Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1561/20.3BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:12/16/2021
Relator:PEDRO NUNO FIGUEIREDO
Descritores:INTIMAÇÃO PARA ENTREGA DE CERTIDÃO
ESCOLHA DO LOCAL DE ENTREGA
Sumário:I. Caso o intimante nada requeira quanto ao local de entrega da certidão pretendida, não merece censura a atuação da entidade intimada na escolha de um seu serviço para o efeito.

II. Carece de razão de ser a invocação do confinamento e do teletrabalho por parte do intimante, quando não lhe estava vedada a deslocação entre o domicílio e o local de entrega da certidão, sendo certo que o regime laboral a que estava adstrito não impedia a sua deslocação ao serviço.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul
I. RELATÓRIO
R... instaurou ação executiva contra a Autoridade Tributária e Aduaneira, visando a execução do julgado proferido na intimação para prestação de informações, nos termos da qual se julgou a sua pretensão parcialmente procedente.
Pede a condenação da executada (i) a executar o julgado proferido, pagando as custas de parte devidas, entregando a documentação peticionada e identificando os titulares dos órgãos responsáveis pela inexecução, (ii) a pagar sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso, (iii) e a pagar multa processual especialmente agravada, (iv) a pagar indemnização moratória, a seu favor, em quantia a fixar segundo juízos de equidade (v) a pagar indemnização a seu favor, em quantia a fixar segundo juízos de equidade, a título de responsabilidade por litigância de má-fé; mais requer se denuncie ao Ministério Público (vi) os indícios da prática de ilícito criminal de desobediência por parte dos titulares dos órgãos responsáveis pela não execução da sentença (vii) os indícios da prática de ilícito criminal de favorecimento pessoal em procedimentos concursais, em prol de alguns funcionários e em detrimento dos demais funcionários, em manifesta violação do princípio da igualdade,
A executada deduziu oposição, identificou o titular do órgão responsável pela execução do julgado, requereu a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, e pugnou pela improcedência dos pedidos de condenação ao pagamento de indemnização, por litigância de má-fé, e pagamento de sanção pecuniária compulsória.
Por sentença de 03/09/2021, o TAC de Lisboa julgou a oposição parcialmente procedente e (i) fixou prazo de 15 dias para a executada proceder ao pagamento das custas de parte, (ii) julgou parcialmente extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, no que respeita ao pedido de entrega da documentação solicitada e visada pelo segmento decisório da sentença prolatada em sede declarativa, (iii) no mais absolveu-a dos pedidos supra descritos.
Inconformado, o autor interpôs recurso daquela decisão, terminando as alegações com a formulação das conclusões que seguidamente se transcrevem:
“1. A Apelada, fora do prazo de 10 dias fixado na Sentença da ação declarativa de intimação, limitou-se a remeter ao Apelante, uma mensagem, a exigir que o mesmo, em menos de 24 horas, se deslocasse às instalações da AT, a fim de levantar a certidão identificada nos autos de intimação;
2. Tal conduta, da Apelada, foi realizada ao arrepio das normas, que em contexto pandémico, se encontravam em vigor no nosso País;
3. Tal imposição da Apelada, ao Apelante, está em clara oposição ao despacho que a Apelada, enquanto entidade empregadora do Apelante, emitiu, aquando do início da pandemia provocada pelo vírus sars-cov-2 em Março de 2020 e que constitui uma obrigação profissional a que o Apelante está sujeito e que impõe que o mesmo permaneça no seu domicílio;
4. O referido despacho mantinha-se em vigor, aquando da comunicação que a Apelada remeteu ao Apelante em 13/04/2021;
5. Em 13/04/2021, mantinha-se o estado de emergência decretado pela Autoridade Pública, que impunha o dever de confinamento;
6. Nessa data, mantinha-se o dever profissional do Apelante, de permanecer no seu domicílio;
7. O Apelante, em 14/04/2021, requereu junto do Tribunal Recorrido, em sede de processo de intimação, que a Apelada remetesse a aludida certidão através de correio ou por meios digitais;
8. A Apelada, não deu imediato cumprimento ao peticionado pelo Apelante, e somente após entrada em juízo da presente execução, remeteu a certidão via correio;
