Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:211/12.6BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:05/12/2022
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:IMI.
CLASSIFICAÇÃO PARCIAL PATRIMONIAL DE PRÉDIO.
ISENÇÃO.
Sumário:I. Quando se demonstra que a classificação patrimonial incide sobre partes do prédio para o qual se requer isenção de IMI, a mesma deve ser deferida na proporção da parte classificada.

II. A tributação do património não obsta à anulação parcial do acto tributário, dado que a divisibilidade do mesmo, através de operações aritméticas, mantém-se incólume.

Votação:COM UM VOTO DE VENCIDA
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acórdão

I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional contra a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé de 11 de Julho de 2016 que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por J …………………………. contra a decisão do Chefe do Serviço de Finanças de F.... que lhe indeferira o pedido de não sujeição a Imposto Municipal sobre Imóveis, relativamente ao prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia da …., concelho de ….., sob o artigo matricial nº…………….

A Recorrente terminou a sua alegação recursória, com as seguintes conclusões:

«a) A questão decidenda é saber se o prédio preenche os requisitos legais do artº40º nº 1, al. n) e nº5 do EBF, à data dos factos (actual artº44º nº1 al. n) e nº 5 do EBF);
b) Face ao pedido de isenção de IMI apresentado no SF de F...., foi solicitado à Câmara Municipal de F.... (CMF) e à Direcção Regional da Cultura do Algarve (DRCA) informação sobre se o prédio estava classificado como Imóvel de Interesse Público, de Valor Municipal ou como Património Cultural, nos termos da citada norma legal;
c) A DRCA através de Parecer, de 2009/09/28, pronunciou-se que “foi a muralha na integridade do seu percurso o objecto de classificação e não os prédios que adossados à muralha, não incorporam, automaticamente em si, nem os critérios nem os valores inerentes às muralhas históricas que justificaram a classificação como IIP; sempre que os prédios adossados à muralha se configuram como um bem patrimonial com um valor de interesse nacional são, individualmente, objecto de um novo processo de classificação”;
d) O Departamento de Cultura e Património da CMF informou, em 2009/09/18, que “(…) apesar do imóvel se encontrar adossado às muralhas isso não lhe confere qualquer grau de classificação, encontrando-se, meramente, sob servidão administrativa de um Bem classificado como de Interesse Público…”;
e) O projecto de despacho de indeferimento do pedido de isenção baseou-se nas informações prestadas pelas citadas entidades oficiais, com interveniência na classificação de imóveis, com fundamento em que o prédio não preenche os requisitos legais do artº44º do EBF;
f) Desse projecto foi exercido direito de audição pelo impugnante, mas não foi apresentada certidão emitida pelo IGESPAR, IP ou outra entidade competente, comprovativa de que o prédio se encontrava individualmente classificado como de Interesse Público ou de Interesse Municipal;
g) Do despacho final de indeferimento deduziu o impugnante recurso hierárquico, que foi indeferido com fundamento em que “o prédio não preenche os pressupostos legais por não estar “individualmente” classificado, mas apenas situado em zona de protecção”;
h) No decurso destes autos, em 2013/06/03, a DRCA emitiu uma nova Informação, após visita ao interior do prédio do impugnante, onde mais uma vez concluiu que “da visita efectuada, existir uma distinta configuração da muralha face às construções que ali e junto a ela foram edificadas, incluindo os materiais que foram empregues”;
i) Logo, o entendimento da Administração Tributária é corroborado pelas Informações elaboradas pela DRCA em 2009/09/28 e 2013/06/03 respectivamente, onde se conclui claramente que as muralhas se distinguem dos prédios que foram construídos junto às mesmas;
j) Acresce, ainda que, na inspecção ao prédio constatou-se que o impugnante aproveitou algumas paredes da muralha interior para aí edificar o seu imóvel (ao nível do r/c), sendo que uma outra parte do imóvel encosta à Capela …………… (Cfr. Auto de Inspecção ao Local e ponto 4 da citada Informação da DRCA);
k) Daqui ser forçoso concluir que, nem da inspecção ao local onde se situa o prédio nem das Informações proferidas pelas entidades oficiais (DRCA e CMF) nem dos restantes documentos juntos aos autos, resultou que o prédio incorpora a Fortaleza de F...., que foi classificado como Imóvel de Interesse Público (IIP), pois,
l) O que foi alvo de classificação como Imóvel de Interesse Público foi apenas e tão só a Fortaleza de F.... (cfr. Anexo II do DL n.º 45/93, de 30/11);
m) Assim, temos que dissentir do sentido julgado pela douta sentença quando decidiu que do “probatório conclui-se que o prédio… está incorporado no imóvel “Fortaleza de F....” … conclusão resulta… dos documentos… do depoimento da testemunha e … da inspecção ao local…”, porquanto,
n) Da prova produzida não resulta tal conclusão, já que o facto do impugnante ter aproveitado algumas paredes da muralha interior para aí construir o seu imóvel, não significa que este incorpora a Fortaleza de F....;
