simulatório (existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratório, no intuito de enganar terceiros – cf. art. 240.º do CC) para satisfazer o ónus de prova que sobre si impende (cf. nesse sentido, entre outros, acórdãos do Pleno da secção do CT do STA de 16/11/2016 e proc. n.º 0600/15, de 19/10/2016, proc. n.º 511/15).


“ (…) II - Para que a AT proceda à correcção do lucro tributável por desconsideração dos custos suportados por facturas existentes na escrita do contribuinte e relativamente às quais considera não se terem efectivamente realizado as operações nelas consubstanciadas, não tem de fazer prova da existência de acordo simulatório (existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros – cfr. art. 240.º do CC) para satisfazer o ónus de prova que sobre si impende.

III - Basta à AT provar a factualidade que a levou a não aceitar esses custos, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte, só então passando a competir ao contribuinte o ónus de prova do direito de que se arroga (o de exercer o direito de deduzir os custos ao lucro tributável) e que não é reconhecido pela AT, ou seja, o ónus de prova de que as operações se realizaram efectivamente e ocorrem os pressupostos de que depende o seu direito àquela dedução.” - cfr. acórdão do Pleno da secção do CT do STA de 16/11/2016, proc. n.º 600/15.


Por conseguinte, se necessário, a AT poderá recorrer à prova indireta “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, de ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém diretamente, mas indiretamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova” (cf. Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, 1972, pág. 154).


A Autoridade Tributária pode lançar mão de elementos obtidos através de fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, porém, não se pode bastar com esses elementos (indícios externos), tem necessariamente de obter alguns indícios junto do contribuinte (indícios internos) que, ainda que conjugado com aqueles outros, conduzam à elevada probabilidade de que as faturas não correspondem a operações efetivas (faturas falsas ou fictícias).


É que nos termos do disposto no art. 63.º da LGT sob a epígrafe, “Inspeção”, “os órgãos competentes podem, nos termos da lei, desenvolver todas as diligências necessárias ao apuramento da situação tributária dos contribuintes”, e diremos que se trata de um poder-dever, considerando o princípio do inquisitório consagrando no art. 58.º do mesmo diploma: “A administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido.”


Prosseguindo, e como já referimos, quando haja cessação da presunção de veracidade da contabilidade, nesses casos, cabe ao contribuinte o ónus da prova da realidade das transações respetivas.


Neste contexto, não basta ao contribuinte criar dúvida, ainda que fundada, pois o disposto no art. 100.º do CPPT não se aplica quando cessa a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes, bem como dos dados que constam da sua contabilidade e escrita, uma vez que, nesses casos, o ónus da prova cabe ao contribuinte, e nessa medida, existindo dúvida tem de ser processualmente valorada contra este, por ser quem tem o ónus da prova (nesse sentido, cf. Acórdão do STA de 24/10/2007, proc. n.º 0479/07, Ac. do TCAN de 30/10/2014, proc. n.º 00390/05.9BEBRG, Ac. do TCAS de 22/01/2015, proc. n.º 06240).


Sumariou-se no acórdão do STA de 24/10/2007, proc. n.º 0479/07, a propósito do revogado art. 78.º do Código de Processo Tributário (CPT) que estabelecia a presunção de veracidade das declarações dos contribuintes e da contabilidade, e do art. 121.º do CPT que corresponde ao atual art. 100.º do CPPT o seguinte “[o] art. 78.º do CPT, ao estabelecer casos de cessação da presunção de veracidade dos dados e apuramentos resultantes de contabilidade ou escrita organizada segundo a lei comercial ou fiscal, tem ínsita a determinação de que nesses casos em que cessa a presunção é sobre o contribuinte que recai o ónus da prova dos factos sobre que se gerarem dúvidas. V - Entre estas situações de inversão do ónus da prova no procedimento tributário inclui-se a de existirem indícios fundados de que a contabilidade ou escrita não reflecte a matéria tributável efectiva do contribuinte, regra esta que tem de ser harmonizada com a do art. 121.º do CPT, de forma a entender-se que, quando existam esses indícios, não se está perante situação de «dúvida fundada» que justifique a anulação do acto de liquidação.” (sublinhado nosso).


Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário-anotado e comentado, Vol. II, 6.º Ed., Áreas Editora, 2011, p. 133, escreve ainda que “[o] alcance inequívoco da cessação da presunção nestas situações, é o de determinar que, quando elas ocorrem, será sobre o contribuinte que recai o ónus da prova dos factos declarados ou inscritos na sua contabilidade ou escrita sobre que existem dúvidas probatórias. (…) será de concluir que, nos casos em que se verificar uma destas situações em que no procedimento tributário é atribuído o ónus da prova ao contribuinte, as dúvidas que no processo judicial subsistam sobre a matéria de facto, não podem considerar-se dúvidas fundadas para efeitos de, nos termos daquele nº1, justificarem a anulação do acto”.