9. A Apelada reconhece o incumprimento da sua conduta, se bem que obriga o Apelante a executar a Sentença de intimação, para que o mesmo possa garantir o cumprimento dos seus mais elementares direitos;
10. A Apelada, no prazo fixada pela Sentença na ação declarativa, também não identificou o responsável pela execução da referida Sentença, somente o tendo feito, na sequência da dedução da presente execução;
11. Não é aceitável, conforme sustenta o aresto recorrido, que esteja na livre convicção da Apelada, executar a Sentença de modo arbitrário e parcial, e considerar que a Sentença se tem por cumprida, sem necessidade de identificação do titular responsável pela sua execução;
12. A Apelada somente cumpre uma decisão judiciária, por via do mecanismo coercivo da execução, não o fazendo espontaneamente, e incumprindo permanentemente o estatuído no artigo 162.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA);
13. A Apelada, de forma ilícita, consciente e culposa, não cumpre, voluntariamente, uma decisão judicial que impõe a salvaguarda de direitos fundamentais constitucionalmente garantidos a um cidadão, in casu, o Apelante;
14. A Sentença Recorrida, segundo a perspetiva da fixação dos factos assentes, omitiu matéria relevante, como aquela que resultou atestada através dos documentos n.ºs 6, 7 e 8 juntos ao requerimento executivo;
15. O Tribunal Recorrido, não relevou o requerido pelo Apelante em sede de intimação e por via do seu requerimento de 14/04/2021;
16. À matéria de facto assente, constante na Sentença recorrida, devem ser aditados os seguintes factos:
- A partir de 13/03/2020, o Exequente estava obrigado a permanecer no seu domicílio e confinado à sua residência, por determinação da Executada;
- Tal obrigação profissional, a que o Exequente estava adstrito, mantinha-se em vigor, aquando da comunicação que a Apelada remeteu ao Apelante em 13/04/2021;
- O Exequente, em 14/04/2021, requereu junto do Tribunal Recorrido, em sede de processo de intimação, que a Executada remetesse a aludida certidão através de correio ou por meios digitais;
17. Atento o supra exposto e a matéria de facto que deve ter-se por provada, resulta evidente, que a Apelada, de forma manifestamente ilegítima, não executou a Sentença a que estava obrigada;
18. Não resulta demonstrada, qualquer causa legítima de inexecução da Sentença, que radique na impossibilidade absoluta ou no excepcional prejuízo para o interesse público na execução da Sentença, conforme estatui o artigo 163.º do CPTA;
19. Manifestou a Apelada, uma conduta ilícita e culposa, procurando impor ao Apelante uma deslocação, desnecessária e desproporcional, para levantamento da certidão a que devia ter acesso, mas que constituiria uma violação do dever de recolhimento obrigatório no domicílio em virtude da situação pandémica que assolava o país e do dever de obediência em sede profissional;
20. A Apelada não deu cumprimento ao dever de informação a que estava obrigada, por via do disposto nos artigos 82.º e 83.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), normas que se têm por violadas atenta a posição evidenciada no aresto recorrido;
21. Cabia à Apelada, dar cumprimento integral à Sentença, no respetivo prazo e por via do meio mais expedito e seguro e em defesa do interesse e saúde públicos e dos elementares direitos do Apelante;
22. Impunha-se ao Tribunal recorrido, condenar a Apelada em sanção pecuniária compulsória, por não verificação de causa legítima de inexecução de Sentença prevista no artigo 163.º do CPA e por aplicação do artigo 169.º do mesmo diploma legal, disposições normativas que a o Tribunal “a quo” manifestamente violou;
23. E em consequência, ser dado provimento ao peticionado pelo Apelante, nas alíneas b) a f) do pedido formulado no seu requerimento executivo;
24. Resulta manifesto, que a Apelada, ao longo dos presentes autos, manifestou uma clara resistência em prestar as informações que o Apelante havia solicitado, mesmo depois de ter sido judicialmente intimada para tal efeito;
25. A Apelada recorreu a expedientes dilatórios, para impedir que o Apelante tivesse acesso à certidão informativa, que lhe devia ser atempadamente disponibilizada;
26. A Apelada tinha plena consciência, do dever que sobre si recaía, na sequência da Sentença que lhe impôs o cumprimento da intimação;
27. Não cumpriu tal intimação, tendo compelido o Apelante, a promover a presente demanda executiva;