o) Contrariamente ao decidido, também não se encontra essa justificação na descrição dos factos reportados ao ano de 1842 (Cfr. Informação nº130367 da DRCA), pois,
p) É necessário não olvidar que não existe nos autos título de propriedade do troço da muralha confinante com o prédio, que permita concluir que a muralha é propriedade do impugnante, já que;
q) O antigo proprietário Frederico Cortes comprou a casa e um terreno interior da muralha até ao castelo que transformou em horta e fechou com um “monumental” portão (Porta do Repouso), dois quintais e para “cúmulo” construiu um prédio térreo à face da muralha… e “conseguiu” incrustar” outra casa de habitação junto à capela;
r) Tal factualidade descrita num texto do século XIX é consentânea com a realidade actual dos factos, ou seja, estamos perante um imóvel construído encostado/adossado à muralha e à capela;
s) E, também é importante salientar, o que não foi transcrito e que vem a seguir ao texto relatado pela douta sentença, a fls. 16, 2º parágrafo, que é a conclusão da DRCA na visita ao imóvel “…distinta configuração da muralha face às construções que ali e junto a ela foram edificadas, incluindo os materiais empregues”;
t) Quanto à questão do imóvel ter sido registado na Conservatória do Registo Predial de F.... como Imóvel de Interesse Público, embora o impugnante se estribe nesse registo efectuado para sustentar a sua tese, o que se verificou efectivamente é que o seu prédio foi inscrito através da Ap. n.º1200 de 18/01/2010, com base em documentos que não legitimam nem reconhecem que o citado prédio foi classificado como IIP, mas sim que a F……………..está em via de classificação como IIP (vide art.º 32º e 33º das alegações);
u) Se assim não se entender, o que só por mero dever de patrocínio se concede, sempre se dirá que a classificação de qualquer imóvel decorre de um acto administrativo especificamente dirigido para o efeito, mediante o qual se determina que certo bem possui um inestimável valor cultural, que é posteriormente publicado em decreto ou em portaria (Cfr. art.ºs 15º nº2, 18º nº1 e 28º n1 e 2 todos da Lei n.º 107/2001, de 8/9), isto é,
v) Os critérios legais de classificação de bens culturais imóveis são os que constam da Lei de Bases do Património Cultural - Lei nº107/2001, de 8/9 e DL nº309/2009, de 23/10 - e dependem sempre de um prévio procedimento administrativo de classificação (Cfr. art.ºs 1.º do CPA, 18.º e 25.º daquela Lei e art.º 1.º do citado DL;
w) A Lei n.º 107/2001 de 8/9 (bases da política e do regime de protecção e valorização do património cultural) estabelece no seu art.º 15.º n.º 5 que um “bem imóvel se considera de interesse público quando a respectiva protecção e valorização represente um valor cultural de importância nacional”;
x) O IGESPAR, IP é a entidade competente que elabora o projecto de decisão de classificação do bem imóvel como de interesse nacional ou de interesse público (Cfr. art.ºs 3º nº1 e 23º do DL n.º 309/2009, de 23/10) e às Câmaras Municipais compete a classificação de bens imóveis como de interesse municipal, de acordo com o nº 6 do artº15º daquela Lei e artº57º do referido DL;
y) A inexistência de classificação individual do citado prédio como sendo de interesse público, de valor municipal ou integrante do património cultural, constitui pressuposto fundamental para a legalidade da decisão de indeferimento do pedido de isenção de IMI, nos termos do antigo artº40º do EBF;
z) As informações prestadas pelas entidades (Município F.... e DRCA) com atribuições e competências no domínio da classificação do património possuem manifesta relevância para o processo decisório em sede tributária, pelo que a expressa menção de que o prédio objecto do pedido de isenção carece de classificação individual é bastante para obstar à aplicabilidade da isenção, pelo que;
aa) Inexistindo prova que o prédio foi classificado como Imóvel de Interesse Público (IIP) e que incorpora imóvel individualmente classificado como “F ………………”, porque, isso, na realidade não corresponde à verdade, pois, a palavra “incorporar” significa integrar, fazer parte de, logo,
bb) Sendo o prédio bem distinto das Muralhas que constituem a Fortaleza de F...., não está incorporado nelas como parte integrante, como sustenta o impugnante, antes estando edificado (e apenas uma parte) junto às mesmas, distinguindo-se inclusive os materiais aí utilizados da própria muralha (Cfr ponto 6 da Informação nº130367 da DRCA);
cc) E, outra parte do imóvel encosta a uma Capela, aí já anteriormente implantada no local, como se constatou na inspecção ao local;
dd) Assim, a douta sentença recorrida, apreciou erradamente a matéria factual e jurídica, daí resultando, em consequência, erro de julgamento, por violação do disposto nos art.ºs 44º nº1 al. n) e nº 5 do EBF (antigo art.º 40.º), 15º n.ºs 1, 2, 5 e 6, 18º nº1 e 25.º da Lei 107/2001 de 8/9 e art.º 2.º, 3.º e 4.º do DL n.º 309/2009, de 23/10).
Pelo exposto e pelo muito que V. Ex.ªs doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e consequentemente revogada a sentença recorrida».