Em suma, cessando a presunção prevista no art. 75.º da LGT, cabe ao contribuinte o ónus da prova da existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito de dedução do imposto nos termos do art. 19.º do CIVA, e deste modo, não há lugar à aplicação do disposto no art. 100.º do CPPT, porquanto a dúvida quanto à existência e quantificação do facto tributário, que deve ser decidida contra a AT, apenas existe nos casos em que seja esta a afirmar a existência dos factos tributários e respetiva quantificação (nesse sentido, vide, também, Ac. do TCAN de 30/10/2014, proc. n.º 390/05.9BEBRG).


Ora, face ao direito supra exposto, que é aplicável ao caso dos autos, importa aferir, então, se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento, desde logo quanto à questão invocada pela recorrente Impugnante de que a AT não recolheu indícios suficientes que legitime a sua atuação.


Na verdade, neste ponto, releva para a apreciação a fundamentação do relatório de inspeção vertido na alínea B) da matéria de facto, sendo de considerar de igual modo, toda a documentação de suporte ao mesmo, nomeadamente, os documentos que foram coligidos no âmbito da inspeção e que se encontram no processo administrativo em anexo ao relatório de inspeção.


Ora, daquela fundamentação extrai-se que a AT recolheu vários indícios externos, ou seja, junto da sociedade emitente das faturas, designadamente, apurou-se que a emitente das faturas não tem quaisquer trabalhadores, não possui contabilidade regularmente organizada, não cumpre com as suas obrigações declarativas tributárias, não detém qualquer alvará emitido pelo INCI. Ao nível formal das faturas também foram detetadas várias circunstâncias relevantes, tais como as suas datas não serem sequenciais, e existe sobreposição de numeração de faturação.


Contudo, tais indícios são insuficientes para que se possa concluir, com a consistência necessária, que os serviços que as faturas titulam não foram efetivamente prestados, até porque, tais irregularidades não significam necessariamente que os serviços de construção civil não tenham sido prestados, podendo significar, tão-somente, que estamos perante um subempreiteiro que opera no âmbito da designada “economia paralela” em que a sua atividade desenvolve à margem das leis tributárias, ou seja, os serviços poderiam ter sido efetivamente prestados, sendo que o incumprimento de obrigações tributárias se situariam, nesse caso, tão-somente na esfera jurídica do emitente das faturas.


É nessa medida que à AT importa apurar elementos que indiciem que as faturas são fictícias junto da contabilidade do Impugnante, de modo a determinar de forma consistente se estamos perante uma situação de não veracidade nos serviços que as faturas titulam, e sobretudo, no caso em apreço, em que estamos perante um subempreiteiro, ou seja, um terceiro que não foi contratado pela Impugnante, mas antes, pela empresa a quem a Impugnante adjudicou as obras em causa.


Ora, para além desses elementos coligidos junto do emitente das faturas, a AT analisou a contabilidade da Impugnante, e notificou para juntar vários documentos relacionados quer com a contratação dos serviços em causa, bem como o efetivo pagamento dos mesmos.


Neste contexto a Impugnante, vem juntar documentação solicitada, e prestou alguns esclarecimentos, designadamente, que não existe contrato de empreitada por tratar-se de um subempreiteiro, que nas faturas se encontrava discriminado o serviço prestado e a obra a que a mesma se refere, e que existe ainda auto de medição. Juntou também as cópias da frente e verso dos cheques emitidos para pagamento das faturas.


Importa então, valorar cuidadosamente esta parte, se necessário conjugando com os indícios externos anteriormente coligidos pelos serviços de inspeção de modo a podermos fazer um juízo sobre o cumprimento do ónus que recai sobre a AT para fazer cessar a presunção de veracidade do declarado e da contabilidade de que beneficia a Impugnante.


Ora, da análise das faturas em causa que se encontram nos anexos ao relatório de inspeção resulta efetivamente que das mesmas consta a descrição detalhada dos serviços prestados, designadamente “trabalho de assentamento de lancil de granito”, mais se indicando as quantidades concretas do material utilizado, e a localização de cada uma das obras em que esses assentamentos foram efetuados. Importa sublinhar quanto a este aspeto que os serviços de inspeção não colocam em causa a existência de tais obras, e que a colocação de calçada portuguesa consubstancia um serviço específico e concreto, aliás, a normalidade da prestação desse serviço nas obras da Impugnante foi referida pelas testemunhas ouvidas em audiência de julgamento e não foi apurado pelos serviços de inspeção que outra empresa prestasse à Impugnante esse mesmo serviço específico.