28. Desobedeceu assim a Apelada, de forma consciente e premeditada, ao determinado na Sentença proferida nos autos de Intimação, o que obrigou a que o Apelante instaurasse a presente Execução;
29. O não cumprimento espontâneo, por parte da Apelada, de uma Sentença, no contexto específico de um processo de intimação em que está em causa a salvaguarda de direitos fundamentais, constitui uma conduta manifesta de entorpecimento da ação da justiça administrativa;
30. O acesso à informação, solicitado junto de uma entidade pública, é um direito constitucionalmente consagrado;
31. O não cumprimento da Sentença, por parte da Apelada, de forma ilícita e culposa, conforme demonstrado no presente recurso, constitui uma verdadeira conduta de má-fé e um obstáculo ao cumprimento da justiça administrativa;
32. De igual modo, conforme resulta provado, o não pagamento de custas de parte, escudado em preceitos internos da orgânica da Apelada, que são absolutamente contrários ao estatuído no Regulamento das Custas Processuais, revela um propósito de alcançar um objetivo ilegal, por via de um expediente manifestamente reprovável e igualmente contra legem;
33. Contrariamente ao invocado pelo Tribunal Recorrido, tal conduta deve ser avaliada num contexto processual, atento o dever processualmente consagrado, de a parte vencida cumprir a sua obrigação de pagamento de custas de parte à parte vencedora, em conformidade com o disposto nos artigos 25.º e 26.º do Regulamento das Custas Processuais e 533.º do Código de Processo Civil, normas que, atendendo ao invocado na Sentença recorrida, resultaram violadas por parte do Tribunal “a quo”;
34. O comportamento da Apelada é, assim, claramente revelador de uma postura de litigância de má-fé, enquadrável no disposto nas alíneas b), c) e d) do artigo 542.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, conduta que devia ter sido sancionada pelo Tribunal Recorrido, por aplicação das normas citadas e do n.º 1 do referido artigo, disposições legais que se têm por violadas por parte do aresto recorrido;
35. E em consequência, ser dado provimento ao peticionado pelo Apelante, na alínea g) do pedido formulado no seu requerimento executivo;
36. A iniciativa processual da presente lide executiva coube ao Apelante, tendo o mesmo, ainda que parcialmente, obtido sucesso por via da decisão a que alude a alínea a) da Sentença;
37. A manter-se a fundamentação de facto e de direito da Sentença recorrida, a decisão deve ser corrigida, devendo passar a constar, que a execução deduzida pelo Exequente/Apelante é julgada parcialmente procedente;
38. Deve ser corrigida a parte da Sentença, respeitante à responsabilidade por custas;
39. Efetivamente, conforme decorre do artigo 536.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo
Civil, em caso de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide imputável ao Réu ou Requerido (leia-se, Executado, em contexto de execução), é este o responsável pela totalidade das custas;
40. O Apelante somente promoveu a execução, uma vez que, a Apelada não cumpriu
voluntariamente a Sentença intimatória, ao não entregar a certidão assim como ao não proceder ao pagamento das custas de parte devidas em sede de processo de intimação e ao não identificar o responsável pelo cumprimento da Sentença;
41. A entender-se, que a Apelada cumpriu tais obrigações em sede de execução, a eventual inutilidade superveniente da lide é totalmente imputável à Apelada, devendo esta ser condenada na totalidade das custas, em conformidade com o estatuído no artigo 536.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Civil, normas que resultaram violadas pelo Tribunal “a quo”, em consideração ao vertido na Sentença recorrida em relação a tal matéria;
42. E ainda que tal não se entenda, mas sempre considerando o Apelante como parte vencedora na presente lide e a natureza acessória dos pedidos formulados na alíneas b) a g) do pedido executivo, sempre a repartição das custas deve ser em saldo favorável ao Apelante, em razão à procedência do pedido principal, em obediência ao disposto no artigo 527.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, norma que também resulta desrespeitada pelo Tribunal recorrido;
43. E segundo tal perspetiva, devem as custas ser fixadas em 20% a cargo do Apelante e 80% a cargo da Apelada.