***

O Recorrido, J ……………………, apresentou contra-alegações, defendendo o não provimento do recurso e a bondade da decisão recorrida.
***
Foi dada vista ao MINISTÉRIO PÚBLICO e a Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer de fls. 1127 dos autos, no sentido de ser concedido provimento ao recurso.
***
Foram colhidos os vistos aos Senhores Juízes Adjuntos, pelo que vem o processo submetido à Secção do Contencioso Tributário para julgamento do recurso já que nada obsta.

II. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. DOS FACTOS

Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto seguinte:

«A) Em 16/11/2007, M …………………., mãe do Impugnante, apresentou junto do Serviço de Finanças de F...., pedido de isenção de pagamento de IMI, referente ao imóvel inscrito na matriz ……….. (cfr. fls. 31 e 66 do p.a. e 55 e 935 a 937 dos autos);

B) Em 18/09/2009, o Departamento de Cultura e Património da Câmara Municipal de F.... emitiu parecer no seguimento de pedido efetuado pelo Serviço de Finanças de F.... a informar que: “(…) apesar do imóvel se encontrar adossado às muralhas, isso não lhe confere qualquer grau de classificação, encontrando- se meramente, sob servidão administrativa de um Bem classificado como de Interesse Público (…)” (cfr. fls. 31 a 34 do p.a.);

C) Em 21/09/2009, a Direção Regional de Cultura do Algarve enviou ao Serviço de Finanças de F...., ofício, onde se refere, nomeadamente, que “(…) foi a muralha na integridade do seu percurso o objeto de classificação e não os prédios que a ela se adossam (…)” (cfr. fls. 36 do p.a.);

D) Em 15/05/2010, M ………………….. comunicou ao Serviço de Finanças que tinha passado a posição de cabeça de casal na herança aberta por óbito do seu falecido marido, H ………………………., ao seu filho, o Impugnante (cfr. fls. 108 do p.a.);

E) Em 16/05/2011 o Chefe do Serviço de Finanças de F.... proferiu despacho de indeferimento do pedido de isenção de pagamento de IMI (cfr. fls. 27 e 28 do p.a.);

F) Em 06/03/2012, veio o Impugnante apresentar recurso hierárquico que veio a ser indeferido por despacho proferido pela Subdiretora-Geral da Direção de Serviços do IMI, em 01/03/2012 (cfr. fls. 50, 51 e 54 do p.a.);

G) Em 24/10/1956, veio o Diretor-Geral do Ensino Superior e das Belas Artes informar o Diretor-Geral da Fazenda Pública que

«Texto no original»

(cfr. fls. 92 dos autos);

H) Em 19/09/1957, A Repartição do Património, da Direção-Geral da Fazenda Pública veio informar o Diretor-Geral do Ensino Superior e das Belas Artes sobre “a propriedade das antigas muralhas da cidade de F....”, onde se pode ler o seguinte:

«Texto no original»

(cfr. fls. 80 a 85 dos autos);