Mais consta dos anexos ao relatório de inspeção autos de medição em formulário próprio da Impugnante assinado pelo fiscal de obra ou pelo encarregado da obra, nos quais se encontram discriminados de forma muito detalhada e extensa a natureza dos materiais utilizados em cada uma das obras (por ex. rotunda em granito, ilha em granito, lancil em betão, inclusive as dimensões desses elementos de construção civil), bem como a quantidade utilizada de cada um dos materiais em cada obra indicando-se a dimensão unitária de cada material, para além da data e local de cada uma das obras, que também não são colocados em causa pelos serviços de inspeção.


Portanto, em suma, desses elementos internos coligidos pelos serviços de inspeção junto da contabilidade da Impugnante não resulta qualquer indício que os serviços não tenham sido prestados efetivamente. A documentação existe, e é coerente e não revela inconsistências.


Por outro lado, os serviços de inspeção apreciam o exercício do direito de audição da Impugnante entendendo que a Impugnante deveria ter sido exigida comprovativo das habilitações da empresa subcontratada, pois esta não possui qualquer alvará ou título de registo que a habilitasse a exercer serviços na área da construção civil. Relativamente aos meios de pagamento, os serviços de inspeção concluem que as operações foram liquidadas por meio de cheques, mas também estes levantam algumas dúvidas, na medida em que “foram assinados por pessoa que não existe”. Estas são as duas únicas apreciações feitas pela AT a respeito da contabilidade da Impugnante, tudo o resto centra-se unicamente nos já referidos indícios externos.


Ora, no caso concreto em análise, esta apreciação dos elementos fornecidos pela Impugnante, conjugado com os elementos que já haviam sido apurados no âmbito da inspeção, parece-nos parca para se poder afirmar que os indícios coligidos fazem cessar a presunção de veracidade de que beneficia o contribuinte nos termos do art. 75.º, n.º 1 da LGT.


Na verdade, o argumento de que a Impugnante deveria ter exigido comprovativo das habilitações da empresa subcontratada, apesar de aceitável num quadro lógico, é manifestamente insuficiente, face ao facto de não ter sido a empresa com quem a Impugnante contratou diretamente, e não pode ser oponível à Impugnante, sem fundamentos consistentes, a prevaricação fiscal do emitente das faturas.


Mas sobretudo o que impressiona, e que nos conduz a um entendimento diverso ao da sentença recorrida, é a parca análise que é feita no âmbito da ação de inspeção aos meios de pagamentos que foram prontamente facultados pela Impugnante no âmbito de inspeção, quando na verdade, é preciso não olvidar, como supra referido, que existem autos de medição, e os serviços estão discriminados nas faturas identificando-se cada uma das obras em que foram realizados, datas, quantidades de material, e todos esses factos não são colocados em causa pelos serviços de inspeção.


Na verdade, da análise que ora fazemos dos anexos ao relatório de inspeção, mais concretamente dos meios de pagamento respeitantes a cada uma das faturas resulta claramente que todos, sem exceção, foram efetuados através de cheques cruzados, ou seja, nenhum foi passado ao portador e levantado ao balcão, nem se encontra evidência que tenham sido depositados em conta diversa do seu destinatário, e portanto, de acordo com as regras da experiência comum, importa concluir que tais cheques foram efetivamente depositados à ordem de quem vinha indicado nos mesmos, ou seja, a empresa subempreiteira emitente das faturas, não levantando dúvidas quanto ao efetivo beneficiário das quantias.


Ora, relativamente aos meios de pagamento, e em sede de audiência prévia, os serviços de inspeção concluem que as operações em causa foram liquidadas por meio de cheques, contudo referem que estes levantam algumas dúvidas, na medida em que esses foram assinados “por pessoa que não existe designada de B.....”.


Sucede que, por um lado, tal afirmação não foi densificada, como se impunha, o que desde logo fragiliza a sua valoração, por outro lado, da análise que fizemos dos anexos ao relatório de inspeção essa afirmação revela-se inexata. Por um lado, são apenas dois os cheques, em cujo verso se encontra aposta uma assinatura “B.....”, e por outro lado, tal assinatura coincide com a que consta das faturas emitidas pela sociedade emitente das faturas (“B….., Lda.”) pelo que, não se compreende a referência à “pessoa que não existe” necessitando tal referência de ser densificada para que pudesse ser valorada num sentido de “levantar dúvidas”.


Em suma, os serviços de inspeção não colocaram em causa a realização das obras a que cada uma das faturas se refere, estando detalhadamente discriminados cada um dos serviços, e por outro lado, temos autos de medição muito detalhados especificando-se os materiais utilizados e quantidades, obras, datas, etc., e finalmente, os meios de pagamentos (cheques) utilizados são cheques todos cruzados, permitindo uma análise dos efetivos beneficiários das quantias, e ainda que a dois deles tenha sido levantado pelos serviços uma dúvida, como dissemos, importava densifica-la, não encontrando tal dúvida respaldo nem na fundamentação exarada, nem na documentação em anexo ao relatório de inspeção.