Termos em que ora se requer a V. Exas, VENERANDOS JUÍZES DESEMBARGADORES DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL, se dignem conceder provimento ao presente recurso e em consequência revogar a Sentença recorrida e condenar a Apelada Autoridade Tributária e Aduaneira nos seguintes termos:
a) Condenar a ora Apelada, na pessoa dos titulares dos órgãos responsáveis pela não execução da Sentença, no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infração, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 3.º e do art.º 169.º do CPTA, valor a quantificar desde a data da prolação da Sentença datada de 29/03/2020 e até à data da execução integral da referida Sentença por parte da ora Executada;
b) Condenar a Apelada, no pagamento de multa processual especialmente agravada, atendendo a que se trata de uma entidade pública e por isso estar obrigada ao cumprimento exemplar da lei, o que não se atesta nos presentes autos;
c) Que seja denunciado ao Ministério Público, os manifestos indícios da prática de ilícito criminal de desobediência por parte dos titulares dos órgãos responsáveis pela não execução da Sentença e de promoção da violação das orientações do Governo e das recomendações da DGS em matéria de contenção/controlo da pandemia comumente designada de COVID-19;
d) Condenar a Apelada, em pagamento de indemnização moratória, a favor do Exequente, através de quantia a fixar segundo juízos de equidade;
e) Condenar a Apelada, a título de responsabilidade por litigância de má-fé, em pagamento de indemnização a favor do Exequente, através de quantia a fixar segundo juízos de equidade, nos termos e para os efeitos dos artigos 542.º, n.º 1 e 543.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Código de Processo Civil;
f) Condenar a Apelada na totalidade das custas do presente processo, nos termos e para os efeitos do artigo 536.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Civil, ou em alternativa, em conformidade com o artigo 527.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, fixar as custas em 20% a cargo do Apelante e 80% a cargo da Apelada.
A entidade demandada apresentou contra-alegações, terminando as alegações com a formulação das conclusões que seguidamente se transcrevem:
“A - O recorrente vem interpor recurso da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa que julgou a procedência parcial da ação e a absolvição da Ré do pedido de condenação ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso na sua execução; ao pagamento de multa processual especialmente agravada; ao pagamento de indemnização moratória, em quantia a fixar segundo juízos de equidade; e, ao pagamento de indemnização, em quantia a fixar segundo juízo de equidade, por litigância de má-fé.
B – Como bem decidiu a sentença ora impugnada a AT não incorreu em incumprimento da decisão em sentido próprio, nem, bem assim, a existir, não seria esse mesmo incumprimento ilícito e culposo, não se encontrando, pois, observados os requisitos a que o legislador estabelece para aplicação de sanção pecuniária compulsória.
C - De todo o exposto concluímos que a conduta processual da AT não revela qualquer ato suscetível de corporizar uma atuação dolosa ou gravemente negligente.
D - Concluímos tal como a douta sentença que não estando reunidos os requisitos descritos no artigo 108.º, n.º 2 do CPTA, não pode ser aplicado o mecanismo descrito no artigo 169.º do CPTA, não devendo por isso ser aplicada sanção pecuniária compulsória.
E - Do atrás aduzido resulta assim, que deve ser confirmada a sentença objeto do recurso em causa e improceder o pedido de condenação da Recorrida como litigante de má-fé, concluímos que a conduta processual da AT não consubstancia uma atuação dolosa.
F - A improcedência total por infundado vício da sentença e da decisão impugnada arguido pelo Recorrente na sua petição de Recurso.”
O Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, por entender que é validamente sustentada e defensável a atitude da AT, sobre a disponibilidade da certidão nos respetivos serviços, a conduta da AT não visou entorpecer a ação da justiça, não se mostra desproporcional a conduta de molde a fundamentar a requerida condenação no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória e em multa por má fé processual, e quanto ao pagamento das custas de parte inexiste omissão grave do dever de cooperação.