I) Em 04/11/1957, foi emitida “lista de proprietários de imóveis integrados na Fortaleza de F...., residentes no concelho de F....” pelo Ministério da Educação Nacional onde consta o seguinte: a proprietária dos prédios inscritos sob os artigos 485, 40, 99 e 100, era H…………………………………., moradora na Rua ………………, nº1 em F.... e os proprietários dos prédios inscritos sob os artigos nº …, …….e …… eram H ……………….., J …………………… e B ………………… (cfr. fls. 68 e 74 dos autos);

J) Em 04/12/1957, O Chefe da Repartição do Ministério da Educação Nacional, determinou que:

«Texto no original»
(…)

«Texto no original»

(cfr. fls. 65 dos autos);

K) Em 07/01/1975 a Câmara Municipal de F.... enviou ofício à Direcção da Fazenda Pública, Ministério da Coordenação Económica, onde se pode ler o seguinte:

«Texto no original»

(cfr. fls. 60 e 61 dos autos);

L) Em 04/04/1975 foi emitido pelo Ministério da educação Nacional o seguinte parecer:

«Texto no original»
(cfr. fls. 58 dos autos);

M) Em 17/07/1975, foi emitida pela Repartição da Direção-Geral dos Assuntos Culturais, certidão, onde se pode ler:

«Texto no original»
(cfr. fls. 45 e 46 dos autos);

N) Em 13/12/1985 foi feito ofício nº12909 pela Direção de Finanças do Distrito de F.... e emitido ao diretor-Geral do Património do Estado, onde se pode ler:

«Texto no original»

(cfr. fls. 822 a 824 dos autos);

O) A Fortaleza de F.... está classificada como Imóvel de Interesse Público, conforme Anexo II do Decreto nº 45/93 de 30.11, publicado no DR de 30/11/1993 (cfr. fls. 47 a 51 dos autos);

P) Em 03/10/2008, M …………………………. apresentou junto da Repartição de Finanças de F.... Declaração de IMI Modelo I e anexo II referente ao imóvel inscrito na matriz sob o artigo P8713 (cfr. fls. 423 e seguintes dos autos);

Q) Em 15/10/2009 foi emitida caderneta predial urbana onde consta

«Texto no original»
(cfr. fls. 173 a 179 dos autos);

R) Em 30/04/2010 foi emitida pela Conservatória do Registo Predial de F...., certidão onde se pode ler:

«Texto no original»


(cfr. fls. 161 a 165 dos autos);

S) Em 03/06/2013 foi feita informação nº130367 pela Direção Regional de Cultura do Algarve onde se refere que foi feita visita ao local e onde consta um texto de 1985 nos seguintes termos:

«Texto no original»

(cfr. fls. 914 a 917 dos autos);

T) As paredes constantes de fotos de fls. 778 dos autos, correspondem, no local, às paredes da muralha (cfr. inspeção ao local);

U) O adarve da muralha constitui o teto de um corredor existente no imóvel que é ladeado por paredes da muralha (cfr. inspeção ao local);

V) A entrada para a muralha, adarve, arco do repouso e torreão faz-se pela entrada principal do imóvel ou por portão que se encontra encerrado e cuja entrada é feita mediante autorização do Impugnante (cfr. inspeção ao local);

W) Uma parte do interior do imóvel, encosta à Capela de Nossa Senhora do Repouso (cfr. inspeção ao local);

X) O prédio inscrito atualmente na matriz com o nº8713 corresponde ao anterior artigo 40 (por acordo).»


*

Consta da mesma sentença a título de «Factualidade não provada» que «[n]ão se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados».

E lê-se ainda na sentença em recurso sob a epígrafe «Fundamentação do julgamento» que, «[q]uanto aos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se na documentação junta com os articulados e no processo administrativo, autos de recurso hierárquico junto aos autos, inspecção ao local e depoimento das testemunhas. Da inspecção ao local resultou o esclarecimento sobre a localização, estrutura e dimensão do prédio do impugnante devido ao confronto da realidade física do mesmo com fotografias juntas aos autos a fls. 776, 777, 778, 779 e plantas juntas a fls. 429, 430, 431 432 e 433 dos autos. O depoimento da testemunha foi importante na confrontação com documentos juntos aos autos e ainda, esclarecedor quanto à relação física entre a Fortaleza de F.... e o prédio do Impugnante, sendo um depoimento que se mostrou imparcial, isento e claro.»