Portanto, em suma, nesta parte entendemos que a AT não reuniu indícios suficientes para cumprir com o seu ónus da prova, e nessa parte a sentença recorrida enferma de erro de julgamento, e nessa medida, deverá ser revogada, concluindo-se que a correção em causa enferma de erro sobre os pressupostos de direito e de facto, e nessa medida a liquidação impugnada, nesta parte, deverá ser anulada. Assim sendo, fica prejudicado o conhecimento dos demais fundamentos do recurso da Impugnante nos termos do disposto no art. 608.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi art. 663.º, n.º 2 do CPC.


Pelo exposto, e em suma, importa revogar a sentença recorrida na parte referente ao recurso da Impugnante, e consequentemente, anular a liquidação impugnada nessa mesma parte, e confirmar a sentença recorrida na parte respeitante ao recurso da Fazenda Pública.

Em matéria de custas o artigo 527.º do CPC consagra o princípio da causalidade, de acordo com o qual paga custas a parte que lhes deu causa. Vencida na presente causa ambas as partes, devem ser condenadas na respetiva proporção do decaimento.


Por outro lado, considerando que o valor da presente causa é superior a 275.000,00€, e que a questão da dispensa do remanescente da taxa de justiça ao abrigo do disposto no art. 6.º, n.º 7 do RCP é de conhecimento oficioso (cf. Ac. do STA de 07/05/2014, proc. n.º 01953/13), sempre se dirá que se encontram reunidos os pressupostos do n.º 7 do art. 6.º do RCP. Na verdade, in casu, o valor da ação é de 477.403,99€. Ponderado o montante da taxa de justiça que será devida com base neste valor, face ao concreto serviço prestado, revela-se adequado e necessário face ao princípio da proporcionalidade, dispensar o remanescente da taxa de justiça. Acresce que, o presente recurso não apresentou complexidade sendo pacífica a jurisprudência dos tribunais superiores sobre a matéria, e considerando ainda que a conduta processual das partes foi a normal e adequada, importa concluir que se verificam os pressupostos do art. 6.º, n.º 7 do RCP, para a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida pelo presente recurso.

Sumário

I. A 1.ª parte do n.º 1, do art. 59.º do CIRC, à época, estabelecia a regra de que não são dedutíveis em sede de IRC os montantes pagos, a qualquer título, a residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável;

II. Na 2.ª parte daquele preceito legal estabelece-se uma exceção à regra, nomeadamente, se o sujeito passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e que não têm um carácter anormal ou um montante exagerado, então, nesse caso, poderá efetuar a dedução, e, portanto, esses requisitos são cumulativos, cabendo a prova dos mesmos ao contribuinte;

III. A AT não necessita de demonstrar a falsidade das faturas, basta-lhe evidenciar a consistência daquele juízo, invocando factos que traduzam uma probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade (art. 75.º da LGT);

IV. A AT pode lançar mão de elementos obtidos através de fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, porém, não se pode bastar com esses elementos (indícios externos), tem necessariamente de obter alguns indícios junto do contribuinte (indícios internos) que, ainda que conjugado com aqueles outros, conduzam à elevada probabilidade de que as faturas não correspondem a operações efetivas;

V. Considerando o princípio do inquisitório consagrando no art. 58.º do mesmo diploma, é um poder-dever o previsto no art. 63.º da LGT, o nomeadamente o dever da AT de desenvolver todas as diligências necessárias ao apuramento da situação tributária dos contribuintes.


II. DECISÃO


Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder parcial provimento ao recurso da FAZENDA PÚBLICA, revogando-se a decisão recorrida na parte respeitante às correções referentes às rendas da sede e respetivas tributações autónomas, e conceder provimento ao recurso da IMPUGNANTE, revogando-se a sentença recorrida nessa parte, e consequentemente, anulando a liquidação nessa mesma parte.


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Custas por ambas as partes na proporção do decaimento que se fixa em ¾ para a Fazenda Pública e ¼ para a Impugnante, dispensando-se o pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Conforme requerido nos autos informe do presente acórdão o processo n.º 1388/09.IDLSB, que corre termos nos Serviços do Ministério Público de Oeiras, 1.ª secção.

D.n.

Lisboa, 14 de janeiro de 2021.


A Juíza Desembargadora Relatora

Cristina Flora




A Juíza Desembargadora Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Juízes Desembargadores Tânia Meireles da Cunha e António Patkoczy.