Perante as conclusões das alegações do recorrente, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre aferir do seguinte:
- erro de julgamento da decisão de facto;
- erros de julgamento da decisão de direito quanto à (i) condenação da recorrida em sanção pecuniária compulsória, multa processual especialmente agravada e indemnização moratória, (ii) à entrega de certidão ao Ministério Público, (iii) à condenação da recorrida como litigante de má fé, e (iv) à condenação em custas.

Dispensados os vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.
*
II. FUNDAMENTOS
II.1 DECISÃO DE FACTO
Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
1. Em 17.08.2020, o Exequente apresentou um requerimento junto da Executada, aí solicitando, “ao abrigo do art.º 82.º do CPA e nos prazos ali previstos, cópia autenticada e integral de todas as atas e respetivos anexos, elaborados no âmbito do procedimento administrativo anteriormente identificado [“Ciclo de Avaliação Permanente para progressão para IT2 destinado aos Ex-ITE 1000”]” (cf. cópia das mensagens electrónicas juntas a fls. 12-22 dos autos no SITAF).
2. Em 07.09.2020, o Exequente apresentou a juízo o r.i. dos presentes autos de intimação (cf. comprovativo de entrega junto a fls. 1-3 dos autos no SITAF, documento que se dá por integralmente reproduzido).
3. Em 23.03.2021, foi proferida decisão, julgando a intimação “parcialmente procedente e, em consequência:
(a) Intimo a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA a, no prazo de 10 (dez) dias, disponibilizar-lhe cópia autenticada e integral de todas as actas e respetivos anexos elaborados no âmbito do procedimento “Ciclo de Avaliação Permanente para progressão para IT2 destinado aos Ex-ITE 1000” mediante o pagamento das importâncias que se afigurem devidas, sob pena de imposição de sanção pecuniária compulsória ao titular do órgão incumbido de dar execução à decisão ora proferida, nos termos conjugados dos artigos 108.º, n.º 2, e 169.º, ambos do CPTA, a qual poderá oscilar entre 5% a 10% do salário mínimo nacional por dia;
(b) Absolvo a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA do pedido de intimação “ao pagamento de todas as despesas, em que o Autor incorreu e venha ainda a incorrer, no âmbito da presente Intimação”, por o mesmo não deter cabimento no presente meio processual (isto sem prejuízo da possibilidade de o Requerente reclamar custas de parte, nos termos legalmente previstos); e
(c) Não conheço dos demais pedidos formulados, na medida em que os mesmos o foram em termos condicionais e em que as respectivas condições que aí se erigem com vista a esse efeito não se verificaram (ainda, pelo menos).
Neste desiderato, e em face do disposto no n.º 1 do artigo 169.º do CPTA, insta-se, desde já, a Requerida a vir aos autos identificar o(s) titular(es) do(s) órgão(s) responsável(is) pela execução da presente sentença.
Custas pelo Requerente e Requerida, na proporção do respectivo decaimento, que se fixa em 50% [cf. artigos 527.º, n.os 1 e 2, e artigo 12.º, n.º 1, alínea b), e tabela I-B, linha 1, ambos do Regulamento das Custas Processuais].” (cf. sentença junta a fls. 1127-1135 dos autos no SITAF, documento que se dá por integralmente reproduzido).
4. Em 13.04.2021, a Executada remeteu uma mensagem electrónica ao Exequente, atinente à sentença a que se alude no ponto anterior, dando-lhe conta de que “a certidão foi já emitida e está pronta para lhe ser entregue durante o dia de amanhã no edifício sede da AT, sito na morada abaixo indicada, entre as 10h-13h ou as 14h-17h” (cf. cópia das mensagens electrónicas juntas a fls. 1160-1163 dos autos no SITAF, documento que se dá por integralmente reproduzido).
5. Na mesma data, o Exequente respondeu à mensagem a que se alude no ponto anterior, assinalando que “uma eventual deslocação até à morada e no horário por si indicados, implicaria necessariamente que eu suspendesse o serviço a meu cargo em prejuízo da entidade para quem todos trabalhamos (o Estado), até por não haver necessidade imperiosa de o fazer. // Sugeria um método mais favorável para os serviços da AT, como seja a utilização do método tradicional (correio) à semelhança aliás do que os serviços fizeram recentemente (cópias autenticadas das fichas SIADAP) ou se possível a utilização de meios digitais. // Tendo em conta, a situação ainda crítica de pandemia em que vivemos, a metodologia acima será a mais recomendável” (cf. cópia das mensagens electrónicas juntas a fls. 1160-1163 dos autos no SITAF).