**
Por meio de requerimento de 17.05.2017, o recorrido juntou um documento referente a ofício da Direcção-Geral do Património Cultural, relativo ao prédio dos autos.
Ao abrigo do disposto no artigo 114.º do CPPT, determina-se a junção do documento aos autos. Notifique.
X
Ao abrigo do disposto no artigo 662.º/1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:
Y) Por meio de ofício de 31.03.2017, a Direcção Geral do Património Cultural informou o Presidente da Câmara de F...., no que respeita ao imóvel dos autos, que: «o tramo que refere, e que inclui tramo da muralha da Cerca Velha de F.... e a Porta e torreões do Arco do …………… (ver planta anexa) é propriedade particular de herdeiros de H ………………………, de que é cabeça de casal J ……………………………..» - fls. 1134.
X
2.2.DE DIREITO

2.2.1. Nos presentes autos, é impugnada a sentença que julgou procedente a impugnação, determinando a anulação do despacho que indeferiu o pedido de isenção de IMI e, em consequência, decretou a anulação das liquidações de IMI subsequentes.

Para assim proceder, a sentença considerou, em síntese, que «o prédio inscrito na matriz sob o artigo …………., não se encontra meramente adossado ou “encostado”, mas está incorporado no imóvel “Fortaleza de F....”». Considerou, bem assim, que o acto impugnado padece do «vício de erro sobre os pressupostos de facto invocado pelo Impugnante», anulando o acto de indeferimento do pedido de isenção de pagamento de IMI …, bem como, as liquidações emitidas».