6. Ainda em 13.04.2021, a Executada remeteu nova mensagem ao Exequente, transmitindo-lhe que:
“Considerando que está em causa a aplicação de uma decisão judicial;
Considerando o elevado nº de páginas que integram a certidão (1303) o que aconselham a sua entrega presencial e não por correio (a certidão enviada pelo correio em maio de 2020, relativa ao SIADAP, integrava apenas 42 páginas), para que assim se assegure a sua integral receção;
Considerando que a atual situação na gestão da pandemia da COVID-19 não implica que não se realizem atos presenciais, respeitando naturalmente as regras de segurança emitidas pela DGS;
Reitera-se que a entrega da certidão far-se-á amanhã, no horário indicado no email infra da DSGRH, estando devidamente justificado o não exercício das suas funções no período necessário para o efeito, razão pela qual se dá conhecimento deste email ao seu superior hierárquico.” (cf. cópia das mensagens electrónicas juntas a fls. 1160-1163 dos autos no SITAF).
7. Em 15.04.2021, a Executada remeteu nova mensagem ao Exequente, dando-lhe conta de que:
“A Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril, que entrou em vigor no dia 6 de abril de 2021, cessou o regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais.
Neste contexto, no âmbito do assunto em referência e não obstante não ter comparecido (tal como resultava do email da DSGRH de 13 de Abril de 2021 17:06, rececionado na sua caixa de correio) na R. da Prata para levantamento da certidão, renova-se a informação de que a certidão foi já emitida a 13 de abril e está pronta para lhe ser entregue durante o dia de amanhã 16 de abril, no edifício sede da AT, sito na morada abaixo indicada, entre as 10h-13h ou as 14h-17h, solicitando que para o efeito se desloque às referidas instalações.
Poderá em alternativa:
1) Indicar outro dia da semana entre 19 e 23 de abril, para dentro do mesmo horário, proceder ao levantamento da certidão na R. da Prata;
2) Indicar outro serviço da AT, onde pretenda levantar a certidão, indicando, neste caso também, um dia da semana entre 19 e 23 de abril, dentro do mesmo horário.” (cf. cópia das mensagens electrónicas juntas a fls. 1160-1163 dos autos no SITAF).
8. Em 19.04.2021, o Exequente apresentou a sua nota discriminativa de custas de parte no âmbito dos presentes autos de intimação, aí reclamando o pagamento, pela Executada, de EUR 51,00 e disso notificando a Executada, mais indicando a conta bancária para efeitos da respectiva transferência (cf. requerimento, nota e cópia da mensagem electrónica juntas a fls. 1166-1167 e 1226 dos autos no SITAF, documentos que se dão por integralmente reproduzidos).
9. Em 20.04.2021, a Executada remeteu uma mensagem electrónica ao Exequente, solicitando “que todos os pedidos de custas de parte venham acompanhados da ficha de dados (em anexo) preenchida e assinada, requisitos sem os quais a DSGRF não procede ao pagamento das custas de parte. // Assim, aguardamos o envio da mesma para os devidos efeitos” (cf. cópia da mensagem electrónica junta a fls. 1203-1204 dos autos no SITAF, documento que se dá por integralmente reproduzido).
10. Em 14.06.2021, o Exequente apresentou a juízo o seu requerimento executivo (cf. comprovativo de entrega junto a fls. 1232-1235 dos autos no SITAF, documento que se dá por integralmente reproduzido).
11. Em 21.06.2021, a Executada remeteu, através de correio registado, certidão contendo “cópia autenticada e integral de todas as atas e respetivos anexos elaborados no âmbito do procedimento “Ciclo de Avaliação Permanente para progressão para IT2 destinado aos Ex-ITE 1000””, composta por 1303 páginas (facto admitido por acordo, cf. artigos 1.º-5.º e 2.º dos requerimentos de fls. 1247-1251 e 1268-1270 dos autos no SITAF, respectivamente).