A recorrente assaca à sentença em crise erro de julgamento quanto à apreciação da matéria de facto. Alega que foram apenas as muralhas, e não o prédio do impugnante, que foram objecto de classificação, pelo que acto de indeferimento do pedido de isenção deve ser mantido na ordem jurídica, dado que se mostra conforme ao Direito.
2.2.2. Apreciação. O preceito do artigo 40.º/1/n), do EBF, determina que estão isentos de IMI os prédios classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados como de interesse público, de valor municipal ou património cultural, nos termos da legislação aplicável(1). Por seu turno, o preceito do artigo 31.º/1, da Lei n.º 107/2001, de 08/09 (2), estatui que «[t]odo o bem classificado como de interesse nacional fica submetido a uma especial tutela do Estado, a qual, nas Regiões Autónomas, deve ser partilhada com os órgãos de governo próprios ou, quando for o caso, com as competentes organizações internacionais, nos termos da lei e do direito internacional».
Do regime dos artigos 31.º a 50.º da Lei n.º 107/2001, citada, resulta o estabelecimento de um conjunto de restrições e sujeições a que estão sujeitos os prédios classificados ao abrigo da mesma. Através do decreto n.º 45/93, de 30.11, foi classificado como imóvel de interesse público a «Fortaleza de F...., incluindo todo o conjunto de elementos ainda existentes das muralhas, confrontando, no seu perímetro exterior, a nascente com o Largo ……………. e a Rua de ……………………….., a sul com a linha dos caminhos de ferro, a poente com a Rua ………………………… e a Norte com o Largo do …………………….. e a Rua ……………., F....». O prédio em causa nos autos é identificado através do artigo da matriz n.º ………….. (3) e descrito na Conservatória do Registo Predial de F...., sob o n.º 81/1985031(4). O mesmo, qua tale, não foi objecto de classificação como imóvel de interesse público, mas antes a muralha, incluída na Fortaleza de F...., contígua ao mesmo. Pelo que o prédio em apreço não pode, como tal, beneficiar do regime fiscal de isenção peticionado.
Importa, todavia, atender aos elementos que constam do probatório, não impugnado pela recorrente, a saber:
i) As paredes constantes de fotos de fls. 778 dos autos, correspondem, no local, às paredes da muralha (alínea T), o que quer dizer que algumas paredes das muralhas constituem paredes do imóvel.
ii) O adarve da muralha constitui o teto de um corredor existente no imóvel que é ladeado por paredes da muralha (alínea U).
iii) A entrada para a muralha, adarve, arco do repouso e torreão faz-se pela entrada principal do imóvel ou por portão que se encontra encerrado e cuja entrada é feita mediante autorização do Impugnante (alínea V).
iv) Uma parte do interior do imóvel, encosta à Capela …………………….. (alínea W).
v) O imóvel é descrito na CRP da forma seguinte: “Edifício composto por cave, rés-do-chão, primeiro andar e sótão com várias divisões, anexos, dependências, muralhas e quintal, com poço e tanque – Norte, Rua …………… e antiga horta da Santa Casa da Misericórdia; Sul, antiga fábrica da ………………; Nascente; Largo de S. ……………… e Rua ……………………..; Poente, Museu Municipal e antiga carpintaria da ………………... // Este prédio foi classificado como imóvel de interesse público – incorpora as partes do imóvel individualmente classificado designado Fortaleza de F...., a saber: um troço da muralha, um Torreão e um Arco …………….., todos com adarve (alínea R).
vi) Por meio de ofício de 31.03.2017, a Direcção Geral do Património Cultural informou o Presidente da Câmara de F...., no que respeita ao imóvel dos autos, que: «o tramo que refere, e que inclui tramo da muralha da Cerca Velha de F.... e a Porta e torreões do Arco …………… (ver planta anexa) é propriedade particular de herdeiros de Hermínio Beato de Oliveira, de que é cabeça de casal J ………………………………………..» (alínea Y).
O regime de protecção do património cultural implica um conjunto de ónus e sujeições para os proprietários dos imóveis a ele sujeitos, através de actos administrativos de classificação do património imobiliário (artigo 21.º da Lei n.º 107/2001, citada – “Deveres especiais dos detentores”). O que justifica depois o desagravamento fiscal, através da atribuição de isenções.
Nos termos do artigo 2.º/1, do CIMI, «[o] prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial». No caso, verifica-se que o prédio em exame contém partes que integram as muralhas da Fortaleza de F...., a qual foi objecto de classificação como imóvel de interesse público e partes que compõem o prédio urbano em causa, que não foram objecto de classificação. Pelo que, nas partes que integram as muralhas objecto de acto de classificação patrimonial, o direito à isenção de IMI não pode ser negado ao contribuinte. O mesmo não se pode afirmar em relação às partes do prédio urbano que não integram as muralhas em referência. De onde se extrai que o acto de indeferimento do pedido de isenção de IMI, referido em E), não se pode manter, na sua totalidade, dado que incorre, em parte, em erro nos pressupostos de facto. Deve ser anulado, no que respeita ao segmento que indefere a isenção em relação às partes do prédio que integram as muralhas objecto de classificação patrimonial. O mesmo é válido em relação às liquidações de IMI, emitidas em data subsequente a Novembro de 2007. Estas devem ser reformadas, atendendo à isenção de IMI devida no que se refere às partes do prédio que integram as muralhas objecto de classificação patrimonial. Por outro lado, o acto de indeferimento do benefício fiscal, bem como as liquidações de IMI contestadas, no segmento em que incidem sobre as parcelas do prédio que estão fora da parte objecto de classificação, não enfermam de qualquer erro ou vício, pelo que devem ser mantidos na ordem jurídica. Por outras palavras, assiste ao impugnante o direito à redução proporcionada da tributação, atendendo a que opera a isenção de IMI em relação às partes do seu prédio que integram as muralhas da Fortaleza de F...., a qual constitui imóvel classificado, e como tal isento de IMI, nos termos do artigo 40.º/1/n), do EBF. Mas não é titular da referida isenção em relação às demais partes do prédio urbano em análise.
Mais se refere que a anulação parcial do acto administrativo negativo, bem como a anulação parcial das liquidações de IMI subsequentes constitui um imperativo do princípio da legalidade tributária, na medida em que a decisão judicial anulatória apenas deve incidir na parte dos actos inquinada, mantendo incólume a parte não afectada. Como se refere no Acórdão do STA, de 30/01/2019, P. 0436/18.0BALSB, «O acto tributário, enquanto acto divisível, tanto por natureza como por definição legal, é susceptível de anulação parcial. // O critério para determinar se o acto deve ser total ou parcialmente anulado passa por aferir se a ilegalidade afecta o acto tributário no seu todo, caso em que o acto deve ser integralmente anulado, ou apenas em parte, caso em que se justifica a anulação parcial. // Não impede a anulação parcial do acto a necessidade de um ulterior acertamento por parte da AT, de modo a conformar a parte remanescente do acto com os termos da decisão judicial anulatória, como o impõe no caso a diminuição ao valor da matéria colectável apurada em sede de acção inspectiva do valor respeitante às correcções que foram julgadas ilegais pelo tribunal» (5).
No caso, a anulação parcial do acto tributário corresponde a operação aritmética por meio da qual se apura a proporção do prédio ainda sujeita a tributação após a aplicação da isenção, nos termos vistos, realizando apenas quanto a essa parte a liquidação do imposto devido (6).
Esta é, diga-se, a interpretação que melhor se compatibiliza com os princípios constitucionais da proporcionalidade, adequação e da justiça material. Na verdade, afigurar-se-ia materialmente injusto e desproporcional tributar a totalidade do prédio, quando uma parte da sua estrutura está classificada e por via disso, sujeita aos ónus e encargos especiais decorrentes da salvaguarda patrimonial que decorre do acto classificativo que a isenção visa compensar.
Ao julgar em sentido discrepante, a sentença recorrida deve ser substituída por decisão que julgue parcialmente procedente a impugnação.
Termos em que se concede parcial provimento ao recurso.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder parcial provimento ao recurso, e