*

II.2 APRECIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

Conforme supra enunciado, as questões a decidir cingem-se a saber se ocorrem:
- erro de julgamento da decisão de facto;
- erros de julgamento da decisão de direito quanto à (i) condenação da recorrida em sanção pecuniária compulsória, multa processual especialmente agravada e indemnização moratória, (ii) à entrega de certidão ao Ministério Público, (iii) à condenação da recorrida como litigante de má fé, e (iv) à condenação em custas.


a) do erro de julgamento da decisão de facto

Sustenta nesta sede o recorrente que se impõe o aditamento ao probatório dos seguintes factos:
- A partir de 13/03/2020, o Exequente estava obrigado a permanecer no seu domicílio e confinado à sua residência, por determinação da Executada;
- Tal obrigação profissional, a que o Exequente estava adstrito, mantinha-se em vigor, aquando da comunicação que a Apelada remeteu ao Apelante em 13/04/2021;
- O Exequente, em 14/04/2021, requereu junto do Tribunal Recorrido, em sede de processo de intimação, que a Executada remetesse a aludida certidão através de correio ou por meios digitais.
Dispõe como segue o artigo 640.º do CPC, sob a epígrafe ‘ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto’:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º”.
Daqui decorre que, ao impugnar a matéria de facto em sede de recurso, recai sobre o recorrente o ónus de indicar (i) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e (ii) os concretos meios probatórios que impõem decisão distinta, mais devendo identificar precisa e separadamente os depoimentos caso se trate de meios probatórios gravados.
E cabe-lhe alegar o motivo pelo qual os meios probatórios que indica impõem decisão diversa e também porque motivo os meios probatórios tidos em conta pelo tribunal não permitem se considere provado determinado facto.
Há que ter ainda em consideração que é em função da definição do objeto do processo e das questões a resolver nos autos que deve ser apreciada a relevância da matéria fáctica alegada pelas partes. Assim, nem toda a matéria fáctica que se possa considerar provada deve ser levada, sem mais, ao probatório.
E como é consabido, os factos respeitam à ocorrência de acontecimentos históricos, afastando-se de tal qualificação os juízos de natureza valorativa, que comportam antes conclusões sobre factos.
Outrossim, deve ter-se em consideração que no novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, se optou por reforçar os poderes da 2.ª instância em sede de reapreciação da matéria de facto impugnada, incrementados os respetivos poderes e deveres, com vista a permitir-lhe alcançar a verdade material, conforme consta da exposição dos motivos e se consagra no atual artigo 662.º, n.º 1, “[a] Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”
Não assiste razão ao recorrente.
Os dois primeiros factos a aditar afiguram-se irrelevantes para a boa decisão da causa, tendo em consideração os que se deram como assentes na decisão sobre a matéria provada. Sendo certo que na sentença se teve em consideração a situação pandémica e de teletrabalho obrigatório para alguns funcionários, como terá ocorrido com o ora recorrente, sem que isso impedisse a sua deslocação ao local de trabalho.
Quanto ao terceiro facto, igualmente se afigura irrelevante, em função da descrição na matéria de facto do essencial das comunicações entre o recorrente e a entidade recorrida, a propósito da entrega da certidão, permitindo percecionar as razões por cada um invocadas, sem que nada acrescente a comunicação ora invocada.
Como tal, ter-se-á de concluir que improcede a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.


b) dos erros de julgamento de direito

(i) da condenação da AT em sanção pecuniária compulsória, multa processual especialmente agravada e indemnização moratória

Repisa aqui o recorrente os argumentos já avançados no requerimento executivo, sem que se vislumbre efetivo rebate da apreciação realizada na sentença objeto de recurso.
Assim, são repetidas à exaustão circunstâncias irrelevantes para o caso e amparadas num suposto atraso entre o trânsito em julgado da sentença de intimação e o seu cumprimento.
Atraso esse que não se verifica, posto que só com a entrada em vigor da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril, veio cessar o regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais adotado no âmbito da pandemia da doença COVID-19, alterando a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março.
Sendo que em 13/04/2021, a executada enviou comunicação ao recorrente para proceder ao levantamento da certidão.
É patente que não merece censura a atuação da AT na escolha desta opção de entrega da certidão, uma vez que, como se sublinha na sentença, o recorrente/requerente nada requerera quanto à sua disponibilização, pelo que aquela entidade gozava de margem de discricionariedade na decisão a tomar. Tratando-se até de opção perfeitamente compreensível em função do volume da certidão e de assim se permitir, sem margem para dúvidas, confirmar a sua entrega, num quadro de impressiva litigiosidade laboral.
No mais, carece de razão de ser a invocação do confinamento e do teletrabalho por parte do recorrente, quando o mesmo bem sabe que à data não lhe estava vedada a deslocação entre o domicílio e o local de entrega da certidão, sendo certo que o regime laboral a que estava adstrito não impedia a sua deslocação ao serviço.
Improcedem, assim, de forma manifesta os invocados erros de julgamento quanto à condenação da entidade recorrida em sanção pecuniária compulsória, multa processual especialmente agravada e indemnização moratória