i) revogar a sentença recorrida, mantendo o acto de indeferimento da isenção, bem como as liquidações de IMI, subsequentes, na parte do prédio que não foi objeto de classificação.

ii) Quanto ao mais, confirmar a sentença recorrida.

Custas pela recorrente e pelo recorrido, que se fixam em 2/3 para a primeira e 1/3, para o segundo.

Registe.
Notifique.


(Jorge Cortês - Relator)


(1.ª Adjunta - Hélia Gameiro Silva, vencida nos termos da declaração de voto junta)


(2.ª Adjunta – Ana Cristina Carvalho)


Vencida

Embora entenda a fundamentação da posição que fez vencimento, não a acompanho, assim como também não seguiria a decisão a que ali se chegou.

Na situação em apreço, está em causa uma isenção de IMI, imposto que incide sobre o valor patrimonial tributário dos prédios rústicos e urbanos situados no território português, entendendo-se aqui, como prédio, “… toda a fração de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou coletiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fração de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.” - cfr. artigo 1.º e 2.º do CIMI.

Ora se a regra de incidência do imposto abrange o prédio no seu todo, a isenção, enquanto norma que contraria o princípio da geral, eximindo o cumprimento da obrigação tributária segue o mesmo trilho, só assim não o seria se a lei expressamente o determinasse, situação que in casu não se verifica.

Por outro lado da norma de isenção a que se faz apelo [artigo 40º nº 1, al. n) do EBF, à data dos factos (atualmente artigo n.º 44º nº1 al. n)] extrai-se que estão isentos de Contribuição Autárquica (agora de IMI), “[O]os prédios classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável.” – o destacado é nosso.

Por conseguinte a norma de isenção reporta-se a prédios classificados, sendo que esta classificação é atribuída “aos competentes órgãos e serviços do Estado ou das Regiões Autónomas quando o bem ali se localizar, nos termos da lei e dos estatutos político-administrativos, e a classificação de bens culturais como de interesse municipal incumbe aos municípios.”, conforme estatui o n.º 1 do artigo 94.º da Lei n.º 107/2001 de 08/09(7)

Ora, referindo-se, como vimos que se refere, a norma do EBF à isenção do IMI parece-me que seria, contra legem, estender esta isenção a “partes de prédio”, uma vez que se poria em causa, a unidade predial e matricial que lhe foi conferida nos termos do respetivo código (CIMI).

Por outro lado, importa referir que “… as normas que regulam a isenção de imposto, na medida em que contrariam os princípios da generalidade e da igualdade da tributação, são insusceptíveis de aplicação a casos que não tenham sido expressamente contemplados no benefício concedido, devendo ser objecto de interpretação estrita ou declarativa” – cfr. acórdão de STA proferido em 22/02/2017, no recurso n.º 01245/16.

Assim e resultando, como resulta, do probatório que ao imóvel, não obstante se encontrar adossado às muralhas, não foi conferido qualquer grau de classificação (pontos B) e C) do probatório), tenderia a conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida, mantendo os atos tributários impugnados.

Hélia Gameiro Silva

(1) Redacção dada pela Lei n. °53-A/2006, de 29/12
(2) Estabelece as bases da política e do regime de protecção e valorização do património cultural.
(3) Alínea Q).
(4) Alínea R).
(5) No mesmo sentido, v. Acórdão do STA, de 21/04/2022, P. 0346/08.0BEALM.
(6) Em sentido idêntico, no quadro do imposto de sisa, v. Acórdão do STA, de 21/04/2022, P. 0346/08.0BEALM.
(7) Lei de bases da política e do regime de proteção e valorização do património cultural