(ii) da entrega de certidão ao Ministério Público

Mais pretende o recorrente que seja denunciado ao Ministério Público os manifestos indícios da prática de ilícito criminal de desobediência por parte dos titulares dos órgãos responsáveis pela não execução da sentença e de promoção da violação das orientações do Governo e das recomendações da DGS em matéria de contenção/controlo da pandemia comumente designada de COVID-19.
Conforme decorre do supra exposto, não se vislumbra sombra de fundamento para envio de certidão ao Ministério Público para efeito de procedimento criminal. Sendo certo que pode o recorrente, se assim o entender, requerer a emissão de certidão dos autos e dar-lhe o seguimento que entenda conveniente.

(iii) da litigância de má fé

Invoca o recorrente que a executada recorreu a expedientes dilatórios para impedir o seu acesso à certidão informativa, com plena consciência do dever que sobre si recaía, constituindo uma conduta de má-fé e um obstáculo ao cumprimento da justiça administrativa.
Mais uma vez sem razão.
Dispõe o artigo 542.º do CPC como segue:
“1. Tendo litigado de má fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.
2. Diz-se litigante de má fé quem, como dolo ou negligência grave: (…)
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.”
Nesta alínea radica o sustentado pelo recorrente, estando em causa a má fé processual / instrumental (cf. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, 2017, pág. 457). Esta litigância de má fé pressupõe uma atuação dolosa ou com negligência grave que esteja na origem do invocado entorpecimento da justiça.
Em conformidade com o já exposto, não merece censura a atuação da AT na disponibilização da certidão, em cumprimento da sentença proferida na ação de intimação.
Estando em causa opção perfeitamente compreensível e legítima, carece de mínimo sustento a pretendida condenação da recorrida como litigante de má fé.
O mesmo se diga quanto ao pagamento das custas de parte
O pretendido preenchimento de ficha para o efeito, reclamado pela entidade executada, não consubstancia pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar, que se reporta aos pedidos formulados em juízo, nem se vê como pode consubstanciar omissão grave do dever de cooperação, que igualmente se reporta ao comportamento processual das partes. Trata-se de procedimento interno daquela entidade, ao qual se podia opor o recorrente, sendo certo que se trata de questão já definida.

(iv) da condenação em custas

Pretende ainda o recorrente a correção da sentença quanto à responsabilidade por custas, por resultar do artigo 536.º, n.os 3 e 4 do CPC, em caso de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide imputável ao réu ou requerido, é este o responsável pela totalidade das custas.
À evidência, olvida o recorrente que assim sucede quanto ao pagamento das custas de parte e extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, no que respeita ao pedido de entrega da documentação solicitada, mas o mesmo decaiu quanto aos pedidos de condenação da executada no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso na sua execução, no pagamento de multa processual especialmente agravada, no pagamento de indemnização moratória, em quantia a fixar segundo juízos de equidade, e no pagamento de indemnização, em quantia a fixar segundo juízo de equidade, por litigância de má-fé.
Pelo que se releva adequada a fixação da responsabilidade pelo pagamento das custas na proporção de metade por cada um dos intervenientes.

Em suma, é de negar provimento ao recurso e manter o decidido em primeira instância.

*


III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento e manter a decisão recorrida.
Custas a cargo do recorrente.

Lisboa, 16 de dezembro de 2021
(Pedro Nuno Figueiredo)

(Ana Cristina Lameira)

(Catarina Vasconcelos)